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A interferência da ONU na soberania brasileira.

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Agenda 05/10/2010 às 17:41

3 HISTÓRICO E SÍNTESE DA FALÊNCIA ESTATAL

A enorme burocracia e a incompetência sobre a gestão atual das riquezas minerais é fator histórico que explica a falência do Estado, além da insegurança jurídica na expedição do CPK.

Segundo Galeano (1978, p.62) dois séculos após a descoberta do Brasil, "[...] Minas Gerais entrou assim, impetuosamente, na história: a maior quantidade de ouro então descoberta no mundo foi extraída no menor espaço de tempo". Ainda nas palavras do autor, ipsis literis, citando um trecho da confissão de um antigo habitante de Mariana: " ‘Aqui o ouro era mato’. [...] ‘Tinha ouro nas calçadas, crescia como pasto’. [...] ‘Não sabiam onde pôr o dinheiro e por isso faziam uma igreja ao lado da outra’ " (GALEANO, 1978, p.62-3).

Continua a narrar o supra citado autor que a quantidade de ouro produzida pelo Brasil durante o século XVIII superava a produção que a Espanha extraiu durante dois séculos de suas colônias americanas. A idade do ouro de Minas Gerais lançou Ouro Preto ao esbanjamento de sua riqueza súbita transladando para o sul o eixo econômico e político do país, convertendo, dessa forma, o Rio de Janeiro em nova Capital do Brasil a partir de 1763. A busca pelos diamantes, também nos meados do século XVIII, provocou uma corrida de mineiros para a Serra do Frio.

De acordo com Galeano (1978, p.65-6):

As pedras cristais que os caçadores de ouro tinham jogado de lado enquanto exploravam os leitos do rio eram diamantes, segundo se soube. Minas Gerais oferecia ouro e diamantes em casamento, em proporções semelhantes. O florescente acampamento de Tijuco converteu-se no centro do Distrito Diamantino, e nele, à semelhança de Ouro Preto, os ricos vestiam a última moda européia e encomendavam roupas do outro lado do mar, como as armas e os móveis mais luxuosos: horas de delírio e desperdício.

Segundo Galeano (1978), a Inglaterra adquiriu grandes benefícios e privilégios no mercado português e de suas colônias por meio da assinatura do Tratado de Methuen (1703), [10] o que provocou uma ruína para o mercado tanto de Portugal como do Brasil. Os produtos comprados de Portugal à Inglaterra eram pagos com o ouro brasileiro. A economia brasileira abasteceu a Inglaterra durante todo o século XVIII com o ouro arrancado de seu solo.

A exploração comercial e do ouro brasileiro ocorria tanto de forma legal como ilegal.

Assim escreve Galeano (1978, p.67):

Inglaterra e Holanda, campeãs de contrabando de ouro, que juntaram grandes fortunas no tráfico ilegal da carne negra, açambarcam por meios ilícitos, segundo se calcula, mais da metade do metal que correspondia ao imposto do "quinto real" que deveria receber, do Brasil, a coroa portuguesa. Porém a Inglaterra não recorria somente ao comércio proibido para canalizar o ouro brasileiro em direção a Londres. As vias legais também lhe pertenciam. O auge do ouro, que implicou o fluxo contínuo de grandes contingentes de população portuguesa para Minas Gerais, estimulou agudamente a demanda colonial de produtos industriais e proporcionou, ao mesmo tempo, meios para pagá-los. Da mesma maneira que a prata de Potosí repicava no solo espanhol, o ouro de Minas Gerais só passava de trânsito por Portugal. A metrópole converteu-se em simples intermediária.

O Brasil, no final do século XVIII, já se apresentava prostrado pela violenta e gigantesca exploração de seus minérios, apesar dos diamantes ainda não terem se esgotado. A ilegalidade ou o contrabando ocorria, não só nas esferas internacionais ou para o exterior, como, também, em nível local [11]. Os mineiros e os nativos utilizavam várias formas de contrabando, e, dentre tantas, citamos o exemplo dos "santos do pau oco" [12]: conhecidas imagens sacras esculpidas em madeira que transportavam em seu interior os diamantes extraviados do fisco português. Ou seja, era uma forma de contrabando daqueles tempos. Mutatis mutandis, é o que ocorre hoje. O governo aumenta o tributo e o controle; a sociedade aumenta a evasão.

Seguindo a evolução das instituições políticas até os tempos hodiernos, Kliksberg (2001) afirma que o Estado não conseguiu desenvolver a América Latina como um todo e, portanto, o Brasil, onde a ação estatal apresenta profundos problemas de ineficiência, corrupção e burocratização histórica inoperante. O mercado, funcionando sem planejamento e sob regulamentação precária, exacerbou a iniquidade, cargas tributárias pesadas aos cidadãos, às pequenas e médias empresas, afetando drasticamente a sua existência.

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No mesmo viés, Galeano (1978, p.245) afirma:

O capitalismo de nossos dias exibe, em seu centro universal de poder, uma identidade evidente dos monopólios privados e do aparelho estatal. As corporações multinacionais utilizam diretamente o Estado para acumular, multiplicar e concentrar capitais, aprofundar a revolução tecnológica, militarizar a economia e, mediante diversos mecanismos, assegurar o êxito da norte-americanização do mundo capitalista.

As empresas e corporações estrangeiras ou as multinacionais existentes no Brasil ou na América Latina, de acordo com Galeano (1978), funcionam com muito mais coerência e sentido de unidade do que as próprias empresas nacionais. Isso se deve ao fato do grande número de fronteiras e à falta de comunicação entre os países da América Latina desde os tempos da colonização.

De acordo com Galeano (1978, p.279): "Qual integração podem realizar, entre si, países que nem sequer se integraram internamente?"

O Estado brasileiro, nem mesmo com sua minimização, não foi capaz de resolver os vários problemas internos e nem aqueles relacionados ao mercado internacional minerário que existem há séculos. Por isso, reforça-se, adotou-se no Brasil o SCPK com o objetivo de controlar esses mercados - fora do âmbito do DNPM - e não para atender precipuamente o que foi determinado pela ONU, ou seja, o preceito legal insculpido no art. 4º da Lei 10.743/03 que dispunha sobre a declaração da origem nacional do diamante.

Enfatiza-se, então, a necessidade de harmonização entre os setores envolvidos na mineração diamantífera, destacando, principalmente, a relação e as políticas do Estado com as empresas nacionais, internacionais e demais atores da sociedade civil envolvidos.

O nível de detalhamento das investigações da Global Witness (2005) e da Partnership Africa Canada (2005) conclui que o instituto do SCPK foi deturpado, observando-se a declaração:

Dentro dos escritórios do Ministério das Minas e Energia e do DNPM, se tomou a decisão de usar Kimberley como uma ferramenta para organizar toda a paisagem da mineração [...] Também havia o desejo em 2002, seguindo a eleição do presidente Luís Inácio Lula da Silva, de reequilibrar as coisas em favor dos garimpeiros. Kimberley foi visto como um instrumento para alcançar isto (PARTNERSHIP AFRICA CANADA, 2005, p.18).

Ressalta-se, no entanto, que apesar de o Brasil ter sido alvo do controle do SCPK por causa do comércio ilegal praticado em seus limites, esse nunca teve o propósito de financiar movimentos guerrilheiros, guerras civis ou compra de armas para terroristas no intuito de enfrentar governos legítimos a exemplo dos acontecimentos em Serra Leoa. O rigor exercido contra guerrilhas não precisa ser empenhado ao CPK brasileiro.

O comércio ilegal dos diamantes aponta para a necessidade de intervenções para a sua legalidade. O processo administrativo brasileiro para concessão do CPK exige algumas mudanças para a efetividade de seus objetivos, para que o controle do comércio de diamantes e a sua forma de aplicação tenha sentido.

Assevera a PAC (n. 12, 2005) que a instituição CPK teve o propósito de legalizar o comércio de diamantes no Brasil. Entretanto, esse se apresenta inadequado para qualquer forma de mineração, quais sejam: a Portaria de Lavra, o Alvará de Pesquisa ou a Permissão de Lavra Garimpeira – PLG (n. 12, 2005) - à despeito do seu verdadeiro objetivo, cujo cerne era, simplesmente, atestar a nacionalidade do diamante. Deve-se, portanto, rediscutir sua efetividade, porque, até o momento, essa organização não ocorreu.

Apesar da honorável intenção em proteger os direitos humanos, criticamos o poder inequívoco das grandes mineradoras, as quais concentram o comércio global do diamante, consubstanciando um importante, um rígido, um eficaz e um potente controle de mercado mundial [13], eliminando volumosas e valiosas produções aluvionares provenientes dos países do terceiro mundo, cujo CPK não possuiu segurança jurídica ante a subjetividade e discricionariedade de agentes administrativos que não primam pela transparência e pela impessoalidade, empenhando preconceitos diante de uma democracia fraca e Instituições Políticas despreparadas, resultando em fácil derrocada da segurança jurídica do CPK nacional.

Ao impor o rígido controle do CPK a esses países, exigindo a comprovação do local exato em que foi extraído o diamante, a comunidade internacional torna os países produtores permanentes alvos de ilicitude, questionando a origem dos diamantes envolvendo as fronteiras com outros países produtores, sob denúncias das ONG’s que integram o SCPK.

Ao falharem diante de sua própria ineficiência, a produção de todo país é julgada ilegal, sendo excluída do SCPK e, consequentemente, proibida de alcançar o mercado internacional, abaixando a oferta, forçando a demanda, eliminando a concorrência e extraviando o diamante para a via paralela. Ademais, as guerrilhas na África, que motivaram a instituição do SCPK, foram extintas em 2004. Se não existem guerrilhas para serem financiadas por "diamantes de sangue", a que se presta, atualmente, o SCPK? Além do mais o Comitê Internacional do Kimberley Process poderia manter um Grupo de Trabalho que serviria à padronização do procedimento a ser aplicado em cada país, uma vez que a soberania já não mais é problema, tendo em vista a recepção da norma internacional por diploma interno. Assim, o Comitê Internacional do Kimberley Process instruiria e auditaria com transparência os objetivos principais a que se presta o CPK, evitando que elementos estranhos ao comércio diamantífero como a baixa qualidade técnica administrativa ou processual, empenhada pelo poder público, interferisse no comércio mundial.

Não significa que as falhas do Processo de Kimberley justifiquem seu desuso, e, sim, que essas sejam aprimoradas em sua aplicabilidade no comércio minerário brasileiro e em consonância com o mercado mundial globalizado. Seu cerne fugiu do verdadeiro objetivo, refletindo negativamente na sociedade e repercutindo no âmbito econômico diante do controle e da manipulação do mercado diamantífero a despeito da soberania brasileira, cuja desconsideração se fez sob o pretexto de proteger os direitos humanos internacionais.


4 A VIA JURISDICIONAL DE CONTROLE DA LEGALIDADE POR MEIO DA JUSTIÇA FEDERAL

Como vimos, ao instituir a Lei 10.743/03 coube ao DNPM o trâmite do procedimento administrativo de expedição do CPK. Este, por sua vez, é uma autarquia federal brasileira, vinculada ao Ministério de Minas e Energia, assim definido pela Lei nº 8.876/94, o que define a competência da Justiça Federal para atuar no controle jurisdicional de legalidade de todos os seus atos.

As críticas opostas ao CPK brasileiro residem na inexistência de uma norma interna que mapeie as fases e crie segurança jurídica tanto para os agentes públicos quanto para os requerentes do CPK. A atual Portaria 192 de 25/05/2007 é superficial e não detalha a ocorrência das fases existentes, como a prática operacional do pré-lacre, vistorias, inscrições e declarações perante o Cadastro Nacional do Comércio de Diamantes – CNCD [14], cujas etapas denotam especificidades intrínsecas a cada diamante, tornando a emissão do CPK um procedimento administrativo sem padrão.

Essa falta de padronização, cujas etapas deveriam ser definidas antecipadamente para orientar ambas as partes (público e privado), enseja a atuação casuística e pessoal do funcionário autárquico, criando mandos e desmandos ao seu alvedrio, dispersando o objetivo primordial e corroborando extrema burocracia na condução do procedimento administrativo de expedição do CPK. Ressaltamos que o procedimento brasileiro exige a regularidade do título minerário que, por sua vez, é concedido por meio de outro processo administrativo de concessão federal que tramita num prazo que varia entre 3 a 12 anos, quando findo, (SOUZA, 2003), ex vi do Código de Minas de 1967, tempo julgado demasiadamente longo para os produtores que abastecem o mercado atualmente.

É importante ressaltar que os dados e informações constantes no CPK são fornecidos pelo próprio requerente do CPK, sob tipificação penal do art. 299 do Código Penal Brasileiro, sem prejuízo da conseqüente responsabilidade administrativa e civil, o que torna irrazoável a extrema severidade de tratamento aos produtores cadastrados no CNCD.

Neste viés, cumpre à Justiça Federal resguardar a legalidade e o respeito aos Princípios Administrativos, garantindo mais um passo no amadurecimento de nossa democracia, por meio da permanente jurisdicionalidade sobre os processos administrativos de expedição do CPK, que vige em tempos de reconstrução democrática – hodiernamente, dado o recente ínterim militar – busca-se um neoconstitucionalismo o qual deverá ser marcado pela participação equânime dos consumidores da norma, considerando a realidade dos fatos (inclusive a social), solidariedade entre público-privado e o reconhecimento da boa-fé de ambos, focando a administração mais tempo, oportunidade e condições para empenhar-se nos assuntos realmente eficazes do seu objetivo estatal e, significantemente, no combate aos verdadeiramente ilícitos.

O controle da Justiça Federal por meio da jurisdicionalidade do processo e ato administrativo de expedição do CPK brasileiro, velando por sua legalidade, pode não ser novidade. Mas a hermenêutica jurídica aqui apresentada, com ciência de fatos e efeitos internacionais, tem caráter inédito, nunca discutidos no Brasil, considerando as especificidades do Direito Internacional, bem como seus reflexos que prejudicam o Brasil diante da nova ordem econômica mundial.

Destarte, a Justiça Federal é a competente para garantir a aplicação dos Princípios Administrativos diante da insegurança jurídica do CPK brasileiro e reconhecer os direitos daqueles que o requer, fulcrados na autonomia privada e na liberdade de trabalho, nos termos do Art. 5º CF/88, os quais, não raro, tornam-se vítimas aleatórias de deturpações embasadas em empirismos pessoais, com flagrante ofensa à legalidade; aos princípios administrativos; aos direitos humanos e, sobretudo, à igualdade.

Sobre o autor
Francisco José da Silva Porto Filho

Mestre em Direito e Instituições Políticas pela Faculdade de Ciências Humanas da FUMEC/MG; MBA em Gestão Empresarial pela FGV. Secretário Adjunto do Fórum Brasileiro do Processo de Kimberley; Advogado do Marcelo Leonardo Advogados Associados S/C. Assessor Jurídico da GAR Mineração Comércio, Importação e Exportação Ltda

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PORTO FILHO, Francisco José Silva. A interferência da ONU na soberania brasileira.: O processo do certificado de Kimberley para diamantes brutos no mercado internacional e a jurisdição de controle da legalidade pela Justiça Federal. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2652, 5 out. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/17560. Acesso em: 22 nov. 2024.

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