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Considerações sobre a dialética tratado-costume e o desenvolvimento progressivo no direito dos investimentos internacionais

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Agenda 14/10/2010 às 08:42

4. A Recepção dos Investimentos Internacionais

A primeira série de dispositivos, relativa à recepção dos investimentos, é deixada pelos TBIs inspirados no modelo europeu à competência discricionária do Estado hospedeiro, que terá inteira liberdade para definir as condições nas quais deseja receber investimentos, seja acolhendo a todos, seja reservando alguns setores da economia nacional aos seus nacionais, ou até mesmo favorecendo os investimentos internacionais em detrimento dos nacionais.

Ao contrário, a principal característica dos TBIs inspirados no modelo americano é a proibição dos controles exercidos pelo país hospedeiro por ocasião da admissão dos investimentos americanos, assim como a proibição dos requisitos de desempenho. Isso equivale à liberdade de acesso dos investidores estrangeiros, com exclusão de alguns setores da economia nacional. Esse modelo de convenção adquire relevância cada vez maior. Antes minoritário, pode significar o indício de uma futura evolução, já que serviu de modelo ao tratado constitutivo do NAFTA, ao Protocolo de Colonia para a promoção e proteção dos investimentos no contexto do MERCOSUL, ao tratado constitutivo de uma área de livre comércio entre a Colômbia, a Venezuela e o México, além de ter sido o modelo proposto para o AMI. Por sua vez, o dispositivo proposto nas negociações para a instituição da ALCA, como se pode observar no Capítulo sobre Investimentos que integra a Minuta do Acordo, prevê a aplicação do tratamento de nação mais favorecida para o estabelecimento dos investidores estrangeiros e seus investimentos, excluindo o tratamento nacional.

A grande novidade do projeto AMI foi justamente a extensão do princípio do tratamento nacional à fase pré-investimento. Essa extensão acompanha a solução dada pelos TBIs concluídos pelos Estados Unidos, ou ainda pelo NAFTA. É certo que o número de tratados que prevêem a aplicação do tratamento nacional às fases pré e pós-investimento é ainda modesto, todavia, ainda é cedo para afirmar que o fracasso do projeto AMI comprometeu essa tendência.

Entretanto, é necessário ficar alerta ao perigo que traz a extensão do tratamento nacional à fase pré-investimento, pois significa dar carta branca às empresas transnacionais, para que se localizem ou se desloquem conforme seus interesses lucrativos, sem nenhuma preocupação com os direitos dos trabalhadores. Por outro lado, seria um atentado à soberania dos Estados, que estariam impedidos de exercer um controle pleno sobre a admissão dos investimentos estrangeiros em território nacional. É evidente que o exercício pleno da soberania é necessário para que os Estados possam fazer restrições à entrada de capitais em seu território, já que os países em desenvolvimento necessitam de uma certa proteção.

Nessa perspectiva, não é possível prever a formação de um costume internacional consolidando o direito de estabelecimento dos investimentos internacionais. Mesmo no âmbito da OCDE, foram necessários vinte e cinco anos a partir da adoção dos códigos de liberação para que esse direito fosse confirmado. Nessa matéria, a soberania dos Estados é muito importante. Ora, os acordos internacionais, para que sejam eficazes e estáveis, devem conciliar os interesses de todas as partes, sendo mutuamente vantajosos. Isso é particularmente importante para os países em desenvolvimento e, de forma mais geral, para os acordos concluídos entre países que não têm o mesmo nível de desenvolvimento. Todo acordo entre países desenvolvidos e países em desenvolvimento deve levar em conta a importância particular dos objetivos e estratégias de desenvolvimento. Não há como priorizar o desenvolvimento se o Estado não puder exercer sua soberania no momento da entrada dos investimentos internacionais em seu território.


5. O Tratamento dos Investimentos Internacionais

No que diz respeito ao tratamento dos investimentos já constituídos no país hospedeiro conforme sua legislação interna, alguns autores constatam uma internacionalização do regime [12], devido à grande uniformidade observada na redação das cláusulas previstas nos TBIs sobre as obrigações de proteção dos investidores e de seus investimentos. Os standards de tratamento normalmente previstos nos TBIs dizem respeito à nação mais favorecida, ao tratamento nacional e, em alguns casos, ao standard de tratamento justo e eqüitativo.

O tratamento nacional significa acordar aos investidores estrangeiros um tratamento não menos favorável àquele acordado aos investidores nacionais em circunstâncias comparáveis. Exige-se aqui uma definição do que efetivamente constituam circunstâncias comparáveis. Concebido nesses termos, o princípio não deve obstar regulamentações adotadas em decorrência de motivos alheios à nacionalidade do investidor, como a luta contra a evasão fiscal, a proteção ambiental, a proteção social, e a segurança dos consumidores. O tratamento nacional exige também a existência de critérios de definição da nacionalidade do investidor.

Quanto à extensão do princípio do tratamento nacional à fase pré-investimento, como já foi mencionado, trata-se da solução dada pelos TBIs concluídos pelos Estados Unidos. Todavia, o número de tratados que prevêem a aplicação do tratamento nacional às fases pré e pós-investimento é ainda modesto, sem que se possa afirmar a formação de um costume nesse sentido.

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O tratamento de nação mais favorecida significa o compromisso de não discriminar entre investidores estrangeiros. O problema surge quando tal tratamento é visto como um obstáculo à priorização das estratégias de desenvolvimento.

A questão que importa nessa matéria é saber se esse tratamento, bem como o tratamento nacional, constituem normas consuetudinárias ou se, ao contrário, são desprovidos de valor jurídico fora do suporte convencional.

Esses dispositivos dificultam a implementação de políticas diferenciadas de investimentos ou de desenvolvimento tecnológico em setores econômicos que, de acordo com o interesse nacional, podem ser considerados como estratégicos. Em outras palavras, impedem o Estado de estabelecer prioridades de investimentos, de proteger temporariamente setores estratégicos e de dar tratamento privilegiado às empresas nacionais em setores relevantes. Por fim, colidem com o princípio do tratamento diferenciado concedido aos países em desenvolvimento, consagrado nas resoluções da ONU e nos acordos da OMC, segundo o qual esses países têm o direito de isenção de algumas obrigações convencionais, e de contar com períodos de transição mais longos para a implementação dos compromissos acordados.

Não é possível negar que o tratamento nacional só interessa aos países de nível de desenvolvimento semelhantes, e que o tratamento de nação mais favorecida só é conveniente para países que possuem um nível de desenvolvimento suficiente para enfrentar e sobreviver à competição internacional.

É importante observar que os dispositivos relativos ao tratamento e aqueles relativos à proteção dos investimentos internacionais estão intimamente ligados nos TBIs, visto que somente quando o país hospedeiro assegura um tratamento justo e eqüitativo e uma plena e inteira proteção e segurança, o país de nacionalidade do investidor, como contrapartida, compromete-se a examinar "favoravelmente" a outorga de sua garantia [13]. Por conseguinte, esses dois standards encontram-se associados, para informar toda a vida do investimento. Por si só, são desprovidos de conteúdo jurídico, mas permitem a apreciação da conformidade das regras nacionais de tratamento e de proteção com o direito internacional. As relações de investimento entre países do Norte e países do Sul, violentamente abaladas nas décadas de sessenta e setenta, mostraram àqueles países que não era possível impor a estes regras precisas em matérias tão delicadas, mas tão somente enquadrar o direito nacional aos limites dos standards impostos pelo direito internacional. Esses dois standards, o de tratamento justo e eqüitativo e o de plena e inteira segurança e proteção, aparecem então como a manifestação da vontade de estabelecer ou restabelecer um clima favorável aos investimentos Norte-Sul.

No que diz respeito ao conteúdo do tratamento justo e eqüitativo e/ou da plena e inteira proteção e segurança, para alguns autores essas noções só serão determinadas progressivamente por meio da obra pretoriana dos tribunais arbitrais, ou seja, quando um tribunal delinear o significado de regras consuetudinárias imprecisas. Aqui entra o conceito de conteúdo variável. Deve-se analisar se este constitui um direito não escrito cujo conteúdo é incerto, mas que impõe um standard mínimo de tratamento dos estrangeiros e de seus bens. Nesta última hipótese, o tratamento dos investimentos internacionais deverá ser elevado ao nível exigido pelo direito internacional consuetudinário quando o tratamento nacional for inferior àquele standard mínimo. Por sua vez, nos casos em que um Estado adotar uma política de promoção do investimento nacional, a assimilação do investimento estrangeiro a este conduz a uma situação superior aquela do tratamento justo e eqüitativo, sem falar da hipótese em que o regime aplicado em virtude do tratamento de nação mais favorecida for mais favorável que o tratamento nacional.


6. A Proteção e a Garantia dos Investimentos Internacionais

Com relação aos dispositivos sobre a proteção e a garantia, a internacionalização do direito dos investimentos internacionais é mais clara. Na verdade, como indica sua denominação mais comum, foi justamente para assegurar a proteção dos investimentos que os TBIs foram concebidos. O pano de fundo histórico dessa questão é a famosa reivindicação de uma "Nova Ordem Econômica Internacional", nos anos setenta, quando os países em desenvolvimento contestaram as regras tradicionais do direito internacional público relativas à indenização em caso de nacionalização de investimentos internacionais. Nas grandes resoluções da Assembléia geral da ONU sobre a Nova Ordem Econômica Internacional ou sobre a Carta dos direitos e deveres dos Estados, a necessidade de uma indenização "pronta, adequada e efetiva", assim como a referência às regras do direito internacional na matéria havia sido repudiada.

Nesse contexto, os TBIs simbolizam o resgate dessas regras por meio de compromissos bilaterais concluídos pelos Estados hospedeiros de investimentos, sobretudo os países em desenvolvimento, com os países exportadores de investimentos. Em outras palavras, aquilo que havia sido repudiado pelos países em desenvolvimento nas instâncias multilaterais [14], foi acordado no contexto das relações bilaterais.

É fato que as fórmulas previstas nos mais de 2000 TBIs variam em seus detalhes. As Diretrizes para o tratamento do investimento estrangeiro, redigidas em 1992 sob os auspícios do Banco Mundial e do Centro Internacional para a Solução de Controvérsias relativas a Investimentos (ICSID), cujo objetivo é refletir a prática estatal através de uma codificação soft, prevê em seu Título IV que qualquer expropriação deverá obedecer a uma meta de utilidade pública, não deverá discriminar em razão da nacionalidade, e deverá ser acompanhada de uma indenização apropriada. Quanto ao conteúdo dessa indenização apropriada (art. IV§1), as Diretrizes prevêem a fórmula "adequada, pronta e efetiva" (art. IV§2), portanto retomando os termos da Carta dos direitos e deveres econômicos dos Estados. Ainda segundo as mesmas Diretrizes, a indenização será adequada quando calculada a partir do valor de mercado do ativo expropriado (art. IV§3). Muitos autores identificam nessa fórmula as condições gerais de legalidade internacional da nacionalização ou ao menos da indenização em caso de nacionalização, tal como expostas pelo secretário de Estado norte-americano Cordel Hull em julho de 1938, por ocasião da nacionalização mexicana do setor petrolífero. A fórmula Hull encontra-se em grande número de TBIs, servindo de argumento para parte da doutrina que afirma a consolidação de um costume internacional relativo a essa fórmula, e seu respectivo conteúdo.

Entretanto, duas críticas dirigem-se aos que afirmam a existência de um costume internacional, ou de "uma prática geral aceita como sendo de direito". A primeira foi desenvolvida por Samuel K. B. Asante que dirigiu, nos anos oitenta, o Centro das Nações Unidas para as empresas transnacionais. Segundo ele, nas relações entre países desenvolvidos e países em desenvolvimento, não apenas as resoluções sobre a Nova ordem econômica internacional arruinaram a regra relativa à indenização "pronta, adequada e efetiva" em caso de nacionalização, mas também a prática dos Estados confirmou o afastamento dessa regra. Examinando-se as indenizações efetivamente pagas por ocasião das grandes ondas de nacionalização dos anos cinqüenta a setenta, percebe-se que não foram nem adequadas quanto ao seu montante, nem prontas, já que em diversos casos os pagamentos foram diferidos. Conseqüentemente, Asante conclui que não é possível deduzir da prática dos Estados nenhuma fórmula internacional geralmente reconhecida no que diz respeito ao montante da indenização, mas tão somente a obrigação de pagar uma indenização de boa fé. Para reforçar sua conclusão, Asante alega que se a regra "pronta, adequada e efetiva" pertencesse ao direito internacional geral, os TBIs não seriam necessários, uma vez que os países desenvolvidos poderiam apoiar-se na existência de uma regra consuetudinária. Para ele, os dispositivos enunciados nesses tratados não traduzem uma opinio juris dos países em desenvolvimento, mas tão somente sua fragilidade econômica nas relações com os países desenvolvidos.

Todavia, sabe-se que atualmente os problemas de expropriação e de nacionalização não mais ameaçam as relações de investimento entre países desenvolvidos e países em desenvolvimento. A questão atual é assegurar que as regulamentações econômicas de caráter geral não sejam assimiladas às medidas de expropriação ou de nacionalização. Os dispositivos relativos a essas medidas não devem instituir uma nova prescrição impondo às partes o dever de pagar uma indenização para as perdas que um investidor ou investimento possa sofrer em seguida de uma regulamentação, de um tributo obrigatório ou de qualquer outra atividade normal de interesse geral de um país. Em outras palavras, é necessário assegurar que nenhum dispositivo convencional relativo à proteção dos investimentos atente contra a autoridade legislativa do Estado hospedeiro, na medida em que esta seja exercida de forma não discriminatória.

Algumas controvérsias surgidas no NAFTA demonstraram que os dispositivos relativos à proteção do investimento podem ser utilizados pelas empresas para contestar qualquer regulamentação de um Estado que tenha uma incidência negativa no valor da empresa, como, por exemplo, uma regulamentação introduzindo normas mais elevadas em matéria de proteção à saúde pública e ao meio-ambiente [15]. Isso já foi percebido durante as negociações do Projeto AMI, cuja ambição era transplantar os dispositivos do NAFTA relativos à proteção dos investimentos.

Sobre a autora
Larissa Ramina

Doutora em Direito Internacional pela USP, Coordenadora do Curso de Relações Internacionais e Coordenadora Adjunta do Curso de Direito, ambos da UniBrasil, Professora de Direito Internacional e de Direitos Humanos da UniBrasil e do UniCuritiba.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

RAMINA, Larissa. Considerações sobre a dialética tratado-costume e o desenvolvimento progressivo no direito dos investimentos internacionais. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2661, 14 out. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/17625. Acesso em: 22 nov. 2024.

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