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Aspectos polêmicos a respeito do aval prestado sem a autorização conjugal, na visão dos tribunais

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Agenda 24/10/2010 às 07:24

VIII. PROJETO DE LEI EM TRÂMITE NA CÂMARA DOS DEPUTADOS, PARA ALTERAÇÃO DO ART. 1647, III, DO CÓDIGO CIVIL

Motivado pelo posicionamento alcançado pelo CJF, quando da I Jornada de Direito Civil, atribuindo ao art. 1.647, interpretação consubstanciada no Enunciado nº 114, o Deputado Ricardo Fiuza, enviou à Câmara dos Deputados o Projeto de Lei nº 7.312/2002, propondo a supressão da expressão "aval" do dispositivo em comento. O texto inicial, apresentado à Câmara dos Deputados em 07/11/2002, tinha a seguinte justificação:

Art. 1.647: Pretende a nossa proposta, acolhendo sugestão aprovada na I Jornada de Direito Civil realizada pelo Conselho da Justiça Federal, sob os auspícios do Superior Tribunal de Justiça, suprimir a expressão "ou aval" do inc. III do art. 1.647 do novo Código Civil. Efetivamente "exigir anuência do cônjuge para a outorga de aval é afrontar a Lei Uniforme de Genebra e descaracterizar o instituto. Ademais, a celeridade indispensável para a circulação dos títulos de crédito é incompatível com essa exigência, pois que não se pode esperar que, na celebração de um negócio corriqueiro, lastreado em cambial ou duplicata, seja necessário, para a obtenção de um aval, ir à busca do cônjuge e da certidão do seu casamento, determinadora do respectivo regime de bens.

No entanto, este projeto foi arquivado em 31/07/2007, antes mesmo de ser submetido à deliberação. O arquivamento se fez nos termos do art. 105 do Regimento Interno da Câmara [25], ou seja, em face do fim da legislatura do autor do Projeto, Deputado Ricardo Fiúza.

Em 13/08/2008, foi apresentado novo Projeto de Lei nº 3.875/2008, com o mesmo objetivo: "suprimir a expressão aval do art. 1.647", agora pelo Deputado Juvenil Alves Ferreira Filho, com a seguinte redação:

Altera o inciso III do art. 1.647 da Lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002, que institui o Código Civil.

Explicação da Ementa: permite que qualquer dos cônjuges, independentemente do regime de bens do casamento, preste aval sem autorização do outro.

Para o Deputado, o projeto busca permitir que qualquer dos cônjuges, independente do regime de bens adotado no casamento, preste aval sem autorização do outro, restaurando assim o regramento da legislação anterior, e prestigiando o instituto do direito cambial, cuja importância, do ponto de vista macroeconômico é muito grande, pois propicia maior celeridade e segurança jurídica às relações comerciais e financeiras.

O Deputado João Maria, relator designado, apresentou parecer em 04/03/2009, opinando pela rejeição do projeto.

Em suas razões, foi infeliz o nobre Deputado, ao se equivocar com a natureza jurídica dos institutos, afirmando que a fiança é uma garantia real, enquanto o aval é uma garantia pessoal, gerando ambos efeitos graves sobre o patrimônio familiar, razão pela qual rejeitou o projeto. Veja-se a justificação do malsinado parecer:

Ao contrário do que propugna o nobre Autor, acreditamos que a inclusão do aval entre as ações que exigem outorga uxória veio corrigir importante distorção existente no ordenamento jurídico nacional.

Com efeito, conquanto o aval seja garantia do tipo pessoal, seus efeitos sobre o patrimônio familiar são tão graves quanto os resultantes da fiança, que é garantia real. Afinal, o descumprimento de aval gera efeitos diretos sobre o patrimônio comum, face à penhora e eventual excussão de bens conjugais resultante da execução da garantia inadimplente.

Agiu bem, portanto, o novo Código Civil nacional em incorporar o aval às ações que só devem ser realizadas com o consentimento mútuo conjugal, fato que, ao consolidar a segurança jurídica, contribuirá muito mais para a dinamização das relações econômicas do que sua liberação.

Isto posto, e respeitando as nobres intenções do Autor, votamos pela rejeição do Projeto de Lei nº 3.875, de 2008. [26]

Logrados nesta inusitada fundamentação, a Comissão de Desenvolvimento Econômico, Indústria e Comércio acompanhou o relator rejeitando o Projeto de Lei nº 3.875/2008. Ato contínuo, o Projeto foi encaminhado à Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania, para apreciação conclusiva, tendo agora como Relator o Deputado Vicente Arruda.

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Em junho de 2009, encerrou-se o prazo para apresentação de emendas. Infelizmente, nenhuma foi apresentada para apontar o equívoco cometido pelo relator ao igualar os institutos, ou quando menos, atribuir-lhes natureza jurídica diversa. Ficaremos agora na expectativa de que os nobres legisladores, integrantes da Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania, aprovem-no até o fim da legislatura 2007/2011. Caso contrário, corre-se o risco de novamente ser arquivado o projeto, ante o disposto no art. 105 do Regimento Interno da Câmara.


IX - CONCLUSÃO

A doutrina ainda se divide quanto à obrigatoriedade de autorização conjugal para prestar o aval.

Os Tribunais apontam uma possível e provável pacificação sobre o tema, interpretando o disposto no art. 1.647, III, cumulado com o disposto no Enunciado nº 114 do CJF. Desta forma, a garantia prestada sem autorização conjugal não seria anulada e, na hipótese de inadimplemento, a meação do consorte que não anuiu à garantia ficaria preservada.

Entretanto, considerando a amplitude do nosso ordenamento e suas subdivisões que interpretam as normas de acordo com cada caso concreto, também embasado em costumes e princípios constitucionais, certamente o tema ainda será objeto de muita controvérsia nos Tribunais.

Concluo este estudo me filiando àqueles que interpretam que anular o aval pela simples falta de autorização conjugal seria uma verdadeira afronta à Lei 2.044/1908, ao Decreto 57.663/66, e a todos os princípios que regulam as relações cambiárias regidas pelo direito comercial.

A melhor exegese ao disposto no art. 1.647, III, do CC, sem dúvida, é aquela apresentada pelo Enunciado nº 114, conferindo validade irrestrita ao aval prestado unilateralmente, ficando protegida, em caso de penhora, a meação do cônjuge que não firmou a garantia.

Em breve o tema deverá ser apreciado a fundo pelo STJ, ou ainda pela Câmara dos Deputados. Por enquanto, ficaremos na expectativa de que tanto o judiciário como o legislativo interprete o disposto no art. 1.647, III, de acordo com o entendimento consolidado no Enunciado nº 114 do CJF.

Por fim, espera-se que o Projeto de Lei nº 3.875/2008 seja finalmente aprovado, alterando definitivamente a atual legislação, suprimindo a expressão "aval" do art. 1.647, III, do CC, dando assim, maior estabilidade e segurança jurídica às relações cambiárias travadas sem a autorização conjugal.


Notas

  1. I - homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição.
  2. GOMES, Orlando; Introdução ao Direito Civil, Ed. Revista Forense, RJ, 1957, pág. 450/451.
  3. Art. 1.642. Qualquer que seja o regime de bens, tanto o marido quanto a mulher podem livremente: [...] IV – demandar a rescisão dos contratos de fiança e doação, ou a invalidação do aval, realizados pelo outro cônjuge com infração do disposto nos incisos III e IV do art. 1.647.
  4. WHITAKER, José Maria, Letra de Câmbio, nº 113.Citado por João Eunápio Borges; Do Aval, Ed. Forense, 5ª edição, pág. 42.
  5. BARRETO, Lauro Muniz. O direito novo da duplicata. 3.ed. São Paulo: Max Limonard, 1969
  6. SANTOS, Ulderico Pires, O Processo de Execução na Doutrina e Jurisprudência, Ed. Forense, RJ, 1982, p. 78.
  7. MENDONÇA, Carvalho de, Tratado de Direito Comercial Brasileiro, vol. V, 2ª parte, pág. 322/323, Livraria Freitas Bastos, 1955.
  8. COELHO, Fabio Ulhoa. Curso de direito comercial, Vol. 1, 10ª edição, 2006, Saraiva.
  9. MENDONÇA, Carvalho de, Pareceres, v. III, Direito Comercial, p. 128, in NERY, Nelson Junior e Rosa Maria de Andrade Nery. Código Civil Comentado, RT, 4ª edição, art. 818, nota 9, pág. 568.
  10. Art. 827. O fiador demandado pelo pagamento da dívida tem direito a exigir, até a contestação da lide, que sejam primeiro executados os bens do devedor.
  11. Art. 837. O fiador pode opor ao credor as exceções que lhe forem pessoais, e as extintivas da obrigação que competem ao devedor principal, se não provierem simplesmente de incapacidade pessoal, salvo o caso do mútuo feito a pessoa menor.
  12. REQUIÃO, Rubens. Curso de direito comercial. São Paulo, Saraiva, 1998, pag. 377.
  13. MIRANDA, Pontes de, Tratado de Direito Cambiário, vol. II, 2ª edição, 1954.
  14. MIRANDA, Pontes de, Tratado de Direito Cambiário, vol. II, 2ª edição, 1954, pág. 198.
  15. MIRANDA, Pontes de; Tratado de Direito Cambiário, vol. I, 2ª edição, 1954, pág. 262.
  16. MIRANDA, Pontes de; Tratado de Direito Cambiário, vol. I, 2ª edição, 1954, pág. 263.
  17. Art. 1.668. São excluídos da comunhão: I – os bens doados ou herdados com a cláusula de incomunicabilidade e os sub-rogados em seu lugar; II – os bens gravados de fideicomisso e o direito do herdeiro fideicomissário, antes de realizada a condição suspensiva; III – as dívidas anteriores ao casamento, salvo se provierem de despesas com seus aprestos, ou reverterem em proveito comum; IV – as doações antenupciais feitas por um dos cônjuges ou outro com a cláusula de incomunicabilidade; V – os bens referidos nos incisos V e VII do art. 1.659.
  18. Art. 1.046. Quem, não sendo parte no processo, sofrer turbação ou esbulho na posse de seus bens por ato de apreensão judicial, em casos como o de penhora, depósito, arresto, sequestro, alienação judicial, arrecadação, arrolamento, inventário, partilha, poderá requerer lhes sejam manutenidos ou restituídos por meio de embargos. [...] § 3º. Considera-se também terceiro o cônjuge quando defende a posse de bens dotais, próprios, reservados ou de sua meação.
  19. Artigo 1º. A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: [...] III – a dignidade da pessoa humana;
  20. Artigo 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País, a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade privada [...]

    Artigo 6º. São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.

  21. STF, RE 50.869, Rel. Min. Aliomar Baleeiro, DJ 01.03.1967.
  22. http://daleth.cjf.jus.br/revista/enunciados/IJornada.pdf, acessado em 23/09/2010.
  23. STJ, Súmula 7: A pretensão de simples reexame de prova não enseja recurso especial.
  24. REsp 1.034.510; AI 873.166, AI 910.832, AI 714.910, AI 1.285.656, AI 1.228.923, AI 1.240.320, AI 1.214.858 e AI 971.467.
  25. AG 1.059.571/RS, Rel. Min. Sidnei Beneti, j.28/04/2008; RESP 691.583/RS, Rel. Min. Hamilton Carvalhido, j. 30.08.2008.
  26. Art. 105.Finda a legislatura, arquivar-se-ão todas as proposições que no seu decurso tenham sido submetidas à deliberação da Câmara e ainda se encontrem em tramitação, bem como as que abram crédito suplementar, com pareceres ou sem eles, salvo as: I - com pareceres favoráveis de todas as Comissões; II - já aprovadas em turno único, em primeiro ou segundo turno; III - que tenham tramitado pelo Senado, ou dele originárias; IV - de iniciativa popular; V - de iniciativa de outro Poder ou do Procurador-Geral da República.
  27. Publicado no Diário da Câmara dos Deputados, Ano LXIV, nº 087 do dia 23/05/2009, pág. 23104.
Sobre a autora
Silvane Boschini Lopes

Advogada em Curitiba (PR). Coordenadora jurídica da Carrilho & Cafareli Advogados Associados.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LOPES, Silvane Boschini. Aspectos polêmicos a respeito do aval prestado sem a autorização conjugal, na visão dos tribunais. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2671, 24 out. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/17688. Acesso em: 27 dez. 2024.

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