VIII. PROJETO DE LEI EM TRÂMITE NA CÂMARA DOS DEPUTADOS, PARA ALTERAÇÃO DO ART. 1647, III, DO CÓDIGO CIVIL
Motivado pelo posicionamento alcançado pelo CJF, quando da I Jornada de Direito Civil, atribuindo ao art. 1.647, interpretação consubstanciada no Enunciado nº 114, o Deputado Ricardo Fiuza, enviou à Câmara dos Deputados o Projeto de Lei nº 7.312/2002, propondo a supressão da expressão "aval" do dispositivo em comento. O texto inicial, apresentado à Câmara dos Deputados em 07/11/2002, tinha a seguinte justificação:
Art. 1.647: Pretende a nossa proposta, acolhendo sugestão aprovada na I Jornada de Direito Civil realizada pelo Conselho da Justiça Federal, sob os auspícios do Superior Tribunal de Justiça, suprimir a expressão "ou aval" do inc. III do art. 1.647 do novo Código Civil. Efetivamente "exigir anuência do cônjuge para a outorga de aval é afrontar a Lei Uniforme de Genebra e descaracterizar o instituto. Ademais, a celeridade indispensável para a circulação dos títulos de crédito é incompatível com essa exigência, pois que não se pode esperar que, na celebração de um negócio corriqueiro, lastreado em cambial ou duplicata, seja necessário, para a obtenção de um aval, ir à busca do cônjuge e da certidão do seu casamento, determinadora do respectivo regime de bens.
No entanto, este projeto foi arquivado em 31/07/2007, antes mesmo de ser submetido à deliberação. O arquivamento se fez nos termos do art. 105 do Regimento Interno da Câmara [25], ou seja, em face do fim da legislatura do autor do Projeto, Deputado Ricardo Fiúza.
Em 13/08/2008, foi apresentado novo Projeto de Lei nº 3.875/2008, com o mesmo objetivo: "suprimir a expressão aval do art. 1.647", agora pelo Deputado Juvenil Alves Ferreira Filho, com a seguinte redação:
Altera o inciso III do art. 1.647 da Lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002, que institui o Código Civil.
Explicação da Ementa: permite que qualquer dos cônjuges, independentemente do regime de bens do casamento, preste aval sem autorização do outro.
Para o Deputado, o projeto busca permitir que qualquer dos cônjuges, independente do regime de bens adotado no casamento, preste aval sem autorização do outro, restaurando assim o regramento da legislação anterior, e prestigiando o instituto do direito cambial, cuja importância, do ponto de vista macroeconômico é muito grande, pois propicia maior celeridade e segurança jurídica às relações comerciais e financeiras.
O Deputado João Maria, relator designado, apresentou parecer em 04/03/2009, opinando pela rejeição do projeto.
Em suas razões, foi infeliz o nobre Deputado, ao se equivocar com a natureza jurídica dos institutos, afirmando que a fiança é uma garantia real, enquanto o aval é uma garantia pessoal, gerando ambos efeitos graves sobre o patrimônio familiar, razão pela qual rejeitou o projeto. Veja-se a justificação do malsinado parecer:
Ao contrário do que propugna o nobre Autor, acreditamos que a inclusão do aval entre as ações que exigem outorga uxória veio corrigir importante distorção existente no ordenamento jurídico nacional.
Com efeito, conquanto o aval seja garantia do tipo pessoal, seus efeitos sobre o patrimônio familiar são tão graves quanto os resultantes da fiança, que é garantia real. Afinal, o descumprimento de aval gera efeitos diretos sobre o patrimônio comum, face à penhora e eventual excussão de bens conjugais resultante da execução da garantia inadimplente.
Agiu bem, portanto, o novo Código Civil nacional em incorporar o aval às ações que só devem ser realizadas com o consentimento mútuo conjugal, fato que, ao consolidar a segurança jurídica, contribuirá muito mais para a dinamização das relações econômicas do que sua liberação.
Isto posto, e respeitando as nobres intenções do Autor, votamos pela rejeição do Projeto de Lei nº 3.875, de 2008. [26]
Logrados nesta inusitada fundamentação, a Comissão de Desenvolvimento Econômico, Indústria e Comércio acompanhou o relator rejeitando o Projeto de Lei nº 3.875/2008. Ato contínuo, o Projeto foi encaminhado à Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania, para apreciação conclusiva, tendo agora como Relator o Deputado Vicente Arruda.
Em junho de 2009, encerrou-se o prazo para apresentação de emendas. Infelizmente, nenhuma foi apresentada para apontar o equívoco cometido pelo relator ao igualar os institutos, ou quando menos, atribuir-lhes natureza jurídica diversa. Ficaremos agora na expectativa de que os nobres legisladores, integrantes da Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania, aprovem-no até o fim da legislatura 2007/2011. Caso contrário, corre-se o risco de novamente ser arquivado o projeto, ante o disposto no art. 105 do Regimento Interno da Câmara.
IX - CONCLUSÃO
A doutrina ainda se divide quanto à obrigatoriedade de autorização conjugal para prestar o aval.
Os Tribunais apontam uma possível e provável pacificação sobre o tema, interpretando o disposto no art. 1.647, III, cumulado com o disposto no Enunciado nº 114 do CJF. Desta forma, a garantia prestada sem autorização conjugal não seria anulada e, na hipótese de inadimplemento, a meação do consorte que não anuiu à garantia ficaria preservada.
Entretanto, considerando a amplitude do nosso ordenamento e suas subdivisões que interpretam as normas de acordo com cada caso concreto, também embasado em costumes e princípios constitucionais, certamente o tema ainda será objeto de muita controvérsia nos Tribunais.
Concluo este estudo me filiando àqueles que interpretam que anular o aval pela simples falta de autorização conjugal seria uma verdadeira afronta à Lei 2.044/1908, ao Decreto 57.663/66, e a todos os princípios que regulam as relações cambiárias regidas pelo direito comercial.
A melhor exegese ao disposto no art. 1.647, III, do CC, sem dúvida, é aquela apresentada pelo Enunciado nº 114, conferindo validade irrestrita ao aval prestado unilateralmente, ficando protegida, em caso de penhora, a meação do cônjuge que não firmou a garantia.
Em breve o tema deverá ser apreciado a fundo pelo STJ, ou ainda pela Câmara dos Deputados. Por enquanto, ficaremos na expectativa de que tanto o judiciário como o legislativo interprete o disposto no art. 1.647, III, de acordo com o entendimento consolidado no Enunciado nº 114 do CJF.
Por fim, espera-se que o Projeto de Lei nº 3.875/2008 seja finalmente aprovado, alterando definitivamente a atual legislação, suprimindo a expressão "aval" do art. 1.647, III, do CC, dando assim, maior estabilidade e segurança jurídica às relações cambiárias travadas sem a autorização conjugal.
Notas
- I - homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição.
- GOMES, Orlando; Introdução ao Direito Civil, Ed. Revista Forense, RJ, 1957, pág. 450/451.
- Art. 1.642. Qualquer que seja o regime de bens, tanto o marido quanto a mulher podem livremente: [...] IV – demandar a rescisão dos contratos de fiança e doação, ou a invalidação do aval, realizados pelo outro cônjuge com infração do disposto nos incisos III e IV do art. 1.647.
- WHITAKER, José Maria, Letra de Câmbio, nº 113.Citado por João Eunápio Borges; Do Aval, Ed. Forense, 5ª edição, pág. 42.
- BARRETO, Lauro Muniz. O direito novo da duplicata. 3.ed. São Paulo: Max Limonard, 1969
- SANTOS, Ulderico Pires, O Processo de Execução na Doutrina e Jurisprudência, Ed. Forense, RJ, 1982, p. 78.
- MENDONÇA, Carvalho de, Tratado de Direito Comercial Brasileiro, vol. V, 2ª parte, pág. 322/323, Livraria Freitas Bastos, 1955.
- COELHO, Fabio Ulhoa. Curso de direito comercial, Vol. 1, 10ª edição, 2006, Saraiva.
- MENDONÇA, Carvalho de, Pareceres, v. III, Direito Comercial, p. 128, in NERY, Nelson Junior e Rosa Maria de Andrade Nery. Código Civil Comentado, RT, 4ª edição, art. 818, nota 9, pág. 568.
- Art. 827. O fiador demandado pelo pagamento da dívida tem direito a exigir, até a contestação da lide, que sejam primeiro executados os bens do devedor.
- Art. 837. O fiador pode opor ao credor as exceções que lhe forem pessoais, e as extintivas da obrigação que competem ao devedor principal, se não provierem simplesmente de incapacidade pessoal, salvo o caso do mútuo feito a pessoa menor.
- REQUIÃO, Rubens. Curso de direito comercial. São Paulo, Saraiva, 1998, pag. 377.
- MIRANDA, Pontes de, Tratado de Direito Cambiário, vol. II, 2ª edição, 1954.
- MIRANDA, Pontes de, Tratado de Direito Cambiário, vol. II, 2ª edição, 1954, pág. 198.
- MIRANDA, Pontes de; Tratado de Direito Cambiário, vol. I, 2ª edição, 1954, pág. 262.
- MIRANDA, Pontes de; Tratado de Direito Cambiário, vol. I, 2ª edição, 1954, pág. 263.
- Art. 1.668. São excluídos da comunhão: I – os bens doados ou herdados com a cláusula de incomunicabilidade e os sub-rogados em seu lugar; II – os bens gravados de fideicomisso e o direito do herdeiro fideicomissário, antes de realizada a condição suspensiva; III – as dívidas anteriores ao casamento, salvo se provierem de despesas com seus aprestos, ou reverterem em proveito comum; IV – as doações antenupciais feitas por um dos cônjuges ou outro com a cláusula de incomunicabilidade; V – os bens referidos nos incisos V e VII do art. 1.659.
- Art. 1.046. Quem, não sendo parte no processo, sofrer turbação ou esbulho na posse de seus bens por ato de apreensão judicial, em casos como o de penhora, depósito, arresto, sequestro, alienação judicial, arrecadação, arrolamento, inventário, partilha, poderá requerer lhes sejam manutenidos ou restituídos por meio de embargos. [...] § 3º. Considera-se também terceiro o cônjuge quando defende a posse de bens dotais, próprios, reservados ou de sua meação.
- Artigo 1º. A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: [...] III – a dignidade da pessoa humana;
- STF, RE 50.869, Rel. Min. Aliomar Baleeiro, DJ 01.03.1967.
- http://daleth.cjf.jus.br/revista/enunciados/IJornada.pdf, acessado em 23/09/2010.
- STJ, Súmula 7: A pretensão de simples reexame de prova não enseja recurso especial.
- REsp 1.034.510; AI 873.166, AI 910.832, AI 714.910, AI 1.285.656, AI 1.228.923, AI 1.240.320, AI 1.214.858 e AI 971.467.
- AG 1.059.571/RS, Rel. Min. Sidnei Beneti, j.28/04/2008; RESP 691.583/RS, Rel. Min. Hamilton Carvalhido, j. 30.08.2008.
- Art. 105.Finda a legislatura, arquivar-se-ão todas as proposições que no seu decurso tenham sido submetidas à deliberação da Câmara e ainda se encontrem em tramitação, bem como as que abram crédito suplementar, com pareceres ou sem eles, salvo as: I - com pareceres favoráveis de todas as Comissões; II - já aprovadas em turno único, em primeiro ou segundo turno; III - que tenham tramitado pelo Senado, ou dele originárias; IV - de iniciativa popular; V - de iniciativa de outro Poder ou do Procurador-Geral da República.
- Publicado no Diário da Câmara dos Deputados, Ano LXIV, nº 087 do dia 23/05/2009, pág. 23104.
Artigo 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País, a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade privada [...]
Artigo 6º. São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.