CONCLUSÃO
Ressalta-se que uma sociedade bem ordenada precisa ter um papel decisivo do Estado no reconhecimento de uma pluralidade de doutrinas e ideais dos cidadãos, para que não haja insatisfação social que possa gerar revoluções, muitas reivindicações e uma desestima estatal e social em grande escala. Igualmente, uma sociedade que busca reconhecer uma pluralidade de doutrinas e ideais razoáveis dos cidadãos só pode ser moderna e, logo, democrática e de direito, onde cidadãos são livres e iguais, em direitos e oportunidades – enfim, uma sociedade bem ordenada legítima.
Um Estado no âmbito de suas atividades também não pode preferir determinadas doutrinas e ideais, pois ao longo da história, os "Estados" que tentaram foram ao fracasso (Inquisição, Nazismo, Fascismo, Apartheid etc.). Por outro lado, um Estado não pode reconhecer quaisquer doutrinas e ideais, pois muitos podem não respeitar as leis, a Constituição e os princípios de justiça legitimados pelos fundamentos democráticos. Assim, uma sociedade bem ordenada precisa que o Estado tenha o objetivo também de não só reconhecer uma pluralidade de doutrinas e ideais, mas também de limitá-los na medida em que prejudiquem o processo de desenvolvimento democrático. Mas tudo deve ser feito da forma mais razoável possível, pois o Estado é representado por pessoas que possuem suas paixões, doutrinas e ideais, e para garantir um mínimo de imparcialidade é preciso que as decisões públicas sejam coletivas e motivadas por princípios que estão acima de interesses particulares, embora a tarefa não seja fácil. Outro ponto importante, é que os cidadãos precisam se considerar como co-autores das decisões públicas, pois são também interessados naquelas decisões e devem reivindicar se seus ideais ou doutrinas estão sendo respeitados ou não. Isso é uma característica que não pode ser deixada de lado em um Estado Democrático de Direito moderno que pretende ter uma sociedade bem ordenada. Portanto, os espaços públicos precisam estar abertos aos cidadãos para se manifestarem, para compreenderem que existe uma estrutura básica que vai garantir a democracia e para saberem sobre os problemas e soluções do Estado – isso é o mínimo para os cidadãos se garantirem como co-autores (RAWLS, 1997: 766-773).
Outrossim, uma sociedade bem ordenada não é uma utopia, pois como dito no texto, existem países que estão no caminho certo e podem servir de exemplo para outros na construção de uma sociedade bem ordenada.
Por fim, encerra-se este trabalho com uma citação de John Rawls para homenageá-lo por suas teorias que tanto contribuíram para o desenvolvimento da democracia e para enfatizar que uma sociedade bem ordenada é possível:
Uma sociedade bem ordenada é estável [e possível], portanto, porque os cidadãos estão satisfeitos, no fim das contas, com a estrutura básica de sua sociedade. As considerações que os movem não são ameaças ou perigos manifestos provenientes de forças externas, mas se exprimem em termos da concepção política que todos afirmam. Pois na sociedade bem-ordenada da justiça como equidade, o justo e o bem (definidos por aquela concepção política) articulam-se de tal maneira que os cidadãos que incluem como parte de seu bem serem razoáveis e racionais e serem vistos pelos outros como tais, são movidos, por razões relativas a seu bem, a fazer o que a justiça exige. Entre essas razões está o bem da própria sociedade política nas linhas que aqui foram discutidas (2003: 288).
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao.htm. Acesso em 25 de agosto de 2010.
RAWLS, John. Justiça como Equidade – Uma reformulação. São Paulo: Martins Fontes, 2003. Título original: Justice as Fairness – A Restatement (EUA, 2002).
________ . Justiça e Democracia. Trad. Irene A. Paternot. São Paulo: Martins Fontes, 2000-a. Título original: Justice et Démocratie. Edição com a composição da coletânea e aparelho crítico (França, 1993).
________ . O Liberalismo Político. Trad. Dinah de Abreu Azevedo; revisão da tradução Álvaro de Vita. São Paulo: Ática, 2000-b. Título original: Political Liberalism. (EUA, 1993).
________ . The Idea of Public Reason Revisited. Chicago: The University of Chicago Law Review, Vol. 64, n.º 3, 1997(pp. 765-807).
BIBLIOGRAFIA
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HABERMAS, Jürgen. A Inclusão do Outro – estudos de teoria política. Trad. George Sperber e Paulo Astor Soethe. São Paulo: Edições Loyola, 2002. Título original: Die Einbeziehung des Anderen – Studien zur politschen Theorie (Alemanha, 1996).
KANT, Immanuel. À Paz Perpétua. Trad. Marco Zingano. Porto Alegre: L&PM Editores, 2008. Título original: Zum ewigen Frieden (Prússia, 1795 – atual Alemanha).
RAMOND, Charles. Derrida: Éléments d’un lexique politique. Paris: Cités n.º 30, 2007.
Notas
- A palavra cidadão se refere aos indivíduos e a população em geral, não somente ao sentido jurídico de povo.
- Manifestações de organizações paramilitares, criminosas, milicianas, terroristas, dentre outras, nem podem ser cogitadas como doutrinas e ideais, pois já surgem com propósitos de combater os Estados e as sociedades, não havendo como limitar um "ideal" que a origem já é ilimitável.
- Até os seguidores das religiões que fazem parte da mesma doutrina buscam fundar outras ramificações e até outras religiões. Realmente se justifica como uma tendência social a pluralidade de ideais e doutrinas, situação que os Estados Modernos devem entender para reconhecer o pluralismo razoável, limitando o pluralismo prejudicial.
- A título de argumentação, a expressão "sobre proteção de Deus" mencionado no preâmbulo da CRFB/1988 é uma manifestação secundária fruto de uma doutrina razoável religiosa, que não deveria estar na Constituição, devido à secularização, mas que também não apresenta nenhum risco ou não é prejudicial ao Estado.