Índice: I – Introdução. II – Concepção de provas atípicas e relação com as provas típicas. III – Restrições à utilização das provas atípicas: destaque para a teoria da prova ilícita. IV – Destacáveis espécies de provas atípicas. V – Conclusões. VI – Referências Doutrinárias.
I- INTRODUÇÃO
Como relevante e pouco investigada matéria referente à Teoria Geral da Prova apresentam-se as "provas atípicas" - aliás, mesmo a Teoria da Prova, quando comparada com outros tantos institutos do Direito Processual, tem recebido tratamento distante e singelo. Daí todo o interesse na análise dos tópicos pertinentes ao tema, de forma a melhor compreender e sistematizar os importantes conceitos que o integram - presentes sobremaneira na prática forense, embora algumas vezes possam passar despercebidos aos operadores do direito. A tarefa, como não poderia deixar de ser, não é das mais simples e nem pode ser apreciada sob um viés definitivo; servindo, então, o presente ensaio mais para o desenvolvimento e debate das problemáticas, a serem expostas, do que propriamente como meio para formulação de idéias completas e concatenadas - embora não tenhamos nos furtado de indicar a posição, em cada item, que de maneira mais consentânea se figura ao nosso sentir.
Pois bem, abordaremos neste ensaio, da maneira mais lógica e ordenada obtida, o que, aos nossos olhos, de importante vem sendo suscitado pela doutrina e jurisprudência (pátria e comparada), com relação ao tema em debate, (i) iniciando por tratar das concepções viáveis das provas atípicas e sua relação com as provas típicas - de acordo com o princípio prioritário do direito constitucional à prova e atentando-se para as disposições legais de regência previstas no nosso sistema; (ii) passando após para uma análise das restrições à utilização das provas atípicas, com destaque para a teoria das provas ilícitas - a partir da premissa de que não sendo absoluto o direito constitucional à prova, é necessário que se estabeleçam determinados limites ao manejo dos meios de prova admissíveis ao convencimento do julgador; e (iii) encerrando-se com algumas das mais destacáveis espécies de provas atípicas, incluindo-se aqui a psicografia, a fim de motivar a reflexão e debate em terreno ainda pouco sedimentado – problemática atual, posta em destaque ainda maior a partir da notória publicidade nacional conferida, nos últimos anos, às obras e às idéias de Chico Xavier (inclusive no cinema).
II - CONCEPÇÃO DE PROVAS ATÍPICAS E RELAÇÃO COM AS PROVAS TÍPICAS
1. DISPOSIÇÕES GERAIS
Os modernos sistemas probatórios, no Brasil e alhures, em geral dispõem que outros meios de provas além daqueles tipificados (catalogados) são passíveis de utilização no processo, tendo em vista a necessidade de uma aproximação mais efetiva da verdade material e, por conseguinte, ao justo no caso concreto. O fundamental central para tanto encontrar-se-ia no direito constitucional à prova [01], que não admitiria a formatação de normas que impusessem limitações rígidas e formais para a parte convencer o julgador das suas versões dadas aos fatos, apresentando-se inviável a taxatividade dos meios de prova - ainda mais quando consagrado pelo sistema processual o princípio do livre convencimento do juiz [02]. Assim, correto Eduardo Cambi quando destaca que embora o direito à prova não seja absoluto (como nenhum direito pode desta forma ser concebido), "deve ser reconhecido como prioritário para o sistema processual, não podendo ser indevidamente limitado, a ponto de seu exercício ser meramente residual" [03].
Daí advém o conceito de prova atípica (ou inominada) como toda fonte de prova que não está prevista no ordenamento, mas pode ser admitida como meio probante a servir de elemento/motivo para a formação da convicção no espírito do juiz [04]. Aliás, com propriedade Ada Pellegrini Grinover destaca que nas atividades processuais concernentes à prova pode-se visualizar quatro fases/momentos subsequentes: (i) propositura (primeiro momento quando a prova é indicada ou requerida), (ii) admissão (juízo de admissibilidade, permitindo o ingresso nos autos das provas lícitas bem como as adequadas e pertinentes [05] - órbita de aplicação do art. 130 CPC), (iii) produção (momento em que as provas são introduzidas no processo – "prova casual", a não ser quando sejam "provas pré-constituídas" [06]) e (iv) apreciação (juízo de valoração pelo juiz - órbita de aplicação do art. 131 do CPC).
Do quadro supra se infere agora, com maior precisão, que a prova atípica é (i) "fonte de prova", e quando admitida no processo, é tida como (ii) "meio de prova" apto a convencer o julgador da pertinência das alegações da parte que a produziu, oportunizando que o julgador o tenha como (iii) "elemento de prova" a constar na motivação da decisão final, em derradeiro juízo de valoração a ser desenvolvido [07]. Ainda nesse contexto, convêm registrar que, com base no já informado direito constitucional à prova, eventual restrição à admissibilidade, pelo julgador, da prova atípica, requerida ou apresentada, deve ser encarada como medida excepcional [08], que quando tomada deve vir acompanhada de devida fundamentação - já que a exclusão prévia desse meio probatório limitaria as oportunidades das partes demonstrarem os fatos que dão fundamento as suas respectivas pretensões e exceções [09].
Uma das fortes razões que motivam a observação apontada é a maneira abusiva como determinados magistrados pátrios vem se valendo da autorização, contida na parte final do art. 130 CPC, de o juiz indeferir as diligências inúteis ou meramente protelatórias. Situação grave, correlata, é a de se confundir juízo de admissão com juízo de valoração, quando o julgador se vale do princípio do livre convencimento (art. 131 CPC) para indeferir a produção de meios de prova que entende não compactuar com a solução da lide que já se desenha no seu raciocínio - acabando, assim agindo, em antecipar o julgamento da lide, atropelando as aludidas fases componentes da atividade processual concernente à prova.
Embora a prova atípica, tradicionalmente, seja compreendida como "fonte de prova" diferente daquelas reguladas na lei processual (daí ser também denominada de "inominada"), viável, como apontado por Michele Taruffo [10], concebê-la, sobre outro viés, como atípica porque colhida de modo diferente da utilizada na prova típica que a ela corresponde (inovação de "procedimento probatório") [11]. Tal entendimento, como ressalta Barbosa Moreira [12], tem sua razão de ser em face da dificuldade de serem propostas espécies de meios probantes realmente diversas daqueles já fixados pelos ordenamentos, sendo mais realista se pensar na possibilidade de desenvolvimento de novas formas de produção de uma prova já prevista e regulada - não se excluindo então que se pense em outras formas de produção não reguladas, desde que sejam lícitas.
Outro ponto interessante em que se visualiza uma relação próxima e direta entre as provas atípicas e típicas é quando se estuda o fenômeno de assimilação daquelas por estas. Sim, porque não raro com o passar do tempo, em face de necessidades práticas, um meio de prova ou forma de apresentá-la ao processo é desenvolvido e acolhido pela comunidade jurídica, vindo posteriormente a ser positivado pelo legislador - em conseqüência, com o advento de disposição legal, a prova que era atípica passa a ser típica. A propósito, Moacyr Amaral Santos, bem citando Pedro Batista Martins, alude que "os meios de prova não são criações abstratas da lei, mas generalizações da experiência" [13], o que indica estarmos diante de fenômeno de criação/desenvolvimento incessante e irrefreável [14]. Repara-se então, a importância da existência de uma "cláusula escapatória" nos sistemas processuais reguladores da prova, já que aos meios probantes apresentados e delimitados pelo legislador em determinado lapso temporal, podem ser desenvolvidos outros, que enquanto ainda não positivados, não poderiam ser afastados como fontes hábeis, se lícitas, para o convencimento do órgão judicial [15].
Por fim, nessa abordagem propedêutica do tema, imprescindível responder-se a presente indagação: há hierarquia entre a prova típica e atípica? A resposta é negativa. O modelo da livre apreciação da prova (persuasão racional), hoje mais em voga nas codificações processuais, garante que qualquer meio de prova lícito pode ser capaz de convencer o julgador da causa quanto às alegações e exceções anunciadas. O que se exige é que se tenha maior cuidado na admissão e produção da prova atípica, já que, não havendo procedimento legal específico, deve o julgador redobrar a atenção para que não ocorram erros na utilização de tal prova para a solução do litígio [16]. E onde é que se irá demonstrar a utilização das provas atípicas com a cautela maior supra-aludida? Na fundamentação da sentença [17].
Inexistindo hierarquia propriamente dita, o que se pode admitir, no máximo, é certa "preferência pela prova típica", na forma como determinada pelo legislador, diante da maior facilidade, para o julgador, na sua admissão, produção e valoração [18]. Ainda a confirmar a existência desta "preferência", há de se convir que, na prática, em regra, a prova atípica (especialmente o "indício") não serve, por si só, normalmente, de fundamento para a firmação de decisão final - sendo comum na doutrina ser mencionado da sua utilização excepcional "quando os meios de prova diretos são indisponíveis à prova dos fatos controvertidos" [19].
Mas, em compatibilidade com a teoria da inexistência de hierarquia absoluta entre provas - que ratificamos, há de se registrar que em determinados casos, por certo, a prova atípica, aceita como meio probante, poderá sim ser a única disponível e compatível com a natureza da demanda [20]. Por isso, inapropriado se afirmar categoricamente que a prova atípica nunca passará de um "argumento de prova", entendida a expressão destacada, na forma exposta dentre outros por Michele Taruffo e Luigi Montesano, como prova subsidiária a dar respaldo à prova típica confeccionada, ou, em termos mais técnicos, como instrumentos lógico-críticos que auxiliam na valoração das provas típicas [21] – adquirindo a prova atípica, nesta perspectiva, função não mais do que auxiliar e integrativa do teor das provas típicas, já que insuficiente, por si só, para convencer o julgador [22].
Responde-se negativamente assim também a seguinte indagação: há hierarquia entre a prova atípica indireta (v.g., uma prova indiciária) e a prova atípica direta (v.g., uma prova pericial emprestada)? Da mesma maneira aqui vê-se que não há distinções ontológicas entre a primeira (que é prova direta com relação ao fato menor, incidental, usualmente ligado a outro fato que dele se infere) e a última (prova que tem por objeto diretamente o fato controvertido que está sendo investigado). Nesse sentir, na jurisprudência pátria encontram-se inúmeros arestos, merecendo destaque por ora o HC 70344/RJ, Rei. Min. Paulo Brossard, 2ª Turma do STF, em que se referiu que "os indícios, dado ao livre convencimento do juiz, são equivalentes a qualquer outro meio de prova, pois a certeza pode provir deles". E se pensarmos nas provas típicas, da mesma forma, conclui-se que não há hierarquia absoluta entre as modalidades que se encaixam na nomenclatura, sendo exemplo clássico da assertiva o teor do art. 436 do CPC, admitindo que o juiz não está adstrito ao laudo (prova pericial), podendo firmar sua convicção por outros meios de prova (v.g., documentos, oitiva de testemunhas, laudo do perito assistente).
Portanto, inexistindo hierarquia absoluta entre a prova típica e prova atípica, e nem mesmo entre as várias modalidades/espécies de prova que cada gênero comporta, descabido se relativizar, de antemão em todos os casos, a importância e o peso da utilização desta, em detrimento daquela.
2. BASES LEGAIS PÁTRIAS
A prova atípica é expressamente autorizada pelo ordenamento processual pátrio, de acordo com o art. 332 do CPC, in verbis: "todos os meios legais, bem como os moralmente legítimos, ainda que não especificados neste Código, são hábeis para provar a verdade dos fatos, em que se funda a ação ou a defesa".
O dispositivo anunciado é uma cópia imperfeita do artigo 87 do Código do Vaticano [23], o qual, por sua vez, se inspirou, em grande parte, em famoso projeto proposto por Francesco Carnelutti, nos idos da década de 20, voltado para reforma da legislação processual italiana, que se frustou naquela época [24].
A crítica que se pode fazer ao teor do art. 332 é a de que o legislador acabou por desenvolver uma distinção pouco precisa entre direito e moral, como se fossem campos absolutamente separados [25] - o que não se sucedeu com a posterior publicação das Leis dos Juizados Especiais (Lei nº 9.099/95), a qual no art. 32 dispõe que "todos os meios de prova moralmente legítimos, ainda que não especificados em lei, são hábeis para provar a veracidade dos fatos alegados pelas partes".
Voltando-se a problemática da nomenclatura contida no art. 332 do CPC, tem-se, que poderá existir meio lícito, mas moralmente ilegítimo no sentir do julgador (que, no seu entender supostamente afete o "senso comum") [26], o que poderia acarretar em indeferimento abusivo de uma prova, em face de um julgar (altamente) subjetivo equivocado do magistrado [27] - daí a opinião até certo ponto polêmica, mas merecedora de registro, de Luiz Guilherme Marinoni e Sérgio Cruz Arenhart no sentido de que "a prova deveria ser admitida se legal, pouco importando se 'moralmente legítima'; está aberto aí um fundamento para a arbitrariedade do intérprete, que pode limitar o direito à prova - um direito básico e fundamental-, dizendo que tal prova é moralmente ilegítima" [28].
O problema, nessa conjectura, é que justamente a prova atípica por não estar prevista na legislação (ao menos quanto ao procedimento para sua formação), poderia vir a ficar mais desamparada em uma análise quanto a sua licitude, diante da falta do elemento ordenador "moralmente legítimo". Assim, e ainda em nome do direito à prova, parece conveniente se concluir que é importante a prova ser moralmente legítima, mas deve ser utilizado restritivamente o uso da expressão com o fito de ser vetado o ingresso aos autos de determinado meio probante.
De qualquer maneira, se compararmos a redação do art. 332 do Código Buzaid com a do dispositivo correlato no CPC de 1939 ("art. 208, in verbis: são admissíveis em juízo todas as espécies de provas reconhecidas nas leis civis e comerciais"), ter-se-á uma nítida impressão de evolução [29]. Embora contando com a generosidade dos ilustres doutrinadores que comentaram o código processual pretérito [30], não há dúvidas de que o sistema anterior em que estava inserido acabava por inviabilizar a produção das provas atípicas, como também limitar as provas típicas ao campo do direito material e, ainda exclusivamente, ao direito material privado [31].
Pela largueza do dispositivo contido no Código Buzaid, pode-se até entender que outros meios de prova contidos em diplomas pátrios outros, até mesmo revogados, não sejam típicos (o indício, v.g.), mas certamente seriam eles meios de provas (ditos atípicos ou inominados, frente ao contexto do microssistema), mas plenamente hábeis para formar a convicção do juiz, desde que lícitos - ratificando-se, como anteriormente afirmado neste ensaio, que não há diferença ontológica entre a prova típica e atípica. Ocorre que estando o meio tipificado, mesmo que em outro diploma, ainda mais quando ainda vigente, o juiz terá maior segurança na sua utilização, daí a relevância de mencionarmos algumas pertinentes disposições infraconstitucionais avulsas ao sistema do atual Código Processual Civil.
Nesse diapasão então, refere-se que no Código de Processo Penal, as provas atípicas encontram guarida no teor do art. 155; cabendo ainda referência ao art. 239 que expressamente reconhece o indício como meio probante. Já o Código Civil de 2002 faz novel referência, no art. 225, a modernas maneiras de reproduções mecânicas ou eletrônicas, bem como as presunções no art. 212, IV (c/c art. 230), tendo também o Código Cívil de 1916 regulado a matéria presuntiva no art. 136,V com o mesmo conteúdo. Da mesma forma as presunções eram já previstas no Regulamento nº 737, de 25/11/1850, no art. 138, inciso VIII. Ainda na área do direito material privado - importante para o sistema anterior do CPC de 1939, como visto - os meios de prova tinham regulamentação no Código Comercial, art. 122.
III - RESTRIÇÕES À UTILIZAÇÃO DAS PROVAS ATÍPICAS: DESTAQUE PARA A TEORIA DA PROVA ILÍCITA
O princípio da liberdade de provar não sendo absoluto, impõe limites à utilização dos meios de prova admissíveis ao convencimento do juiz [32]. O estudo mais aprofundado dessas limitações, pela sua importância teórica e prática, merece peculiar destaque - razão pela qual o trabalharemos em ponto avulso, retomando alguns conceitos sistematizados na primeira parte deste trabalho.
Certo que ao pensarmos em restrições à utilização dos meios probantes, logo pensamos no tão debatido conceito constitucional de prova ilícita. No entanto, importante preliminarmente salientarmos que existem também restrições apresentadas pelo próprio código processual, a impor limites no manejo dos meios lícitos ali tipificados. Tais diferenciadas restrições são de duas ordens (i) uma determinada pelo próprio procedimento, a estabelecer a necessidade de produção das provas em oportuno momento processual [33], sob pena de preclusão [34]; e (ii) a outra corporificada em normas específicas sobre a utilização adequada e racional de cada meio probatório [35] - na prova testemunhal, v.g., tem-se a vedação da sua exclusividade como meio de prova limitado a um certo valor do contrato em discussão (art. 401), a restrição de certas pessoas serem ouvidas em juízo (art. 405), a não obrigação de depor (alt. 406), e a limitação ao número de pessoas a depor sobre o mesmo fato (art. 414, § 1°); na prova pericial, v.g., a restrição a sua utilização dependendo da matéria sub judice (art. 420 e art. 427), e a possibilidade do perito ser recusado por impedimento ou suspeição (art. 423); já na prova documental, v.g., a exclusão do dever da parte ou terceiro exibi-lo (art. 363), e a imprescindibilidade da forma - documento público, quando da substância do ato (art. 366).
Mas pela brevidade que merece ter o ensaio, foquemo-nos nas provas ilícitas e sua repercussão constitucional. A CF/88 é hialina ao estabelecer no art. 5°, LVI que "são inadmissíveis no processo as provas obtidas por meios ilícitos" - ou seja, não pode ela nem ser produzida, quando casual, ou quando pré-constituída, deve ser desentranhada dos autos tão logo seja assim reconhecida pelo julgador, sob pena de influenciar diretamente na decisão final e acarretar, assim, a decretação de sua nulidades [36].
Mas o que se pode entender por prova ilícita? A prova que viola uma norma jurídica, seja de direito material, seja de direito processual [37], notadamente na esfera constitucional [38] - daí tanto o realce dado ao teor do art. 5°, XII da CF/88 (e sua eventual infringência) quando do trato com o tema [39].
Retomando a máxima de que não há valores absolutos constitucionais [40], viável se pensar na utilização de provas ilícitas no processo, mormente com auxílio do princípio da proporcionalidade dos valores em conflito - já que o direito à prova também é, como visto, princípio constitucional [41]. Valendo-se daquele, em (i) situações excepcionais e de significativa gravidade (em que a parte esteja impossibilitada ou em sérias dificuldades de provar as suas afirmações por outros meios lícitos), cabível a utilização da prova ilícita - mesmo assim (ii) ainda dependendo do sopesamento dos valores em jogo a ser realizado pelo julgador no caso concreto [42]. E tal análise casuística, por certo, diferencia-se ainda mais quando tratamos de uma ação penal ou de uma ação cível.
No juízo penal, a admissão da prova ilícita é bem mais aceita pela doutrina, quando seja para favorecer o réu, aplicando-se o princípio "favor rei" [43] e/ou "favor libertatis" [44]. Tanto é que foi sumulado pelas Mesas de Processo Penal da USP, sob o verbete n° 50, o seguinte comando '"podem ser utilizadas no processo penal as provas ilicitamente acolhidas, que beneficiem a defesa". De qualquer forma a súmula é clara ao referir que "podem ser utilizadas" e não que "devem", já que a admissão irrestrita da prova ilícita para beneficiar o réu certamente iria causar, no outro extremo, novos excessos indesejados [45].
Por sua vez, no juízo cível, envolvendo por regra questões patrimoniais (direito disponível), a referência por ora cabente é a da possibilidade de utilização do meio ilícito, se ambas as partes estiverem de acordo – como, aliás, determina, ao regular a prova documental, o art. 383 do CPC ("qualquer reprodução mecânica, como a fotográfica, cinematográfica, fonográfica ou de outra espécie, faz prova dos fatos ou das coisas representadas, se aquele contra quem foi produzida lhe admitir a conformidade") [46].
Agora, a regra continua sendo a da inadmissibilidade das provas ilícitas [47], seja ela típica ou atípica. É, por isso, inconcebível ser a prova típica declarada ilegal, vindo ela posteriormente no feito ser admitida como prova atípica [48]. Ademais, por ser a prova atípica destituída de procedimento ordenatório pré-estabelecido em lei, deve-se ter maiores cuidados - antes de valorá-las (neste momento, como estudado, articulando-as ou aproveitando-se delas em desfavor das provas típicas) – na análise da licitude da formação e acabamento desta anômala espécie probatória.
Desenvolvendo-se ainda o tópico, finalizamos acentuando que ultrapassa atualmente os limites do aceitável crer-se que a prova atípica, por não conter um procedimento ordenatório pré-estabelecido, com as inerentes garantias estabelecidas pelo próprio texto legal, equipara-se tão só por isso à prova ilegal - por supostamente então ser "ilegalmente colhida" [49]. O devido respeito ao direito constitucional de provar, a busca pela efetivação do valor justiça, com uma aproximação o mais possível da verdade material, e o decorrente desejo de não se desperdiçar efetivas possibilidade outras de acesso a fontes de informação - ainda mais em época de avanços tecnológicos notáveis e intermitentes - impõe que se contorne o obstáculo lógico apresentado [50].