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Problemáticas atuais do Direito Sucessório

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6 - Concorrência do companheiro com os netos comuns

A posição majoritária da turma está no diapasão da aplicação do inciso I do artigo 1.790 do Código Civil Brasileiro, devendo ser atribuída ao companheiro uma quota equivalente à que por lei for atribuída ao neto, interpretando a norma extensivamente à linha descendente em geral, sem a aparente limitação do primeiro grau. A fundamentação utilizada é a manutenção da lógica sistemática da legislação civil pátria, espelhada nas disposições do artigo 1.829, que estabelece a ordem de vocação hereditária da sucessão legítima, cujo inciso I, prevê a classe dos descendentes sem limite de graus, conforme o princípio de que, na linha reta, não há limitação sucessória de graus, diversamente da linha colateral, cujo limite até o quarto grau é expresso no artigo 1.839, in fine, do Código Civil.

Igualmente, o inciso II do mesmo artigo 1.790, dispõe sobre a concorrência entre o companheiro e os descendentes exclusivos do falecido, inexistindo coerência se forem admitidos, por um lado, direitos sucessórios do companheiro iguais quando estiver em concorrência com filhos ou netos exclusivos do falecido (a metade que lhes caberia – inciso II) e, por outro lado, diferenciação quantitativa dos direitos sucessórios do companheiro se em concorrência com os filhos comuns (quota equivalente – inciso I) e com os netos comuns (pela interpretação literal, um terço da herança – inciso III).

Faltaria razoabilidade e, portanto, segurança jurídica nas relações ao admitir a dispensa de tratamento à concorrência do companheiro com netos comuns, descendentes de segundo grau, como se a concorrência se desse com outros parentes sucessíveis, enquadrando o neto na classe colateral dos irmãos, sobrinhos, tios e primos, exclusivamente em face de erro manifestamente formal na elaboração da redação do inciso I do artigo 1.790, sob pena de se incorrer em interpretação contrária à sugerida pela ordem de vocação hereditária e pelo próprio artigo 1.790 do Código Civil.

A doutrina majoritária – composta, dentre outros, por: Caio Mario da Silva Pereira, Christiano Cassettari, Flávio Tartuce, Francisco José Cahali, Giselda Maria Fernandes Hironaka, Guilherme Calmon Nogueira da Gama, Gustavo Rene Nicolau, Inácio de Carvalho Neto, Jorge Shiguemitsu Fujita, José Fernando Simão, Luiz Paulo Vieira de Carvalho, Mario Delgado, Rodrigo da Cunha Pereira, Rolf Madaleno, Sebastião Amorim e Euclides Benedito de Oliveira - inclina-se à aplicação do citado inciso I do artigo 1.790, amparada no Enunciado nº 266 do CNJ, já mencionado [09].

Houve posicionamento único divergente na turma, pela aplicação do inciso III do artigo 1.790 do Diploma Legal Civil, adotando interpretação literal do artigo da lei em tela, os netos seriam enquadrados como outros parentes sucessíveis, coincidindo com o entendimento pelo direito da companheira à terça parte do patrimônio onerosamente adquirido na constância da união estável em concorrência com netos comuns, exposto na doutrina de Maria Berenice Dias e de Mario Roberto Carvalho de Faria.


7 - Patrimônio a ser herdado pelo cônjuge casado no regime da comunhão parcial, em concorrência com os descendentes

A regra contida no artigo 1829 do Código Civil, inciso I, é aplicada ao cônjuge sobrevivente casado sob o regime de comunhão parcial de bens, na hipótese do morto ter deixado bens particulares (arts. 1659 e 1661).

Deve-se ter em mente a seguinte regra: onde o cônjuge é meeiro, não é herdeiro. Portanto, quanto aos bens adquiridos na constância do casamento, ou seja, bens comuns, o cônjuge casado sob o regime da comunhão parcial de bens é meeiro, não sendo, pois, herdeiro.

No que tange aos bens particulares do de cujus, o cônjuge será herdeiro concorrente com os descendentes. Com o advento do Código Civil de 2002, o cônjuge passa a ser herdeiro necessário no que tange aos bens particulares deixados pelo de cujus, com a circunstância especial de concorrer com os descendentes.

Esse é o entendimento majoritário. Existem duas correntes com entendimento diverso, sendo a mais radical defendida pela Desembargadora Maria Berenice Dias, que sustenta que a concorrência entre o cônjuge e os descendentes apenas ocorrerá no tocante aos bens comuns, excluindo os bens particulares, equiparando à situação vantajosa do companheiro.

A outra corrente minoritária, embora mais abrangente, defende que o cônjuge concorre com os descendentes no tocante à totalidade da herança, sem distingui-los em bens particulares ou comuns.

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8- Reserva da quarta parte na sucessão híbrida do cônjuge

O Código Civil dispõe no artigo 1832 que ao cônjuge supérstite será reservada a quarta parte quando os descendentes que com ele concorrerem forem comuns. É omisso, pois, quanto à sucessão híbrida.

Assim, o melhor entendimento é aquele em que não deverá haver a reserva da quarta parte, sob pena de violação do princípio da igualdade entre os filhos.

Nesses termos, conclui-se que seria impossível a aplicação da "reserva da quarta parte" sem que se esbarrasse no princípio constitucional da igualdade dos descendentes prevista no artigo 227, §6º, da Carta Magna, ferindo de morte a eficácia horizontal dos direitos fundamentais.

Corroborando este entendimento, ensinam Oliveira & Amorim: "Assim, havendo outros herdeiros em concurso, ao cônjuge caberá quota igual a cada um dos descendentes, sem a reserva daquela fração mínima. Tal solução, além da manifesta simplificação da partilha, resguarda o direito de igualdade dos filhos na percepção de seus quinhões hereditários", compartilhando o entendimento de Zeno Veloso [10].


Conclusão

As questões postas em sala de aula para discussão refletem a preocupação pela busca de conclusões acerca de aspectos controvertidos do direito sucessório brasileiro, em especial após a entrada em vigor do Código Civil de 2002, trazendo substanciais alterações nos direitos de herança do cônjuge e do companheiro sobreviventes.

Os focos discutidos dizem respeito, em suma, à elevação do cônjuge à categoria de herdeiro necessário (art. 1.845, CC) e a concorrência sucessória entre: o cônjuge e os descendentes e os ascendentes; o companheiro e os descendentes e os outros parentes sucessíveis; o cônjuge e o companheiro, caso em que o falecido era separado de fato por menos de dois anos ou por mais, caso o cônjuge sobrevivente não for responsável pela separação, enquanto vivia em união estável ao tempo do óbito.

Sob este aspecto da concorrência sucessória, aponta-se a grave omissão do legislador, que deixou de solucionar no âmbito jurídico as hipóteses fáticas não raras de concorrência de companheiro ou de cônjuge com a denominada "filiação híbrida", quer dizer, a concorrência com filhos exclusivos do autor da herança e com os filhos comuns, já que a concorrência isolada a cada um destes grupos enseja tratamento legislativo distinto.

Merece destaque a localização inadequada das disposições legais sucessórias do companheiro no Código Civil, contidas dentre as disposições gerais do direito das sucessões, no artigo 1.790 do Codex, afastadas da ordem de vocação hereditária do artigo 1.829.

Outro ponto merecedor de análise é a incoerência legislativa e a falta de suporte constitucional de alguns dispositivos concernentes aos direitos dos companheiros que, quando comparados com os direitos dos cônjuges, ora são mais vantajosos – como o acúmulo dos direitos de meação e de herança do companheiro sobre o patrimônio amealhado onerosamente na constância da união estável, enquanto que o cônjuge casado sob o regime da comunhão parcial de bens teria direito apenas à meação, sem a concorrência hereditária sobre os bens comuns – e ora os companheiros ficam em situação mais prejudicial – retrocesso quanto à falta de previsão do direito real de habitação ao companheiro; direito à terça parte do patrimônio onerosamente adquirido na união ao concorrer com um só ascendente ou com ascendentes de grau maior do falecido, enquanto o cônjuge tem direito à metade da herança; a concorrência sucessória do companheiro com os colaterais até o quarto grau, ao invés de receber a totalidade da herança; e a ausência de previsão do companheiro no rol dos herdeiros necessários.

O Direito das Sucessões, como está atualmente, tem vários outros pontos controvertidos não abarcados pelo presente estudo, como, por exemplo, a diferença que persiste entre irmãos e colaterais germanos e unilaterais; a necessidade de aceitação da herança ainda que para si; a necessidade da propositura de ação de deserdação, quando o deserdado sequer entra na posse dos bens da herança; a harmonização do fideicomisso, bem como os prazos e condições relativos aos não concebidos na perspectiva dos avanços biotecnológicos.

Como expôs o Prof. Mario Delgado em aula, o Código Civil é o símbolo mais forte do ordenamento jurídico e verifica-se a dificuldade de mexer nos símbolos, quanto mais para promover alterações em questões que dizem respeito à sua essência, como é o Direito das Sucessões.

Pelo exposto, conclui-se que há necessidade de reforma legislativa para integrar o Direito Sucessório de forma coerente com o sistema civil e há vários projetos neste sentido, assim como há outros que preferem retroceder [11].

Enquanto não vem a mudança legislativa, há que se dedicar especial atenção aos princípios gerais de direito, bem como às exigências do bem comum e aos fins sociais a que a lei se dirige, nos termos previstos na Lei de Introdução ao Código Civil para aplicação da lei, aguardando-se também que a jurisprudência cumpra seu papel balanceador, uma vez que os tribunais interpretam o estado atual da sociedade, com maleabilidade que o direito positivo não tem. Pois "a tarefa da ordem jurídica, consistente em reconhecer, delimitar e proteger eficazmente os direitos reconhecidos, nunca termina definitivamente, mas, ao contrário, está sempre em fase de reelaboração. Assim é porque os interesses não reconhecidos continuam hoje exercendo, constantemente, pressão para obter amanhã o reconhecimento que ontem não conseguiram", nas palavras de Guilherme Gonçalves Strenger [12].

Por fim, cabe declarar que é sempre prazeroso o exercício do debate, sobretudo quando nos proporciona pensar no Direito que desejamos, agradecendo a oportunidade dada à Turma de pós-graduados.


Notas

  1. In: Família e sucessões no Código Civil 2002 – II. SP: RT, 2005.
  2. Op. cit., p.327.
  3. Inventários e Partilhas – Direito das Sucessões Teoria e Prática. SP: LEUD, 2006. 20ª Ed.
  4. Conforme exposto em sala de aula, mas também encontrado em "Comentários ao Código Civil". In: DELGADO, Mario Luiz; ALVES, Jones Figueiredo (coords.). Questões controvertidas no novo Código Civil.
  5. Coordenação geral: Min. Ari Pargendler; coordenação científica: Min. Ruy Rosado de Aguiar Jr. Disponível em www.justicafederal.gov.br, em "publicações".
  6. SOUZA, José Pedro Galvão de; GARCIA, Clovis Lema; CARVALHO, José Fraga Teixeira de. Dicionário de política. SP: T.A. Queiróz Editor, 1998. p.510.
  7. In: Direito Civil- Direito das sucessões. SP: Atlas, 2008. p.141.
  8. Anotações das autoras; os Anais ainda não foram publicados.
  9. Enunciado 266 do CNJ: "Art. 1.790: Aplica-se o inciso I do artigo 1.790 também na hipótese de concorrência do companheiro sobrevivente com outros descendentes comuns, e não apenas na concorrência com filhos comuns".
  10. Op.cit. p.99.
  11. Os seguintes projetos relacionados ao direito sucessório encontram-se em trâmite na Câmara dos Deputados: PL 276/07, Dep. Leo Alcântara, antigo PL 6902/02, apresentado pelo Dep. Ricardo Fiúza ainda na vacatio legis do Código Civil altera vários artigos; PL 508/07, Dep. Sergio Barradas, que iguala cônjuge e companheiro no direito sucessório; PL 3075/08, Dep. Eduardo da Fonte, mantém a concorrência sucessória, mas exclui o cônjuge da categoria de herdeiro necessário; PL 5747/05, Dep. João Batista, conferindo legitimidade ao MP para promover ação visando declaração de indignidade; PL 5890/05, Dep. Bruno Araujo, compatibiliza o art. 1796 do Código Civil com o Código de Processo Civil, aumentando para sessenta dias o prazo para instauração do inventário. A título de curiosidade, apontamos o PL 2812/1997 propondo que para excluir os descendentes e ascendentes bastaria que o testador dispusesse de seu patrimônio sem contemplá-los.
  12. Guarda de filhos. SP: LTR, 1998. p.25.
Sobre as autoras
Andréa Bastos Furquim Badin

Pós-Gradução Lato Sensu em Direito de Família e das Sucessões (EPD, São Paulo).

Maria Luiza Bifulco

Pós-Gradução Lato Sensu em Direito de Família e das Sucessões (EPD, São Paulo).

Marília Campos Oliveira e Telles

Pós-Gradução Lato Sensu em Direito de Família e das Sucessões (EPD, São Paulo).

Viviane Alves Vieira

Pós-Gradução Lato Sensu em Direito de Família e das Sucessões (EPD, São Paulo)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BADIN, Andréa Bastos Furquim; BIFULCO, Maria Luiza et al. Problemáticas atuais do Direito Sucessório. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2701, 23 nov. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/17879. Acesso em: 22 nov. 2024.

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