A expressão "federalismo ambiental" pode ser entendida como o estudo da repartição das atribuições e da competência legislativa dos entes federais na proteção do meio ambiente. Não se pode confundir com a chamada "federalização da proteção ao meio ambiente" que se trata, na verdade, do fenômeno relativamente recente de concentração das normas relativas à proteção do meio ambiente na esfera federal, partindo-se do entendimento de que somente o "braço forte" do governo federal seria capaz de lidar com a proteção do meio ambiente e reconhecendo-se, também, que a legislação estadual seria insuficiente para regular ecossistemas que extravasam as fronteiras estaduais. [01]
Entre os que pactuam com esse entendimento, SCHEBERLE (2004) parte da premissa em sua obra que, sem uma participação efetiva do governo federal, os programas de proteção ambiental não teriam atingido o tamanho que tem hoje nos Estados Unidos. Ademais, constata o autor a omissão dos estados norte-americanos no estabelecimento de normas na área ambiental, tendo em vista que apenas 24 (vinte e quatro) estados atualmente possuem leis de proteção ao meio ambiente. [02]
Se, por um lado, a federalização das normas ambientais combate a inércia dos estados membros na proteção do meio ambiente, por outro lado, BUTLER & MACEY (1996) observam que a centralização das normas ambientais pelo Congresso Nacional norte-americano tem levado a graves problemas decorrentes da inércia do governo federal em responder a enorme variedade de problemas ambientais. Os autores inclusive recomendam que se dê maior autonomia aos estados da federação norte-americana para a criação de normas mais adequadas com as suas necessidades regionais, uma vez que os estados podem ter realidades ambientais completamente diversas. [03]
No que se refere ao direito ambiental nos Estados Unidos, cabe se tecer um paralelo com a cláusula comercial (Commerce Clause), que tem sido utilizada pelo Congresso Nacional norte-americano como fundamento para a criação de leis federais sobre meio ambiente pela União. A cláusula comercial encontra-se prevista no artigo I, Seção 8, da Constituição dos Estados Unidos, que dispõe sobre a competência do Congresso Nacional norte-americano para a regulação do comércio com as nações estrangeiras (Foreign Commerce Clause), bem como a regulação do comércio entre os diversos estados (Interstate Commerce Clause), e com as tribos indígenas (Indian Commerce Clause). [04]
No que tange à jurisprudência da Suprema Corte dos Estados Unidos sobre o assunto, um dos primeiros julgamentos que se tem notícia sobre meio ambiente é o caso Huron Portland Cement Co. v. City of Detroit (1960). Para melhor compreensão do caso, cumpre destacar que a Huron Portland Cement Company era uma empresa do estado do Michigan envolvida com a fabricação de cimento. Ela possuía 05 (cinco) embarcações que distribuíam cimento na região do lago Michigan. O problema ocorreu com 02 (duas) embarcações da empresa que lançavam na atmosfera uma densa nuvem de fumaça escura. Na época, a cidade de Detroit aprovou uma lei de combate à poluição, que limitava a quantidade de poluentes emitidos pelas máquinas de combustão. A questão residia no fato de que a empresa teve as licenças de seus barcos aprovadas pelo governo federal e alegava, ainda, que seus navios tinham sido inspecionados e aprovados pela Guarda Costeira. [05]
No mérito do caso Huron Portland Cement Co. v. City of Detroit (1960), a Suprema Corte dos Estados Unidos firmou o entendimento de que a Lei de Combate à Poluição de Detroit era constitucional, mesmo quando aplicada para os navios licenciados pelo governo federal. No entanto, entendeu-se que a cidade de Detroit não tinha o poder de obrigar o cumprimento da Lei antipoluição local pela empresa Huron Portland Cement Company, uma vez que cabia ao governo federal regular o comércio interestadual (Interstate Commerce Clause). [06]
Apesar da aparente derrota da cidade de Detroit, no que se refere ao combate da poluição no caso de transporte interestadual de mercadorias, o caso Huron Portland Cement Company foi importante ao estabelecer que as cidades norte-americanas tinham competência para legislar sobre direito ambiental, mesmo que as normas criadas eventualmente pudessem gerar dificuldades para o desenvolvimento das atividades industriais e comerciais (por exemplo, redução dos níveis de poluição de automóveis, embarcações). A única exigência era que as normas locais não influíssem no comércio interestadual, de competência do Congresso Nacional, por força da "Commerce Clause" estabelecida na Constituição norte-americana. [07]
Também, no que concerne ao meio ambiente, há de se mencionar o caso City of Philadelphia v. New Jersey (1978). O caso teve início quando uma Lei proibiu a importação de lixo sólido e líquido para o Estado de Nova Jersey, excetuando-se o lixo destinado à alimentação de suínos. Uma cidade da Filadélfia questionou a Lei de Nova Jersey, com a alegação de que ela violaria a cláusula comercial (Commerce Clause) disposta no artigo I da Constituição e a Lei de eliminação de dejetos sólidos de 1965. [08]
Em síntese, indagou-se perante a Suprema Corte dos Estados Unidos se a Lei do estado de Nova Jersey era inconstitucional, por violação da cláusula comercial (Commerce Clause) estabelecida no artigo I da Constituição norte-americana. No entanto, no mérito, o Excelso Tribunal estabeleceu que a questão constitucional estava subordinada a análise da vigência da lei de eliminação de dejetos sólidos de 1965 e resolveu remeter o caso para a realização de um novo julgamento perante o Tribunal de Nova Jersey. [09]
Posteriormente, é interessante mencionar que houve o julgamento do caso Minnesota v. Clover Leaf Creamery Co. (1981). O caso teve início quando o estado de Minnesota criou uma lei que proibia a venda de leite e de seus derivados em embalagens não retornáveis. A indagação que chegou ao conhecimento da Corte Suprema norte-americana era se a lei do estado de Minnesota violava a cláusula comercial (Commerce Clause) contida no artigo I da Constituição norte-americana ou a cláusula da igual proteção perante as leis (Equal Protection Clause) estabelecida pela 14ª Emenda à Constituição dos Estados Unidos. [10]
A Suprema Corte, na ocasião, entendeu que a lei era constitucional e reconheceu que o "poder legislativo estadual tinha o interesse de promover a conservação dos recursos naturais e do meio ambiente", bem como de resolver a questão dos depósitos de lixo. Dessa maneira, a lei apresentava-se razoável e de acordo com o propósito do legislador. Por fim, registrou-se que a lei era constitucional, pois não discriminava os produtos por vendedor e, dessa forma, não violava o disposto na chamada cláusula comercial (Commerce Clause). [11]
No que concerne à supressão do direito de propriedade em decorrência do descumprimento da legislação ambiental, é oportuno se lembrar do caso Lucas v. South Carolina Coastal Council. O caso teve início quando Lucas comprou 02 (dois) lotes na Ilha de Palms. No local, ele pretendia construir uma casa nos lotes adjacentes. Em 1988, uma norma estadual estabeleceu a proibição de construção de estruturas permanentes na ilha de Palms, com o intuito de proteger o meio ambiente local contra a erosão e a destruição das barreiras naturais da ilha. [12]
A discussão que chegou ao conhecimento da Suprema Corte era se a proibição total de construção nos terrenos da ilha representava uma violação da Constituição Federal. No mérito do presente caso, a Corte Suprema entendeu que os terrenos de Lucas tornaram-se sem nenhum valor em decorrência da norma estadual. Também se firmou o posicionamento de que quando o proprietário sofria uma restrição que retirava todos os benefícios econômicos do uso, gozo e fruição da propriedade em nome do interesse público, na verdade, se estava diante de uma verdadeira desapropriação que deveria ser indenizada pelo Estado. Por fim, se admitiu que a Lei ambiental suprimisse o direito de propriedade, desde que essa supressão fosse devidamente indenizada. [13]
A questão do meio ambiente voltou a ser enfrentada pela Suprema Corte dos Estados Unidos, no caso C & A Carbone, Inc. v. Town of Clarkstown (1994), que teve origem quando uma cidade do estado de Nova Iorque permitiu que a instalação de uma usina de processamento de lixo dentro dos limites da cidade. Na oportunidade, a referida cidade se comprometeu a enviar para a usina uma quantidade de 120.000 (cento e vinte mil) toneladas de lixo sólido todos os anos e permitiu que a empresa contratada cobrasse a quantia de 81 (oitenta e um) dólares por cada tonelada recebida. Para atingir a quantidade de lixo esperada, a cidade de Clarktown obrigou que todo o lixo sólido fosse encaminhado para a nova usina. No entanto, a empresa C & A Carbone, com o intuito de evitar o pagamento da quantia de 81 (oitenta e um) dólares por tonelada de lixo, enviou os dejetos produzidos diretamente para um aterro sanitário localizado em outro estado. [14]
No caso em análise, a Suprema Corte dos Estados Unidos foi instada a resolver a questão se a norma da cidade de Clarkstown violava a cláusula do comércio interestadual (Interstate Commerce Clause), ao se impedir a comercialização do lixo com usinas de processamento de outros estados. No mérito, a Suprema Corte entendeu que havia violação da Constituição Federal, pois a Commerce Clause impedia o estabelecimento de discriminação contra o comércio interestadual em favor do comércio local. Asseverou-se, na oportunidade, que a norma somente seria constitucional, se atendesse a um legítimo interesse local. [15]
Por todo o exposto, conclui-se que o fenômeno da federalização da legislação ambiental nos Estados Unidos apresentou como vantagens o tratamento uniforme e adequado dos problemas ambientais que abrangem mais de um estado da federação e o combate às eventuais inércias de dezenas de estados norte-americanos na elaboração de normas de proteção ambiental. Por outro lado, a federalização da questão ambiental nos Estados Unidos trouxe como desvantagens a inércia de atuação do governo federal e a criação de uma legislação ambiental não completamente adequada às realidades regionais. [16]
No entanto, a proposta de descentralização da legislação ambiental nos Estados Unidos pode trazer graves problemas, cujo principal seria a criação de autênticos "subsídios ambientais" para a instalação de indústrias em determinados estados, em detrimento de outros locais mais rígidos na questão ambiental. [17]
Por fim, percebe-se, sem ter a pretensão de esgotar o tema, que mesmo que prevaleça a federalização da legislação ambiental nos Estados Unidos, o cumprimento das normas de proteção ambiental somente será, de fato, eficaz por meio da atuação conjunta dos entes federados. Além disso, conclui-se que as questões ambientais discutidas pela Suprema Corte dos Estados Unidos referem-se apenas reflexamente ao meio ambiente e estão mais diretamente relacionadas com a livre concorrência e o livre desenvolvimento das atividades comerciais (Commerce Clause) ou com a justa compensação dos proprietários nos casos de supressão do direito de propriedade ocasionados por normas de proteção ambiental (Takings ou Just Compensation Clause).
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
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- BUTLER, Henry N. e MACEY, Jonathan R. Using Federalism to Improve Environmental Policy. Washington: The AEI Press, 1996.
- CABRAL, Bruno Fontenele. "Takings clause" ou "just compensation clause". A última cláusula prevista pela 5ª Emenda à Constituição americana. Jus Navigandi, Teresina, ano 15, n. 2674, 27 out. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/17710/takings-clause-ou-just-compensation-clause. Acesso em: 17 nov. 2010.
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- ESTADOS UNIDOS. Suprema Corte. Minnesota v. Clover Leaf Creamery Co. (1981). Disponível em: <http://supreme.justia.com/us/449/456/case.html>. Acesso em: 20.11.2009.
- SCHEBERLE, Denise. Federalism and Environmental Policy - Trust and the Politics of Implementation. Washington: Georgetown University Press. 2ª Edição, 2004.
NOTAS:
- BESSA, Paulo. Federalismo e meio ambiente nos Estados Unidos. Disponível em: <http://www.oeco.com.br/paulo-bessa/16913-oeco_17938>. Acesso em: 15 nov. 2010.
- SCHEBERLE, Denise. Federalism and Environmental Policy - Trust and the Politics of Implementation. Washington: Georgetown University Press. 2ª edição, 2004, p. 01.
- BUTLER, Henry N. e MACEY, Jonathan R. Using Federalism to Improve Environmental Policy. Washington: The AEI Press, 1996, p. 4 a 15.
- ESTADOS UNIDOS. Constituição dos Estados Unidos da América. Commerce Clause: Art. I, Seção 8: "Será da competência do Congresso: Lançar e arrecadar taxas, direitos, impostos e tributos, pagar dividas e prover a defesa comum e o bem-estar geral dos Estados Unidos; mas todos os direitos, impostos e tributos serão uniformes em todos os Estados Unidos; Levantar empréstimos sobre o crédito dos Estados Unidos; Regular o comércio com as nações estrangeiras, entre os diversos estados, e com as tribos indígenas, Estabelecer uma norma uniforme de naturalização, e leis uniformes de falência para todo o país; Cunhar moeda e regular o seu valor, bem como o das moedas estrangeiras, e estabelecer o padrão de pesos e medidas; Tomar providências para a punição dos falsificadores de títulos públicos e da moeda corrente dos Estados Unidos; Estabelecer agências e estradas para o serviço postal; Promover o progresso da ciência e das artes úteis, garantindo, por tempo limitado, aos autores e inventores o direito exclusivo aos seus escritos ou descobertas; Criar tribunais inferiores à Suprema Corte; Definir e punir atos de pirataria e delitos cometidos em alto mar, e as infrações ao direito das gentes; Declarar guerra, expedir cartas de corso, e estabelecer regras para apresamentos em terra e no mar; Organizar e manter exércitos, vedada, porém, a concessão de crédito para este fim por período de mais de dois anos; Organizar e manter uma marinha de guerra; Regulamentar a administração e disciplina das forças de terra e mar; Regular a mobilização da guarda nacional (milícia) para garantir o cumprimento das leis da União, reprimir insurreições, e repelir invasões; Promover a organização, armamento, e treinamento da guarda nacional, bem como a administração de parte dessa guarda que for empregada no serviço dos Estados Unidos, reservando-se aos Estados a nomeação dos oficiais e a obrigação de instruir a milícia de acordo com a disciplina estabelecida pelo Congresso; Exercer o poder legiferante exclusivo no distrito (não excedente a dez milhas quadradas) que, cedido por determinados Estados e aceito pelo Congresso, se torne a sede do Governo dos Estados Unidos, e exercer o mesmo poder em todas as áreas adquiridas com o consentimento da Assembléia do Estado em que estiverem situadas, para a construção de fortificações, armazéns, arsenais, estaleiros e outros edifícios necessários; e Elaborar todas as leis necessárias e apropriadas ao exercício dos poderes acima especificados e dos demais que a presente Constituição confere ao Governo dos Estados Unidos, ou aos seus Departamentos e funcionários". Disponível em: <http://www.embaixada-americana.org.br/index.php>. Acesso em: 15 nov. 2010.
- ESTADOS UNIDOS. Suprema Corte. Huron Portland Cement Co. v. City of Detroit (1960). Disponível em: <http://law.jrank.org/pages/13464/Huron-Portland-Cement-Co-v-City-Detroit.html>. Acesso em: 16 nov. 2010.
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- CABRAL, Bruno Fontenele. "Takings clause" ou "just compensation clause". A última cláusula prevista pela 5ª Emenda à Constituição americana. Jus Navigandi, Teresina, ano 15, n. 2674, 27 out. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/17710/takings-clause-ou-just-compensation-clause. Acesso em: 17 nov. 2010.
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