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O novo regime de precatórios instituído pela Emenda Constitucional nº 62/2009

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Agenda 05/12/2010 às 10:49

8 REGIME ESPECIAL DE PAGAMENTO DE PRECATÓRIOS

A EC nº 62/2009, além de modificar substancialmente o art. 100 da CF, fez incluir o art. 97 ao ADCT, criando um novo regime de pagamento de precatórios, com previsão de parcelamento até quinze anos, vinculações à receita corrente líquida dos entes federativos, bem como estabeleceu novas formas destes pagarem os seus débitos.

O art. 97, caput, do ADCT, permite aos Estados, Distrito Federal e Municípios que estejam em mora no pagamento de precatórios a adoção de um regime especial, que exclui o sistema de pagamento previsto pelo art. 100 da CF.

As regras contidas no mencionado artigo serão aplicadas enquanto não for editada lei complementar à CF dispondo sobre regime especial de pagamento. O novo §15 do art. 100, CF, confere essa possibilidade ao legislador infraconstitucional, que não poderá incluir a União em tal regime, devido à regularidade em que esta vem pagando os seus débitos. Outrossim, o regime poderá ser criado independentemente das regras contidas no texto constitucional, com vistas a regularizar o pagamento de precatórios vencidos e não pagos por aquelas respectivas pessoas jurídicas de direito público.

Enquanto não editada a aludida lei complementar, os Estados, Distrito Federal e os Municípios que, na data da publicação da EC nº 62/2009, estejam inadimplentes com precatórios já vencidos, como também os emitidos durante a vigência do próprio regime especial, relativos à administração direta e à indireta, farão esses pagamentos sem precisar observar o disposto no art. 100 da CF. Estarão, por conseguinte, adstritos às normas contidas no art. 97 do ADCT.

O mencionado artigo, ao prever a mora dos entes federativos, incluiu todos os débitos judiciais constituídos e ainda pendentes de pagamento no dia 09.12.2009 pelas Fazendas Públicas estaduais, distrital e municipais, sujeitando-se às mesmas regras os débitos futuros, constituídos durante o exercício do regime especial.

Ademais, os precatórios parcelados na forma do art. 33 ou do art. 78 do ADCT e ainda pendentes de pagamento, ingressarão no regime especial com o valor atualizado das parcelas não pagas relativas a cada precatório, bem como o saldo dos acordos judiciais e extrajudiciais. A EC nº 62/2009 determinou a submissão de todos os créditos de precatórios pendentes de pagamento, ainda que já tenham sido objeto de parcelamento. A justificativa expressamente consignada no relatório da Il. Senadora Kátia Abreu, em parecer da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania sobre a PEC 12/2006, é de que "a exclusão de alguns tipos de precatórios fragiliza o sistema concebido para o regime especial", tendo em vista os inúmeros parcelamentos inadimplidos pelas Fazendas devedoras.

Os Estados, Distrito Federal e os Municípios poderão optar, por meio de ato do Poder Executivo, pelo regime especial mensal ou anual. O primeiro consiste em depósitos mensais, em conta especial, de valores correspondentes a percentuais incidentes sobre a receita corrente líquida. Nada obstante, o ente federativo poderá decidir pelo segundo sistema, que se perfaz através de depósitos anuais, ao longo de quinze anos, equivalente ao saldo total de precatórios devidos, dividido pelo número de anos restantes no regime especial. Segundo o art. 3º da EC nº 62/2009, esta escolha deverá ser feita até noventa dias contados da sua publicação, o que equivale até o dia 10.03.2009.

O sistema anual prevê o pagamento dos créditos inscritos em precatórios no prazo de quinze anos, devendo ser depositado em conta especial percentual correspondente, anualmente, ao saldo total dos precatórios devidos, acrescido do índice oficial de remuneração básica da caderneta de poupança e de juros simples no mesmo percentual de juros incidentes sobre a caderneta de poupança para fins de compensação da mora, diminuído das amortizações e dividido pelo número de anos restantes no regime especial de pagamento. Fica, ainda, excluída a incidência de juros compensatórios.

Optando pelo sistema de amortização mensal, os Estados, Distrito Federal e os Municípios deverão depositar mensalmente, em conta especial criada para tal fim, 1/12 (um doze avos) do valor calculado percentualmente sobre as respectivas receitas correntes líquidas, apuradas no segundo mês anterior ao mês de pagamento. A aplicação desse percentual poderá variar de 1% a 2%, dependendo do enquadramento previsto nos incisos I e II do §2º, do art. 97 do ADCT. Nos termos do §14 do mencionado artigo, este regime especial vigorará enquanto o valor dos precatórios devidos for superior ao valor dos recursos destinados ao seu pagamento.

De acordo com esse dispositivo, o Distrito Federal e os Estados das regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste, sujeitos ao regime especial, depositarão em conta especial um percentual de, no mínimo, 1,5% (um e meio por cento) sobre as respectivas receitas correntes líquidas, ao passo que os seus Municípios estarão sujeitos ao depósito de, no mínimo, 1% (um por cento) sobre as respectivas receitas correntes líquidas.

Por sua vez, os Estados das regiões Sul e Sudeste, cujo estoque de precatórios pendentes das suas administrações direta e indireta corresponder a até 35% (trinta e cinco por cento) do total da receita corrente líquida, e seus respectivos Municípios, cujo estoque de precatórios pendentes corresponder a mais de 35% (trinta e cinco por cento), estarão sujeitos ao depósito de, no mínimo, 1,5% (um e meio por cento) sobre as respectivas receitas correntes líquidas.

Já os Estados das regiões Sul e Sudeste que tiverem estoque de precatórios pendentes de suas administrações direta e indireta correspondente a mais de 35% (trinta e cinco por cento) da receita corrente líquida, poderão optar, por ato do Poder Executivo, pelo depósito em conta especial de, no mínimo, 2% (dois por cento) sobre as respectivas receitas correntes líquidas. Os Municípios dessas regiões e cujo estoque de precatórios pendentes corresponder a até 35% (trinta e cinco por cento) da sua receita, por sua vez, estarão sujeitos ao depósito de, no mínimo, 1% (um por cento) sobre as respectivas receitas correntes líquidas.

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O conceito de receita corrente líquida é apresentado pelo §3º do art. 97, do ADCT, que entende ser esta o somatório das receitas tributárias, patrimoniais, industriais, agropecuárias, de contribuições e de serviços, transferências correntes e outras receitas correntes, incluindo as oriundas do §1º do art. 20, da CF, verificado no período compreendido pelo mês de referência e os 11 (onze) meses anteriores, excluídas as duplicidades. Serão, todavia, deduzidas nos Estados, as parcelas entregues aos Municípios por determinação constitucional e, nos Estados, no Distrito Federal e nos Municípios, a contribuição dos servidores para custeio do seu sistema de previdência e assistência social e as receitas provenientes da compensação financeira referida no §9º do art. 201 da CF.

A conta especial acima referida será administrada pelo Tribunal de Justiça local, para pagamento de precatórios expedidos pelos tribunais ou juízos das execuções. Sem embargo disso, os recursos nela depositados não poderão retornar aos Estados, Distrito Federal e Municípios devedores. Além do mais, pelo menos 50% (cinqüenta por cento) de tais recursos serão utilizados para pagamento de precatórios em ordem cronológica de apresentação, respeitadas as preferências de créditos alimentares do mesmo ano e as de créditos alimentícios de idosos ou portadores de doença grave, até o triplo do limite para requisição de pequeno valor, para os requisitórios de todos os anos.

Nos casos em que não se possa estabelecer a precedência cronológica entre dois precatórios, conforme disposto no §7º, pagar-se-á primeiramente o precatório de menor valor.

Os entes federativos sob regime especial poderão destinar o restante dos recursos, mediante ato do Poder Executivo, para pagamento de precatórios por meio de leilão, ou para pagamento a vista de precatórios não quitados, em ordem única e crescente de valor por requisitório, ou ainda destiná-los a pagamento por acordo direto com os credores, na forma estabelecida por lei própria da entidade devedora, que poderá prever a criação e forma de funcionamento de câmara de conciliação.

Os precatórios, a partir da EC nº 62/2009, poderão ser legalmente quitados por meio de leilões, realizados por meio de sistema eletrônico administrado por entidade autorizada pela Comissão de Valores Mobiliários ou pelo Banco Central do Brasil. Nos termos do §9º do art. 97, ADCT, será admitida a habilitação de precatórios, ou parcela de cada precatório indicada pelo seu detentor, em relação aos quais não esteja pendente, no âmbito do Poder Judiciário, recurso ou impugnação de qualquer natureza.

No leilão, poderá ser feita, por iniciativa do Poder Executivo, a compensação com débitos líquidos e certos, inscritos ou não em dívida ativa e constituídos contra o devedor originário, pela Fazenda Pública devedora até a data da expedição do precatório, ressalvados aqueles cuja exigibilidade esteja suspensa, ou que já tenham sido objeto de abatimento nos termos do §9º do art. 100 da CF.

O leilão ocorrerá por meio de oferta pública a todos os credores habilitados, pelo respectivo ente federativo devedor, sendo realizado tantas vezes quanto necessário em função do valor disponível. A competição por parcela do valor total ocorrerá a critério do credor, com deságio sobre o valor desta. "Significa que deve receber aquele que oferecer um maior deságio, seguido, sucessivamente, pelos que forem oferecendo deságios vantajosos ao ente público devedor". (CUNHA, 2010, p. 353).

O §10 do mencionado artigo, introduzido pela EC nº 62/2009, traz hipóteses de sanção à pessoa jurídica de direito público devedora que não faça, tempestivamente, a liberação dos recursos depositados em conta especial. O Presidente do Tribunal poderá determinar o seqüestro de quantia nas contas de Estados, Distrito Federal e Municípios devedores, até o limite do valor não liberado. Ademais, será constituído, alternativamente, em favor dos credores de precatórios daqueles entes federativos, direito líquido e certo, autoaplicável e independentemente de regulamentação, à compensação automática de débitos lançados contra os próprios credores. Restando saldo, ainda, em favor destes, o valor terá automaticamente poder liberatório do pagamento de tributos de Estados, Distrito Federal e Municípios devedores, até onde se compensarem.

Outra hipótese de sanção, em caso de não liberação tempestiva dos recursos correspondentes, consiste na possibilidade do chefe do Poder Executivo responder na forma da legislação de responsabilidade fiscal e de improbidade administrativa. Além disso, enquanto perdurar a omissão, a entidade devedora não poderá contrair empréstimo externo ou interno, ficando impedida de receber transferências voluntárias. Igualmente, a União deverá punir o ente federativo devedor, retendo os repasses relativos ao Fundo de Participação dos Estados e do Distrito Federal e ao Fundo de Participação dos Municípios. Este valor retido deverá ser depositado nas contas especiais referidas no §1º, abertas especificamente para pagamento dos precatórios, não podendo o dinheiro ser retornado aos entes públicos.

Ressalvada a hipótese de não liberação dos recursos correspondentes à satisfação dos créditos pelo regime especial, os Estados, Distrito Federal e os Municípios devedores que estiverem realizando pagamentos conforme este regime, nos termos do §13 do art. 97 do ADCT, não poderão sofrer sequestro de valores.

O regime especial introduzido pela EC nº 62/2009 prevê a exclusão de grande parte das normas contidas no art. 100 da CF. No entanto, estas voltarão a ser observadas pelo ente federativo devedor adepto ao sistema mensal, quando o valor dos precatórios restar inferior ao dos recursos destinados ao seu pagamento. Caso a escolha tenha sido pelo sistema anual, este se findará com o final do prazo de quinze anos, quando voltará a ser aplicado o art. 100 da CF.

A EC no 62/2009 instituiu uma sistemática alternativa e transitória de liquidação das dívidas públicas, objeto de precatório judicial, que não tenham sido devidamente pagas. A referida Emenda, conforme o relatório da Il. Senadora Kátia Abreu, em parecer sobre a PEC nº 12/2006, da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania do Senado Federal, tem como finalidade expressa a seguinte:

Fica clara, portanto, a impossibilidade de muitos estados e municípios pagarem sua dívida de precatórios judiciais em curto espaço de tempo.

[...]

Seria desejável que os orçamentos dos estados e municípios permitissem a vinculação de maior volume de recursos ao pagamento de precatórios. A realidade, entretanto, é bem diferente.

A tentativa de equacionar o volume de precatórios não pagos pelos Estados, Distrito Federal e Municípios revela-se ambígua até mesmo neste relatório quando há o reconhecimento de que "mesmo vinculando os limites da receita corrente líquida previstos nesta PEC, não será possível liquidar todo o estoque de precatórios em atraso no prazo de quinze anos. A limitação imposta apenas cria um outro problema a ser resolvido daqui a quinze anos".

Marçal Justen Filho (2007, p. 164), em estudo sobre as mudanças no regime de pagamento dos precatórios, expostas na PEC nº 12/2006, entende haver os seguintes efeitos jurídicos derivados: a eliminação do dever de alocar recursos suficientes para a liquidação integral dos precatórios, a indeterminação dos montantes a serem alocados, a indeterminação quanto à data do pagamento, a eliminação da ordem cronológica de pagamentos e a redução indireta do valor real das dívidas estatais, visto que os créditos poderão ser liquidados mediante a oferta de um "desconto".

Alguém poderia afirmar que as inovações da PEC apenas refletiriam a incorporação pelo Direito de uma situação de fato já existente.

O argumento consistiria em que a Fazenda Pública já não paga as suas dívidas e, por isso, a PEC apenas estaria formalizando essa situação de fato, prevendo uma solução para que – ainda que danosa para os credores – seria menos nociva do que a continuidade do atual cenário.

Esse tipo de raciocínio é despropositado e descabido no plano das normas constitucionais.

O ponto fundamental reside em que qualquer alteração da disciplina constitucional deve ser examinada, em primeiro lugar, sob o prisma da sua compatibilidade com o sistema jurídico. Existem princípios e regras constitucionais que não comportam revogação ou modificação: a afirmativa de que, "na prática", esses princípios e regras não são observados, não autoriza a sua supressão da Constituição. (JUSTEN FILHO, 2007, p. 165-166).

A obrigatoriedade de se observar a ordem cronológica de inscrição dos precatórios demonstrou a moralização que o sistema de pagamento alcançou ao longo do tempo. A sua previsão em sede constitucional, desde 1934, significa a garantia de que o Estado deve pagar os seus débitos observando-se os princípios constitucionais, ínsitos ao Estado Democrático de Direito. Este, por sua vez, abrange o valor democrático do acesso à justiça, que pressupõe o acesso a uma justiça justa e efetiva. Isso não poderia ser diferente ao modo de executar os débitos contra a Fazenda Pública.

O regime especial por depósitos anuais, no prazo de quinze anos, é compreendido por Leonardo José Carneiro da Cunha como uma afronta ao princípio constitucional da duração razoável do processo, haja vista não ser compatível com um processo justo, que ofereça resultados efetivos num prazo razoável. Como é afirmado na ADI nº 4.357, o parcelamento de débitos em quinze anos é "verdadeira zombaria, galhofa que se faz ao jurisdicionado e ao próprio Poder Judiciário". Ademais disso, a mencionada ADI assevera que o Poder Público não pode impor ao jurisdicionado a forma e o tempo em que o pagamento vai ocorrer, tendo em vista que o precatório nada mais é do que a garantia constitucional de cumprimento das decisões judiciais.

A nova moratória conferida aos entes estatais representa ao credor da Fazenda Pública a sujeição a mais um prazo, para então ter adimplida aquela obrigação constante de decisão judicial já transitada em julgado. A confiança legítima que se deve ter frente aos atos públicos, segundo Leonardo José Carneiro da Cunha, põe-se em risco, porquanto o princípio da boa-fé deixa de ser atendido, em razão de ausência de conteúdo ético na atuação do ente federativo devedor.

Para que se atenda à boa-fé e à confiança, garantindo-se um mínimo de conduta ética e de estabilização nas relações jurídicas, é preciso que se continue a conferir primazia à coisa julgada, afastando-se qualquer instabilidade ou desconfiança nas decisões proferidas pelo Judiciário, cuja função e atividade devem ser fonte de segurança, respeito e confiabilidade por parte dos jurisdicionados. (CUNHA, 2010, p. 359).

Ao instituir o regime especial por depósitos mensais, o legislador fixou percentuais que variam entre 1% e 2%, incidentes sobre as receitas correntes líquidas dos entes fazendários. O montante das condenações judiciais não é observado, pois as alocações de recursos serão promovidas segundo o critério de uma porcentagem sobre a receita. "Portanto, a elevação das condenações passará a ser algo indiferente. Sucessivas, reiteradas e vultosas condenações não trarão conseqüência alguma" (JUSTEN, 2009, p. 1).

Nas palavras da ADI nº 4.357,

com efeito, a consignação direta ao Poder Judiciário das dotações orçamentárias e dos créditos abertos ao pagamento de precatórios, bem como a intenção do constituinte derivado de frustrar esses pagamentos devidos, e já reconhecidos pela autoridade da decisão judicial, não podem ser passíveis de contingenciamento, daí a inconstitucionalidade do dispositivo ao limitar a receita destinada ao pagamento de precatórios aos percentuais de receita líquida dos entes federativos (art. 97, §2º, incisos I, alíneas ‘a’ e ‘b’, e II, alíneas ‘a’ e ‘b’), sendo claro que os valores devem compreender a integralidade dos precatórios devidos, justamente para que até o final do exercício seguinte se opere o pagamento daqueles apresentados até 1º de julho.

Diante do exposto, percebe-se que o regime especial por depósitos mensais, em percentuais fixos, tem sido criticado pelo fato destes estarem previamente, e de forma abstrata, estabelecidos no art. 97 do ADCT, afigurando-se inconstitucional.

Ademais disso, a vinculação de 50% (cinqüenta por cento) dos recursos destinados ao pagamento de precatórios na ordem cronológica, deixando os valores restantes para realização de leilões, ou pagamento a vista por ordem única e crescente de valor por precatório, como também para acordo direto com os credores, configura um desrespeito aos postulados da coisa julgada, da segurança jurídica e ao princípio da ordem cronológica de apresentação dos precatórios. Segundo o entendimento esposado na mencionada ADI,

é dizer, de outro modo, que aquele que não optar em abrir mão de parte de seu crédito e pretender recebê-lo integralmente acaba sendo castigado pela punição restritiva da limitação orçamentária, sobretudo pela redução dos recursos disponíveis para pagamento de seus direitos reconhecidos em sentença judicial [...].

Para Leonardo José Carneiro da Cunha, a situação se agrava quando o ente público adota o regime por depósitos mensais, seguindo-se da alienação por leilão com oferta pública do valor. Nesse caso, os credores que oferecerem maior deságio serão priorizados, e o regime somente se encerrará quando o valor dos precatórios devidos for inferior ao dos recursos vinculados ao seu pagamento.

Nas lições do mencionado professor, a instituição do regime especial termina por violar o princípio constitucional da moralidade, insculpido no art. 37 da CF. A moralidade administrativa deixa de ser observada quando descumprida determinada decisão, bem como frustrada uma expectativa legítima criada pela própria Administração.


9 CONCLUSÃO

No novo regime instituído pela EC nº 62/2009, o legislador atuou em prol do equacionamento da dívida pública inscrita em precatórios, contrapondo-se de forma desarrazoada ao interesse privado. A moralidade pública consiste na conduta impulsionada por forte carga ética, respeitando-se os direitos e garantias fundamentais, inerentes a qualquer Estado Democrático de Direito. Com base nos fundamentos acima expostos é que a ADI, proposta pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil e demais entidades, pugna pela inconstitucionalidade da EC nº 62/2009.

As mudanças advindas com a mencionada Emenda são objeto de críticas dos mais diversos setores da sociedade, sobretudo por se tratar de obrigação de pagamento de quantia já reconhecida em sentença, e cujos titulares de tal direito enfrentam inúmeros óbices para o seu recebimento. Do ponto de vista jurídico, esta Emenda ainda pode ser declarada inconstitucional pelo STF, em face das suas implicações com os princípios constitucionais, a exemplo da razoável duração do processo, moralidade, Estado de Direito, ato jurídico perfeito e direito adquirido.


10 REFERÊNCIAS

ASSIS, Araken de. Manual da Execução. 12 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009.

CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de Direito Processual Civil. 15 ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, v. 2.

CUNHA, Leonardo José Carneiro da. A Fazenda Pública em juízo. 8 ed. rev. e atual. São Paulo: Dialética, 2010.

DIDIER JR, Fredie; CUNHA, Leonardo José Carneiro da; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael. Curso de Direito Processual Civil. 2 ed. rev. e atual. Salvador: Jus Podivm, 2010, v. 5.

JUSTEN FILHO, Marçal. Emenda dos precatórios: calote, corrupção e outros defeitos. Informativo Justen, Pereira, Oliveira e Talamini, nº 34, dez./09. Disponível em: <http://www.justen.com.br/informativo>. Acesso em: 03 mar. 2010.

_________. Estado Democrático de Direito e responsabilidade civil do Estado: a questão dos precatórios. Revista de Direito Público da Economia – RDPE, Belo Horizonte, ano 5, n. 19, p. 159-208, jul./set. 2007. Disponível em: <http://www.justen.com.br/informativo34/artigos/marcal.pdf>. Acesso em: 03 mar. 2010.

MARINONI, Luiz Guilherme. Curso de Processo Civil. 2 ed. rev. e atual. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007, v. 3.

VIANA, Juvêncio Vasconcelos. Novas considerações acerca da execução contra a Fazenda Pública. Revista Dialética de Direito Processual (RDDP), n. 5, ago-2003, p. 54-68.


Notas

  1. "§4º. O Presidente do Tribunal competente deverá, vencido o prazo ou em caso de omissão no orçamento, ou preterição ao direito de precedência, a requerimento do credor, requisitar ou determinar o sequestro de recursos financeiros da entidade executada, suficientes à satisfação da prestação."
  2. §7º. O Presidente do Tribunal competente que, por ato comissivo ou omissivo, retardar ou tentar frustrar a liquidação regular de precatórios incorrerá em crime de responsabilidade e responderá, também, perante o Conselho Nacional de Justiça.
  3. Art. 1º-F, da Lei nº 9.494/97: "Nas condenações impostas à Fazenda Pública, independentemente de sua natureza e para fins de atualização monetária, remuneração do capital e compensação da mora, haverá a incidência uma única vez, até o efetivo pagamento, dos índices oficiais de remuneração básica e juros aplicados à caderneta de poupança".
  4. Nesse sentido, julgamento do Ag nº 2009.02.01.012289-7, pelo rel. Desemb. Alberto Nogueira, publicado no DJE em 15.04.10, de cuja ementa se extrai: PROCESSO CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. EXECUÇÃO DE TÍTULO JUDICIAL. REQUISITÓRIO DE PEQUENO VALOR. RESOLUÇÃO Nº 559 DO CJF. ATUALIZAÇÃO DOS DÉBITOS. 1. A matéria atinente aos requisitórios de pequeno valor é disciplinada, no âmbito da Justiça Federal, nos termos da Resolução n° 559 do CJF, que preconiza os critérios de atualização dos débitos, independentemente do ente político destinatário do crédito. 2. A Resolução n° 559 do Conselho da Justiça Federal dispõe no artigo 9° que para efeito da atualização monetária de que trata este instrumento, será utilizado o Índice de Preços ao consumidor Ampliado, série Especial- IPCA-E, divulgado pelo IBGE, ou aquele que vier a substituí-lo. 3. A Turma, por unanimidade, negou provimento ao agravo de instrumento.
Sobre o autor
Ricardo Barreto Prata Filho

Bacharelando do curso de Direito na Universidade Salvador - UNIFACS.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PRATA FILHO, Ricardo Barreto. O novo regime de precatórios instituído pela Emenda Constitucional nº 62/2009. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2713, 5 dez. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/17935. Acesso em: 5 nov. 2024.

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