4 - INTERESSE NECESSIDADE: USO DA VIA JURISDICIONAL
Ao provocar o Estado por meio de uma ação coletiva lato sensu, o legitimado acredita que a proteção ao interesse transindividual em jogo somente será obtida através do ajuizamento da demanda. Assim, o Poder Judiciário é chamado a intervir para solucionar uma questão que diz respeito a interesses de uma pluralidade de titulares e que exige uma intervenção estatal pronta e efetiva.
Em ações coletivas para defesa de interesses transindividuais, há duas classes de interessados: aquele cujo interesse de agir é presumido e os demais, que devem demonstrar em concreto essa condição.
A partir do art. 129 da Constituição Federal, fica explicito que o Ministério Público tem como função institucional promover a "proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos", além disso, o art. 499, § 2º do Código de Processo Civil, determina que cabe recurso do Ministério Público nos processos em que atuou como parte e nos processos em que oficiou como fiscal da lei. Diante dessa total previsão constitucional e legal, é de se presumir que o Ministério Público sempre tem interesse de agir quando estão em juízo interesses difusos e coletivos.
Mas é necessário esclarecer que o interesse do Ministério Público é balizado pela indisponibilidade do interesse ou do direito que exige proteção, considerando que este órgão está voltado, desde sua gênese, para a defesa da coletividade. O reconhecimento do interesse público ou social está na lei e obriga a atuação do Ministério Público, assim, a "única hipótese em que seria admissível a recusa da atuação ministerial, ainda que exigida por lei, seria se a norma infraconstitucional" [20]atribuísse ao órgão ministerial algo que estivesse em desacordo com as suas finalidades institucionais determinadas pela Constituição Federal. Desse modo, o interesse de agir do Ministério Público é presumido, posto que, está expresso no ordenamento jurídico.
A partir da Lei 11.448 de 15 de janeiro de 2007, o art. 5º da Lei 7.347/85 foi alterado e a Defensoria Pública foi legitimada para propositura de ação civil pública, neste caso, é razoável questionar se, por analogia, existiria interesse presumido para este órgão, considerando sua atribuição constitucional de instituição essencial à função jurisdicional do Estado, à semelhança do Ministério Público. Um esclarecimento desta questão adota, como fundamento, a missão institucional atribuída pela lei ao Ministério Público e à Defensoria Pública, conforme segue:
De outra ponta, observa-se que o Ministério Público possui vocação natural para defesa da sociedade, art. 127 e art. 129, ambos da CF/88, para causas onde haja interesse público, por sua vez à Defensoria Pública incumbe a orientação e a defesa, em todos os graus, dos necessitados, na forma do art. 5º, LXXIV e do art. 134 da CF/88, ou seja, a atuação da Defensoria Pública abrange apenas a assistência jurídica integral e gratuita aos que apresentarem insuficiência de recursos.
Assim, a atuação da Defensoria Pública nas ações civis públicas orienta-se pelo fundamento de sua missão, ou seja, apenas na defesa dos necessitados. Portanto, não possui a Defensoria Pública legitimação ativa universal para todas as ações civis públicas, mas apenas para aquelas em que esteja evidente a proteção e defesa de direitos dos necessitados. [21]
Quantos aos demais legitimados para o polo ativo da ação civil pública, é necessário demonstrar que têm interesse de agir, que há interesse público emanado de questão social de relevância reconhecida, que justifique suas atuações .
Os entes federados – União, Estado, Município e Distrito Federal – no exercício da defesa coletiva, devem obrigatoriamente observar um interesse adequação, representado pelo fato de que a interpretação do interesse é feita de forma centrífuga (de dentro para fora), restringindo a atuação no âmbito de suas respectivas áreas de jurisdição:
Portanto, para que um ente federado ingresse com ação coletiva de proteção ao direito do consumidor, é necessário que a lesão ocorra, primeiramente, dentro de sua área de jurisdição administrativa, ou em termos mais precisos, dentro de seu território. [22]
5. CONCLUSÃO
No ordenamento jurídico brasileiro, a proteção aos direitos difusos e coletivos parte do texto constitucional e consolida-se nas diversas leis que regulamentam o tratamento jurídico às questões que diuturnamente chegam aos juízes e tribunais: responsabilidade por danos causados ao meio-ambiente, ao consumidor e ao patrimônio cultural (Lei 7.347/85), indenização ou reparação dos danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por atividade industrial (Lei 6.938/81), atenção especial às necessidade de pessoas portadoras de deficiências (Lei 7.853/89), responsabilidade por danos causados aos investidores no mercado de valores mobiliários (Lei 7.913/89), diferenciada proteção integral à criança e ao adolescente (Lei 8.069/90), defesa do consumidor conforme previsão do texto da Carta Magna (Lei 8.078/90), sanções aplicáveis aos agentes públicos nos casos de enriquecimento ilícito no exercício de mandato, cargo, emprego ou função na administração pública direta, indireta ou fundacional (Lei 8.429/92), dentre outras demandas regulamentadas em lei específicas.
A tutela de direitos difusos e coletivos mostrou que a sistemática individual de provocar a jurisdição estatal não se aplicava aos interesses transindividuais, em função de suas características de indeterminação da titularidade, da indivisibilidade do direito e da indisponibilidade do interesse. Para tornar efetiva a proteção a esses interesses, a Constituição Federal deu ao Ministério Público a função institucional de "promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos", conforme dispõe o art. 129, III.
Posteriormente, a legislação infraconstitucional alargou o rol de legitimados extraordinários, por reconhecer a necessidade de maior número de entes incumbidos e pelo volume de demandas envolvendo interesses difusos que exigiam o atendimento imediato. Isto permite que determinado legitimado, que não seja titular do direito material, vá a juízo na defesa de interesse alheio, configurando a legitimação extraordinária, situação excepcional que depende de autorização legal, chamada Substituição Processual.
A substituição processual é necessária para a defesa dos interesses difusos e coletivos, dada a fragilidade e o baixo grau de organização da sociedade, particularmente, as camadas mais carentes e suscetíveis de manipulação, cujo nível de informação é deficiente e distorcido. Sem a substituição processual, dificilmente as questões relativas a interesses difusos teriam chegado ao Poder Judiciário, em número e modo de interpelação, para mover o Estado na busca de soluções.
Merece destaque o desempenho do Ministério Público como órgão de defesa da sociedade e efetivo no uso do Inquérito Civil e da Ação Civil Pública, como instrumentos de provocação do Estado, na diversidade de demandas e em número tal que se sobrepõe a qualquer outro legitimado.
O instituto jurídico do interesse processual ou interesse de agir constitui requisito para o exercício do direito de ação pela verificação do interesse necessidade-adequação do provimento jurisdicional. Isto significa que é impossível, aos titulares dos interesses difusos e coletivos, ter sua pretensão reconhecida e satisfeita, sem a tutela do Poder Judiciário e sem a seleção da via certa para levar a demanda até o juiz natural.
Por fim, a tutela de direitos difusos mostra que é necessária a intervenção do Poder Judiciário, dada a dimensão e/ou a complexidade dos direitos relativos a grupos ou populações, sem o que as soluções individuais poderiam ser discordantes entre si, insatisfatórias para os interessados e, onerosas para o Estado e a sociedade.
6. REFERÊNCIAS
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COSTA, Susana Henriques da. Comentários à Lei de Ação Civil Pública – art. 5º. Comentários à Lei de Ação Civil e Lei de Ação Popular, São Paulo: Quartier Latim, 2006. Material da disciplina Processo Civil:Grandes Transformações, Pós-Graduação Lato Sensu UNIDERP – REDE LFG.
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Notas
- DIDIER JR., Fredie. Curso de Direito Processual Civil. Teoria Geral e Processo de Conhecimento. Vol. 1, 10ª Ed. Salvador: Ed. Jus Podium, 2008. p. 172.
- BUENO, Cassio Scarpinella. O modelo constitucional do Processo Civil. Porto Alegre: TRF – 4ª Região, 2009 (Caderno de Direito Processual Civil: módulo 7)
- GRINOVER, Ada Pellegrini. DIREITO PROCESSUAL COLETIVO. Disponível em: www.ufrnet.br/.../grinover_direito_processual_coletivo_principios.pdf - Acesso em: 26.10.09
- Segundo Cândido Rangel Dinamarco: "Essa teoria é de larga predominância na doutrina brasileira e o Código de Processo Civil brasileiro acatou-a claramente ao mandar que o processo se extinga sem julgamento do mérito quando faltar uma das condições da ação e esclarecer que se têm como tais a possibilidade jurídica, o interesse e a legitimidade (art. 267, inc.VI). Não é correto tachar de eclética a teoria de Liebman, acatada pelo Código: ela é abstrata, porque não inclui a existência do direito do autor entre as condições da ação, limitando-se a condicionar a ação a requisitos que a situação jurídico-substancial fornece em cada caso." Ver em: Instituições de Processo Civil. Vol.II, p. 331.
- DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de Direito Processual Civil. Vol. II, 6ª Ed. São Paulo: Malheiros Ed., 2009. p. 305.
- "O Processo Civil rege-se pelo Princípio Dispositivo (iudex secundum allegata partium iudicare debet), somente sendo admissível excepcionar sua aplicação quando razões de ordem pública e igualitária o exijam, como, por exemplo, quando se esteja diante de causa que tenha por objeto direito indisponível (ações de estado) ou quando o julgador, em face das provas produzidas, se encontre em estado de perplexidade ou, ainda, quando haja significativa desproporção econômica ou sócio-cultural entre as partes." STJ, 4ª T., Resp. Nº 33.200/SP, Rel. Min. Sávio de Figueiredo Teixeira. Apud. THEODORO JUNIOR, Humberto. Código de Processo Civil Anotado. Rio de Janeiro, Ed. Forense, 2008, p.3
- DIDIER JR., Fredie. op. cit., p. 182.
- DUARTE, Francisco Carlos ; MONTENEGRO, Juliana Ferreira. AÇÃO COLETIVA NA SOCIEDADE DE RISCO. Disponível em:
- NUSDEO, Ana Maria de. Justiça Ambiental. Disponível em: http://www.esmpu.gov.br/dicionario/tiki-index.php?page=Justi%C3%A7a+ambiental. Acesso em: 03.11.2009 MAZZILLI, Hugo. Questões polêmicas sobre a ação civil pública. Revista da Escola Nacional de Magistratura, v. 1, n. 1, abr. 2006, p. 56.
- BRASIL. Lei 7.347 de 24 de julho de 1985. Art. 5º, incisos I a V
- Apud Rodolfo de Camargo Mancuzo. Ação Civil Pública: em defesa do meio ambiente, patrimônio cultural e dos consumidor; 11 ed, São Paulo, Ed. Revista dos Tribunais, 2009, p. 114.
- BRASIL. Lei 7.347 de 24 de julho de 1985. Art. 5º, §§ 2º e 5º.
- COSTA, Susana Henriques da. Comentários à Lei de Ação Civil Pública – art. 5º. Comentários à Lei de Ação Civil e Lei de Ação Popular, São Paulo: Quartier Latim, 2006. Material da disciplina Processo Civil:Grandes Transformações, Pós-Graduação Lato Sensu UNIDERP – REDE LFG. p. 3-4.
- FIGUEIREDO, Lúcia Valle. Ação Civil Pública - Gizamento Constitucional. Revista Eletrônica de Direito do Estado, Salvador, Instituto de Direito Público da Bahia, no. 7, julho/agosto/setembro, 2006.
- VIEIRA, Fernando Grella. "A transação na esfera da tutela dos interesses difusos e coletivos: Compromisso de Ajustamento de Conduta", in Édis Milaré (Coordenador), Ação Civil Pública: lei 7.347/85 – 15 anos; 2 ed. Rev. e atual- São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2002, p. 271.
- COSTA, Susana Henriques da., Op. cit. p. 6.
- GOMES, Nadilson; COSTA, Priscilla Tereza de Araújo. Ação Civil Pública: Legitimidade da Propositura pelo Ministério Público e Defensoria Pública, Singularidades. Belém, PA, 2007. Disponível em:http://www.mp.pa.gov.br/caocidadania/links/areasdeatuacao/direitos/doutrina/legitimidade_mp_defensoria_acp.html; Acesso em: 05/11/09.
- MAZILLI, Hugo Nigro., Op. cit., p. 226.
- MAZILLI, Hugo Nigro., op. cit., p. 261.
- GOMES, Nadilson; COSTA, Priscilla Tereza de Araújo., op. cit.
- ARAÚJO JÚNIOR, Pedro Dias de. Aspectos Processuais da Tutela Coletiva do Consumidor patrocinada pelo Estado lato sensu.Revista de Direitos Difusos, Ano V, Vol. 28. Novermbro-Dezembro/2004, p. 4005.
www.conpedi.org/manaus/arquivos/.../francisco_carlos_duarte.pdf – Acesso em: 19.11.2009.
Disponível em: http://www.direitodoestado.com.br Acesso em: 04 .11. 09