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Tributação no Estado Democrático de Direito.

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Agenda 09/12/2010 às 15:44

Analisa-se o perfil de cada um dos impostos atribuídos à competência tributária da União, valendo-nos do paradigma do Estado Democrático de Direito.

I - INTRODUÇÃO

O propósito do presente estudo é analisar o perfil de cada um dos impostos atribuídos à competência tributária da União (impostos federais), valendo-nos de uma visão de mundo (paradigma) do Estado Democrático de Direito, o qual exige que até mesmo a tributação se conforme aos valores esposados pelo texto constitucional, dentre os quais se inclui a capacidade contributiva, a legalidade, o princípio republicano e democrático, o princípio federativo, dentre inúmeros outros, que não têm sua produção de efeitos alijada do subsistema tributário. Os princípios constitucionais, consequentemente, desempenharão papel central na especulação e construção destas exações federais.

Inicialmente serão trabalhadas algumas noções prévias necessárias ao arsenal teórico com o qual enfrentaremos o tema, como, por exemplo, a legitimidade da tributação no paradigma do Estado Democrático de Direito. Também merecem ser trabalhadas previamente as espécies tributárias, o que permite o delineamento de nosso estudo, qual seja, os impostos federais, que são uma das espécies tributárias prevista pelo nosso ordenamento jurídico, ao lado de outras exações cujo conjunto é referente ao gênero "tributo". Além desses assuntos, outros também serão abordados antes da análise dos impostos federais propriamente ditos, com o que buscamos um arcabouço teórico suficiente para uma compreensão mais clara do tema que nos propomos a analisar.

O ponto principal, ou seja, nosso objetivo primordial com tudo isso, é traçar a regra-matriz de incidência dos impostos federais. Contudo, obviamente, dado as dimensões deste trabalho, não conseguiremos atingir conclusões exaustivas, mas, como o próprio título do presente trabalho nos diz, somente breve apontamentos, que, conquanto breves, confiram uma visão bastante para que o leitor, com base neste texto, possa desenvolver uma visão crítica de cada imposto federal, baseada em princípios jurídicos e em um paradigma contemporâneo, de modo a não ficar preso a lugares comuns nem à uma compreensão acrítica da jurisprudência pátria.

Ciente de nossas limitações, segue nossa humilde contribuição ao tema que, intrinsecamente ligado à autonomia privada e a liberdade do cidadão (pois, os tributos são uma agressão à esfera patrimonial privada), hoje, merece ter uma leitura principiológica como todos os demais ramos do Direito.


II – TRIBUTAÇÃO NO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO

1. Legitimidade do Poder de tributar e a disciplina jurídico-tributária no Estado Constitucional Democrático (relação jurídica)

Poder é uma noção de difícil delineamento, sendo cercado de incertezas. Normalmente, é apontado como referência à alguns termos: dominação, força, superioridade, autoridade, influência, soberania, império. Na verdade, o poder é fato da vida social, é fenômeno sociocultural que se baseia tanto na força como na crença, crença na necessidade de obedecer aos governantes (detentores do poder político). A noção pode ser apontada como "a capacidade de impor a própria vontade numa relação social" ou a "possibilidade de eficazmente impor aos outros o respeito da própria conduta ou de traçar a conduta alheia". Deste modo, temos que poder é algo que não se encontra nos lindes do Direito, não é algo jurídico, mas fático, é dado da realidade.

Por tais motivos, o poder não pode ser concebido como válido ou inválido, como se pudesse ser confrontado com alguma norma jurídica, mas legítimo ou ilegítimo, conforme esteja sendo exercido por aquele que, segundo a concepção adotada, seria o titular ou não do poder. Atualmente, o poder político é, em uma concepção democrática, titularizado pelo povo, nos exatos termos do art. 1, parágrafo único, da CF/88, verbis:

"Parágrafo único. Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição."

Mas nem sempre foi assim. Devemos ter em mente que inexiste Estado sem poder, e isso porque o poder é um dos elementos que necessariamente compõem o Estado, que segundo doutrina corrente são: i) povo; ii) território e iii) governo soberano (poder). [01]

Pois bem, o Estado é entidade soberana. No plano internacional representa a nação em sua relação com as outras nações, e no plano interno tem o poder de governar todos os indivíduos que se encontrem em seu território. Logo, a soberania é um poder que não reconhece outro que lhe seja superior, e no exercício dessa soberania, ele exige que os indivíduos lhe forneçam os recursos de que necessita, podemos dizer: institui tributos. Desta forma, o poder de tributar nada mais é que um aspecto da soberania estatal, ou uma parcela desta, o que suscita uma análise de sua legitimidade.

Neste contexto, antes, a tributação era realizada de modo tirânico: o monarca, que reinvindicava a soberania para si, "criava" os tributos e os súditos deviam suportá-los, sem qualquer garantia ou possibilidade de resistência. No entanto, sua origem remota adveio da guerra, foi uma imposição do vencedor sobre o vencido, uma relação de escravidão, portanto. Como leciona Luciano Amaro:

"Tributo, como prestação pecuniária ou em bens, arrecadada pelo Estado ou pelo monarca, com vistas a atender aos gastos públicos e às despesas da coroa, é uma noção que se perde no tempo e que abrangeu desde os pagamentos, em dinheiro ou bens, exigidos pelos vencedores aos povos vencidos (à semelhança das modernas indenizações de guerra) até a cobrança perante os próprios súditos, ora sob o disfarce de donativos, ajudas, contribuições para o soberano, ora como um dever ou obrigação." [02]

No transcorrer da história, desde os escritos de Aristóteles (A política), passando por Políbio (Histórias), depois Locke (Segundo tratado sobre o governo), Russeau e Montesquieu (Espírito das leis), sempre houve a preocupação de limitação do poder para a construção de um governo moderado, em que há um contraponto dentro do próprio exercício da soberania (poder soberano), de modo a mantê-la dentro de algumas balizas. Neste contexto, o constitucionalismo pode ser concebido como movimento ideológico e filosófico que prega a limitação do poder para a garantia de direitos, tendo reformulado, na evolução histórica, a concepção de Direito e de Estado, o que, impreterivelmente, haveria de repercutiu no Poder de Tributar.

Conforme foram sagrando-se vitoriosos os movimentos constitucionais, através do constitucionalismo clássico, constitucionalismo social e o neoconstitucionalismo, o Estado passou a ter novos fins, nova caracterização. De um Estado liberal (gendarme, nightwatcher, Rechtsstaat), passando por um Estado social (Welfare State), chegamos ao Estado Democrático de Direito (ou Estado Constitucional Democrático). A tributação também altera-se com a evolução do Estado, a exemplo das contribuições, que são tributos que somente se justificam na compreensão de um Estado Social intervencionista, em que há um agigantamento da máquina pública para propiciar prestações positivas aos cidadãos.

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Neste diapasão, a justificação do Poder de Tributar passou a residir no consentimento dos cidadãos, por meio de seus representantes, o que se faz através de lei. É ínsito ao constitucionalismo clássico a consagração da lei (princípio da legalidade) como instrumento de garantia do cidadão frente ao Estado, passando a legalidade a constituir pedra fundamental da estruturação jurídica de todo aparato estatal. No direito norte-americano, a ideia é representada pelo brocardo "no taxation without representation" (não haverá cobrança de tributo sem representação), cuja representação remonta, exatamente, ao princípio da legalidade. Trata-se do que CARRAZZA [03] denomina de autotributação, que se manifesta: i) no consentimento das pessoas que devem suportar os tributos; ii) na vinculação da Administração Tributária à este consentimento, o qual é corporificado na lei. Isto é decorrência de nossos princípios republicano e democrático.


2. Relação jurídico-tributária no Estado Democrático de Direito, a competência tributária e sua delimitação pela Constituição

Pelo que foi dito acima, atualmente, a dívida de tributo estruturou-se como uma relação jurídica, na qual o dever de pagar tributo é estritamente regrado pela lei, ou seja, tributo é uma prestação que deve ser exigida nos termos previamente definidos pela lei, lei esta que é uma manifestação da vontade popular. Segundo Hugo de Brito Machado:

"Nos dias atuais, entretanto, já não é razoável admitir-se a relação tributária como relação de poder, e por isto mesmo devem ser rechaçadas as teses autoritaristas. A ideia de liberdade, que preside nos dias atuais a própria concepção do Estado, há de estar presente, sempre, também na relação de tributação." [04]

É justamente nesta concepção que vem previsto no art. 3º, do CTN o conceito de tributo, o qual possui os seguintes elementos: a) prestação pecuniária compulsória; b) em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir (redundância) [05]; c) não constitua sanção de ato ilícito; d) instituída em lei; e) cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada.

Pincelemos, por ser primordial para nossa análise, o elemento constante da letra "c", que, na verdade, nada mais é do que expressão do princípio da legalidade. Este requisito do tributo (legalidade) garante segurança jurídica diante da tributação, uma vez que de nada adiantaria a Constituição haver protegido a propriedade privada (art. 5º, XXII, e 170, II, ambos da CF/88) se inexistisse garantia cabal e solene de que os tributos não seriam fixados ou alterados por outro ato que não fosse o exarado pela lei (ou força à ela equivalente). Além disso, é justamente a legalidade que preenche a exigência democrática da tributação, eis que somente por consentimento popular (legislativo) é que podem ser exigidos tributos (autotributação).

Mas não podemos nos limitar a uma análise superficial dessa questão, é preciso que aprofundemos um pouco mais a análise da legalidade tributária. Neste diapasão, podemos dizer que no paradigma do Estado Democrático de Direito a própria lei deve atentar aos princípios constitucionais, mormente os contidos no chamado "Estatuto do Contribuinte" [06], apelido carinhoso dado aos dispositivos que veiculam garantias do contribuinte frente o legislador, as quais, como reconhecido pelo STF, possuem até mesmo cláusula pétreas, que a "competência reformadora da constituição" (poder constituinte derivado) não pode tocar, estando aí a tônica do Estado Constitucional.

Normalmente o Estado de Direito é confundido com o Estado Constitucional (Estado Democrático de Direito), entretanto, isto é um equívoco. No Estado de Direito os atos do Executivo e do Judiciário estão submetidos ao princípio da legalidade, contudo, o Legislativo é livre para atuar, já que este princípio não pode ser aplicado, por imposição lógica, à legislação. Com efeito, se é a legislação que serve de parâmetro para atuação estatal, então, esta mesma legislação, por conseguinte, é livre. Em tais Estados (Estado de Direito), o absolutismo do rei é substituído pelo absolutismo do parlamento (supremacia do parlamento e não da constituição). Diferentemente, no Estado Constitucional, a constituição funciona como fundamento de validade de toda ordem jurídica, disciplinando não só a atuação do Executivo e Judiciário, como também do legislativo, vigendo, aí sim, a supremacia da constituição.

Destarte, no Estado Constitucional, o legislador encontra limites jurídicos nas normas constitucionais, as quais traçam o perfil de cada exação, de forma que a competência tributária é delimitada através da conjugação das normas que tratam especificamente de cada tributo com os princípios constitucionais, como o republicano, federativo, segurança jurídica, igualdade, anterioridade etc., além dos princípios específicos de cada tributo (ex. IR deve obedecer à anterioridade, generalidade, progressividade etc.). Daí podermos concluir, juntamente com CARRAZZA [07], que, no Brasil, por força de uma séria de disposições constitucionais, não há falar em poder tributário (incontrastável, absoluto), mas, tão somente, em competência tributária (regrada, disciplinada pelo Direito). Poder tributário tinha a Assembléia Constituinte, que era soberana. Ela realmente tinha um poder ilimitado pelo ordenamento vigente, inclusive em matéria tributária. Contudo, a partir do momento em que promulgada a constituição, o Poder Tributário retornou ao povo (detentor da soberania), restando aos poderes constituídos as competências tributárias.


3) Competência tributária e federalismo

A Constituição não institui tributo, pois não é seu papel descer a tais especificidades. A constituição é a Carta das competências tributárias, ou seja, é nela que encontramos autorização para que os entes públicos (União, Estados, DF e Município) instituam tributos e as condições para isso, inclusive, os princípios constitucionais tributários, os quais, tais como as regras, merecem igual respeito pelo legislador infraconstitucional.

No desenho constitucional os tributos são fonte importantíssima dos recursos financeiros de cada ente político, recursos estes indispensáveis para que façam frente ao seu dever social, conseqüentemente, o princípio federativo é indissociável das competências tributárias constitucionalmente estabelecidas. Isto porque referido princípio prevê a autonomia dos diversos entes integrantes da federação (União, Estados, DF e Municípios), autonomia esta que se consubstancia em: a) auto-governo (elegerem seus próprios governantes); b) auto-administração (administrarem-se a si próprios, regulando o regime de pessoal, os serviços públicos etc.); c) auto-legislação (elaborar suas próprias leis) e; d) autonomia econômico-financeira (receita própria). A exigência da autonomia econômico-financeira exige que sejam outorgados a cada ente político vários tributos de sua específica competência, para, por si próprios, instituírem o tributo e, assim, terem sua própria receita tributária. Antônio Roque Carrazza explica:

"Sendo autônomo, cada Estado deve, sem interferências (da União, de outros Estados, dos Municípios, do Distrito Federal, de autarquias, de grupos econômicos etc.), prover as necessidades de seu governo e administração. Para isto, a Constituição da República conferiu a cada um o direito de regular suas despesas e, conseguintemente, de instituir e arrecadar, em caráter privativo e exclusivo, os tributos que as atenderão." [08]

Mas quais tributos cada ente público pode instituir em razão de sua autonomia econômico-financeira? Para que saibamos isso uma questão prévia se impõe, qual seja, o conhecimento de quais tributos existem no ordenamento jurídico brasileiro, o que nos remete às chamadas espécies tributárias, que tão grande celeuma gerou nos estudos do Direito Tributário.

3.1. Espécies tributárias

Tributo é gênero que comporta a divisão em espécies. A controvérsia sobre a classificação dos tributos em espécies fez com que surgissem quatro principais correntes a respeito do assunto: a primeira, dualista, bipartida ou bipartite, que afirma serem espécies tributárias os impostos e as taxas; a segunda, a tripartida, tricotômica ou tripartite, que os divide em impostos, taxas e contribuições de melhoria; a terceira, pentapartida ou quinquipartida, que à estes acrescenta os empréstimos compulsórios e as contribuições especiais previstas nos arts. 149 e 149-A, da CF/88; e, a última, a quadripartida, tetrapartida ou tetrapartite, que simplesmente junta todas as contribuições num só grupo, de forma que os tributos seriam impostos, taxas, contribuições e empréstimos compulsórios.

A Constituição Federal de 1988, chamada Constituição cidadã, dispõe em seu art. 145, que a União, Estados, o DF e os Municípios poderão instituir impostos, taxas e contribuições de melhoria e, ao mesmo tempo, atribui à lei complementar a definição dos tributos e suas espécies (art. 146, III, a, CF/88) . O CTN, por sua vez, prescreve em seu art. 5º, que os tributos são impostos, taxas e contribuição de melhoria, o que poderia nos levar ao entendimento de que o ordenamento jurídico brasileiro exige a concepção tripartite, deixando de lado as demais concepções, que se teria seu papel restringido à uma pendenga acadêmica. Entretanto, este tema não é tão simples como parece ao leitor mais desavisado, e tanto é assim que o próprio STF tem reconhecido a existência de mais de três espécies tributárias (RE n. 573.675, de 25/03/2009; 342.336, de 20/03/2007; AI n. 518.082, de 17/05/2005).

Na verdade, o problema remonta aos critérios classificatórios, especificamente em encontrarmos quais os critérios mais adequados e, ainda, se existe uma imposição legal ou constitucional quanto à eleição destes critérios. Isto porque, conforme adotemos um critério (vinculação ou não do fato gerador) teremos determinadas espécies (imposto e taxas apenas), caso adotemos mais de um critério (base de cálculo, destinação do produto da arrecadação ou restituibilidade) teremos outras espécies tributárias.

Classificar consiste em distribuir vários objetos em determinadas classes, segundo suas características comuns ou diferentes, de acordo com os critérios eleitos pelo classificador. Assim, poderemos dizer que aqueles objetos que são reunidos sob determinada classe possuem pontos comuns entre si, todavia, além disso, cada classe também possui pontos comuns com as demais classes, para que possam compor um gênero; sendo assim, é a diferença específica dos objetos que os habilitam a serem distinguidos dos demais através das diversas classes.

Há quem diga que as classificações são, de certa forma, arbitrárias, podendo ser encaradas sob o ângulo: mais úteis ou menos úteis. Isso porque dependem do número de critérios adotados pelo intérprete (classificador). Desta forma, para a questão analisada, a classificação poderia ser bipartida ou pentapartida conforme se adote um critério ou vários critérios classificatórios. Entretanto, em se tratando da Ciência Jurídica, as classificações devem ensejar tantas classes quantos sejam os regimes jurídicos estabelecidos para cada tipo de espécie, de modo que as classificações, no Direito, são utilizadas para apreensão de fenômenos normativos que se submetem a regimes jurídicos distintos.

Geralda Ataliba [09] adota a posição bipartida, classificando os tributos em duas espécies: i) tributos vinculados; ii) tributos não-vinculados a uma atuação estatal, o que toma como critério a circunstância da materialidade da hipótese de incidência ser uma atuação estatal ou um fato qualquer que não configurasse atuação estatal. Dessa forma, sempre que inexistir este vínculo com a atuação estatal teríamos um imposto, enquanto que, se tal vínculo existir, estaremos diante de uma taxa ou contribuição. Por sua vez, a distinção entre taxa e contribuição estaria em que as taxas teriam como base imponível uma "dimensão da atuação estatal", ao passo que na contribuição a base imponível seria designada por lei e correspondente à "uma medida (um aspecto dimensível) do elemento intermediário, posto como causa ou efeito da atuação estatal."

Paulo de Barros Carvalhos [10] aponta como critérios: hipótese de incidência e base de cálculo. Da associação dos dois critérios é que teríamos revelada a espécie de tributo. Utiliza, para tanto, uma interpretação sistemática juntamente com o disposto no art. 145, § 2º e 154, ambos da CF, além de se referir à impropriedade do texto da lei, já que o art. 4º, do CTN, estaria equivocado em simplificar a análise da tipologia tributária apenas com base na hipótese de incidência, já que os dispositivos constitucionais apontados levariam a outra solução. Assim, referido autor utiliza a classificação de tributos em vinculados e não-vinculados, aliada à uma vinculação direta (taxas) ou indireta (contribuições de melhoria) da hipótese de incidência com uma atuosidade estatal, de modo que conclui serem 3 (três) as espécies tributárias (tripartite). Destarte, os empréstimos compulsórios e demais contribuições poderiam ser reconduzidos à espécie de imposto, taxas ou contribuição de melhoria, conforme o caso. Ricardo Alexandre também considera ser tecnicamente superior a concepção tripartite.

Luciano Amaro critica a classificação empreendida pelo CTN, ensinando que existem espécies tributárias que não se enquadram como imposto, taxa ou contribuição de melhoria, o que teria sido legalmente reconhecido pelo art. 217, do CTN, incluído pelo Dec-Lei nº 27/66, quando reconhece outros tipos tributários. Desta forma, o autor conclui ser insuficiente o critério do art. 4º do CTN, e adota a concepção tetrapartida (impostos, taxas, contribuições e empréstimos compulsórios). Hugo de Brito Machado também entende serem quatro as espécies tributárias, já que o empréstimo compulsório, para ele, não seria um tributo, mas uma figura que teria uma natureza jurídica própria. [11]

Por sua vez, Ives Gandra da Silva Martins [12] adota posição quinquipartida: impostos, taxas, contribuições de melhoria, empréstimos compulsórios e contribuições especiais.

De todo esse apanhado doutrinário, podemos, então, identificar três critérios classificatórios: a) existir na hipótese de incidência um vínculo entre o fato descrito e uma atuação do Estado – tributos vinculados e não-vinculados à uma atuação do Poder Público; b) destinação do produto da arrecadação; c) restituibilidade.

O problema está em que a classificação legal (tripartite) não comporta os tributos que existem em nosso sistema. A interpretação sistemática da constituição nos leva a concluir por uma classificação pentapartida, em que existem impostos, taxas, contribuições de melhoria, empréstimos compulsórios e contribuições (sociais, interesse de categorias econômicas ou profissionais, intervenção no domínio econômico), pois somente assim é que será possível conferir racionalidade lógica ao sistema tributário vigente, em que vicejam ao lado dos impostos, taxa e contribuições de melhoria, as contribuições previdenciárias, contribuições de intervenção no domínio econômico (CIDE etc.), contribuição sociais como CSLL, COFINS, etc. Adotada a concepção tripartite ou bipartida tais tributos não teriam viabilidade constitucional de existirem.

Veja-se no caso da CSLL (Contribuição Social sobre o Lucro Líquito. Seu fato gerador não serve para distingui-la do IRPJ (Imposto de Renda das Pessoas Jurídicas), de modo que a diferença está no nome e na destinação do produto da arrecadação. Como a CSLL não é um tributo vinculado, esbarraria em uma afronta ao art. 154, I, CF/88, que veda a instituição de imposto com mesma base de cálculo ou fato gerador dos impostos já previstos pelo texto constitucional. Por outro lado, adotando-se a concepção pentapartida, por não ser a CSLL um imposto, não há óbice constitucional à sua manutenção no sistema jurídico. [13]

Outro exemplo nos é dado pela Contribuição para Custeio de Iluminação Pública (COSIP). Essa contribuição foi incluída no art. 149-A da CF/88 por obra da Ec nº 39/02, para fazer as vezes das Taxas de Iluminação Pública, cuja inconstitucionalidade foi reconhecida pelo Poder Judiciário conforme súmula 670, do STF [14]. Se adotada a concepção tripartite, mesmo sendo prevista constitucionalmente, por existir uma atuação estatal em sua hipótese de incidência (serviço de iluminação pública) o tributo necessariamente teria natureza de taxa. Contudo, em razão de tal serviço não ser específico e divisível, persistiria a inconstitucionalidade, agora da Emenda Constitucional, por ofensa à limitação constitucional à competência tributária e a garantia individual do contribuinte consistente na impossibilidade de cobrança de taxa destinada especificamente a custear serviço público não específico e indivisível. Os serviços inespecíficos e indivisívels, por imposição constitucional, devem ser custeados por meio de impostos (art. 167, IV, CF), eis que é esta espécie tributária que se destina à obtenção de recursos para o custeio geral do Estado. Adotando-se uma teoria pentapartida, não há inconstitucionalidade, pois as contribuições podem ter destinação específica para o produto de sua arrecadação.

3.2. Competência para instituição dos tributos no Estado Federal brasileiro – a conformação da autonomia econômico-financeira

Feita esta breve digressão a respeito das espécies tributárias para assentar as premissas necessárias para o próximo passo de nosso estudo, temos que o rol de tributos existentes em nosso Sistema Tributário Nacional é taxativo (numerus clausus), de modo que os entes federativos somente podem instituir os impostos e as contribuições que lhe foram expressamente outorgados pela CF/88 (STF RE. 573.540, de 14/04/2010).

Na conformação da autonomia econômico-financeira dos entes políticos, as taxas e contribuições de melhoria podem ser criadas por qualquer um dos entes integrantes da federação, desde que sua hipótese de incidência refira-se a sua própria atuação estatal e, como é óbvio, respeitados os limites constitucionais e do CTN atinentes à sua instituição. Em sentido diametralmente oposto, as contribuições competem exclusivamente à União, salvo algumas exceções como o disposto no § 1º, do art. 149, CF/88 (que autoriza os Estados, DF e Municípios a instituírem contribuição cobrada de seus servidores, para custeio, em benefício destes, de sistema previdenciário e de assistência social) e o disposto no art. 149-A, da CF/88, que autoriza os municípios a instituírem contribuição para o custeio de iluminação pública.

Por outro lado, os impostos são repartidos cuidadosamente e de forma exaustiva entre os diversos entes federativos (União, Estados-membros, Distrito Federal e Municípios), tendo em vista a exigência constitucional de autonomia econômico-financeira. Assim, os impostos foram enumerados nominalmente pelo contribuinte, como quem pretende constituir em bases sólidas uma estrutura independente, indicando a cada uma das pessoas políticas quais os impostos que lhe compete estabelecer, o que, como já assentado por mais de uma vez, é decorrência do próprio princípio federativo.

Neste desenho constitucional de autonomia dos diversos entes, coube à União a maior parte deles. Isso seguiu uma linha comum de raciocínio do constituinte originário, já que, por razões que não vem ao caso detalhar, a opção constitucional é claramente e sabidamente a de uma concentração de atribuições nas mãos do ente federativo central (União). Enquanto os Estados-membros e Municípios possuem, cada qual, três impostos [15], a União possui um vasto catálogo de imposto previstos no art. 153 da CF/88, além de também lhe ser atribuída a competência residual em matéria tributária assim como a competência extraordinária para instituir "impostos de guerra".

É objetivo deste trabalho o estudo de todos os impostos federais. Não obstante isso, ainda nos resta tecer algumas considerações sobre como a instituição dos impostos se dá, sem o que, qualquer análise ficaria capenga, por carecer do substrato acerca das normas de estrutura sobre cada exação, o que, traria problemas ao raciocínio. Por esses motivos, passaremos, agora, a analisar a instituição dos impostos dentro do Sistema Tributária Nacional.

Sobre o autor
Ari Timóteo dos Reis Júnior

Especialista em Direito Tributário pelo IBET. Ex-Procurador do Estado de Minas Gerais. Procurador da Fazenda Nacional.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

REIS JÚNIOR, Ari Timóteo. Tributação no Estado Democrático de Direito.: Apontamentos sobre os impostos federais. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2717, 9 dez. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/17989. Acesso em: 23 dez. 2024.

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