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Tributação no Estado Democrático de Direito.

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Agenda 09/12/2010 às 15:44

4. Instituição do tributo: o papel da lei complementar e a regra-matriz de incidência

Instituir tributo significa editar a norma jurídico-tributária que, em razão do princípio da legalidade estrita previsto pelo art. 150, CF/88, deve traçar todos os elementos necessários para identificação do fato gerador, do sujeito passivo, o valor a ser pago, etc. (princípio da tipicidade tributária). À tal norma jurídica dá-se o nome de regra-matriz de incidência, que é a norma jurídico-tributária que institui o tributo em todos os seus termos. Essa nomeclatura contribui para clareza do pensamento, na media em que serve para diferenciá-la de outras normas jurídicas que cuidam da fiscalização tributária, dos deveres instrumentais, previsão de multas e consectários dos tributos etc.

Essa regra-matriz de incidência pode ser veiculada de três modos: a) através de Lei Complementar (empréstimos compulsórios, competência residual da União) que tira fundamento de validade diretamente da CF/88; b) lei ordinária que tira seu fundamento de validade diretamente da CF/88 (contribuições previdenciárias previstas pelo art. 195, CF/88); c) ou por lei ordinária que observe as normas gerais em matéria tributária prevista por Lei Complementar. Isto porque, segundo a concepção tricotômica, amplamente majoritária, à Lei Complementar cabe: a) regular as limitações ao poder de tributar; b) dispor sobre conflitos de competência; c) estatuir normas gerais em matéria tributária, sendo que, dentre essas normas gerais, se inclui, em relação aos impostos, a definição de seu fato gerador, base de cálculo e contribuintes (art. 146, inc. III, alínea "a", da CF/88).

A norma geral em matéria tributária, como todos sabem, é o CTN, que embora tenha sido editado como lei ordinária, foi recepcionado pela CF/88 com status de Lei Complementar [16].

4.1. Regra-matriz de incidência

Já dissemos que a regra-matriz de incidência é a norma jurídica que institui o imposto em todos os seus termos. Para esclarecer melhor a compostura desse conceito, nada melhor do que as palavras de Paulo de Barros Carvalho:

"Classificar realidades que descreve é um afã do trabalho científico, no sentido de transmitir, com explicitude, os conhecimentos relativos ao seu objeto. Muitas fórmulas classificatórias podem ser propostas para facilitar o entendimento das normas jurídicas tributárias. Uma, por exemplo, é aquela que as considera em função do tipo de ato que as insere no sistema. Teríamos, assim, normas tributárias constitucionais, complementares, ordinárias, delegadas, veiculadas por medida provisória, previstas em decretos legislativos, estabelecidas em resoluções e normas tributárias constantes de atos infralegais (decretos, instruções, portarias etc.).

Outro critério focaliza as regras jurídicas tributárias pelo ângulo do grupo institucional a que pertencem, separando-as em três classes:

a) normas que demarcam princípios, concebidos para dar os limites da virtualidade legislativa no campo tributário;

b) normas que definem a incidência do tributo, equivale a dizer, descrevem fatos e estipulam os sujeitos da relação, como também os termos determinativos da dívida (norma-padrão de incidência ou regra-matriz da incidência tributária)...

c) normas que fixam outras providências administrativas para operatividade do tributo, tais como as de lançamento, recolhimento, configuração de deveres instrumentais e relativas à fiscalização.

Deveras, são numerosos os postulados que regem a atividade impositiva do Estado, praticamente todos inscritos, expressa ou de modo implícito, na Constituição. Igualmente abundantes as regras tributárias que envolvem a instituição do gravame, tornando possível sua existência como instrumento efetivo de desempenho do poder político, social e econômico-financeiro. Todavia, são poucas, individualizadas e especialíssimas as regras-matrizes de incidência dos tributos. Em princípio, há somente uma para cada figura tributária, acompanhada por uma infinidade daquelas que poderíamos nominar de operativas ou funcionais (lançamento, recolhimento, deveres instrumentais, fiscalização, prazos etc.).

Baseados nessa verificação empírica, nada mais congruente do que designar por norma tributária em sentido estrito àquela que marca o núcleo do tributo, isto é, a regra-matriz da incidência fiscal, e de normas tributárias em sentido amplo a todas as demais." [17]

Essa norma jurídico-tributária em sentido estrito pode ser decomposta para sua compreensão, para que haja simplificação da análise do tributo, de forma que, na inteireza da norma instituidora do tributo existe a hipótese (suposto ou antecedente), a que se conjuga um mandamento (consequência, estatuição), sendo que conjugação de ambos se dá através do "dever ser" (conectivo deôntico).

A hipótese alude à um fato e o mandamento prescreve os efeitos jurídicos que este acontecimento irá propagar, qual seja, o pagamento do tributo. Assim, realizado o fato descrito no antecedente, instaura-se a conseqüência, de modo automático e infalível, que prescreve o pagamento do tributo. No entanto, para estudo, a hipótese e o consequente são subdivididos em vários critérios que permitem aprofundar a análise da exação, pois é exatamente essa a missão da regra-matriz, como colhemos do escólio de Paulo de Barros Carvalho que diz que "Seu emprego, sobre ser fácil, é extremamente operativo e prático, permitindo, quase de forma imediata, penetrarmos na secreta intimidade da essência normativa, devassando-a e analisendo-a de maneira minuciosa" [18].

Na hipótese estará a descrição de uma situação objetiva real, sendo esta hipótese subdividida em: a) critério material; b) critério temporal; c) critério espacial. No critério material haverá um comportamento de pessoas físicas ou jurídicas, condicionado por circunstâncias de tempo e espaço. Abstraímos primeiro as cincunstancias temporais e espaciais, teremos, no critério material, a conduta tributada. Já o critério espacial, por sua vez, traz expresso o local onde a conduta deve ocorrer para que haja incidência tributária e, por fim, o momento em que se considera ocorrida tal conduta, gerando a incidência e o dever de pagar tributo, é designado por critério temporal.

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No consequente (prescritor), encontraremos a descrição abstrata de como se estruturará a relação jurídico tributária que tem como objeto o pagamento do tributo. Pois bem, toda relação jurídica deve possuir os sujeitos ligado por um vínculo jurídico em torno de um objeto. É exatamente desses elementos que são extraídos os critérios do consequente, senão vejamos: a) critério pessoal designa os sujeitos ativo (credor) e passivo (devedor); b) critério quantitativo designa o objeto da relação jurídico, que, no caso, só pode ser o pagamento de uma importância em dinheiro, de modo que, para ser calculada, impreterivelmente deverá mencionar uma base de cálculo e uma alíquota. Portanto, são encontrados o credor e o devedor, ligados à uma prestação pecuniária em razão do vínculo jurídico-tributário, eis o desenho do consequente.

Vejamos um exemplo disso:

Hipótese: a) critério material: ser proprietário de bem imóvel;

b) critério espacial: no perímetro urbano do Município de Montes Claros/MG;

c) critério temporal: no dia 1 do ano;

Conseqüente: a) critério pessoal: Município como credor e proprietário do imóvel como devedor;

b) critério quantitativo: base de cálculo é o valor venal do imóvel; alíquota é 1%

Por fim, nos resta registrar que esta decomposição da regra-matriz é um método de indagação do fenômeno tributário, que busca ser uma fórmula simplificadora para análise dos tributos e, de fato, tem sido instrumento fecundo na seara tributária, sendo erguido sobre fundamentos sólidos e consistentes de uma visão reflexiva, de cunho filosófico, com chancela da autoridade de renomados teóricos da Ciência do Direito.

4.2. Análise da constitucionalidade da regra-matriz

Construída a norma, resta saber se ela é condizente com eventual lei complementar de normas gerais (CTN) e se é constitucional. Isto porque a constituição delimita os limites até onde é possível ao legislador exercitar sua competência tributária. Roque Antônio Carrazza ensina que:

"É evidente que a lei ordinária que cria, in abstrato, o tributo só é lídima na medida em que consoa com os superiores preceitos constitucionais, máxime com a norma-padrão de incidência de cada uma das exações. Mas, daí a entendermos que o tributo nasce no seio da própria Constituição, vai uma distância insuperável.

A Constituição, ao discriminar as competências tributárias, estabeleceu – ainda que, por vezes, de modo implícito e com uma certa margem de liberdade para o legislador – a norma-padrão de incidência (o arquétipo, a regra-matriz) de cada exação. Noutros termos, ela apontou a hipótese de incidência possível, o sujeito ativo possível, o sujeito passivo possível, a base de cálculo possível e a alíquota possível, das várias espécies e subespécies de tributos. Em síntese, o legislador, ao exercitar a competência tributária, deverá ser fiel à norma-padrão de incidência do tributo, pré-traçada na Constituição. O legislador (federal, estadual, municipal ou distrital), enquanto cria o tributo, não pode fugir deste arquétipo constitucional.

Portanto, o Constituinte estabeleceu, de modo peremptório, alguns enunciados que necessariamente deverão compor as normas jurídicas instituidoras dos tributos. Estes enunciados formam o mínimo necessário (o átomo), de cada tributo. São ponto de partida inafastável do processo de criação in abstracto dos tributos." [19]

Por oportuno, citamos o art. 110, do CTN, que prevê:

"Art. 110. A lei tributária não pode alterar a definição, o conteúdo e o alcance de institutos, conceitos e formas de direito privado, utilizados, expressa ou implicitamente, pela Constituição Federal, pelas Constituições dos Estados, ou pelas Leis Orgânicas do Distrito Federal ou dos Municípios, para definir ou limitar competências tributárias."

Quando o constituinte adota determinado instituto de direito privado na regra que atribui ou limita a competência tributária, imagina tal instituto conforme conhecido e definido no Direito Civil. Admitir que o legislador tributário altere um conceito de direito privado do qual o constituinte fez uso na definição ou limitação de competência tributária seria legitimar a mudança da Constituição por norma infraconstitucional.

Assim, se o legislador tributário editar norma em que se afirma que "para efeitos de cobrança do IPTU considera-se propriedade...", e continua a sentença dando uma definição de propriedade diferente da lição de Direito Civil, não estará simplesmente mudando um conceito, mas agredindo a Constituição. Se for ampliada incidência do IR para fatos que não se caracterizam como percepção de renda, também haverá inconstitucionalidade.

Se admitirmos a alteração dos conceitos utilizados pela Constituição para delimitar a competência tributária, toda Magna Carta poderia ser alterada pelo legislador, independentemente de emenda constitucional.

O STF já se manifestou sobre a questão. A CF/88, no art. 195 inciso I (redação anterior à EC nº 20/98) previa a contribuição social sobre o faturamento, mas não fazia referência à receita. Faturamento é a receita decorrente da venda de mercadorias ou de prestação de serviços (operações sujeitas à fatura). Desta forma, somente poderiam ser tributadas empresas que trabalhassem com compra e venda de mercadorias ou serviços, não estando enquadrados nesse conceito, por exemplo, os juros e as instituições financeiras. Todavia, a legislação do PIS e da COFINS (contribuições para Seguridade Social) alargou o conceito de faturamento para incluir em seu plexo a receita, que é conceito mais amplo que faturamento. Como se disse o STF, por meio do RE 410.691, DE 2006, afastou a cobrança de tais tributos nas hipóteses em que não havia faturamento, mas somente receitas outras, ante sua flagrante inconstitucionalidade (RE nº 357.950, RE 346084, RE 527602/SP de 05.08.2009).


III - IMPOSTOS FEDERAIS EM ESPÉCIE

1. Crítica à classificação dos impostos segundo o CTN e a conveniência didática em classificá-los segundo a competência dos entes políticos

A classificação empreendida nos capítulos do título III, do CTN, considera o conteúdo material que há de integrar o núcleo das respectivas hipóteses normativas, são eles:

a)mpostos que gravam o comércio exterior atribuídos à União: II e IE;

b)impostos sobre o patrimônio e a renda: ITR, IPTU, ITBI, ITCMD (incluído no ITBI), IR;

c)impostos sobre a transmissão, circulação e produção:IPI, ICMS, IOF, ISS;

Na verdade, embora o CTN tenha considerado o "objeto tributado" como critério classificatório, temos que os impostos sempre gravam manifestações de riqueza (situações reveladoras de capacidade contributiva) tomadas em vários momentos: a) no momento em que a riqueza ingressa no patrimônio do beneficiário (IR); b) quando a riqueza é gasta (os que oneram o consumo ou a circulação da riqueza); c) enquanto a riqueza permanece no interior do patrimônio do contribuinte (impostos sobre o patrimônio). Além disso, os impostos sobre transmissão de imóveis, segundo o CTN, são classificados como impostos sobre o patrimônio, enquanto os de transmissão de bens móveis são batizados como impostos de circulação. Não há lógica nessa distinção, pois num caso temos patrimônio imobiliário e no outro patrimônio mobiliário, ou seja, em ambos os casos existe patrimônio em circulação, de modo que não se justifica a sua separação em rubricas diversas.

Destarte, a classificação do CTN desfruta de pouco prestígio na doutrina e no próprio STF [20]. Já se discutiu se ela teria relevância para determinar o alcance da imunidade prevista pelo art. 150, VI, a e c, da CF/88, as quais mencionam expressamente a vedação em instituir imposto sobre patrimônio, renda ou serviços, entretanto, o STF desconsiderou a classificação do CTN para dar maior amplitude a tais imunidades, de modo a abranger qualquer imposto (RE 203.755).

Entendemos ser de bom alvitre, para efeitos didáticos, classificar os tributos em federais, estaduais e municipais, uma vez que assim haverá maior clareza na exposição e estaremos acompanhando o traçado previsto pela CF/88, que arrola os impostos segundo a competência dos entes políticos, iniciando pelos federais, depois os estaduais e, finalmente, os municipais. [21]

Sobre o autor
Ari Timóteo dos Reis Júnior

Especialista em Direito Tributário pelo IBET. Ex-Procurador do Estado de Minas Gerais. Procurador da Fazenda Nacional.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

REIS JÚNIOR, Ari Timóteo. Tributação no Estado Democrático de Direito.: Apontamentos sobre os impostos federais. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2717, 9 dez. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/17989. Acesso em: 22 nov. 2024.

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