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Trânsito recursal e celeridade: breves considerações sobre o colhimento de irresignações recursais na própria audiência

"Precisamos de pensadores que saibam sonhar

e de sonhadores que saibam pensar".

Hilton Japiassu [01]


A relação jurídica de direito processual tem como uma de suas características a complexidade, decorrência direta das inúmeras e sucessivas situações jurídicas verificadas ao longo da marcha processual. De fato, no fluir do processo, as partes têm ônus, faculdades, direitos, deveres, sendo que até mesmo o juiz também atua debaixo de um feixe de poderes e deveres [02].

Sabe-se que a ciência processual contemporânea, ancorada em densos princípios constitucionais, tem primado pela desburocratização do procedimento e pela instrumentalidade das formas, pautando-se por uma perspectiva processual precipuamente voltada para resultados [03]. O fito é densificar, no cotidiano forense, o que se tem chamado de modelo constitucional de processo [04].

Justamente por seguir nessa mesma toada, nossa Carta Magna foi alterada para preceituar que "a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação" (CF, artigo 5º, inciso LXXVIII, com redação conferida pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004).

Como se percebe, o legislador constituinte derivado, ao expressar os novos intentos da respeitável soberania popular, acabou por lançar um instigante desafio a todos os que atuam no cenário jurídico: engendrar, com criatividade e desenvoltura, preceitos normativos e/ou técnicas procedimentais que, de alguma forma, propiciem uma resposta eficaz ao anseio social que pugna por um Poder Judiciário cada vez mais ágil e efetivo.

De fato, como ensina BEZERRA LEITE, verbis: "... se a prestação jurisdicional é um serviço público, então a prestação do serviço jurisdicional constitui ato essencial à administração (pública) da justiça. Logo, deve, também, o Judiciário como um todo, inclusive a Justiça do Trabalho, buscar incessantemente a operacionalização dos princípios da eficiência (CF, artigo 37, caput) e da duração razoável do processo (CF, artigo 5º, LXXVIII)" [05].

No caso particular do Juiz do Trabalho, pensamos que uma contribuição que certamente se afinaria com esse especialíssimo anelo constitucional seria o colhimento verbal de recursos e contrarrazões, já em audiência, logo após eventual prolação de sentença, desde que haja, simultaneamente: i) plena disponibilidade do juiz, para que não ocorra prejuízo ao atendimento dos demais processos da pauta, bem como às demais funções judiciais e administrativas que lhe competem; ii) efetiva anuência das partes, para que não ocorra prejuízo à garantia do contraditório e da ampla defesa (CF, artigo 5º, LV).

Juridicamente, a medida encontra amparo principiológico nos preciosos vetores da simplicidade, informalidade, oralidade, instrumentalidade, economia e concentração dos atos processuais, todos reconhecidamente inerentes ao processo trabalhista.

Essa postura também encontra esteio legal no próprio artigo 899 da CLT, que rege, em específico, a temática procedimental do trânsito recursal trabalhista, quando diz, com a singeleza que é peculiar à processualística juslaboral, que "os recursos serão interpostos por simples petição" (grifei), o que, debaixo de uma visão principiológica e de uma interpretação sistemática, significa proclamar que a irresignação recursal, nesse campo específico do Direito, é ato que pode ser aviado, sem qualquer problema, pela instrumentação meramente verbal. Ou seja: o vocábulo "petição", constante desse enunciado legal, não quer significar peça, mas pedido. Não tem, pois, qualquer conotação formal, mas sim informal – tal qual o próprio ambiente em que tal direito é exercido.

Nada mais natural, já que a interposição de recurso é um mero desdobramento do próprio direito de ação, que, no processo do trabalho, de regra é densificado por uma prática reconhecidamente impregnada pela marca da simplicidade, mais precisamente por meio da técnica da oralidade. Basta ver que, além da própria petição inicial poder ser verbal (CLT, artigo 840), também a contestação segue o mesmo padrão (CLT, artigo 847), à semelhança do que sucede com as razões finais e com a própria sentença (CLT, artigo 850). Aliás, no fundo, o locus predileto de realização de grande parte dos atos processuais trabalhistas é mesmo a audiência, onde, à frente do juiz, impera a manifestação verbal (v.g., CLT, artigos 848 e 849).

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Especificamente quanto à instância recursal, vale o destaque de que há previsão legal expressa de parecer oral por parte do representante do Ministério Público do Trabalho, quando diante de reclamatória trabalhista sujeita ao procedimento sumaríssimo (CLT, 895, § 1º, inciso III), o que bem demonstra que essa praticidade é incitada ao máximo, pouco importando o momento e a etapa vivenciada no processo.

Vale destacar que essa eficiente técnica procedimental de máxima concentração de atos processuais por ocasião da audiência constitui uma inapelável tendência do Direito brasileiro. Veja-se, a propósito, que mesmo o processo civil, classicamente mais formal que o processo do trabalho, já admite a interposição verbal de recursos (CPC, artigo 523, § 3º, com redação conferida pela Lei n. 11.187/2005). Em verdade, o processo civil vai além: chega mesmo a fomentar a oposição verbal até de embargos à execução (Lei n. 9.099/95, artigo 53, § 1º).

Fácil inferir, portanto, que a prática de colhimento verbal de recursos e contrarrazões, em plena audiência, é medida perfeitamente afinada com a normatividade legal e principiológica do processo do trabalho, cuja característica marcante sempre foi sua intrínseca vocação para um fluir mais informal e dinâmico de seus atos, quando em cotejo com o processo civil. Não é de admirar, visto que essa atuação judicante eminentemente pró-ativa sempre foi um substancioso vetor de norteamento do magistrado trabalhista (CLT, artigo 765).

Portanto, diante do comando normativo que emana do princípio da duração razoável do processo (CF, artigo 5º, LXXVIII), atento à ampla liberdade de regência processual conferida ao magistrado trabalhista (CLT, artigo 765) e em prestígio aos valiosos princípios da simplicidade, informalidade, oralidade, instrumentalidade, economia e concentração dos atos processuais – todos ínsitos à processualística laboral –, propugnamos a realização da técnica procedimental de colhimento verbal de recursos e contrarrazões, em audiência, logo após eventual prolação de sentença, desde que haja, simultaneamente: a) plena disponibilidade do juiz, para que não ocorra prejuízo ao atendimento dos demais processos da pauta, bem como às demais funções judiciais e administrativas que lhe competem; b) efetiva anuência das partes, para que não ocorra prejuízo à garantia do contraditório e da ampla defesa (CF, artigo 5º, LV).


Notas

  1. JAPIASSU, Hilton. Como Nasceu a Ciência Moderna: E as Razões da Filosofia. Rio de Janeiro : Imago, 2007, p. 314.
  2. NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de Direito Processual Civil. 2ª Edição. São Paulo : Método, 2010, p. 49.
  3. "... a perspectiva instrumentalista do processo é teleológica por definição e o método teleológico conduz invariavelmente à visão do processo como instrumento predisposto à realização dos objetivos eleitos" (DINAMARCO, Cândido Rangel. A Instrumentalidade do Processo. 12ª Edição. São Paulo : Malheiros, 2005, p. 182).
  4. A respeito, confira-se: BUENO, Cassio Scarpinella. Curso Sistemático de Direito Processual Civil: Teoria Geral do Direito Processual Civil. 3ª Edição. São Paulo : Saraiva, 2009.
  5. LEITE, Carlos Henrique Bezerra. Curso de Direito Processual do Trabalho. 8ª edição. São Paulo : LTr, 2010, p. 935.
Sobre os autores
Ney Maranhão

Professor Adjunto do Curso de Direito da Universidade Federal do Pará (Graduação e Pós-graduação). Doutor em Direito do Trabalho e da Seguridade Social pela Universidade de São Paulo - Largo São Francisco, com estágio de Doutorado-Sanduíche junto à Universidade de Massachusetts (Boston/EUA). Especialista em Direito Material e Processual do Trabalho pela Universidade de Roma/La Sapienza (Itália). Mestre em Direitos Humanos pela Universidade Federal do Pará. Ex-bolsista CAPES. Professor convidado do IPOG, do Centro Universitário do Estado do Pará (CESUPA) e da Universidade da Amazônia (UNAMA) (Pós-graduação). Professor convidado das Escolas Judiciais dos Tribunais Regionais do Trabalho da 2ª (SP), 4ª (RS), 7ª (CE), 8ª (PA/AP), 10ª (DF/TO), 11ª (AM/RR), 12ª (SC), 14ª (RO/AC), 15ª (Campinas/SP), 18ª (GO), 19ª (AL), 21ª (RN), 22ª (PI), 23ª (MT) e 24 ª (MS) Regiões. Membro do Instituto Goiano de Direito do Trabalho (IGT) e do Instituto de Pesquisas e Estudos Avançados da Magistratura e do Ministério Público do Trabalho (IPEATRA). Membro fundador do Conselho de Jovens Juristas/Instituto Silvio Meira (Titular da Cadeira de nº 11). Membro do Conselho Editorial da Revista de Direito do Trabalho – RDT (São Paulo, Editora Revista dos Tribunais). Ex-Membro da Comissão Nacional de Efetividade da Execução Trabalhista (TST/CSJT). Membro do Comitê Gestor Nacional do Programa Trabalho Seguro (TST/CSJT). Juiz Titular da 2ª Vara do Trabalho de Macapá/AP (TRT da 8ª Região/PA-AP). Autor de diversos artigos em periódicos especializados. Autor, coautor e coordenador de diversas obras jurídicas. Subscritor de capítulos de livros publicados no Brasil, Espanha e Itália. Palestrante em eventos jurídicos. Tem experiência nas seguintes áreas: Teoria Geral do Direito do Trabalho, Direito Individual do Trabalho, Direito Coletivo do Trabalho, Direito Processual do Trabalho, Direito Ambiental do Trabalho e Direito Internacional do Trabalho. Facebook: Ney Maranhão / Ney Maranhão II. Email: ney.maranhao@gmail.com

Francisco Milton Araújo Júnior

Juiz do Trabalho - Titular da 5ª Vara do Trabalho de Macapá/Ap. Mestre em Direito do Trabalho pela Universidade Federal do Pará - UFPa. Especialista em Higiene Ocupacional pela Universidade de São Paulo – USP. Professor das disciplinas de Direito do Trabalho e Processo do Trabalho na Faculdade SEAMA/AP e colaborador da Escola Judicial do TRT da 8ª Região — EJUD8

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MARANHÃO, Ney; ARAÚJO JÚNIOR, Francisco Milton. Trânsito recursal e celeridade: breves considerações sobre o colhimento de irresignações recursais na própria audiência. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2724, 16 dez. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/18047. Acesso em: 22 dez. 2024.

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