Durante solenidade de abertura da Semana Nacional de Conciliação, realizada em 29 de novembro de 2010, em São Paulo, o Presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Ministro Cezar Peluso, debruçou parte de seu discurso sobre os acontecimentos no Rio de Janeiro e as operações policiais lá realizadas desde final de novembro para retirada de traficantes de drogas dos morros, principalmente na Vila Cruzeiro e no Complexo do Alemão, tomados enormemente pelo (outrora) invencível tráfico de drogas e de armas de fogo.
As congratulações do Ministro foram feitas diretamente às Forças Armadas e às várias autoridades envolvidas nas operações, destacando enfaticamente que o objeto que está em jogo na operação é a ordem pública (conferir notícia no site do STF em 29/11/2010: http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=167069)
De fato, a ordem pública e a paz social estavam (ainda estão) seriamente abaladas e comprometidas nos acontecimentos realizados antes da intervenção estatal nos morros cariocas dominados pelo tráfico de drogas. De acordo com as informações obtidas até o momento, houve ordens de poderosos traficantes de dentro dos presídios para que seus comparsas provocassem o caos na cidade do Rio de Janeiro realizando vários ataques, especialmente ateando fogo em ônibus e automóveis, tudo isto devido à instalação das UPPs (Unidades de Polícia Pacificadora) nas comunidades das favelas onde os traficantes comandavam.
O ponto que este pequeno artigo quer frisar, assim, é que quando a ordem pública e a paz social dentro do Estado Democrático Constitucional de Direito se encontram ameaçadas, não é preciso ir muito longe para se buscar medida apropriada a restabelecê-las, nem atuar totalmente à margem da legalidade.
Na Constituição Federal de 1988 existe a previsão expressa do Estado de Defesa (art. 136, CF/88) e do Estado de Sítio (arts. 137 a 139, CF/88), os quais se tratam de medidas excepcionais dentro do ordenamento, decretadas pelo Presidente da República (art. 84, IX, CF/88) para vigorar apenas por tempo certo, em lugar específico e em determinadas situações, possibilitando a restrição de certos direitos e garantias com o fito de preservar ou restabelecer a ordem pública e a paz social.
É o chamado sistema constitucional das crises, consistente em um conjunto de normas constitucionais, que informadas pelos princípios da necessidade e da temporariedade, têm por objeto as situações de crises e por finalidade a mantença ou o restabelecimento da normalidade constitucional (MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 25. ed. São Paulo: Atlas, 2010, p. 807).
No caso ocorrido no Rio de Janeiro, portanto, adequada é a decretação pelo Presidente da República do Estado de Defesa, previsto no art. 136 da Carta Magna.
Por meio do Decreto que prevê o Estado de Defesa, o Presidente da República especificará, além das áreas abrangidas e do seu tempo de duração (não superior a 30 dias, prorrogável uma vez por igual período), as medidas coercitivas a incidirem, dentre as quais as que restringem os seguintes direitos:
I) reunião, ainda que exercida no seio das associações (art. 5º, XVI, CF/88);
II) sigilo de correspondência (art. 5º, XII, CF/88);
III) sigilo de comunicação telegráfica e telefônica (art. 5º, XII, CF/88);
IV) exigibilidade de prisão somente em flagrante delito ou por ordem judicial (art. 5º, LXI, CF/88).
Nesse sentido, melhor seria a incidência dessa medida para que a polícia e os homens das Forças Armadas pudessem prender devidamente todos os criminosos situados nas áreas onde o tráfico de drogas e outras práticas ilícitas reinavam, bem como apreender as drogas, armas de fogo e demais bens oriundos dessas mesmas atividades (como, por exemplo, motocicletas, TVs de plasma e automóveis).
Caso o Estado de Defesa não se mostrar suficiente para o restabelecimento da ordem pública, ou, se o caso ocorrido na cidade maravilhosa se mostrar realmente de comoção grave de repercussão nacional (art. 137, inciso I, CF/88), poderá o Presidente, autorizado pelo Congresso Nacional (controle prévio congressual), decretar o Estado de Sítio, onde poderão ser realizadas mais medidas coercitivas além daquelas do Estado de Defesa, quais sejam (art. 139, CF/88):
I) obrigação de permanência em localidade determinada;
II) detenção em edifício não destinado a acusados ou condenados por crimes comuns;
III) restrições relativas à prestação de informações e à liberdade de imprensa, radiodifusão e televisão, na forma da lei;
IV) busca e apreensão em domicílio;
V) intervenção nas empresas de serviços públicos;
VI) requisição de bens.
Durante o Estado de Sítio, diferentemente do Estado de Defesa, o prazo poderá ser ampliado, sendo ainda o máximo de 30 dias, mas prorrogáveis por mais 30 dias de cada vez (e não uma única vez).
Esse debate é importante para que pelo menos se possa aventar a possibilidade da decretação do Estado de Defesa no meio jurídico e legislativo, com o fito, claro, de se defender cada vez mais a coletividade.
Sua relevância cinge-se também à tentativa de evitar inescrupulosas tendências de futuros defensores técnicos dos traficantes sob os argumentos: "V. Exa., essa prisão sem ordem judicial nem flagrante delito foi ilegalmente realizada"; ou "V. Exa., é nula a busca e apreensão realizada na casa do Fulano sem ordem judicial"; ou, ainda, "V. Exa., foi quebrado o sigilo de correspondência do Siclano sem qualquer autorização judicial para tanto".
Assim sendo, passados toda a euforia com a prisão dos marginais e apreensão das enormes quantidades de drogas e de armas de fogo, várias ordens de habeas corpus e pedidos de relaxamento de prisão poderão lamentavelmente serem concedidos. E por isso devemos atuar dentro da margem de legalidade, encontrando fundamento para o restabelecimento da paz social na própria Constituição Federal, porque, definitivamente, o inimigo ainda não se entregou.