INTRODUÇÃO
O presente trabalho visa a discutir a aplicação de penalidades administrativas de trânsito, mais especificamente da penalidade de multa, no âmbito do chamado direito administrativo sancionatório, e a sua eficácia para mudança ou regulação da ordem social, como seria uma conseqüência esperada da aplicação da sanção.
A pergunta poderia ser resumida em: qual é o efeito da aplicação da penalidade administrativa de multa, prevista na lei 9503 de 1997 - Código de Trânsito Brasileiro- sobre os condutores?
Num espectro ampliado, esta pergunta poderia ser assim formulada: A sanção prevista e imposta pela norma jurídica, no âmbito do Direito Administrativo, tem como conseqüência o cumprimento da mesma norma jurídica?
A aplicação da penalidade administrativa de trânsito tem um efeito de reprimir a reincidência deste comportamento, comprovando a eficácia da tríade jurídica ‘fato – valor – norma’ e o caráter imperativo desta última. Mesmo no âmbito administrativo de trânsito, não é possível exigir-se o cumprimento das normas sem que haja uma sanção por seu descumprimento. A sanção é parte fundamental da norma jurídica e gera a mudança de comportamento desejada na sua criação.
Na minha prática individual, no cargo de Técnico Superior Administrativo do Detran, percebi diversas controvérsias sobre o caráter repressivo inserido na norma jurídica levada às últimas conseqüências, ou seja, a exigência do cumprimento de penalidades pelo descumprimento destas mesmas normas.
Há correntes que enfatizam o aspecto educativo das normas de trânsito, o seu caráter de organização do espaço onde circulam as pessoas e a necessidade de conscientizarão destes indivíduos com vistas ao melhor atendimento da função social reguladora do Estado. A norma de trânsito é tratada, neste caso, predominantemente como uma norma de caráter organizacional, que não vise à punição e sim que estabeleça as regras orientadoras de um trânsito seguro. Esta corrente também criou o conceito de "indústria de multas", para enfatizar o caráter arrecadatório da penalidade administrativa de multa, desvinculando-a do caráter educativo, que se manifesta pela mudança de comportamento do condutor. Assim, entende-se que atrás de uma demanda educativa, esconde-se uma maneira de aumentar a arrecadação do Estado sem qualquer preocupação em estancar a violência no trânsito.
Contrapondo-se a esta visão, existem aqueles que pensam que apenas a efetiva fiscalização do cumprimento da norma jurídica estabelecida no Código Brasileiro de Trânsito, através da imposição das penalidades previstas por seu descumprimento é que pode restabelecer o equilíbrio, a ordem no âmbito da problemática do trânsito.
Em um país onde a discussão sobre a criação de novas leis versus a aplicação das já existentes é tema rotineiro, onde a questão da impunidade e de suas conseqüências é manchete diária de jornais, parece-me de grande contribuição poder esclarecer um pouco mais sobre o alcance das normas jurídicas no âmbito da Administração Pública.
Para fazer uma análise objetiva desta questão, a metodologia apresentada neste trabalho se propõe a analisar o grupo de condutores multados por infração ao artigo 162-V do CTB (dirigir veículo com validade da Carteira Nacional de Habilitação vencida há mais de trinta dias), no ano de 2008, e estabelecer o percentual deles que buscam a corrigir esta situação, ou seja, regularizar a validade de seu documento no prazo de um mês após aplicação da multa. No Estado do São Paulo, todos os condutores são alertados a respeito do vencimento de sua Carteira Nacional de Habilitação, através de carta postal, três meses antes do vencimento.
Também se propõe a analisar o grupo de condutores multados por infração ao artigo 162-I do CTB (Dirigir veículo sem Carteira Nacional de Habilitação ou Permissão para Dirigir) no ano de 2008 e estabelecer o percentual de condutores que iniciaram o procedimento para habilitar-se até três meses após aplicação da multa.
Finalmente, analisar o número de veículos autuados por infração ao artigo 230-V do CTB (Conduzir o veículo que não esteja devidamente registrado e licenciado), e estabelecer o percentual de regularização da situação do licenciamento até três meses após a autuação.
Através da análise destes números, pretende-se lançar uma luz sobre a efetividade da aplicação das multas e sua relação com a mudança de comportamento dos condutores. Por analogia, através deste exemplo específico, também pretende esclarecer a função da aplicação da sanção administrativa, no âmbito do direito administrativo sancionatório, e sua importância como elemento integrante da norma jurídica.
1. A SANÇÃO JURÍDICA
1.1. Conceito
Segundo Carlos Galves (pag.8), o Direito é norma, um sistema jurídico é, antes de tudo, um sistema de normas. Norma, por sua vez, é toda regra, preceito ou proposição que diz como deve ser uma conduta humana, por isso, as normas jurídicas são normas sociais, visam a disciplinar a conduta dos homens na vida em sociedade. Outra característica da norma jurídica é o fato de ser coercível, de aplicação compulsória, quando encontra resistência, oposição. Tentando responder ao problema do porque as normas jurídicas são obedecidas (pag.73), o autor responde que, basicamente é devido ao fato delas serem coercíveis, ou seja, os indivíduos cumprem o que as normas jurídicas dizem por que sabem que, se não o fizerem, sofrerão uma sanção. Esta sancionabilidade pelo Poder é que distingue a norma jurídica das outras normas ou regras sociais de conduta [01].
André Franco Montoro caracteriza a sanção jurídica como a proteção conferida pelo Estado ao cidadão no sentido de garantir o cumprimento da norma jurídica. Assim, a sanção seria a conseqüência jurídica que atinge o sujeito passivo pelo não cumprimento da sua prestação. No caso da multa de trânsito, esta seria a conseqüência pelo descumprimento das normas de trânsito. Já a coação é a aplicação forçada da sanção desrespeitada. Se o efeito psicológico da sanção, a ameaça de uma multa não for o suficiente para garantir o cumprimento da norma, então à coação torna-se o meio recomendável para garantir o seu cumprimento [02].
Maria Helena Diniz, na obra "A Essência da Norma Jurídica", diz que a imperatividade da norma é motivada pela convicção de que certas relações e certos estados da vida social não podem ser deixados ao arbítrio individual, o que acarretaria graves prejuízos para a ordem social. Existem determinadas relações humanas que pela sua grande importância são reguladas, taxativamente, em normas jurídicas, a fim de evitar que a vontade dos particulares perturbe a vida social. Tal é o caso com relação à aplicação de multas de trânsito [03].
Galves (pag.74) ressalta que não pode haver vida social sem a existência de normas jurídicas, sem a presença da ameaça e implementação de sanções, quando infringidas certas regras de conduta social. Entretanto, nem todas as normas são respeitadas pelo temor à coação, mas esta é mantida pela natureza mesma da vida social, pois as regras de conduta reputadas imprescindíveis à existência de vida em sociedade não podem ficar à discrição dos indivíduos as observarem ou não. A sociedade pervive graças ao cumprimento espontâneo, mas deve ter a mão um instrumento que lhe dê a segurança de que os seus alicerces existenciais não serão comprometidos ou desfeitos na hipótese de haver infração às normas. A sanção jurídica exerce este papel de segurança. Deseja-se o cumprimento pacífico das normas, mas dispõe-se do poder de sua aplicação coativa, quando necessário [04].
Para Godofredo Telles Junior (pag.100), a sanção jurídica é uma medida legal que poderá vir a ser imposta por quem foi lesado pela violação da norma jurídica a fim de fazer cumprir a norma violada, de fazer reparar o dano causado ou de infundir respeito à ordem jurídica. A norma de direito, ao mesmo tempo em que estabelece a ordem desejada, sanciona a transgressão a esta ordem, a fim de que esta infração não se produza. Assim, é medida que a norma jurídica estabelece antes de ser violada. É um remédio colocado pelo direito à disposição do lesado para eventual uso, logo, este remédio não é empregado necessariamente. A sanção está sempre prescrita em norma jurídica antes mesmo que haja a sua violação. Não há sanção legítima sem norma jurídica que a institua regularmente [05].
"A sanção é a conseqüência jurídica que o não cumprimento de um dever produz em relação ao obrigado" [06] é o conceito de Garcia Maynez em sua Introdução ao Estudo do Direito.
Lourival Vilanova acrescenta que não há dever onde não há liberdade, ou seja, para que a norma seja possível, deve haver no ser capaz de conduta a possibilidade de várias condutas. Toda a ordem normativa tem a possibilidade de ser violada, sendo impossível conceber uma ordenação da vida social sem se prever uma conseqüência que se acrescente à norma, na hipótese desta vir a ser violada. Esta conseqüência é justamente a sanção, prevista para garantir o cumprimento da norma [07].
1.2. A distinção entre sanção e coação.
Maria Helena Diniz (pag.100) faz a distinção entre sanção e coação ou coatividade. Para a autora, sanção é a conseqüência da norma jurídica e relaciona-se com o inadimplemento de uma obrigação. Justamente por isto, a sanção tem caráter secundário já que depende da violação da norma, da inobservância de um dever. Caso seja a obrigação cumprida, o secundário não se realiza, e, consequentemente, a sanção não pode impor-se. Assim, entende Diniz que a sanção não seria elemento essencial da norma jurídica e faz a sua distinção com a coação.
Em sua tentativa de precisão terminológica, Diniz ressalta que a coação seria a aplicação ou realização efetiva da sanção. É a aplicação forçada da sanção, a sua imposição. Neste caso, a cobrança de multa por infração de trânsito, objeto de estudo nesta monografia, estaria mais relacionada à coação do que propriamente à sanção da norma jurídica. De fato, a própria autora reconhece que os termos se confundem, citando o próprio Hans Kelsen, em sua Teoria Pura do Direito, como os utilizando indiscriminadamente [08].
Alguns autores distinguem sanção de coerção ou coação. Não é o objetivo deste trabalho aprofundar as distinções filosóficas entre estes termos, apenas de conceituar a sanção administrativa ou o Direito Administrativo sancionatório na área de multas de trânsito, com vistas a evidenciar o papel da sanção jurídica neste campo e a sua importância na mudança de comportamento dos condutores-cidadãos. Portanto, seguindo a linha de Kelsen, neste trabalho o conceito de sanção confunde-se com o de coação conforme descrito acima, baseado nos estudos de Maria Helena Diniz.
2. DIREITO ADMINISTRATIVO SANCIONATÓRIO
2.1. Sanção administrativa X Sanção Penal
Deve-se inicialmente distinguir a sanção administrativa da sanção penal. A despeito de ambas serem imposições punitivas, a primeira resulta de um ato administrativo seguido do respectivo processo administrativo. A sanção penal é resultado de um processo judicial e estabelecida pela sentença criminal.
A sanção administrativa mais comum é a multa, considerada a penalidade típica neste âmbito. Consiste em dar uma soma de dinheiro ao Estado, imposta pela administração devido à violação de uma norma [09]. A administração também não pode aplicar penas privativas de liberdade, muito comuns no processo penal. O direito penal veicula penalidades mais graves do que o direito administrativo, pela sua própria característica de só atuar quando nenhuma outra resposta foi possível.
Hely Lopes Meirelles destaca que a multa administrativa é de natureza objetiva, isto é, prescinde da caracterização da culpa ou do dolo do infrator para ser devida [10].
Osório ressalta a similaridade entre as sanções administrativas e penais: ambas buscam restaurar a paz no ordenamento jurídico, reprimindo o transgressor e tutelando determinados valores sociais.
Ressalta que é artificial essa divisão entre ordem interna das instituições e ordem social externa de forma a caracterizar uma distinção digna de relevância para separar as infrações administrativas das infrações penais. O ponto de origem desta distinção é a soberana e discricionária escolha legislativa que acaba determinando a natureza da intervenção, administrativa ou penal.
2.2. Elementos da sanção administrativa
São quatro os elementos fundamentais da sanção administrativa, segundo Medina Osório [11]: subjetivo, aflitivo, teleológico e formal.
2.2.1. Elemento subjetivo:
O elemento subjetivo da sanção administrativa é a presença da administração pública como órgão sancionador em um dos pólos da relação. Ou seja, para caracterizar a sanção administrativa, a autoridade que aplica a pena há de pertencer à administração pública.
As multas de trânsito são aplicadas pelas autoridades de trânsito, conforme o artigo 256, inciso II do Código de Trânsito Brasileiro:
Art. 256. A autoridade de trânsito, na esfera das competências estabelecidas neste Código e dentro de sua circunscrição, deverá aplicar, às infrações nele previstas, as seguintes penalidades:
I - advertência por escrito;
II - multa;
III - suspensão do direito de dirigir;
IV - apreensão do veículo;
V - cassação da Carteira Nacional de Habilitação;
VI - cassação da Permissão para Dirigir;
VII - freqüência obrigatória em curso de reciclagem.
§ 1º A aplicação das penalidades previstas neste Código não elide as punições originárias de ilícitos penais decorrentes de crimes de trânsito, conforme disposições de lei.
§ 2º (VETADO)
§ 3º A imposição da penalidade será comunicada aos órgãos ou entidades executivos de trânsito responsáveis pelo licenciamento do veículo e habilitação do condutor.
2.2.2. Elemento objetivo:
O elemento objetivo consiste no efeito aflitivo da medida, subdividindo-se em dois tópicos: a privação dos direitos preexistentes e a imposição dos novos deveres.
Ele representa o sofrimento, a dor, o mal imposto ao infrator decorrente da sanção. Não se trata de ausência de prêmios, benefícios ou incentivos que a pessoa deixa de receber. A sanção é a inflingência de uma medida de castigo, e, como tal, implica um juízo de privação de direitos, imposição de deveres, restrição de liberdades, redução de patrimônio, ligados, em seu nascedouro e existência, ao cometimento de um ilícito administrativo.
Em relação às multas de trânsito, a sanção é o estabelecimento de uma obrigação pecuniária imposta ao infrator.
É certo que nem sempre esta obrigação de dar dinheiro ao Estado, imposta pela multa, é cumprida pelo infrator da norma. Ocorre que a multa administrativa está mais próxima do direito civil do que do direito penal, já que aquela pecúnia imposta pode inclusive ser paga por outra pessoa, não importando aqui a questão da pessoalidade em relação ao cumprimento da pena. Neste sentido se apresenta o caráter objetivo deste tipo de sanção.
No direito administrativo sancionador, o grau do efeito aflitivo da medida punitiva é proporcional à gravidade do ilícito cometido, limitada à ordem constitucional e o princípio da proporcionalidade nela inscrito.
A respeito do princípio da proporcionalidade, Celso Antonio Bandeira de Mello refere que quando a administração restringe direito dos administrados além do que caberia, imprimindo medidas de intensidade ou extensão exageradas, está a ressaltar a ilegalidade de sua conduta. Deste modo, ninguém está obrigado a suportar constrições em sua liberdade ou propriedade que não sejam indispensáveis à satisfação do interesse e da ordem pública [12].
2.2.3. Elemento teleológico:
Trata-se da finalidade punitiva da sanção administrativa. Esta guarda relação com o poder disciplinar pelo seu acentuado caráter pedagógico. As sanções administrativas perseguem, em grande parte, assim como o direito penal, finalidades ressocializantes e de reeducação dos sujeitos.
Algumas espécies de sanções administrativas podem indicar um caráter puramente repressivo. Tal não acontece com a aplicação de multas de trânsito, que possuem um caráter altamente reeducador, objetivam reduzir a violência do trânsito.
2.2.4. Elemento formal:
Diz respeito à natureza administrativa do procedimento, estabelecida por lei. O processo administrativo sancionatório de aplicação de multa tem seu procedimento descrito no Código de Trânsito Brasileiro, a saber:
Autuação e lavratura do auto de infração:
Art. 280. Ocorrendo infração prevista na legislação de trânsito, lavrar-se-á auto de infração, do qual constará:
I - tipificação da infração;
II - local, data e hora do cometimento da infração;
III - caracteres da placa de identificação do veículo, sua marca e espécie, e outros elementos julgados necessários à sua identificação;
IV - o prontuário do condutor, sempre que possível;
V - identificação do órgão ou entidade e da autoridade ou agente autua dor ou equipamento que comprovar a infração;
VI - assinatura do infrator, sempre que possível, valendo esta como notificação do cometimento da infração.
§ 1º (VETADO)
§ 2º A infração deverá ser comprovada por declaração da autoridade ou do agente da autoridade de trânsito, por aparelho eletrônico ou por equipamento audiovisual, reações químicas ou qualquer outro meio tecnologicamente disponível, previamente regulamentado pelo CONTRAN.
§ 3º Não sendo possível a autuação em flagrante, o agente de trânsito relatará o fato à autoridade no próprio auto de infração, informando os dados a respeito do veículo, além dos constantes nos incisos I, II e III, para o procedimento previsto no artigo seguinte.
§ 4º O agente da autoridade de trânsito competente para lavrar o auto de infração poderá ser servidor civil, estatutário ou celetista ou, ainda, policial militar designado pela autoridade de trânsito com jurisdição sobre a via no âmbito de sua competência.
Lavrada a autuação, será revisada a consistência do auto de infração e expedida uma notificação de autuação, possibilitando ao infrator a defesa prévia á aplicação da penalidade. Tal norma está regulamentada pelo artigo 3º da Resolução 149/03 do Contran:
Art. 3º. À exceção do disposto no § 5º do artigo anterior, após a verificação da regularidade do Auto de Infração, a autoridade de trânsito expedirá, no prazo máximo de 30 (trinta) dias contados da data do cometimento da infração, a Notificação da Autuação dirigida ao proprietário do veículo, na qual deverão constar, no mínimo, os dados definidos no art. 280 do CTB e em regulamentação específica.
§ 1º. Quando utilizada a remessa postal, a expedição se caracterizará pela entrega da Notificação da Autuação pelo órgão ou entidade de trânsito à empresa responsável por seu envio.
§ 2º. Da Notificação da Autuação constará a data do término do prazo para a apresentação da Defesa da Autuação pelo proprietário do veículo ou pelo condutor infrator devidamente identificado, que não será inferior a 15 (quinze) dias, contados a partir da data da notificação da autuação.(...)
Após a análise da defesa, caso indeferida, a autoridade de trânsito aplicará a penalidade e expedirá a notificação conforme estabelecido no artigo 282 do Código de Trânsito Brasileiro:
Art. 282. Aplicada a penalidade, será expedida notificação ao proprietário do veículo ou ao infrator, por remessa postal ou por qualquer outro meio tecnológico hábil, que assegure a ciência da imposição da penalidade.
§ 1º A notificação devolvida por desatualização do endereço do proprietário do veículo será considerada válida para todos os efeitos.
§ 2º A notificação a pessoal de missões diplomáticas, de repartições consulares de carreira e de representações de organismos internacionais e de seus integrantes será remetida ao Ministério das Relações Exteriores para as providências cabíveis e cobrança dos valores, no caso de multa.
§ 3º Sempre que a penalidade de multa for imposta a condutor, à exceção daquela de que trata o § 1º do art. 259, a notificação será encaminhada ao proprietário do veículo, responsável pelo seu pagamento.
O processo administrativo segue em direção à JARI, Junta Administrativa de Recursos de Infrações, caso o condutor não se conforme com a penalidade aplicada, artigos 285, 286 e 287 do CTB:
Art. 285. O recurso previsto no art. 283 será interposto perante a autoridade que impôs a penalidade, a qual o remeterá à JARI, que deverá julgá-lo em até trinta dias.
§ 1º O recurso não terá efeito suspensivo.
§ 2º A autoridade que impôs a penalidade remeterá o recurso ao órgão julgador, dentro dos dez dias úteis subseqüentes à sua apresentação, e, se o entender intempestivo, assinalará o fato no despacho de encaminhamento.
§ 3º Se, por motivo de força maior, o recurso não for julgado dentro do prazo previsto neste artigo, a autoridade que impôs a penalidade, de ofício, ou por solicitação do recorrente, poderá conceder-lhe efeito suspensivo.
Art. 286. O recurso contra a imposição de multa poderá ser interposto no prazo legal, sem o recolhimento do seu valor.
§ 1º No caso de não provimento do recurso, aplicar-se-á o estabelecido no parágrafo único do art. 284.
§ 2º Se o infrator recolher o valor da multa e apresentar recurso, se julgada improcedente a penalidade, ser-lhe-á devolvida a importância paga, atualizada em UFIR ou por índice legal de correção dos débitos fiscais.
Art. 287. Se a infração for cometida em localidade diversa daquela do licenciamento do veículo, o recurso poderá ser apresentado junto ao órgão ou entidade de trânsito da residência ou domicílio do infrator.
Por fim, o encerramento da instância administrativa de aplicação de multas se dá com o recurso previsto no artigo 288, 289 e 290 do CTB, a saber:
Art. 288. Das decisões da JARI cabe recurso a ser interposto, na forma do artigo seguinte, no prazo de trinta dias contado da publicação ou da notificação da decisão.
§ 1º O recurso será interposto, da decisão do não provimento, pelo responsável pela infração, e da decisão de provimento, pela autoridade que impôs a penalidade.
§ 2º No caso de penalidade de multa, o recurso interposto pelo responsável pela infração somente será admitido comprovado o recolhimento de seu valor.
Art. 289. O recurso de que trata o artigo anterior será apreciado no prazo de trinta dias:
I - tratando-se de penalidade imposta pelo órgão ou entidade de trânsito da União:
a) em caso de suspensão do direito de dirigir por mais de seis meses, cassação do documento de habilitação ou penalidade por infrações gravíssimas, pelo CONTRAN;
b) nos demais casos, por colegiado especial integrado pelo Coordenador-Geral da JARI, pelo Presidente da Junta que apreciou o recurso e por mais um Presidente de Junta;
II - tratando-se de penalidade imposta por órgão ou entidade de trânsito estadual, municipal ou do Distrito Federal, pelos CETRAN E CONTRANDIFE, respectivamente.
Parágrafo único. No caso da alínea b do inciso I, quando houver apenas uma JARI, o recurso será julgado por seus próprios membros.
Art. 290. A apreciação do recurso previsto no art. 288 encerra a instância administrativa de julgamento de infrações e penalidades.
Parágrafo único. Esgotados os recursos, as penalidades aplicadas nos termos deste Código serão cadastradas no RENACH.
2.3. O Poder de Polícia Administrativo
O Estado é o regulador das normas de circulação das pessoas. Uma das tradicionais formas de atuação do Estado na área de trânsito é através da fiscalização e aplicação de multas para reprimir as infrações de trânsito. Isto é possível através do poder de polícia estatal. Este se caracteriza por ser o conjunto de atribuições concedidas à administração para disciplinar e restringir, em favor de notório interesse público, direitos e liberdades individuais.
O Código Tributário Nacional, no artigo 78, traz o seguinte conceito:
"Poder de Polícia é a atividade da administração pública que, limitando ou disciplinando direito, interesse ou liberdade, regula a prática de ato ou abstenção de fato, em razão do interesse público concernente à segurança, à higiene, à ordem, aos costumes, à disciplina da produção e do mercado, ao exercício de atividades econômicas dependentes de concessão ou autorização do Poder Público, à tranqüilidade pública ou ao respeito à propriedade e aos direitos individuais ou coletivos".
Odete Medauar, na tentativa de conceituar o poder de polícia no Brasil, enumera as seguintes características do mesmo.
1.É atividade administrativa, ou seja, conjunto de atos, fatos e procedimentos realizados pela administração. Especialmente no Brasil, a despeito da administração atuar no estrito cumprimento da lei, envolve também a apreciação de casos concretos, a fiscalização e a imposição de sanções.
2.Acarreta limitação direta a direitos reconhecidos aos particulares, significando um obstáculo a seu exercício pleno.
3.Abrange também o controle da observância das prescrições, que caracteriza a face de autoridade da Administração Pública, e a imposição de sanções em casos de desatendimento.
Assim, pode-se dizer que o fundamento e a finalidade que justificam a existência do poder de polícia é a defesa da ordem pública. No âmbito administrativo, a "ordem pública significa um mínimo de condições essenciais a uma vida social adequada e pacífica" [13]. Este conceito também se confunde com o do interesse público, que visa a custódia de qualquer tipo de bem ou interesse de todos perante um indivíduo ou um grupo particular de indivíduos. Ao conceito de ordem pública ou interesse público, também se pode acrescentar o do bem comum, satisfação de necessidades coletivas, necessidades da vida social.
Não é difícil perceber o seu alcance na matéria de trânsito, já que as normas gerais de condutas e as infrações por seu desrespeito estão estabelecidas no Código Brasileiro de Trânsito. Neste sentido, o poder de polícia do Estado tem como finalidade proporcionar a convivência social no trânsito o mais harmoniosa possível, evitando ou ao menos atenuando os conflitos decorrentes do exercício dos direitos individuais ante o interesse de toda a população.
Mas seria a aplicação de multas de trânsito, atualmente no Brasil, atentatória aos direitos individuais dos cidadãos ou estaria ela a serviço da garantia do interesse da sociedade?
O exercício do poder de polícia estatal não é ilimitado. A primeira limitação está inscrita na própria Constituição Federal, nos direitos fundamentais dos cidadãos, entre os quais o do contraditório e ampla defesa, o do devido processo legal, o direito a intimidade e privacidade. Mais especificamente, as limitações de finalidade e de necessidade do uso do poder de polícia devem corresponder ao fim almejado da norma jurídica, o bem público. Diogo de Figueiredo Moreira Neto entende que a finalidade do ato administrativo é o interesse público protegido pela lei de forma explícita ou implícita, que se pretende satisfazer pela produção dos efeitos jurídicos do ato administrativo [14]. O ato administrativo sancionador de trânsito visa coibir comportamentos socialmente danosos, mantendo a segurança e a ordem pública.
Nesse caso, poder-se-ia perguntar, a aplicação de multas está reduzindo a violência do trânsito? É este um instrumento necessário para disciplinar as condutas de circulação dos indivíduos? E, afinal, a aplicação de multas visa à reeducação do cidadão ou simplesmente o enriquecimento do Estado? Haverá um desvio de finalidade na aplicação da sanção jurídica?
O presente trabalho visa esclarecer o alcance da aplicação da sanção de multa, no âmbito do direito administrativo sancionatório, na tentativa de regular a ordem social na esfera do trânsito.