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Pós-positivismo e os princípios em Robert Alexy

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Agenda 01/01/2011 às 09:33

Sumário: 1. Introdução. 2. Princípios como unidade e coerência. 3. Direito principiológico e pós-positivismo. 4. A concepção de princípio para Robert Alexy. 5. Conflito de princípios e relação de precedência condicionada. 6. Máxima da proporcionalidade. 6.1. Adequação. 6.2. Necessidade. 6.3. Proporcionalidade em sentido estrito. 7. Ponderação e racionalidade. 8. Conclusões. 9. Referências.


1. Introdução

A superação do projeto da modernidade sobrelevou a importância dos princípios na contemporaneidade. Essa nova circunstância naturalmente acarretou e ainda acarreta dúvidas e perplexidades na comunidade dos operadores do Direito, na medida em que são agora questionados os métodos clássicos de interpretação e aplicação.

O presente trabalho pretende trazer notas meramente introdutórias sobre o tratamento dos princípios na lição do professor alemão Robert Alexy, considerado um dos mais influentes juristas da atualidade, especialmente no trato da argumentação jurídica e dos direitos fundamentais. Não há, dessa forma, a pretensão de esgotar o assunto, nem tampouco de apresentar as refutações formuladas pela doutrina especializada ou suas correspondentes réplicas.

De início, a temática será devidamente ambientada com algumas notas sobre os princípios e com a análise de certas características do novo paradigma do pós-positivismo jurídico. Adiante, dentro dos limites deste estudo, a abordagem apenas tratará da concepção de princípio para este autor, do conflito de princípios e da relação de precedência condicionada, da máxima da proporcionalidade e, por fim, abrangerá também alguns comentários em torno da discussão acerca da racionalidade da teoria.


2. Princípios como unidade e coerência

Principiar significa dar início a algo, servir como ponto de partida, como origem ou começo. Assim podem ser entendidos, em uma perspectiva preliminar, os princípios no direito: a origem estrutural do arcabouço jurídico, as fundações sobre as quais é sustentado e informado todo o complexo normativo que representa o sistema.

De acordo com Miguel Reale, proposição é a expressão verbal de um juízo, vale dizer, expressão de uma ligação lógica de um predicado a algo, em relação de atributividade necessária e com pretensão de verdade. A ciência implica na coerência entre juízos que se enunciam em seu seio. Como todo juízo envolve uma pergunta sobre sua validade ou o seu fundamento original, há sempre a possibilidade de redução a outro juízo mais simples e assim, em princípio, sucessivamente. Quando o pensamento opera essa redução certificadora até serem atingidos juízos iniciais que não possam mais ser reduzidos a outros, são encontrados os princípios da ciência [01].

Princípios, portanto, podem ser reconhecidos como os juízos fundamentais, que garantem a certeza de um conjunto de juízos, ordenados em um sistema de conceitos relativos a determinada porção da realidade. Podem ser considerados como princípios também, porém, certas proposições que, embora não evidentes ou resultantes de evidências, sejam adotadas como fundamento de validade de um sistema ou seus pressupostos necessários. Como exemplo destas últimas, é lembrado, no âmbito da ciência do direito, o princípio pelo qual "a ninguém é dado se escusar do cumprimento da lei alegando ignorância em relação a esta", uma óbvia ficção [02]. Isso é possível, pois o conhecimento científico é sempre relativo, ou seja, seus juízos possuem validez nos limites do extrato de realidade explicado e em função dos princípios que norteiam este mesmo sistema [03].

No âmbito do direito, o sistema deve ser reconhecido, como disserta Claus Wilhelm Canaris, a partir das idéias de adequação valorativa e da unidade interior da ordem jurídica. Se derivado o ordenamento a partir da regra (de natureza valorativa) da justiça, também o sistema a ele correspondente apenas pode ser uma ordenação teleológica, não no sentido restrito da pura conexão de meios aos fins, mas sim na realização ampla de escopos e de valores [04]. Trata-se da adequação formal de uma valoração que não tem por desiderato, porém, encontrar uma regulação justa específica e a priori em seu conteúdo, mas sim, uma vez legislado um valor primário, pensar até ao fim em todas as suas derivações e consequências, solucionando contradições em relação a outros valores já legislados e também evitando contradições derivadas do aparecimento de novos valores [05].

A característica principal da unidade é justamente esta recondução da multiplicidade do singular a poucos princípios constitutivos, se avançando aos valores fundamentais mais profundos, vale dizer, aos princípios gerais da ordem jurídica: para além da lei e da ratio legis, apurar a ratio iuris determinante [06]. Enquanto consideradas como sistema, portanto, as normas jurídicas componentes do ordenamento jurídico correspondem a uma ordenação teleológica cuja característica de unidade é resultado da sua coerência com os princípios do direito.

Nesse sentido sustenta Celso Antônio Bandeira de Mello que a ofensa a um princípio "é a mais grave forma de ilegalidade ou inconstitucionalidade, conforme o escalão do princípio atingido, porque representa insurgência contra todo o sistema, subversão de seus valores fundamentais, contumélia irremissível a seu arcabouço lógico e corrosão de sua estrutura mestra" [07].


3. Direito principiológico e pós-positivismo

No contexto histórico do projeto do Estado liberal foi concebido o positivismo jurídico, enquanto tentativa de criação de uma ciência jurídica cognoscitiva da norma jurídica positivada. A suposta neutralidade passava a ser pressuposto da cientificidade do conhecimento jurídico.

Ocorre que, uma vez superado o antigo regime, o posterior desenvolvimento histórico do positivismo jurídico trouxe consigo o desgaste do modelo. A Corte de Nuremberg, instalada em 1945 para julgar os crimes contra a humanidade cometidos pelos oficiais nazistas durante a Segunda Guerra Mundial, evidenciou claramente que o modelo de estrita vinculação à lei se mostrava insuficiente a sancionar a conduta daqueles que cometiam crimes sob o respaldo na legislação em vigor em seu Estado. Tornava-se então necessário atribuir caráter normativo a princípios, construindo uma nova hermenêutica constitucional baseada em uma teoria dos direitos fundamentais.

Ademais, os embates da realidade vieram a demonstrar a insuficiência de outro paradigma do Estado Liberal, revelando que não era possível conferir igualdade formal de tratamento àqueles em situação desigual em termos concretos. Dessa forma, a lei geral e abstrata, produzida por e para o legislador burguês, já não interessava ao conjunto da sociedade, motivando sindicatos de trabalhadores e associações de profissionais liberais, entre outros agentes de pressão, a trazerem a divergência ideológica ao parlamento.

Consoante Luís Roberto Barroso, o Direito, a partir da segunda metade do Século XX, já não cabia mais no positivismo jurídico. A aproximação quase absoluta entre direito e norma e sua rígida separação da ética não correspondiam ao estágio do processo civilizatório e às ambições dos que patrocinavam a causa da humanidade. Por outro lado, os operadores do Direito também não desejavam o retorno puro e simples ao jusnaturalismo, aos fundamentos vagos, abstratos ou metafísicos de uma razão subjetiva. Nesse contexto, o pós-positivismo jurídico não implicava em desconstrução, mas superação do conhecimento convencional. Guardava deferência relativa ao ordenamento positivo, porém nele reintroduzia a justiça e a legitimidade [08].

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A crise do positivismo jurídico, explica Carla Farrali, conduziu à superação da diferenciação inflexível entre direito e moral, com a decorrente inserção dos valores éticos e políticos na discussão filosófico-jurídica, da qual foram oriundas as teorias constitucionalistas. A nota distintiva principal reside na complexidade crescente dos sistemas constitucionais contemporâneos diante da introdução dos princípios e da sua correspondente distinção em relação às regras. Tal abordagem pode ser caracterizada sob três aspectos: a) a centralidade da dimensão da correção "moral" do direito, que não pode ser visto apenas formalmente, mas também preenchido de conteúdo moral, por intermédio dos princípios e dos direitos invioláveis do indivíduo; b) a importância da aplicação do direito, pelo desenvolvimento de novas formas de decisão judicial; e c) a vinculação do legislador aos princípios e aos direitos constitucionais e o papel decisivo do juiz para sua execução, ainda que em confronto com a lei [09].

No pós-positivismo ganha especial relevo o papel dos princípios diante da insuficiência do modelo positivista kelseniano em apresentar respostas satisfatórias pelo método tradicional da subsunção. Por outro lado, as Constituições contemporâneas apresentam cada vez mais normas de textura aberta, cujo conteúdo é preenchido no exercício hermenêutico por uma valoração norteada pelos princípios.

Ao abrigo deste novo paradigma em construção, segundo Luís Roberto Barroso, se encontram: a atribuição de normatividade aos princípios e a definição de suas relações com valores e regras; a reabilitação da razão prática e da argumentação jurídica; a formação de uma nova hermenêutica constitucional; e o desenvolvimento de uma teoria dos direitos fundamentais edificada sobre o sustentáculo da dignidade humana [10].

O pós-positivismo jurídico representou, portanto, verdadeira adequação do Direito à pós-modernidade, introduzindo no campo jurídico mudanças profundas de perspectivas que conferiram, de forma evidente, maior poder e autonomia aos órgãos do Poder Judiciário, ao mesmo tempo em que acarretou complexidade bem maior ao ato decisório. Em consequência, a lei deixou de ser entendida como produto de vontade homogênea do Poder Legislativo e o princípio da legalidade adquiriu novo delineamento, mais abrangente, envolvendo uma relação de necessária conformidade com o conjunto sistemático do ordenamento jurídico, aqui considerando regras e princípios.


4. A concepção de princípio para Robert Alexy

Para Robert Alexy, em sua clássica obra "Theorie der Grundrechte" (Teoria dos direitos fundamentais) de 1986, regras e princípios seriam normas porque formulados por intermédio de expressões deônticas básicas do dever, da permissão e da proibição, ambos funcionando como razões para juízos concretos de dever-ser. Embora reconheça que o critério da generalidade seria o mais utilizado para distinguir princípios de regras, entre estas duas espécies normativas não existiria uma diferença de grau, mas sim qualitativa [11]. Para ele:

Princípios são, [...], mandamentos de otimização, que são caracterizados por poderem ser satisfeitos em graus variados e pelo fato de que a medida devida de sua satisfação não depende somente das possibilidades fáticas, mas também das possibilidades jurídicas. O âmbito das possibilidades jurídicas é determinado pelos princípios e regras colidentes.

Já as regras são normas que são sempre ou satisfeitas ou não satisfeitas. Se uma regra vale, então, deve se fazer exatamente aquilo que ela exige; nem mais, nem menos. Regras contêm, portanto, determinações no âmbito daquilo que é fática e juridicamente possível [12].

Quando o ordenamento jurídico de um Estado estabelece, por exemplo, o direito à duração razoável do processo, tal como o fez a Constituição brasileira de 1988 [13], não enuncia e delimita uma situação fática que, uma vez ocorrida no plano concreto, acarrete uma determinada consequência jurídica. Pelo contrário, tal norma disciplina que o aplicador do direito, conforme cada situação fática que venha a se configurar e em cotejo com as demais normas jurídicas que eventualmente se lhe mostrem antagônicas, confira a solução que empreste celeridade no maior grau possível ao processo. Em outros termos, cabe-lhe identificar a solução ótima a atender ao caso concreto, parametrizada pelo vetor da efetividade processual. Nesse sentido é que se fala em um mandamento de otimização. Logo, pode ser aqui identificado, não uma regra, mas autêntico princípio da duração razoável do processo.

Por outro lado, uma norma jurídica válida que estabeleça, noutro exemplo, como uma das condições de elegibilidade para o cargo de presidente da república a idade mínima de trinta e cinco anos aos interessados, da forma que consta no texto constitucional brasileiro [14], possui um espectro de soluções estritamente binário: ou no caso concreto o indivíduo já alcançou esta idade e preenche a condição imposta pelo ordenamento jurídico, ou possui idade inferior e é inelegível ao cargo. Não há possibilidade de satisfação da norma noutros graus ou mesmo em faixas intermediárias. Existe uma clara determinação no âmbito daquilo que é fática e juridicamente possível, razão pela qual se trata aqui de uma regra.


5. Conflito de princípios e relação de precedência condicionada

Em razão da diferenciação entre as duas espécies normativas, sustenta Robert Alexy, enquanto o conflito de regras resolver-se-ia pelo reconhecimento de uma cláusula de exceção ou pela declaração da validade de uma em detrimento da invalidade da outra – essa por intermédio de critérios como os da anterioridade ou da especialização, por exemplo –, a colisão de princípios significaria apenas que um deles teria precedência sobre o outro. Tratar-se-ia aqui do que ele denomina de uma relação de precedência condicionada (ou ainda concreta ou relativa), na qual o conflito seria resolvido pelo sopesamento dos interesses em choque, de modo a definir qual deles, embora os respectivos valores abstratos estejam no mesmo nível, apresentaria um peso maior conforme as circunstâncias do caso concreto [15]. Considerando dois princípios P1 e P2, o símbolo P para a relação de precedência e o sinal C para a condição da precedência no caso concreto, pode ser graficamente enunciada a seguinte relação condicionada de precedência do princípio P1 sobre o princípio P2[16]:

   

(P1P P2) C

   

A conceituação do princípio enquanto mandamento de otimização pode ensejar, assim, até mesmo que as circunstâncias fáticas e jurídicas da ocasião apontem o seu afastamento em determinado caso concreto. Não se trata de declarar a invalidade do princípio ou reconhecer uma cláusula de exceção, mas apenas de reconhecer que este não tem preferência naquelas específicas condições. Basta imaginar, por exemplo, que o legislador, uma vez motivado pelo referido princípio da duração razoável do processo (P1), resolvesse editar uma lei que reduzisse para vinte e quatro horas o prazo destinado ao réu para apresentação de defesa. Nesse caso, seria manifesta a violação ao princípio processual da ampla defesa (P2), motivo pelo qual este último teria precedência sobre aquele primeiro nestas condições C1.

   

(P2P P1) C1

   

Se, entretanto, o mesmo legislador, ao invés motivado pelo princípio da ampla defesa (P2), houvesse editado uma lei para ampliar a um ano o prazo destinado ao réu para apresentação de defesa, seria igualmente manifesta a violação, só que agora ao princípio da duração razoável do processo (P1), razão pelo qual a sua precedência sobre o outro nas novas condições C2.

 

(P1P P2) C2

   

Em um e outro casos, nenhum dos princípios foi declarado inválido, nem tampouco foi identificada nenhuma cláusula de exceção a qualquer dos dois, sendo apenas reconhecida a relação de precedência condicionada entre ambos em cada hipótese. O ponto central da teoria é reconhecer que a solução do conflito de princípios não retira nenhum dos conflitantes do sistema, mas apenas reconhece a aplicabilidade mitigada ou mesmo a inaplicabilidade daquele em detrimento do qual foi resolvida a questão. Logo, é tarefa contínua e fundamental do operador do Direito avaliar, em caso concreto que se lhe apresente para apreciação, a relação de precedência condicionada entre os princípios em debate.

É de se observar ainda que o enunciado de precedência entre princípios importa, ele próprio, em uma regra, circunstância esta que dá ensejo à "lei de colisão" de Robert Alexy, pela qual "as condições sob as quais um princípio tem precedência em face de outro constituem o suporte fático de uma regra que expressa a consequência jurídica do princípio que tem precedência" [17]. Trata-se da norma individual e concreta que é obtida a partir da identificação da relação de precedência. Dos exemplos acima citados poderiam ser extraídas as seguintes regras: "é proibido estabelecer prazo para apresentação de defesa processual igual ou inferior a vinte e quatro horas" e "é proibido estabelecer prazo para apresentação de defesa processual igual ou superior a um ano". Torna-se claro que ambas implicariam em soluções estritamente binárias, inexistindo possibilidade de satisfação noutros graus ou mesmo em faixas intermediárias.


6. Máxima da proporcionalidade

Enquanto a resolução do conflito de regras demanda os critérios cronológico (lex posterior derogat priori), hierárquico (lex superior derogat inferiori) e de especialidade (lex specialis derogat generali) [18], o manejar com princípios reclama o recurso à máxima da proporcionalidade.

Ricardo Maurício Freire Soares percebe a proporcionalidade, dentro do pós-positivismo, como um novo instrumental metodológico para a aplicação do direito justo. Trata-se, em verdade, de um standard vinculante em torno da idéia de justiça ínsita ao ordenamento jurídico, representando assim uma garantia aos cidadãos em favor de um contrabalanceamento entre a tutela a determinados bens jurídicos e as deriváveis restrições a direitos fundamentais [19].

Para Robert Alexy, a natureza dos princípios implica a máxima da proporcionalidade e vice-versa. A proporcionalidade (em sentido amplo) compreende três máximas parciais: a adequação (ou idoneidade), a necessidade e a proporcionalidade em sentido estrito, sendo que, enquanto as duas primeiras decorrem da natureza dos princípios diante das possibilidades fáticas, a última tem origem nas possibilidades jurídicas [20].

6.1. Adequação

Averiguar o preenchimento da máxima da adequação significa, em termos práticos, verificar se a adoção do meio M1, na situação fática concreta, se mostra idônea a fomentar a aplicação do princípio P1, apesar de afetar negativamente a realização do princípio P2. A não adoção do meio inadequado confere a maior otimização a ambos os princípios. Segundo o autor, a máxima da adequação "exclui o emprego de meios que prejudiquem a realização de, pelo menos, um princípio, sem, pelo menos, fomentar um dos princípios ou objetivos, cuja realização eles devem servir" [21].

Considere-se a situação hipotética em que uma rede de supermercados resolva estabelecer procedimento de revista em seus empregados, alegando a existência de um alto índice de furtos ocorridos em seus estabelecimentos tem lhe proporcionado grande prejuízo patrimonial. Tal procedimento passa a ocorrer então, durante a saída do trabalho, na portaria exclusiva de empregados, consistindo, tanto na abertura de bolsas e sacolas, quanto na apalpação por todo o corpo dos revistados. Mais adiante, um de seus empregados submetidos à revista, constrangido diante da violação de seus direitos à intimidade e à honra e tendo em vista a eficácia horizontal direta dos direitos fundamentais, ingressa com uma ação judicial em que pede o pagamento de uma indenização por danos morais.

Verificar a adequação implica em observar se o procedimento da revista (M1) se configura idôneo, no caso concreto, a fomentar o resguardo do direito à propriedade e o princípio da livre iniciativa (P1) apesar de afetar negativamente o princípio de proteção à intimidade (P2). Para se dizer adequado este meio, será necessário que a rede de supermercado demonstre, em primeiro lugar, os alegados alto índice de furtos e correspondente prejuízo patrimonial. Em caso positivo, caber-lhe-á ainda, em segundo lugar, apresentar elementos de prova que permitam concluir que tais furtos estão sendo praticados por empregados e não por terceiros, como, por exemplo, clientes das lojas. Isso porque, não havendo furtos ou não sendo os empregados os autores destes, a medida restritiva não se mostrará adequada a resguardar o patrimônio da empresa e será assim considerada ilícita porque violadora dos direitos fundamentais à intimidade e à honra de seus empregados, justificando a indenização por danos morais.

6.2. Necessidade

A necessidade, por seu turno, é um passo adiante e implica na escolha do meio menos gravoso entre os adequados. Assim, se a escolha entre os meios M1 e M2, na situação fática concreta, é irrelevante à satisfação do princípio P1, na medida em que ambos igualmente se mostram idôneos a lhe fomentar, mas se M1 afeta de forma mais intensa o princípio P2, para que este possa ser realizado na maior medida possível, a opção deve ser por M2. Na hipótese, a adoção do meio necessário confere a maior otimização possível a ambos os princípios. Para o autor, "se existe um meio menos intensivamente interveniente e igualmente bem idôneo, então uma posição pode ser melhorada, sem que nasçam custos para a outra" [22].

Na mesma situação hipotética retro mencionada, seja considerado agora que a mesma rede de supermercados possa dispor de outros mecanismos de segurança patrimonial, como, por exemplo, instalar câmeras de vídeo no interior das lojas e fixar etiquetas de alarme em todas as suas mercadorias de tamanho e porte suficientemente pequenos de modo a permitir a ocultação por dentro das fardas dos empregados, sendo a correspondente cancela eletrônica instalada no acesso ao vestuário e armário de bolsas e sacolas (M2).

Demonstrados os furtos e que estes são praticados por empregados, a escolha entre o meio M2 e a revista dos empregados (M1) é irrelevante à proteção do direito à propriedade e o princípio da livre iniciativa (P1) porque igualmente idôneos. Diante de tais possibilidades fáticas, ocorre, porém, ser evidente que a revista afeta de forma muito mais intensa o princípio de proteção à intimidade (P2) do que a mera instalação de câmeras de vídeo e fixação de etiquetas de alarme, razão pela qual aquela não se mostra necessária, justificando mais uma vez a indenização por danos morais.

6.3. Proporcionalidade em sentido estrito

As possibilidades jurídicas são determinadas pelos princípios colidentes, cuja otimização é expressa pela máxima da proporcionalidade em sentido estrito, idêntica à lei do sopesamento (ou ponderação): "quanto maior for o grau de não-satisfação ou de afetação de um princípio, tanto maior terá que ser a importância da satisfação do outro" [23]. Esta lei mostra a ponderação dividida em três etapas de avaliação: na primeira, quanto ao grau de não-satisfação ou afetação de um dos princípios em questão (P2); na segunda, quanto à importância da satisfação do princípio colidente (P1); na terceira, quanto a se a importância da satisfação do princípio colidente (P1) justifica a afetação ou não satisfação do outro princípio (P2) [24].

Retornando-se ao exemplo, seja considerado, por fim, que, uma vez demonstrados os furtos e que estes são praticados por empregados, a citada rede de supermercados não realize revista em seus empregados e disponha tanto das câmeras de vídeo quanto das etiquetas de alarme. Ainda assim, um de seus empregados pleiteou em juízo uma indenização por danos morais.

A primeira etapa da ponderação consistirá em avaliar o grau de afetação dos direitos à intimidade e à honra e do princípio de proteção à intimidade (P2), grau este que se configura levíssimo diante do meio adotado, aqui se pensando em algum constrangimento que remanesça pela perspectiva de monitoramento do empregado durante todo o expediente de trabalho. Na segunda, deverá ser observada a importância da satisfação do direito à propriedade e do princípio da livre iniciativa (P1), importância esta que se mostra relevante, seja diante da manutenção da viabilidade do empreendimento empresarial, seja consequentemente como forma de garantia dos empregos por este gerados. Na terceira, finalmente, será apreciado se a importância da satisfação do princípio da livre iniciativa (P1) justifica a afetação do princípio de proteção à intimidade (P2), o que, neste caso, apresenta resposta positiva. Logo, a medida adotada pela empresa se mostra proporcional, sendo injustificada a indenização por danos morais. Nestas condições, por hipótese, o princípio da livre iniciativa (P1) teria precedência sobre o princípio de proteção à intimidade (P2):

   

(P1P P2) C1

   
Sobre o autor
Guilherme Guimarães Ludwig

Juiz do Trabalho no Tribunal Regional do Trabalho da 5ª Região/BA. Ex-membro do Conselho Consultivo da Escola Judicial do Tribunal Regional do Trabalho da 5ª Região/BA (2005-2011). Extensão universitária em Economia do Trabalho e Sindicalismo pelo CESIT/UNICAMP. Mestre em Direito Público pela Universidade Federal da Bahia.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LUDWIG, Guilherme Guimarães. Pós-positivismo e os princípios em Robert Alexy. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2740, 1 jan. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/18164. Acesso em: 21 nov. 2024.

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