7. Ponderação e racionalidade
Para Robert Alexy, é possível elaborar juízos racionais sobre intensidades de intervenções, sobre graus de importância e sobre o relacionamento entre ambos. Embora nem sempre seja possível determinar um resultado de forma racional, o conjunto de casos possíveis justifica o sopesamento como método [25]. Os limites decorrentes da força inerente aos direitos fundamentais enquanto princípios, mesmo quando não identificados de forma rígida e independente de sopesamento, continuam sólidos e claros. Apesar de não contidos na própria lei do sopesamento, são possíveis juízos racionais e não arbitrários sobre os graus de intensidade da afetação e a importância da satisfação de um princípio. Basta que, na fundamentação, sejam apresentadas razões plausíveis para a aplicação [26].
Consoante Carlos Bernal Pulido, embora a ponderação tenha um caráter formal e que, portanto, não garanta uma objetividade perfeita e tampouco acarrete a total exclusão da apreciação subjetiva do juiz, isso não significa que esteja baseada apenas em tal subjetivismo. O nível ideal de objetividade perfeita não existe em nenhum âmbito normativo, uma vez que tal pressuporia um sistema jurídico ideal em que prescrevesse com exatidão tudo que está permitido, proibido e ordenado, o que não é nem possível, nem conveniente. É impossível porque as disposições dos princípios são sempre indeterminadas, não sendo naturalmente possível prever e regular a todos os conflitos de modo hipotético. Por outro lado, não é conveniente, porque reduz drasticamente as possibilidades de deliberação política, o que transformaria o Legislador, por hipótese, em mero executor das regulações predeterminadas pela Constituição, se esvaindo consequentemente a sua importância como foro de deliberação democrática. A vinculação se estenderia também ao Executivo e ao Judiciário, de modo que o Direito se aprisionaria no passado, perdendo sua capacidade de adaptação às novas demandas da sociedade [27].
Por fim, conforme Virgílio Afonso da Silva, "não é possível buscar uma racionalidade que exclua, por completo, qualquer subjetividade na interpretação e na aplicação do direito. Exigir isso de qualquer teoria é exigir algo impossível". Nesse sentido, este autor sustenta que até mesmo a subsunção apresenta dificuldades de fundamentação substancial, sendo que os próprios positivistas reconhecem que o processo de interpretação e aplicação do direito não é estritamente racional e objetivo [28].
Neste sentido, é de ressaltar que também as regras suscitam controvérsia em sua interpretação, até mesmo entre distintas cortes judiciais de um Estado. Destaque-se, por exemplo, a própria necessidade de previsão, em sede constitucional brasileira, da competência de um tribunal superior para julgar, em grau de recurso, as causas decididas por outros Tribunais, quando a decisão recorrida der a lei federal interpretação divergente da que lhe haja atribuído outro tribunal [29]. O dispositivo constitucional em comento permite observar que o próprio sistema do direito encontra mecanismos de estabilização da unidade de conteúdo das normas em torno de uma única solução correta, pois tanto a sua própria unidade quanto a coerência interna são pressupostos necessários à sua sobrevivência.
A possibilidade de eventuais resultados práticos diferenciados na ponderação de princípios não depõe contra o mecanismo. Pelo contrário, a fluidez conceitual é característica essencial desta espécie normativa, o que, no paradigma do pós-positivismo jurídico, torna viável a necessidade real de constante atualização valorativa. Não há soluções prontas e acabadas, pois toda relação de precedência entre princípios é condicionada justamente pelas circunstâncias do caso concreto, o que, por si só, já acarreta a diversidade. O que a concretização da segurança jurídica nos moldes pós-positivistas reclama são, em verdade, consensos de argumentação – tão duradouros quanto as novas circunstâncias reais cambiantes lhes imponham que sejam – entre os aplicadores do direito e, em especial, entre os juízes, este porque encarregados de prestar a jurisdição.
8. Conclusões
8.1. Enquanto consideradas como sistema, as normas jurídicas componentes do ordenamento jurídico correspondem a uma ordenação teleológica cuja característica de unidade é resultado da sua coerência com os princípios do direito.
8.2. O pós-positivismo jurídico representou verdadeira adequação do Direito à pós-modernidade, introduzindo no campo jurídico mudanças profundas de perspectivas que conferiram, de forma evidente, maior poder e autonomia aos órgãos do Poder Judiciário, ao mesmo tempo em que acarretou complexidade bem maior ao ato decisório. Em consequência, a lei deixou de ser entendida como produto de vontade homogênea do Poder Legislativo e o princípio da legalidade adquiriu novo delineamento, mais abrangente, envolvendo uma relação de necessária conformidade com o conjunto sistemático do ordenamento jurídico, aqui considerando regras e princípios.
8.3. A conceituação do princípio enquanto mandamento de otimização pode ensejar até mesmo que as circunstâncias fáticas e jurídicas da ocasião apontem o seu afastamento em determinado caso concreto. Não se trata de declarar a invalidade do princípio ou reconhecer uma cláusula de exceção, mas apenas de reconhecer que este não tem preferência naquelas específicas condições. É tarefa contínua e fundamental do operador do Direito avaliar, em caso concreto que se lhe apresente para apreciação, a relação de precedência condicionada entre os princípios em debate.
8.4. A proporcionalidade (em sentido amplo) compreende três máximas parciais: a adequação (ou idoneidade), a necessidade e a proporcionalidade em sentido estrito. Adequação representa a adoção de um meio idôneo a fomentar a aplicação de um determinado princípio, apesar de afetar negativamente a realização de outro princípio. A necessidade implica na escolha do meio menos gravoso entre os adequados. Na ponderação entre princípios, avaliar a proporcionalidade em sentido estrito significa observar o grau de afetação de um dos princípios, a importância da satisfação do outro princípio e se a importância da satisfação do princípio colidente justifica a afetação do outro princípio.
8.5. A fluidez conceitual é característica essencial desta espécie normativa, o que, no paradigma do pós-positivismo jurídico, torna viável a necessidade real de constante atualização valorativa. Não há soluções prontas e acabadas, pois toda relação de precedência entre princípios é condicionada justamente pelas circunstâncias do caso concreto, o que, por si só, já acarreta a diversidade. O que a concretização da segurança jurídica nos moldes pós-positivistas reclama são, em verdade, consensos de argumentação – tão duradouros quanto as novas circunstâncias reais cambiantes lhes imponham que sejam – entre os aplicadores do direito e, em especial, entre os juízes, este porque encarregados de prestar a jurisdição.
9. Referências
ALEXY, Robert. Constitucionalismo discursivo. Tradução de Luís Afonso Heck. 2.ed. rev. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008.
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______. Neoconstitucionalismo e constitucionalização do direito: o triunfo tardio do direito constitucional no Brasil. Revista Eletrônica sobre a Reforma do Estado (RERE), Salvador, Instituto Brasileiro de Direito Público, nº. 9, março/abril/maio, 2007. Disponível na Internet: http://www.direitodoestado.com.br/redae.asp. Acesso em 29.06.2009.
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FARALLI, Carla. A filosofia contemporânea do direito: temas e desafios. Tradução de Candice Premaor Gullo; revisão de tradução de Silvana Cobucci Leite. São Paulo: Martins Fontes, 2006.
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SILVA, Virgílio Afonso da. Direitos fundamentais: conteúdo essencial, restrições e eficácia. São Paulo: Malheiros, 2009.
SOARES, Ricardo Maurício Freire. Direito, justiça e princípios constitucionais. Salvador: Juspodivm, 2008.
Notas
[...] trinta e cinco anos para Presidente e Vice-Presidente da República e Senador".
- REALE, Miguel, Filosofia do direito, p. 59-60.
- Ibid., p. 60.
- Ibid., p. 78.
- CANARIS, Claus Wilhelm, Pensamento sistemático e conceito de sistema na ciência do direito, p. 66-67.
- Ibid., p. 75.
- Ibid., p. 76-77.
- MELLO, Celso Antônio Bandeira de, Curso de direito administrativo, p. 948-949.
- BARROSO, Luís Roberto, Fundamentos teóricos e filosóficos do novo direito constitucional brasileiro.
- FARALLI, Carla, A filosofia contemporânea do direito, p. 11-12.
- BARROSO, Luís Roberto, Neoconstitucionalismo e constitucionalização do direito, p. 5.
- ALEXY, Robert, Teoria dos direitos fundamentais, p. 87-90.
- Ibid., p. 90-91.
- CF, "art. 5º, LXXVII – a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação".
- CF, "art. 14, §3º, VI, a - São condições de elegibilidade, na forma da lei: [...]a idade mínima de:
- ALEXY, Robert, Teoria dos direitos fundamentais, p. 92-96.
- Ibid., p. 98-99.
- Ibid., p. 99.
- BOBBIO, Norberto, Teoria geral do direito, p. 237-242.
- SOARES, Ricardo Maurício Freire, Direito, justiça e princípios constitucionais, p. 91.
- ALEXY, Robert, Teoria dos direitos fundamentais, p. 116-118.
- Id., Constitucionalismo discursivo, p. 110.
- Ibid., p. 110.
- Id., Teoria dos direitos fundamentais, p. 593.
- Ibid., p. 594.
- Ibid., p. 594.
- Ibid., p. 598-599.
- PULIDO, Carlos Bernal, La Racionalidad de la ponderación, p. 44-45.
- SILVA, Virgílio Afonso da, Direitos fundamentais, p. 147.
- CF, "art. 105, III, c – Compete ao Superior Tribunal de Justiça: [...] julgar, em recurso especial, as causas decididas, em única ou última instância, pelos Tribunais Regionais Federais ou pelos tribunais dos Estados, do Distrito Federal e Territórios, quando a decisão recorrida: [...] der a lei federal interpretação divergente da que lhe haja atribuído outro tribunal"