4 POSSÍVEIS ALTERNATIVAS AO ENSINO DO DIREITO
Nas últimas décadas o Brasil passou por intensas transformações sociais, políticas e econômicas que, consequentemente, alteraram o perfil do ordenamento jurídico. Contudo, o modelo de ensino e aprendizagem jurídico ainda apresenta-se estagnado, ou seja, ineficaz às novas demandas que são colocadas aos profissionais do Direito. [30]
Segundo Álvaro Melo Filho, é importante destacar
(...) que o curso talvez seja o mais fácil para se fazer e o mais difícil para se vencer, daí porque é preciso ter cuidado para que o diploma de bacharel em Direito a ser obtido não se transforme apenas num enfeite ornado com uma moldura e pregado na parede, dado que, atualmente, no campo profissional do Direito, há pouquíssimos lugares para os bons e muitos lugares para os ótimos. Por isso é preciso refletir sobre o ensino e a aprendizagens jurídicas, sobretudo diante da proliferação quantitativa e ‘macdonização’ dos cursos jurídicos (...). [31]
Deste modo, a reformulação do ensino do Direito tem de buscar, basicamente:
a) o rompimento com o positivismo normativista;
b) a superação da concepção de que só é profissional do direito aquele que exerce atividade forense;
c) a negação da auto-suficiência ao direito;
d) a implosão da compreensão de educação restrita à sala de aula;
e) a necessidade de um profissional com formação integral (interdisciplinar, teórica, crítica, dogmática e prática. [32]
Em primeiro lugar, é preciso romper as amarras existentes com o modelo dominante do positivismo jurídico, pois a metodologia de ensino deve fomentar o raciocínio e garantir a autonomia intelectual dos discentes, a fim de evitar que os mesmos sejam contaminados pelo vírus legalista. [33]
O modelo de ensino conteudista e fragmentado está ultrapassado. O mercado de trabalho exige que o profissional da área jurídica saiba enfrentar os "novos direitos" que surgem no âmbito social, haja vista que as questões cotidianas não são resolvidas apenas com silogismos. Os conhecimentos dogmáticos precisam ter significado e aplicação.
Desta forma, busca-se um ensino do Direito que possibilite os educandos a conhecer novos caminhos para a Ciência do Direito, fazendo com que essa se desvincule dos interesses da elite que se encontra no poder. [34]
Em segundo lugar, deve-se incentivar a criticidade, por meio de debates e diálogos, pois o estudante de Direito deve ser um sujeito ativo, conectado com as novas demandas sociais, e não um mero espectador e receptor de informações transmitidas pelo corpo docente.
Assim,
o mundo do Direito não comporta homogenização e nem pensamento único e mumificado, daí porque o método do ensino jurídico deve, com criatividade e o quanto possível, coadunar três momentos: exposição (lectio), discussão (disputatio) de problema colocado pelo professor e analisado pelos alunos, cabendo ao docente, após sopesar os argumentos pró e contra, indicar uma solução (determinatio), o que assegura um certo eqüilíbrio entre o valor da autoridade (auctoritas) e o valor dos direitos da razão (ratio); [35]
O método de ensino deve ser socializador e deve garantir o diálogo num ambiente educacional solidário, em que educadores e educandos possam cooperativamente construir conhecimentos.
Em terceiro lugar, é preciso ressaltar que o corpo docente tem um papel fundamental na reformulação do ensino jurídico. Desta forma, os professores devem ser valorizados e qualificados. Não basta ser um operador jurídico, ou seja, ser um promotor de justiça ou juiz, por exemplo, para ser considerado um bom professor de Direito, pois é preciso ter didática e mínima formação pedagógica para não reduzir o ensino jurídico a aulas expositivas, limitadas ao "código comentado".
É fundamental que "(...) as figuras do professor-informador e aluno-ouvinte sejam substituídas pelo professor-animador e aluno-pesquisador, pois o problema fundamental da pedagogia jurídica é muito mais uma questão de ‘consciência do que de conhecimento.’" [36]
Os educadores devem respeitar as diferenças e garantir que a sala de aula seja um espaço de trocas de saberes, em que se possa exercer a liberdade intelectual.
Além disso, o sistema de avaliação proposto pelo professor não deve se reduzir a aplicação de provas. A avaliação tem que compreender o processo real de aprendizagem. Assim, podem ser aplicados outros meios de verificação do processo de ensino-aprendizagem, como atividades práticas, debates que colocam o aluno em confronto com situações reais, seminários, simpósios, entre outros métodos que podem ser utilizados a fim de incentivar os discentes.
Em quarto lugar, deve-se abrir espaços na graduação em Direito às disciplinas propedêuticas, como História, Antropologia, Sociologia, Política, Economia, entre outras, que possam ser ministradas ao longo do curso na grade curricular básica, bem como disciplinas optativas, pois tais áreas do saber podem propiciar uma melhor aproximação entre o ensino jurídico e as demandas sociais.
Em quinto lugar, mostra-se necessário levar os discentes a campo, ou seja, desenvolver atividades de extensão, a fim de comprovar aos mesmos que o Direito pode ser um instrumento transformador da realidade.
As atividades de extensão não podem ter um cunho meramente assistencialista, mas sim emancipatório. Os alunos têm que apreender a caminhar por si sós, isto é, independentemente do auxílio da faculdade, para que possam junto à sociedade, principalmente, às comunidades carentes compreender suas verdadeiras necessidades, podendo ajudá-las.
Em sexto lugar, deve-se estimular a atividade de pesquisa. Mas por se tratar de uma atividade complexa, "(...) que demanda tempo, dedicação e preparo daquele que a desenvolve (...)" [37], é preciso que um professor orientador acompanhe o aluno, isto é, que também dedique seu tempo a tal atividade.
Deste modo, a instituição deve oferecer um bom curso de metodologia de pesquisa aos alunos, a fim de que os mesmos possam compreender os métodos e técnicas empregadas na investigação científica, bem como criar espaços, como grupos de pesquisa, para que os discentes possam desenvolver esta atividade juntamente com professores orientadores.
Sendo assim,
ensinar direito não é sofisticar, ensinar direito é simplificar, pois, no magistério de Nelson Hungria ‘o Direito que deve ser ensinado e aprendido não é o que se contenta com o eruditismo e a eloqüência impecável das teorias, mas o que, de preferência buscar encontrar-se com a verdade da vida e do homem, para o conhecimento de todas as fraquezas e misérias, de todas as infâmias e putrilagens, de todas as cóleras e negações, e para a tentativa, jamais desesperada, de conte-las e corrigi-las na medida da justiça terrena’. [38]
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Indubitavelmente as novas legislações que tratam do ensino jurídico no Brasil apresentam algumas soluções para que o quadro de crise seja superado. Contudo, muitas instituições de ensino superior insistem em manter projetos políticos pedagógicos ultrapassados, não condizentes com a nova realidade social do país.
Assim, na atualidade, o maior desafio ao ensino do Direito é superar o modelo dominante, baseado no dogmatismo, na unidisciplinariedade e na descontextualização.
O ensino jurídico deve aproximar-se das novas demandas colocadas pela sociedade, bem como preparar os discentes para enfrentar os "novos direitos" que surgem constantemente.
Para isso, os projetos políticos pedagógicos precisam ser reformulados. É preciso repensar as metodologias aplicadas e o papel do educador e do educando no processo de ensino-aprendizagem.
Nesse sentido, pretendeu-se com este estudo apresentar algumas soluções ao ensino jurídico, e mostrar que as mudanças devem partir de iniciativas das universidades e faculdades de Direito, bem como dos docentes e discentes, a fim de se alcançar uma educação problematizadora, atenta as necessidades sociais, políticas, culturais e econômicas do Brasil.
REFERÊNCIAS
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Notas
- BEZERRA, Francisco Otávio de Miranda. Ensino jurídico numa perspectiva cidadã: interação social e políticas públicas. 2006. 236 f. Dissertação de Mestrado (Especialização em Políticas Públicas) – Universidade Estadual do Ceará, Fortaleza, 2006, p.61-62. Disponível em: <http://www.politicasuece.com/v6/admin/publicacao/FRANCISCO_OTAVIO_DE_MIRANDA_BEZERRA.pdf>. Acesso em: 24 nov. 2010.
- Ibidem, p.63-64.
- SANTOS, André Luiz Lopes dos. Ensino jurídico: uma abordagem político-educacional. Campinas: Edicamp, 2002, p.36.
- WOLKMER, Antonio Carlos. História do Direito no Brasil. Rio de Janeiro: Forense, 2007, p.118-119.
- WOLKMER, Antonio Carlos. Op. Cit., p.125.
- Ibidem, p.128.
- BEZERRA, Francisco Otávio de Miranda. Op. Cit., p.65.
- SOUZA, Sabrine Pierobon de. O cotidiano do ensino e aprendizagem do direito numa instituição de ensino superior. 2006. 161 f. Dissertação de Mestrado (Especialização em Educação) – Pontifícia Universidade Católica de Campinas, Campinas, 2006, p.33-34. Disponível em: <http://www.bibliotecadigital.puc-campinas.edu.br/tde_busca/arquivo.php?codArquivo=110>. Acesso em: 24 nov. 2010.
- SANTOS, André Luiz Lopes dos. Op. Cit., p.37-38.
- SANTOS, André Luiz Lopes dos. Op. Cit., p.42-43.
- SOUZA, Sabrine Pierobon de. Op. Cit., p.38.
- SANTOS, André Luiz Lopes dos. Op. Cit., p.49.
- Ibidem, p.62-63.
- FRANCISCHETTO, Gilsilene Passon. Em busca de novos saberes: uma aproximação entre o ensino jurídico e pedagogia. In: ____ (Org.). Ensino jurídico e pedagogia: em busca de novos saberes. 1.ed. Curitiba: Editora CRV, 2010, p.19.
- SANTOS, André Luiz Lopes dos. Op. Cit., p.52.
- FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. 25.ed. São Paulo: Paz e Terra, 1996, p.28.
- SANTOS, André Luiz Lopes dos. Op. Cit., p.70.
- Ibidem, p.71.
- FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. 17.ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987, p.58.
- Ibidem, p.59.
- Ibidem, p.67.
- Ibidem, p.68.
- Ibidem, p.69.
- Ibidem, p.71.
- SANTOS, André Luiz Lopes dos. Op. Cit., p.14.
- COSTA, Renata P. Carvalho; FRANCISCHETTO, Gilsilene Passon. Ensino jurídico "versus" positivismo jurídico: para uma visão plural do direito. Panóptica, ano 2, n. 16, jul. 2009, p.15. Disponível em: <http://www.panoptica.org/2009juloutpdf/01_2009_jul_out_1_26pp.pdf>. Acesso em: 16 nov. 2010.
- Ibidem, p.16.
- ROCHA, José Vinicius de Souza. Ensino Jurídico transformador. Revista de Ciências Jurídicas e Sociais da UNIPAR, Umuarama, v. 10, nº 1, jan./jun. 2007, p.188.
- BRASIL. Conselho Nacional de educação. Resolução nº 09/2004. Disponível em: <http://www.ufv.br/seg/diretrizes/dir.pdf>. Acesso em: 14 nov. 2010.
- SANTOS, André Luiz Lopes dos. Op. Cit., p.97-98.
- FILHO, Álvaro Melo. Desafios atuais do ensino e aprendizagem do direito. Revista da Jurídica da Fic – Faculdade Integrada do Ceará, Fortaleza, v.3, n.4, 2004, p.74. Disponível em: <http://www.fic.br/v4/downloads/pdf/REVISTA_JURIDICA_4.pdf>. Acesso em: 21 nov. 2010.
- Ibidem, p.75.
- Ibidem, p.80.
- BORTOLON, Mariana Cavarra. A necessidade de uma formação efetiva no ensino do Direito. In: FRANCISCHETTO, Gilsilene Passon (Org.). Ensino jurídico e pedagogia: em busca de novos saberes. 1.ed. Curitiba: Editora CRV, 2010, p.66.
- RIBEIRO, Wanderley. Da formação à deformação: crise no ensino jurídico. In: XVII Encontro Preparatório para o Congresso Nacional do CONPEDI, 2008, Salvador. Anais do CONPEDI. p. 3274. Disponível em: <http://www.conpedi.org.br/manaus/arquivos/anais/salvador/nelson_wanderley_ribeiro_meira.pdf>. Acesso em: 21 nov. 2010.
- FILHO, Álvaro Melo. Op. Cit., p.81.
- SANTOS, André Luiz Lopes dos. Op. Cit., p.76.
- FILHO, 2000, apud RIBEIRO, Wanderley. Op. Cit., p.3273.