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Eficácia do trespasse e tutela de credores

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Agenda 10/02/2011 às 16:56

4.Eficácia do Contrato de Trespasse na Lei de Falências e Tutela de Credores

Após breve dissertação a respeito dos institutos que fundamentam o estudo em baila, passa-se ao estudo do trespasse de estabelecimento, cujo empresário ou sociedade empresária vêm a sofrer processo falimentar ou de recuperação judicial.

4.1.Trespasse como ato de falência

Desde o Decreto-lei nº 7.661/45, antiga Lei de Falências, o legislador procura garantir na alienação do estabelecimento comercial o direito dos credores. No art. 2º da norma citada havia um dispositivo na mesma linha de proteção do atual Código Civil, prevendo como ato de insolvência a venda sem a anuência dos credores, se com o trespasse não lhe restassem bens suficientes para a quitação das dívidas. A venda ilegítima do estabelecimento comercial, pois, sujeitava o devedor à execução concursal. Segue a transcrição do revogado artigo:

Art. 2º Caracteriza-se, também, a falência, se o comerciante:

(...)

V - transfere a terceiro o seu estabelecimento sem o consentimento de todos os credores, salvo se ficar com bens suficientes para solver o seu passivo;

O texto do dispositivo tem correspondência bastante similar na Lei 11.101 (Lei de Falências), art. 94, III, c:

Art. 94. Será decretada a falência do devedor que:

(...)

III – pratica qualquer dos seguintes atos, exceto se fizer parte de plano de recuperação judicial:

(...)

c) transfere estabelecimento a terceiro, credor ou não, sem o consentimento de todos os credores e sem ficar com bens suficientes para solver seu passivo;

O que se percebe em ambos os estatutos é que a caracterização do ato não pressupõe necessariamente dolo do devedor ou mesmo do adquirente, mas, sobretudo, a possibilidade de prejuízo dos credores.

Embora mantida a redação, se a transferência do estabelecimento se der em processo de recuperação judicial, devidamente prevista no plano, não ensejará pedido de falência, conforme será abordado mais adiante. A ressalva acrescentada consagra por excelência o Princípio da Preservação da Empresa.

Ocorre que projeto da nova lei falimentar tramitou 12 longos anos pelo Congresso Nacional, dentre os quais houve o advento do Código Civil de 2002. Tal modificação do direito privado justifica em parte algumas impropriedades da lei, cujo tratamento aprofundado não convém ao presente trabalho.

Considerando a precedência do anteprojeto que resultou na Lei 11.101, em relação ao Código Civil de 2002, muito se questiona a respeito da amplitude do termo estabelecimento no art. 94, III, c, da Lei 11.101/2005.

A expressão estabelecimento nesse artigo não abrange apenas a venda de todos os bens em unidade, mas também a venda de um ou alguns deles. Nada melhor que tomar por base as considerações de Sebastião José Roque (2005, p. 168-169), autor do anteprojeto da Lei de Falências, acerca da transferência de estabelecimento:

O projeto da Lei de Recuperação das Empresas era anterior ao atual Código Civil e este regulamentou o estabelecimento e lhe deu novo conceito. Ao falar em estabelecimento, quer mais referir-se à transferência de toda a empresa, isto é, os sócios vendem suas quotas a outrem e os novos donos da empresa não pagam. Os novos sócios são chamados ‘laranjas’. É normalmente suspeita a transferência da propriedade da empresa, quando os novos proprietários dela não honram os compromissos assumidos anteriormente por ela. Trata-se, portanto, da transferência das cotas da sociedade, quando os sócios vendo sua empresa em estado de crise econômico-financeira, retiram-se de cena, transferindo suas cotas a outras pessoas, fazendo com que a empresa tenha sua implosão nas mãos dessas últimas.

Para ele, a estabelecimento, embora instituto distinto, deveria abranger a cessão de cotas como mais uma hipótese para fins de decretação de falência. A ampliação das causas evitaria mais as fraudes, dando efetividade máxima ao texto legal que primou pela garantia dos credores.

Caso o pedido de falência se funde no contrato de alienação onerosa do estabelecimento empresarial, ao devedor cabe comprovar a ausência de prejuízo aos credores, com prova documental (exibição de livros), considerando a existência da responsabilidade solidária do art. 1.146 do Código Civil. Mais uma vez compatibiliza-se a continuidade da empresa com a tutela dos credores.

4.2.Ineficácia do trespasse anterior à falência

A lei falimentar, em seu artigo 129, VI, prevê como hipótese de presunção absoluta de fraude a alienação do estabelecimento em momento anterior à decretação de falência:

Art. 129. São ineficazes em relação à massa falida, tenha ou não o contratante conhecimento do estado de crise econômico‑financeira do devedor, seja ou não intenção deste fraudar credores:

(...)

VI – a venda ou transferência de estabelecimento feita sem o consentimento expresso ou o pagamento de todos os credores, a esse tempo existentes, não tendo restado ao devedor bens suficientes para solver o seu passivo, salvo se, no prazo de 30 (trinta) dias, não houver oposição dos credores, após serem devidamente notificados, judicialmente ou pelo oficial do registro de títulos e documentos;

A finalidade da norma consiste em salvaguardar os direitos creditórios, na medida em que define o ato como fraudulento, independentemente de dolo específico do alienante. Dispensa-se a apuração de culpa tendo em vista o perigo clarividente de prejuízo do negócio para os credores do trespassante.

O empresário pode, todavia, vender elementos do estabelecimento empresarial, considerados individualmente, mediante contratos múltiplos. A alienação fracionada muitas vezes é feita para macular o trespasse em prejuízo dos credores sem, no entanto, subsumir-se à vedação do art. 129, VI da Lei 11.101/2005.

Por esse motivo critica-se a interpretação restritiva do artigo e propõe-se que ele seja aplicado em situações de venda fracionada do estabelecimento, sob pena de a relevante regra proibitiva tornar-se letra morta diante da astúcia perniciosa de alguns empresários.

Criticando a hermenêutica restritiva do dispositivo, tendo em vista o princípio da unidade do estabelecimento, Ricardo Negrão (2007, p. 79-80) expõe:

O princípio da unidade do estabelecimento sempre persistirá, por definição. Incorretas serão as decisões judiciais que considerarem eficazes vendas separadas de linhas telefônicas, de direitos sobre marcas, de bens que compõem as instalações etc., principalmente ocorrendo às vésperas de pedido de falência. O entendimento no sentido de a lei apenas coibir a venda do todo complexo, isto é, de todo conjunto de coisas corpóreas e incorpóreas, mas não em separado, leva a tornar inócuo o texto legal, bastando que o empresário, inescrupulosamente, faça as vendas de forma fracionada.

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Assim, o desembargador do TJ-SP defende a ineficácia de contratos de alienação fracionada, conferindo maior aplicabilidade à vedação legal que prima pelos credores.

4.3.Ação de Desconstituição de Eficácia

Decretada a falência, os credores efetivamente lesados podem se valer da ação prevista no art. 129, VI, da Lei 11.101/05 para tornar ineficaz o trespasse perante a massa falida, quando este é realizado sem o consentimento desses credores.

Essa ação era possível já no regramento do revogado Decreto-Lei 7.661/45, art. 52, VIII, sob a nomenclatura Ação Revocatória. Esta era cabível tanto para combater atos ineficazes, quanto para atos revogáveis.

Na Lei 11.101/05, a Ação Revocatória tem como objeto apenas os atos revogáveis. Os atos ineficazes são desconstituídos por meio de ação inominada. Nelson Nery (2008, p. 830-831) sugere o termo Ação de Desconstituição de Eficácia, diferenciando-a da demanda revocatória:

A ação de desconstituição da eficácia do ato de trespasse realizado em fraude a credores ou sem o consentimento deles é constitutiva negativa, porque tem o prazo de 3 (três) anos para o exercício da pretensão de ineficácia fixado expressamente em lei (LF 132). Não é declaratória porque todo o direito que se quer ver reconhecido por intermédio de pretensão declaratória é perpétuo, vale dizer, insuscetível de decadência ou prescrição, que não é o caso da hipótese aqui examinada. Portanto, tanto no sistema da LF/1945 53, quando no da LF 130, a ação para o reconhecimento da ineficácia do ato é de natureza constitutiva negativa.

(...)

A ação revocatória, para desconstituição do ato fraudulento, na hipótese da LF 130, deverá ser proposta dentro do prazo decadencial de 3 (três) anos, contados da decretação de falência (LF 132). A sentença que revoga o ato fraudulento tem natureza desconstitutiva (constitutiva negativa) e está sujeita a prazo de extinção (decadência) pelo não exercício da pretensão revocatória.

Aqueles credores que não tinham legitimidade para fazer o pedido de falência com base no art. 94, III, c, da Lei, ou seja, os credores fiscais, trabalhistas ou com dívidas regularmente contabilizadas, possuem legitimidade para propor a Ação de Desconstituição de Eficácia, pois agora a falência é situação material que pressupõe o perigo de prejuízo para todos eles.

Caso não sejam atendidos os requisitos para a interposição de Ação revocatória, ainda têm a possibilidade de, observados os devidos pressupostos, fazerem uso da Ação Pauliana.

4.4.Eficácia do trespasse previsto em Plano de Recuperação Judicial

O Decreto-Lei 7.661/1945 regulamentava os institutos da falência, permitindo a continuidade da atividade empresária, e da concordata, direito do comerciante, desde que obedecidos requisitos legais. Esses institutos, porém, não lograram êxito na recuperação de empresas.

Rubens Approbato Machado (2005, p. 51) critica a eficiência do diploma revogado:

A falência (com a previsão da continuação do negócio) e a concordata, ainda que timidamente permitissem a busca da recuperação da empresa, no decorrer da longa vigência do Decreto- Lei 7.661/45 e ante as mutações havidas na economia mundial, inclusive com a sua globalização, bem assim nas periódicas e inconstantes variações da economia brasileira, se mostraram não só defasadas, como também se converteram em verdadeiros instrumentos da própria extinção da atividade empresarial. Raramente uma empresa em concordata conseguia sobreviver e, mais raramente ainda, uma empresa falida era capaz de desenvolver a continuidade de seus negócios. Foram institutos que deixavam as empresas sem qualquer perspectiva de sobrevida. Com a manutenção do modelo constante do Decreto-lei 7.661, extinguiam-se, periodicamente, fontes de produção, geradores de empregos, de créditos, de tributos, de gerencia social de fonte de fortalecimento da economia brasileira.

Havia urgência na mudança legislativa. O projeto de lei nº 4376 propondo reformar a lei falimentar foi apresentado em 1993 na Câmara Federal, mas somente em 9 de fevereiro de 2005, passada mais de uma década, com sucessivas modificações na redação, foi sancionado pelo Presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva, quando foi transformado na Lei 11.101.

As inovações residem na criação da recuperação judicial e extinção da concordata. A recuperação judicial tem como finalidade, inclusive com previsão expressa no art. 47 da lei, viabilizar a superação de crise econômico-financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica.

Jorge Lobo (2005, p. 105) conceitua minuciosamente o instituto, discorrendo sobre suas propriedades:

Recuperação judicial é o instituto jurídico, fundado na ética da solidariedade, que visa sanear o estado de crise econômico-financeira do empresário e da sociedade empresária com a finalidade de preservar negócios sociais e estimular a atividade empresarial, garantir a continuidade do emprego e fomentar o trabalho humano, assegurar a satisfação, ainda que parcial e em diferentes condições, dos direitos e interesses dos credores e impulsionar a economia creditícia, mediante a apresentação, nos autos da ação de recuperação judicial, de um plano de reestruturação e reerguimento, o qual, aprovado pelos credores, expressa ou tacitamente, e homologado pelo juízo, implica novação dos créditos anteriores ao ajuizamento da demanda e obriga a todos os credores a ela sujeitos, inclusive os ausentes, os dissidentes e os que se abstiveram de participar das deliberações da assembléia geral.

Dessa forma, a Lei de Recuperação de Empresas deve buscar não só dirimir a crise econômico-financeira, mas, sobretudo, preservar a atividade empresarial, e todas as relações e dela decorrentes.

Um dos meios de recuperação é a alienação ou arrendamento do estabelecimento, previsto no art. 50, VII da Lei:

Art. 50. Constituem meios de recuperação judicial, observada a legislação pertinente a cada caso, dentre outros:

(...)

VII – trespasse ou arrendamento de estabelecimento, inclusive à sociedade constituída pelos próprios empregados;

O art. 60, por sua vez, determina:

Art. 60. Se o plano de recuperação judicial aprovado envolver alienação judicial de filiais ou de unidades produtivas isoladas do devedor, o juiz ordenará a sua realização, observado o disposto no art. 142 desta Lei.

A empresa em recuperação judicial se encontra em situação excepcional, com regramento legal próprio, que ora lhe confere privilégios, ora lhe exige requisitos especiais para contratar.

4.5.1.Possibilidade de alienar todo o estabelecimento

O art. 60 da Lei refere-se apenas à alienação judicial de filiais ou de unidades produtivas isoladas do devedor. Em contrapartida, o art. 50, VII prevê a alienação de estabelecimento empresarial em sua totalidade, ou apenas de parte do mesmo (filial ou unidade isolada).

Poderia se questionar se a recuperação poderia fazer o trespasse de todo o estabelecimento, ou se seria possível a alienação de filial ou unidade isolada. Muito embora pareça haver incongruência lógica entre os dispositivos, a conclusão do "impasse" é facilmente extraída da interpretação sistemática da Lei, sobretudo do art. 47:

Art. 47. A recuperação judicial tem por objetivo viabilizar a superação da situação de crise econômico‑financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica.

O objetivo precípuo da recuperação judicial é o restabelecimento do equilíbrio econômico- financeiro da empresa e este pode ser alcançado independentemente da mantença de sua titularidade. A venda da azienda não inviabilizaria o retorno regular da atividade empresarial.

A preservação da atividade, e não da titularidade do estabelecimento empresarial, é fundamental para manter os postos de trabalho, a circulação de mercadorias e abastecimento do mercado consumidor.

O argumento de que o trespasse do estabelecimento como um todo encerraria a empresa e por isso não poderia ser previsto em plano de recuperação judicial é fundado em erro: confunde-se empresa com empresário ou sociedade empresária.

A recuperação é da empresa (atividade) e não da pessoa jurídica com vistas a perpetuar a produção de bens e serviços. O importante é que a atividade produtiva seja mantida, pois é com isso que se evitam danosas conseqüências à economia, mercado, consumidores e trabalhadores.

A interpretação restritiva do art. 60 de que a alienação só seria possível se de filiais ou de unidades produtivas isoladas do devedor afronta a sistemática e atenta contra os objetivos primordiais da Lei 11.101/05.

4.5.2.Venda em hasta pública

O trespasse de filial ou unidade produtiva pode ser previsto em plano de recuperação judicial, nos termos do art. 60, caput, da Lei.

Art. 60. Se o plano de recuperação judicial aprovado envolver alienação judicial de filiais ou de unidades produtivas isoladas do devedor, o juiz ordenará a sua realização, observado o disposto no art. 142 desta Lei.

O art. 142 da Lei, por sua vez, prevê a alienação em hasta pública, nas modalidades leilão, por lances orais, propostas fechadas e pregão.

Há quem entenda ser a venda em hasta pública apenas uma opção da sociedade empresária a ser estipulada no plano. Este poderia prever a venda de filial por hasta pública (judicial) ou por outra forma, extrajudicialmente.

Essa primeira corrente parte da idéia de liberdade na escolha do meio de recuperação, considerando o rol exemplificativo do art. 50 da Lei 11.101/05 e pressupõe a ausência de prejuízo para as partes e credores, que podem rejeitar o plano judicial. São vedados, pois, apenas os meios explicitamente previstos em lei. Esse pensamento, no entanto, é minoritário.

Prevalece na doutrina que a alienação do estabelecimento como meio de recuperação judicial, se constante no respectivo plano, deve necessariamente ser submetida ao regramento da hasta pública, previsto Lei Falimentar.

A título exemplificativo, transcreve-se o pensamento de Jorge Lobo (2005, p. 105):

De acordo com o art. 60, caput, a venda de estabelecimento empresarial, prevista no plano de recuperação, conforme dispõe o art. 50, VII, far-se-á, obrigatoriamente, por meio de alienação judicial.

Essa segunda corrente pressupõe que a venda em hasta pública é mais segura e lucrativa para a empresa e, por esses motivos, deve ser obrigatória, ainda que o administrador judicial e os credores assim não prefiram. O objetivo da norma é a continuidade da empresa, ainda que para isso seja restringida a autonomia privada das partes e terceiros interessados.

Por esse motivo, segundo essa parcela de juristas, o art. 142 estabelece as possíveis modalidades de alienação judicial e exige a publicação do feito em jornal de ampla circulação:

Art. 142. O juiz, ouvido o administrador judicial e atendendo à orientação do Comitê, se houver, ordenará que se proceda à alienação do ativo em uma das seguintes modalidades:

I – leilão, por lances orais;

II – propostas fechadas;

III – pregão.

§ 1o A realização da alienação em quaisquer das modalidades de que trata este artigo será antecedida por publicação de anúncio em jornal de ampla circulação, com 15 (quinze) dias de antecedência, em se tratando de bens móveis, e com 30 (trinta) dias na alienação da empresa ou de bens imóveis, facultada a divulgação por outros meios que contribuam para o amplo conhecimento da venda.

Ao prever as vias por meio das quais se aliena judicialmente, a doutrina majoritária entende que a Lei o fez taxativamente, com a finalidade de proteger, mormente, a continuidade da empresa.

4.6.Responsabilidade do arrematante do estabelecimento em processo de Recuperação Judicial e Falência

A Lei 11.101/05 prevê que na venda de estabelecimento ou filiais, todos os credores se sub-rogam no produto da realização do ativo, ou seja, terão seus créditos pagos com o produto da alienação.

O arrematante não assume obrigações perante a massa falida, o que torna o negócio mais atrativo que o previsto na lei revogada. Há previsão da não sucessão dos débitos existentes, inclusive trabalhistas e tributários no art. 60, parágrafo único da Lei de Falências:

Art. 60.

(...)

Parágrafo único. O objeto da alienação estará livre de qualquer ônus e não haverá sucessão do arrematante nas obrigações do devedor, inclusive as de natureza tributária, observado o disposto no § 1o do art. 141 desta Lei. (Grifo da autora)

Mais adiante, no art. 141 do mesmo diploma, ao tratar da realização do ativo, confirma a ausência de qualquer ônus ou obrigação do arrematante em relação ao objeto da alienação e estabelece as exceções à regra:

Art. 141. Na alienação conjunta ou separada de ativos, inclusive da empresa ou de suas filiais, promovida sob qualquer das modalidades de que trata este artigo:

I – todos os credores, observada a ordem de preferência definida no art. 83 desta Lei, sub‑rogam‑se no produto da realização do ativo;

II – o objeto da alienação estará livre de qualquer ônus e não haverá sucessão do arrematante nas obrigações do devedor, inclusive as de natureza tributária, as derivadas da legislação do trabalho e as decorrentes de acidentes de trabalho.

§ 1o O disposto no inciso II do caput deste artigo não se aplica quando o arrematante for:

I – sócio da sociedade falida, ou sociedade controlada pelo falido;

II – parente, em linha reta ou colateral até o 4o (quarto) grau, consanguíneo ou afim, do falido ou de sócio da sociedade falida; ou

III – identificado como agente do falido com o objetivo de fraudar a sucessão.

§ 2o Empregados do devedor contratados pelo arrematante serão admitidos mediante novos contratos de trabalho e o arrematante não responde por obrigações decorrentes do contrato anterior.

Nesses termos, a arrematação dos ativos torna-se bastante atrativa e concorrida, valorizando, conseqüentemente, a massa falida. Sebastião José Roque (2005, p. 268) destaca a importância da inovação:

No regime anterior quem arrematasse o patrimônio da empresa falida era obrigado a assumir as dívidas tributárias e trabalhistas dela. Ninguém iria arrematar empresas em tais condições, a menos que descontasse do preço da arrematação o valor estimado das dívidas. Trata-se de grande conquista, louvando-se a autuação do Ministério da Fazenda, abrindo mão de importante privilégio do fisco, em prol da valorização da massa. (Grifo da autora)

Não obstante, o Partido Democrático Trabalhista, com amparo de parte da doutrina, ajuizou a Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 3.934-2/DF alegando inconstitucionalidade de diversos dispositivos da Lei 11.101/05, dentre os quais o art. 60, parágrafo único e o art. 141, II.

Defendia haver inconstitucionalidade formal, tendo em vista a matéria trabalhista dever ser regulada por lei complementar, e inconstitucionalidade material ao tornar imune o arrematante ao ônus da sucessão.

Haveria, segundo o autor, afronta aos valores constitucionais da dignidade da pessoa humana, do trabalho e do pleno emprego, insculpidos nos arts. 5º, XXVI, e 7º IV da Carta Magna. Postulava, em específico, a interpretação conforme do art. 60, parágrafo único, de modo a definir a responsabilidade do arrematante quanto aos débitos trabalhistas.

O ministro Ricardo Lewandowski, relator da ADI 3.934, em seu voto não vislumbrou inconstitucionalidade formal, por não ser hipótese de despedida arbitrária ou sem justa causa regulada por lei ordinária, a qual só pode ser objeto de lei complementar, segundo do art. 7º IV da Constituição Federal. Ao contrário, o magistrado ponderou ser objetivo da Lei preservar os postos de trabalho:

Convém registrar que, a rigor, um dos principais objetivos da Lei 11.101/2005 consiste justamente em preservar o maior número possível de empregos nas adversidades enfrentadas pelas empresas, evitando ao máximo as dispensas imotivadas, de cujos efeitos os trabalhadores estarão protegidos, nos termos do art. 10, II, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, de aplicabilidade imediata, segundo entende esta corte, enquanto não sobrevier lei complementar disciplinadora.

O relator negou, em seguida, a existência de inconstitucionalidade material: além de a Constituição Federal não prever a sucessão do arrematante que adquire ativos de empresa em recuperação judicial ou cuja falência tenha sido decretada, não há qualquer ofensa aos valores constitucionalmente consagrados.

Por outro lado, destaca a função social da Lei de Falências:

Do ponto de vista teleológico, salta à vista que o referido diploma legal buscou, antes de tudo, garantir a sobrevivência das empresas em dificuldades – não raras vezes derivadas das vicissitudes por que passa a economia globalizada-, autorizando a alienação de seus ativos, tendo em conta, sobretudo, a função social que tais complexos patrimoniais exercem, a teor do disposto no art. 170, III, da Lei Maior.

Em 25/05/2009 a ação foi finalmente julgada improcedente, pela maioria do plenário, vencidos os ministros Carlos Britto e Marco Aurélio, pondo um fim na discussão até então existente.

4.7.Dispensa de anuência dos credores

Ao trespasse de estabelecimento empresarial de sociedade em recuperação judicial dispensa-se a anuência dos credores prevista na regra geral do art. 1.145 do Código Civil.

A validade do trespasse nesses casos atrela-se apenas à aprovação do plano de recuperação, que depende da aprovação da maioria os credores, não mais de todos, conforme art. 45, e seus incisos, c/c e 58, caput, da Lei 11.101/05:

Art. 45. Nas deliberações sobre o plano de recuperação judicial, todas as classes de credores referidas no art. 41 desta Lei deverão aprovar a proposta. c Art. 58, caput, § 1º e II, desta Lei.

§ 1o Em cada uma das classes referidas nos incisos II e III do art. 41 desta Lei, a proposta deverá ser aprovada por credores que representem mais da metade do valor total dos créditos presentes à assembléia e, cumulativamente, pela maioria simples dos credores presentes.

§ 2o Na classe prevista no inciso I do art. 41 desta Lei, a proposta deverá ser aprovada pela maioria simples dos credores presentes, independentemente do valor de seu crédito.

§ 3o O credor não terá direito a voto e não será considerado para fins de verificação de quorum de deliberação se o plano de recuperação judicial não alterar o valor ou as condições originais de pagamento de seu crédito.

(...)

Art. 58. Cumpridas as exigências desta Lei, o juiz concederá a recuperação judicial do devedor cujo plano não tenha sofrido objeção de credor nos termos do art. 55 desta Lei ou tenha sido aprovado pela assembléia‑geral de credores na forma do art. 45 desta Lei. (Grifos da autora)

Ainda que não tenham anuído pela aprovação do plano de recuperação, em relação aos credores dissidentes, diferentemente do previsto no regramento civil, o trespasse será válido e eficaz.

Sobre o autor
Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

HAYNE, Carolina Bittencourt. Eficácia do trespasse e tutela de credores. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2780, 10 fev. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/18429. Acesso em: 26 dez. 2024.

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