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A natureza jurídica do termo de ajustamento de conduta

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Agenda 15/02/2011 às 14:59

2. Definição científica do problema

O Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) surgiu no Brasil no contexto histórico da Constituição de 1988 (CR/88), época em que já havia uma sociedade de massas que, entretanto, carecia de uma regulamentação de seus direitos transindividuais.

Por tal motivo, o art. 48. dos Atos das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT) 45 trouxe a ordem para a elaboração de um Código de Defesa do Consumidor (CDC), o qual, entretanto, sobreveio tardiamente, somente em 1990, acrescentando à Lei da Ação Civil Pública, por meio de seu art. 113, o art. 5º, § 6º, que prevê o TAC. 46

Antes disso, pode ser apontado como precursor do TAC o art. 55, parágrafo único, da antiga Lei dos Juizados de Pequenas Causas (Lei n. 7.244/84), que dispunha:

Valerá como título executivo o acordo celebrado pelas partes, por instrumento escrito, referendado pelo órgão competente do Ministério Público.

Segundo Hugo Nigro Mazzilli, foi através da necessidade constatada pelos promotores de justiça no atendimento ao público que se começou a propor, sobretudo no âmbito do Ministério Público paulista, a possibilidade de o MP homologar acordo extrajudicial, dotando-o de eficácia executiva, movimento este que desaguou na inserção do parágrafo único ao art. 55. da antiga Lei dos Juizados de Pequenas Causas, dispositivo supratranscrito. 47

Hoje, o conteúdo daquele artigo é reiterado no parágrafo único do art. 57. da Lei dos Juizados Especiais (Lei n. 9.099/95), in verbis:

Valerá como título extrajudicial o acordo celebrado pelas partes, por instrumento escrito, referendado pelo órgão competente do Ministério Público.

Também a atuação administrativa concertada ou negociada é apontada como um antecedente do TAC por Geisa de Assis Rodrigues. Trata-se da possibilidade de o Estado negociar com o cidadão o ajuste de sua conduta às exigências legais e ao interesse da coletividade no âmbito da responsabilidade administrativa e sem formar título executivo, como na hipótese do art. 8º, inciso IV, da Lei n. 6.938/81. 48

Outro precursor do termo foi a possibilidade de conciliação em se tratando de direitos transindividuais, o que não significa dizer que eles sejam direitos disponíveis. Na verdade, é possível conciliar em casos cujo objeto de litígio seja um direito indisponível, diferentemente de transacionar, o que é incompatível.

Geisa de Assis Rodrigues dá como exemplo pioneiro desse acordo tratando de direitos transindividuais a convenção coletiva de trabalho entre sindicatos de empregadores e empregados, na forma do art. 612. da Consolidação das Leis do Trabalho. 49

De todos esses fatores que se sucederam, adveio o TAC, por meio do CDC, em 1990, instrumento que ganha cada vez mais espaço no ordenamento jurídico pátrio e na prática dos operadores do Direito.

Atualmente, o Termo de Ajustamento de Conduta é apontado como título dotado de força executiva pelo próprio Código de Processo Civil no seu art. 585, seja no inciso II, como defendido por Geisa de Assis Rodrigues, 50 seja no inciso VIII, que traz uma norma de encerramento que admite a inclusão de novas hipóteses de títulos. 51

O Termo de Ajustamento de Conduta vem sendo amplamente utilizado na tutela dos direitos coletivos lato sensu, especialmente pelo Ministério Público, que, por ter a legitimidade para instaurar o inquérito civil, 52 possui uma maior facilidade para propor o ajuste, tendo por base o que restou apurado no procedimento inquisitivo antecedente.

Por intermédio do TAC, evita-se a ação civil pública e promovem-se, eficazmente, os direitos fundamentais de terceira geração, privilegiando, sempre que possível, a reparação in natura dos bens da vida lesados em detrimento das perdas e danos, que somente emergem de forma complementar ou subsidiária.

A natureza jurídica desse termo de ajustamento, todavia, é questão tormentosa, em se considerando a irrenunciabilidade dos direitos metaindividuais e a legitimidade extraordinária dos órgãos públicos em contraposição à possibilidade de negociação para facilitar a reparação do dano e o aceite do ajuste por parte do infrator. Esses os principais fatores da discussão que se delineia.


3. Discussão do problema

A celeuma acerca da natureza jurídica do Termo de Ajustamento de Conduta reside, em grande parte, na tentativa de aplicarem-se os institutos do direito civil e processo civil clássicos e individualistas à recente e crescente tutela dos direitos coletivos, a qual ganhou força a partir da promulgação da Constituição da República de 1988.

Deve questionar-se, preliminarmente, se é possível a utilização desses conceitos tradicionais na tutela dos direitos metaindividuais ou se, pelo contrário, é preciso elaborar uma nova categoria lógica para abarcar o compromisso de ajustamento de conduta.

Todavia, desconsiderada essa questão preambular, que encerraria o debate neste ponto, e persistindo na tentativa de enquadrar-se o TAC numa daquelas conhecidas categorias lógicas clássicas, é necessário fazer alguns apontamentos, tendo por ponto de partida as noções introdutórias do direito civil. Neste pormenor, nos utilizaremos das preciosas lições de Fábio de Oliveira Azevedo. 53

Os fatos jurídicos, que são os fatos sociais a que o ordenamento atribui a possibilidade de gerar efeitos jurídicos, dada a importância social que detêm, incluem os fatos naturais e humanos. Os primeiros, que independem de qualquer ação humana, são subdivididos em ordinários e extraordinários, de acordo com sua previsibilidade. Já os segundos, que só existem pela ação do homem, dividem-se em ilícitos e lícitos, a depender, respectivamente, se contrários ou de acordo com o ordenamento jurídico, função social, bons costumes, ordem pública, princípios gerais do Direito e bem comum.

Os fatos humanos lícitos, por sua vez, são subdivididos em ato jurídico em sentido estrito, ato-fato-jurídico e negócio jurídico.

A classe que nos interessa para o estudo acerca da natureza jurídica do TAC é a dos atos jurídicos, que são fatos jurídicos humanos e lícitos, posto que o TAC, permitido expressamente por lei (v.g. art. 5º, §6º, Lei n. 7.347/85) e dependendo da conduta humana para existir, jamais poderia ser classificado como ato ilícito ou como fato natural.

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O ato jurídico em sentido estrito é aquele em que importa a manifestação de vontade somente num primeiro momento, vez que os efeitos daquela manifestação são ex lege, independentemente da vontade das partes na sua produção.

Já o ato-fato-jurídico é assim conceituado por Fábio de Oliveira Azevedo:

O ato-fato-jurídico consiste em um acontecimento que é decorrência de uma conduta humana. Entretanto, para que ocorra a produção de efeitos, o legislador abstrai a análise da intenção e ressalta apenas a conseqüência do fato. (...)

Os exemplos, sempre citados, são o da aquisição da propriedade pela ocupação prevista pelo art. 1.263. do C.C./02 (ex.: uma criança que encontra um brinquedo que foi jogado fora adquire a propriedade, embora não possua o discernimento necessário para realizar negócios jurídicos) e a especificação prevista pelo art. 1.269. do C.C./02 (ex.: um deficiente mental sem qualquer discernimento pega uma matéria prima e, a partir daí, cria uma obra de arte, tornando-se dela proprietário, caso não seja possível restabelecer a situação anterior). 54

Cuida-se, assim, de conduta humana lícita que gera os efeitos jurídicos previstos em lei e na qual não importa a análise da intenção do agente, de sua consciência.

Segundo o mesmo autor fluminense, o negócio jurídico, de seu turno, é conceituado de acordo com três diferentes teorias: 1) Teoria Voluntarista ou Genética, que conceitua o negócio jurídico a partir de sua origem, considerando seu elemento essencial, ou seja, a vontade, capaz de auto-regulamentar a produção de seus efeitos. Baseia-se numa concepção liberal e que atualmente não encontra respaldo no Estado Social; 2) Teoria Objetivista ou Funcional, que vê no negócio jurídico uma concessão do ordenamento jurídico para que particulares criem normas jurídicas individuais e concretas. É criticada por colocar em risco a exclusiva atividade estatal de legislar; e 3) Teoria Estrutural, que busca reunir as duas anteriores, as quais considera insuficientes, e afastar os seus extremos, vez que o negócio jurídico não é uma manifestação de vontade pura e simples, nem o auto-regramento de seus efeitos, mas sim todo fato jurídico consistente em declaração de vontade, a que o ordenamento jurídico atribui os efeitos designados como queridos, respeitados os pressupostos de existência, validade e eficácia impostos pela norma jurídica que sobre ele incide. 55

Francisco Amaral, sobre este ponto, afirma:

Por negócio jurídico deve-se entender a declaração de vontade privada destinada a produzir efeitos que o agente pretende e o direito reconhece. Tais efeitos são a constituição, modificação ou extinção de relações jurídicas, de modo vinculante, obrigatório para as partes intervenientes. (...) De qualquer modo, o negócio jurídico é o meio de realização da autonomia privada, e o contrato o seu símbolo. 56

Em suma, o negócio jurídico é uma declaração de vontade a que o ordenamento reconhece os efeitos desejados pelos negociantes caso eles atendam aos requisitos de existência, validade e eficácia que a lei exige, assim criando, modificando ou extinguindo relações jurídicas.

O negócio jurídico se distancia, pois, do ato jurídico em senso estrito, porque, no primeiro, os particulares definem os efeitos jurídicos que serão gerados por sua manifestação de vontade, enquanto no segundo a vontade declarada serve somente ao acionamento dos efeitos que a lei definiu previamente para aquela hipótese.

Na busca pela definição da natureza jurídica do compromisso de ajustamento de conduta, também importa relembrar o que seja a transação, vez que parte considerável da doutrina inclui o TAC nesse conceito, seja de maneira total ou parcial.

A transação é espécie de negócio jurídico em que ocorrem concessões recíprocas entre as partes em litígio visando à pacificação do conflito, o que, segundo o art. 841. do Código Civil, 57 somente é cabível em se tratando de direitos patrimoniais de caráter privado, vez que somente esses podem ser objeto de renúncia e mitigação pelos titulares.

Nos dizeres de Maria Helena Diniz, a transação é uma avença em que se dá ou se deixa uma coisa por outra, 58 sendo esta a característica essencial dessa espécie de negócio jurídico ou, mais especificamente, dessa modalidade de contrato, vez que a transação é tratada no Título VI do Código Civil de 2002, intitulado "Das Várias Espécies de Contrato".

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Além de contrato típico, a transação é uma forma de pagamento indireto, tendo em vista que ela extingue relações obrigacionais litigiosas. 59

Podemos dizer, assim, que ela é uma forma de autocomposição, já que são os próprios titulares dos interesses em conflito que celebram a transação, diferenciando-a, por isso, do compromisso, figura tratada nos artigos 851 a 853 do Código Civil e através da qual os litigantes confiam a solução da lide a um terceiro, chamado "árbitro". 60

Definidos os institutos nos quais os estudiosos tentam comumente enquadrar o Termo de Ajustamento de Conduta, resta verificar em qual ou quais deles o ajuste parece se encontrar, dando uma resposta, assim, à questão que norteia o presente estudo.

Em primeiro lugar, urge esclarecer se o órgão público legitimado para tomar o compromisso exerce uma mera faculdade ao possibilitar o TAC ou se ele possui o dever jurídico de propô-lo sempre que possível.

Para alguns estudiosos, como José dos Santos Carvalho Filho 61 e José Abreu Filho 62, o órgão público teria o dever de propor o compromisso, vez que a Lei da Ação Civil Pública fala em "tomar" o compromisso, e não em "celebrar" ou "firmar" (art. 5º, §6º). 63 Também a Lei Antitruste (Lei n. 8.884/94) teve sua redação modificada em 2007, como exposto acima, 64 substituindo-se o verbo "celebrar" por "tomar" no art. 53. Logo, a vontade do órgão público tomador não importaria. Noutras palavras, haveria uma manifestação unilateral de vontade, que seria a proveniente do infrator do direito metaindividual.

Data venia, não há dever sem um correspondente direito e não se pode dizer que o infrator da ordem jurídica titularize o direito de exigir do órgão público a proposição de um TAC. Algo aconselhável, haja vista o princípio da eficiência administrativa consagrado no art. 37, caput, da Constituição da República, 65 não se confunde com algo obrigatório.

Caso se entenda que existe um dever do órgão público legitimado na propositura do Termo de Ajustamento de Conduta, chegar-se-ia ao absurdo de imaginar uma ação de mandado de segurança 66 ajuizada pelo infrator do interesse ou direito metaindividual em face dos órgãos públicos legitimados, por violação ao direito líquido e certo de ter a oportunidade de firmar um TAC.

Ademais, a possibilidade de celebrar o TAC passaria a ser uma condição especial da ação coletiva, sem a qual a demanda judicial eventualmente proposta teria que ser extinta sem resolução do mérito, por carência, na forma do art. 267, VI, do CPC, 67 dada a ausência de interesse de agir na modalidade necessidade. 68

Some-se a isso o fato de o art. 5º, §6º, da Lei da Ação Civil Pública utilizar o termo "poderão" para descrever a atuação dos órgãos legitimados na tomada do termo 69, o que denota uma faculdade.

É inegável que é muito mais econômico e eficiente para o Poder Público obter a reparação do dano extrajudicialmente, mediante o TAC, do que pela via judicial, a qual envolve o ajuizamento de uma ação civil pública sem prazo para terminar e de conclusão incerta. Sem contar que o termo também serve ao desafogamento do Judiciário.

O que não se pode negar, entretanto - apesar da conveniência que o compromisso de ajustamento apresenta -, é que a vontade do órgão tomador também é elemento essencial para que o TAC exista, opinião na qual estamos acompanhados de, v.g., Geisa de Assis Rodrigues, que afirma que o TAC não é um negócio jurídico unilateral, posto que nem o órgão público nem o obrigado podem impor um ao outro o compromisso. 70

Geisa de Assis Rodrigues, desenhando opinião com a qual concordamos inteiramente, assevera que o órgão público tomador do compromisso detém certo grau de discricionariedade, ou seja, ele pode fazer um juízo de oportunidade e conveniência acerca da medida mais adequada a ser tomada no caso concreto, se o ajuizamento de uma demanda judicial ou se a proposição de um TAC, posto não haver um direito do obrigado à celebração do ajuste, embora, havendo os pressupostos autorizadores dessa forma de composição extrajudicial do conflito, ela deva ser preferida. E completa seu raciocínio dizendo:

Se há discricionariedade no momento da celebração do termo, essa não existe na fixação de suas cláusulas. Isso porque a conduta deve redundar numa conduta adequada às exigências legais. 71

No mesmo sentido, de que a manifestação de vontade do órgão público legitimado é essencial à existência do compromisso, estão os arestos transcritos acima (STJ, Resp 200600873404, 1ª Turma, Rel. Min. DENISE ARRUDA, em 09.12.2008; TRF 2ª Reg., Apelação Cível 371439, 8ª Turma, Rel. Min. POUL ERIK DYRLUND, em 29.08.2006). 72

Já sob a perspectiva do infrator da ordem jurídica coletiva, é unânime, entre os estudiosos consultados, a necessidade de sua aceitação para que o TAC seja firmado. Dessa forma, o infrator detém a faculdade de aceitar ou não o termo, com a ressalva de que, não o aceitando, será submetido a uma ação civil pública, no bojo da qual poderá valer-se da ampla defesa e do contraditório (art. 5º, LV, CR). 73

Assim sendo, há duas vontades em jogo, o que assemelha o TAC a um negócio jurídico bilateral, mas diverso de um contrato, vez que o contrato é caracterizado pela economicidade, ou seja, é instrumento voltado para a circulação de riquezas no meio social, não sendo este o objetivo do termo de ajustamento, que visa à reparação do direito violado.

Maria Helena Diniz sublinha o caráter econômico do contrato, dizendo que o referido instituto jurídico é o centro da vida dos negócios, o instrumento prático que atua sob as mais variadas finalidades da vida econômica. 74

Isso afasta o TAC da idéia de contrato, já que o termo de ajustamento não se limita a finalidades patrimoniais, mas se preocupa, sobretudo, com a reparação in natura do dano ao direito ou interesse difuso ou coletivo.

No que concerne ao direito material metaindividual lesado ou ameaçado de lesão e cuja reparação ou proteção o termo de ajustamento deseja promover, parece, de fato, que não pode ser renunciado, total ou parcialmente, pelo órgão público compromissário.

Essa impossibilidade se dá porque o órgão público legitimado não é o titular do direito transindividual, o qual pertence à coletividade, e só se pode dispor daquilo que se possui. Como os interesses são de todos, ninguém pode deles dispor, sendo o órgão público um legitimado extraordinário, que, autorizado por lei, defende, em nome próprio, interesses alheios, na forma da ressalva contida na parte final do art. 6º do Código de Processo Civil. 75

Roberto Senise Lisboa divide os interesses nas seguintes classes: a) interesse público e privado; b) interesse social e individual; e c) interesse metaindividual e individual. 76

A primeira distinção surgiu com a Revolução Industrial, época em que começou a perceber-se que existiam interesses que eram de toda a população - interesses públicos primários - e que se diferenciavam dos interesses de certos sujeitos - interesses individuais - e dos interesses da Administração Pública em si - interesses públicos secundários.

A segunda distinção guarda sua razão de ser na existência de necessidades de toda a sociedade – interesses sociais – e de necessidades que se limitam a determinadas pessoas – interesses individuais.

Os interesses transindividuais, que importam ao presente estudo, são espécie dos interesses sociais. Eles constituem classe diversa dos interesses públicos e dos interesses privados, pois pertencem a grupos de pessoas relacionadas entre si por uma situação de fato em comum e, por serem socialmente relevantes, são indisponíveis. 77 Portanto, o órgão público legitimado para tomar o TAC não pode abrir mão do interesse metaindividual, que é indisponível por sua própria natureza.

Ocorre que, quanto às obrigações acessórias, como tempo, modo e lugar do cumprimento da obrigação, os exemplos de termo de ajustamento têm demonstrado inexistirem óbices à negociação, através, por exemplo, da fixação de prazos mais extensos ou do pagamento em prestações periódicas de quantia em dinheiro devida.

Essa possibilidade, que não renuncia à reparação total da ordem jurídica violada, coaduna-se, também, com a idéia de eficiência que cerca a atuação administrativa no art. 37, caput, da Constituição da República. Garantido o direito coletivo, é destituída de importância a forma como tal se concretizará, desde que não prejudique a reparação em si do direito.

Neste pormenor, uma vez mais o TAC se assemelha a um negócio jurídico, em que as partes contraentes disciplinam a maneira da produção dos efeitos de sua declaração de vontade. A diferença entre um instituto e outro reside, no entanto, no fato de, no negócio jurídico clássico, o próprio teor da obrigação principal ser definido pelos particulares, vez que se cuida de direito ou interesse privado, sem relevância social direta. De outro lado, no TAC, somente as cláusulas que rodeiam a obrigação principal, mas que não se identificam com ela, podem ser alvo de concessões, já que a obrigação principal é um interesse social e indisponível.

Nem se fale, data maxima venia, que o TAC é uma transação, já que o Código Civil, no art. 841, 78 é muito claro ao prescrever que essa espécie de contrato presta-se a resolver conflitos de interesses patrimoniais e privados, sendo o termo de ajustamento dirigido aos direitos e interesses transindividuais, que são sociais, como restou concluído supra.

Maria Helena Diniz 79 atribui à transação algumas características essenciais. Uma delas é o acordo de vontade entre os interessados, já que constitui um negócio jurídico bilateral em que as partes abrem mão de seus interesses, não podendo, por isso, ser imposta por lei. Assim, a autora defende que, além da capacidade civil genérica, deve haver capacidade de disposição, vez que a transação envolve renúncia de direitos. Então, Maria Helena afirma que o representante do Ministério Público não pode transacionar.

Tendo em mente esse elemento constitutivo, já é possível concluir-se que o TAC não é uma transação, já que os órgãos públicos legitimados não têm capacidade de alienação, ou seja, de disposição dos direitos em conflito, por não serem os titulares dos mesmos. Tanto é assim que o Ministério Público, principal tomador do TAC, foi excluído expressamente e de maneira genérica pela autora, ou seja, sem especificar a modalidade do direito em voga. Essa restrição da doutrinadora ao Parquet não é desprovida de razão, já que a Constituição atribui à Instituição a proteção dos "interesses sociais e individuais indisponíveis" (art. 127, caput), 80 ambos não pertencentes ao próprio MP e, por isso, impassíveis de renúncia por ele.

Outra característica da transação indicada pela autora é areciprocidade de concessões, elemento essencial desse contrato típico, pois será necessário que ambos os transigentes concedam alguma coisa ou abram mão de alguns direitos em troca da segurança oferecida pela transação. Daí o caráter oneroso desse instituto, já que cada parte procura tirar uma vantagem do acordo, sem que as concessões mútuas devam implicar equivalência ou proporcionalidade das prestações ou correspondência das vantagens e sacrifícios. A transação está longe de constituir um reconhecimento recíproco dos direitos litigiosos. (...) A reciprocidade de ônus e vantagens constitui o elemento caracterizador da transação, uma vez que sem ele a transação será mera liberalidade. Não se terá transação se uma das partes receber só vantagens e a outra apenas sacrifícios, mas renúncia, ratificação ou reconhecimento do direito do outro, doação, remissão de dívida, conforme o caso, de forma que tudo conceder sem nada receber não é transigir. 81

Aqui, vale ser feita uma reflexão. Pode dizer-se que, no TAC, o órgão público tomador tem apenas vantagens e o infrator apenas sacrifícios? Apesar da evidente desproporcionalidade - a qual não descaracteriza a transação, como afirma Maria Helena Diniz-, o infrator da ordem jurídica também ganha com a celebração do ajuste, já que, desde que cumpra o termo, não terá que se submeter a uma demanda judicial, nem arcar com os ônus sucumbenciais de um processo judicial. 82 Além disso, poderá negociar tempo, modo e lugar do cumprimento da obrigação, fixando, por exemplo, um prazo mais extenso para a reparação do bem da vida agredido.

Todavia, é o objeto da transação que guarda o principal traço distintivo desta figura com relação ao TAC, vez que o contrato em análise somente pode versar sobre direitos patrimoniais e de caráter privado, suscetíveis de circulabilidade, como determina o art. 841. do CC. 83 Desse modo, não seria possível falar-se em transação versando sobre os direitos difusos e coletivos, que são indisponíveis. Portanto, o Termo de Ajustamento de Conduta, data maxima venia, não é uma transação.

A respeitada posição de João Bosco Leopoldino da Fonseca 84 de que o art. 53. da Lei n. 8.884/94 traria uma transação não recebe nosso acolhimento, vez que a cessação da investigação pelo CADE em nenhum momento importa em disponibilidade do direito difuso em jogo, qual seja, a livre concorrência no mercado.

Tanto é assim que o §8º do referido art. 53. da Lei Antitruste, 85 ao permitir a alteração do termo de cessação por onerosidade excessiva, ressalva que essa modificação faz-se possível desde que não prejudique a coletividade e, o autor acrescenta, desde que não seja ela própria uma forma de infração contra a ordem econômica. 86

Por todo o exposto, restaram afastadas do Termo de Ajustamento de Conduta as naturezas jurídicas de ato jurídico de reconhecimento da ilicitude da conduta e promessa de adequá-la à lei, porque isso envolveria a produção de todos os efeitos legalmente previstos, sendo que, em se tratando de compromisso de ajustamento, as obrigações acessórias são passíveis de negociação, bem como a natureza jurídica de transação, por envolver o TAC interesse diverso daqueles de caráter patrimonial e privado que são transacionáveis.

Também não é contrato, posto que a economicidade não é elemento essencial do Termo de Ajustamento de Conduta.

Assim, se for possível atribuir-se ao ajuste uma categoria do direito civil clássico, pode dizer-se que o TAC detém a natureza jurídica de um negócio jurídico bilateral, já que depende do encontro das vontades do órgão público legitimado - juízo de conveniência e oportunidade - e do causador do dano ou do risco, pólos estes que podem negociar quanto ao modo de cumprimento da obrigação principal, mas que, por envolver um interesse coletivo, social, possui um requisito de validade peculiar, além daqueles definidos no Código Civil no art. 104, 87 qual seja a indisponibilidade do direito material violado ou ameaçado de violação pelo compromitente.

Em suma, o Termo de Ajustamento de Conduta é um negócio jurídico bilateral, diverso do contrato, e com um requisito peculiar e adicional de validade, além de ser um equivalente jurisdicional, ou seja, uma forma de evitar-se a demanda judicial coletiva.

Sobre a autora
Thaiz Rodrigues Onofre

Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Espírito Santo.Pós-graduada em Direito Público e Privado pelo Instituto Superior do Ministério Público da Associação do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro.Supervisora da Consultoria Jurídica do Procurador-Geral de Justiça do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ONOFRE, Thaiz Rodrigues. A natureza jurídica do termo de ajustamento de conduta. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2785, 15 fev. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/18488. Acesso em: 5 nov. 2024.

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