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A flexibilização do papel do magistrado nas sociedades de massa a partir do direito fundamental à tutela jurisdicional adequada

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Agenda 01/03/2011 às 17:17

RESUMO: O presente trabalho estuda a flexibilização que a figura do magistrado adquire frente aos direitos metaindividuais – também conhecidos como "novos direitos" ou direitos de massa. Critica a posição do magistrado como mero expectador do processo. Diferencia a imparcialidade da neutralidade do representante do judiciário. Analisa de que forma essa nova postura contribui para a efetivação dos direitos coletivos.

PALAVRAS-CHAVE: tutela coletiva; magistrado; flexibilização; efetividade; Estado Democrático de Direito.

SUMÁRIO: INTRODUÇÃO 1. O novo papel do magistrado nas sociedades de massa 1.1 Critica a teoria da atuação do juiz na vontade concreta da lei e à teoria da criação da norma individual pelo magistrado que dá solução ao caso concreto 1.2 A superação da figura do "magistrado estátua" 2. A tutela dos direitos transindividuais 2.1 O processo coletivo e a necessidade de sua autonomia como ciência processual 2.2 A tutela jurisdicional diferenciada e a utilidade das decisões 3. O papel do magistrado na consecução da tutela jurisdicional adequada CONCLUSÃO.


INTRODUÇÃO

A evolução do conceito de Estado, inicialmente liberal e individualista, para um Estado Democrático de Direito, ou seja, preocupado com as relações sociais, políticas e econômicas, em assegurar direitos básicos – tidos como fundamentais – a todos os cidadãos, gera reflexos na própria concepção de direito processual que se tinha anteriormente.

Com o advento da lei nº 7.347/85 e, posteriormente, com o Código de Defesa do Consumidor, o direito processual civil passa a conter um verdadeiro microssistema de direitos metaindividuais, assim conhecidos por se referirem a uma coletividade de pessoas que buscam tutelar bens que individualmente não se teria condições – sejam econômicas, políticas, sociais e até mesmo jurisdicionais – de se fazer.

Essa evolução do processo civil é tão gritante, e emerge com tantas características novas que muitos doutrinadores chegam a defender um ramo autônomo do processo civil, qual seja o coletivo. E dessa forma também se renovam os próprios institutos processuais – legitimação, coisa julgada etc. – na tentativa de se adaptar a essa nova realidade processual insurgente.

Em que pesem essas mudanças e adaptações a serem realizadas, já é possível afirmar que o órgão jurisdicional passa – frente a essa nova perspectiva de direitos difusos e coletivos – a ganhar grande relevância, tendo na figura do magistrado o grande responsável pela prestação da tutela jurisdicional adequada e a própria efetivação do processo.

O presente trabalho logra demonstrar que a flexibilização do papel do magistrado, independente de uma regulamentação própria – seja com reforma do processo civil tido como individualista ou o firmamento do processo coletivo como ramo autônomo – tem muito a contribuir para a prestação da tutela jurisdicional efetiva e adequada a demanda processual.


1.O NOVO PAPEL DO MAGISTRADO NAS SOCIEDADES DE MASSA

1.1 Crítica à teoria da atuação do juiz na vontade concreta da lei e à teoria da criação da norma individual pelo magistrado que dá solução ao caso concreto

É pacífico o entendimento de que a relação processual é composta de forma tríade: o autor aciona o judiciário por meio de uma ação; o réu toma conhecimento da mesma e passa a ingressar nesta relação processual por meio da citação; e o Estado, através da figura do magistrado, irá compor o litígio entregando a quem tiver direito a tutela jurisdicional.

Diante das provas produzidas é que o juiz decidirá por meio da sentença quem receberá a tutela pretendida. Todavia, é importante neste ponto remeter a duas teorias, que por muito tempo foram as predominantes, sobre a atuação jurisdicional.

A primeira teoria afirma que o juiz atua a vontade concreta da lei e tem como expoente Chiovenda. Para o jurista o direito nada mais é do que a própria lei, ou seja, o direito seria "a norma geral a ser aplicada ao caso concreto" [01], bastando ao juiz apenas aplicar a norma geral que já fora criada pelo legislador.

Dessa forma, bastava ao juiz para solucionar qualquer caso, a aplicação da norma geral, pois se pressupunha que o ordenamento jurídico seria completo e coerente e por conseqüência o magistrado jamais precisaria adequar uma norma à Constituição e aos seus princípios fundamentais uma vez que, nessa época, "não se apresentava a idéia de que a validade da lei é vinculada aos princípios constitucionais e aos direitos fundamentais" [02], pensamento típico de um Estado Liberal que não leva em conta as desigualdades sociais e o pluralismo.

Já na teoria que sustenta o juiz como criador da norma individual que dá solução ao caso concreto, encontramos como grande defensor Carnelutti. Para ele a função do juiz é a composição da lide, e dessa forma ao compor a lide o juiz criaria uma norma individual para regular o caso concreto.

Todavia a diferença aparente entre ambas as teorias – na primeira o juiz limita-se a declarar a norma geral e na segunda cria a norma individual ao solucionar o litígio – não reside na possibilidade ou não do magistrado poder esculpir ou criar norma geral.

Isso porque segundo a teoria de Kelsen toda norma tem seu fundamento atrelado a uma norma superior, até alcançar a norma fundamental que estaria no ápice do sistema, assim o juiz cria uma norma individual com base em uma norma geral. Em outras palavras, o legislador, que está atrelado a Constituição, cria as normas gerais, e o juiz, vinculado à lei, cria as normas individuais quando profere sentença. Assim ambos criam normas baseados em normas superiores.

Nas palavras de Luis Guilherme Marinoni:

É certo que se pode dizer que a sentença é produto de um ato de vontade – e não de mero conhecimento – e, nesse ponto, estar de acordo com Kelsen. Mas isso não pode permitir a conclusão, encontrada pelo próprio Kelsen, de que o juiz cria direitos. Isso em razão de ma simples constatação: o juiz, não cria direito quando atua com base em uma norma superior geral. [03]

Em uma sociedade legalmente horizontal não é difícil constatar as particularidades dos casos conflitivos. Por tal razão, quando se falava em "lei genérica e abstrata" não podia imaginar-se que o juiz um dia deveria "compreender" bem como atribuir "sentido" e "valor" ao caso concreto. O caso era visto como homogêneo, praticamente pré-definido, e assim, ao juiz bastava preencher suas particularidades. Como não cabia a jurisdição outorgar "sentido" ao caso, bastava adequar a norma geral mediante a uma mera aplicação lógica.

Em uma sociedade pluralista e de constante transformações dos fatos sociais, como a que nos encontramos atualmente, "é necessário muito além disso, uma vez que a interpretação da lei, ou norma formulada pelo juiz, depende do "sentido" do caso concreto." [04]

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Assim, nenhuma das teorias supra apresentadas correspondem aos valores do Estado constitucional, não só pelo fato de estarem atreladas ao principio da supremacia da lei mas, principalmente, por "negarem lugar a "compreensão" do caso concreto no raciocínio decisório, isto é, no raciocínio que leva a prestação jurisdicional." [05]

1.2 A superação da figura do "magistrado estátua"

Como anteriormente demonstrado, é essencial que o direito exercido pelo magistrado mostre-se socialmente eficaz, buscando ao máximo a diminuição entre o abismo do direito socialmente eficaz e o direito formalmente vigente.

Antes de tudo, entretanto, o magistrado deverá ter o preciso conhecimento da realidade sócio-politico-economica do País no qual atua. Pedro Lenza, citando brilhante estudo de Kazuo Watanabe, destaca ser "um direito da população uma Justiça prestada por juizes inseridos na realidade social, comprometidos com o objetivo de realização da ordem jurídica justa e não uma justiça aplicada por juizes sem qualquer aderência à vida". [06]

É inquestionável que o magistrado deva atuar – enquanto sujeito do processo – de acordo com a clássica divisão tríade do processo – juiz, autor e réu – de forma imparcial. Todavia a imparcialidade não deve ser confundida com a efetiva participação do processo, buscando a verdade material bem como a realização do direito substancial. [07]

A ampliação dos poderes instrutórios do magistrado não altera o fim da marcha processual, qual seja, o da realização da Justiça. Dessa maneira, deve sim o juiz tomar partido do sujeito que lhe tenha convencido e demonstrado ter razão de acordo com o material probatório produzido nos autos, pois "imparcialidade não se confunde com neutralidade, ou comodismo. O juiz deve ter uma participação mais efetiva, especialmente, quando o objeto da discussão envolva bens transindividuais". [08]

A democracia social assim traz em seu bojo não só uma necessidade de participação mais ativa do Estado como também, e dela derivada, um maior engajamento do próprio juiz na condução do processo. Deve o juiz buscar o interesse primário, o interesse público maior qual seja, o da correta e exata aplicação da lei no caso concreto. É neste sentido que não se admite mais a figura do magistrado "estátua", ou seja, um juiz que se esconde sob o princípio da imparcialidade para assistir o desenrolar da lide, sem se envolver na busca da concretização da justiça. [09]

Há uma proposta de mudança do Código de Processo Civil, já com uma comissão formada que é liderada pelo Ministro do Superior Tribunal de Justiça Luiz Fux, o intuito é tornar a justiça mais rápida, simples e igual para todos, inclusive com proposta de ampliação dos poderes do magistrado podendo, por exemplo, flexibilizar o procedimento.

Todavia, independente das alterações que estão sendo estudadas, esse ideal de Justiça pode ser alcançado por uma singela mudança de mentalidade e postura do próprio magistrado frente ao processo. E mais, diversos instrumentos já se encontram a disposição do juiz como, por exemplo, a apreciação pelo magistrado de matérias de ordem pública ex officio (art. 13, 113, 219, §5º, 267, § 3º), possibilidade de determinar de ofício a realização de nova perícia, quando a matéria não for suficientemente esclarecida (art 346), competência para o juiz proceder direta e pessoalmente a colheita de provas (art. 446, II) etc.

No que tange ao processo coletivo ainda, pode-se citar as regras do artigo 84 do CDC, que traz instrumentos para se assegurar a tutela jurisdicional efetiva dos interesses transindividuais. Ainda na perspectiva coletiva, a superação da indesejada postura do magistrado "estátua" pode ser verificada por meio do princípio da verdade real quando o magistrado poderá deixar de pronunciar o direito no caso concreto quando o julgamento por improcedência decorrer da insuficiência de provas.

Tais poderes instrutórios não retiram a imparcialidade do juiz, devendo esta ser compreendida sob um prisma diverso da doutrina clássica que era marcadamente liberal, na qual "notadamente no direito processual civil, tendo por objetivo o direito disponível, presenciava-se um verdadeiro "duelo" entre as partes, não havendo qualquer preocupação do magistrado na busca da verdade real, atuando como mero espectador e condutor inerte [...]". [10]

Diante então de uma perspectiva publicista do processo, logra-se que o juiz assuma uma posição mais ativa, preocupado e inserido na realidade social, comprometido com a realização e concretização do direito substancial trazendo efetividade ao processo.

Destarte essa perspectiva moderna, que defende a ampliação dos poderes instrutórios do juiz, grande parte da doutrina, apoiada também por alguns órgãos jurisdicionais, temem comprometer a imparcialidade do juiz e a integridade dos julgamentos.

Tal receio é afastado pela garantia constitucional do contraditório, que assegura a igualdade real dos litigantes, como também pelo dever, inerente ao magistrado, de motivar todas as suas decisões. Dessa forma ao defender-se o aumento dos poderes instrutórios do juiz na condução do processo, em nenhuma hipótese defende-se que tais poderes extrapolem os limites da lei. O princípio da legalidade deverá sempre ser respeitado. [11]


2.A TUTELA DOS DIREITOS TRANSINDIVIDUAIS

O processo coletivo e a necessidade de sua autonomia como ciência processual

O fenômeno chamado "coletivização do processo" não pode ser compreendido a partir da concepção individualista-liberal do processo civil clássico. Muitos institutos processuais – condições da ação, pressupostos processuais, coisa julgada – adquirem uma identidade nova quando inseridos dentro da sistemática do direito processual coletivo.

A utilização dos institutos processuais "comuns" [12] como resposta às tutelas jurisdicionais coletivas "resultou em barreiras à proteção dos direitos ou interesses coletivos primaciais a sociedade, o que flagrantemente contraria a concepção de Estado Democrático de Direto" [13], ou seja,

Um estado que não somente tem o dever de permitir a justa inserção do homem na comunidade em que vive, mas também, e para tanto, o dever de tutelar os direitos na sua forma específica, impedindo a sua violação e permitindo a sua recomposição ou a sua reparação na forma mais perto possível da anterior à violação ou à pratica do dano. [14]

Nota-se, sobremaneira, a necessidade de sistematização do direito processual coletivo como verdadeiro ramo da ciência processual, autônomo e instrumento fundamental de proteção e efetivação material potencializada do Estado Democrático de Direito.

O Processo Coletivo é um instrumento que nasce da própria evolução do conceito de Estado. Muito embora suas origens datem do Direito Romano e até mesmo do Direito Medieval, a consolidação do processo coletivo como ramo autônomo, dotado de princípios próprios, legislação, doutrina e disciplina pertinente é fenômeno contemporâneo.

No Brasil, com a Lei nº 7.347/85 – Lei de Ação Civil Pública – cria-se uma tutela diferenciada para os interesses transindividuais ligados ao meio ambiente e ao consumidor com princípios e regras que "de um lado, rompiam com a estrutura individualista do processo civil brasileiro e, de outro acabaram influindo no Código de Processo Civil". [15] A Lei retro mencionada refere-se sobremaneira, a uma tutela com objetos determinados, quais sejam, o meio ambiente e os consumidores. Todavia, em 1988 com a Constituição Federal, universalizou-se a proteção coletiva dos interesses metaindividuais. Mais adiante, em 1990 com o Código de Defesa ao Consumidor "o Brasil pode contar com um verdadeiro microssistema de processos coletivos" [16] que, nas palavras de Ada Pellegrini Grinover:

Autoriza o Brasil a dar um novo passo rumo à elaboração de uma Teoria Geral de Processos Coletivos, assentada no entendimento de que nasceu um novo ramo da ciência processual, autônomo na medida em que observa seus próprios princípios e seus institutos fundamentais, distintos dos princípios e institutos do direito processual individual. [17]

Assim o processo coletivo adquire contornos próprios, despidos da formalidade presente no processo individual, e com isso seus institutos também se direcionam por novos trilhos, que passam a ser adaptados a essa nova realidade processual insurgente.

A tutela jurisdicional diferenciada e a utilidade das decisões

O Estado, ao chamar para si a responsabilidade de composição da lide, buscando evitar a chamada autotutela, traz com isso o compromisso de proporcionar no plano real as disciplinas que ele mesmo cria para direcionar as relações intersubjetivas.

O mecanismo que deverá ser utilizado para atingir tal objetivo logra conter em si uma lógica capaz de propiciar que, uma vez recorrendo à Justiça poderá se esperar uma resposta que assista a pretensão almejada bem como que o processo dê uma proteção adequada, possibilitando assim, plenas condições de fruir da maneira mais completa possível as vantagens asseguradas pela norma.

Dessa forma, o processo quando analisado por sua perspectiva instrumental deve romper com o escopo estritamente jurídico da fase conceitual, libertando-se das amarras individualistas e dessa forma buscar a efetivação do direito material, adequar-se ao tipo de litígio que se deseja tutelar com uma visão externa, englobando valores sociais e políticos.

Para que se possa falar então que o processo "deva dar a quem tem um direito tudo aquilo e precisamente aquilo que teria direito de receber" [18] faz-se necessário uma adaptação do instrumento processual ao tipo de direito que se deseja tutelar, dessa forma o processo será efetivo e a tutela jurisdicional útil, ou seja, na perspectiva moderna o que se busca é a relativização procedimental na tentativa de alcançar a realização do direito material tendo em vista como já mencionado, os escopos sociais e políticos.

Tendo em mente que tutela jurisdicional nada mais é do que "o estudo da técnica processual a partir do seu resultado e em função dele", ao adicionar o qualificativo adequada o que se deseja é demonstrar que todos os instrumentos aptos a satisfação dos interesses que estão sendo discutidos devem ser utilizados na busca da pacificação social. Dessa forma Bedaque conceitua tutela jurisdicional adequada como "(...) o conjunto de medidas estabelecidas pelo legislador processual a fim de conferir efetividade a uma situação da vida amparada pelo direito substancial". [19]

Ainda nas palavras de Pedro Lenza:

A grandeza do processualista moderno, portanto, está na capacidade de conseguir adequar a ciencia processual às transformações ocorridas na sociedade, devendo a perspeciva individualista da fase conceitual ceder lugar à nova realidade eminentemente critica e preocupada com os resultados práticos do processo e a utilidade das decisões. [20]

A visualização de que o correto instrumento deve ser buscado para que se possa atingir a tutela adequada e assim tornar o processo mais efetivo torna-se ainda mais latente quando estudado sob a perspectiva das sociedades de massa, que tutelam direitos fundamentais, que buscam adequar diversos institutos processuais – na maioria dos casos ampliando-os – a essa nova realidade processual insurgente chegando até mesmo a criação de um ramo processual totalmente novo e despido das amarras individualistas do Estado Liberal, qual seja o coletivo.

Claramente, que em função da busca pela maior efetividade do processo, livre do tecnicismo exacerbado, não se deve deletar por completo o uso da técnica ,mas sim usá-la como meio adequado para que o processo atinja seu fim realizando o direito material, implementando a chamada instrumentalidade substancial do processo. [21]


3. O PAPEL DO MAGISTRADO NA CONSECUÇÃO DA TUTELA JURISDICIONAL ADEQUADA

A análise do direito processual civil deve ser realizada sempre atrelada ao direito material, ou melhor, a necessidade de efetivá-lo. Caso contrário, sem esse objetivo final, o direito processual nada mais é do que um conjunto de procedimentos e prazos esparsos.

Assim, quando o legislador edita as normas processuais, busca adequá-las às situações fáticas para fazer valer o direito substancial. Todavia, em uma sociedade em constantes e freqüentes mudanças o trabalho do legislador não consegue acompanhar a velocidade dessas mudanças. Passa então o judiciário a atender a esta função.

O magistrado é figura que vivencia dia-a-dia as situações concretas que a lei busca regular, é ele quem analisa o caso prático e molda a norma de forma a atender a pretensão de quem provoca a jurisdição, tanto o é que compõe a concepção tríade do processo – juiz, autor e réu – por esse motivo também se defende que sua postura diante da lide deve ser imparcial, ou seja, deverá analisar o caso apresentado, os debates realizados, as provas produzidas e entregar o direito a quem houver melhor lhe convencido.

Nota-se que a imparcialidade do magistrado não significa manter-se inerte, como mero expectador do processo, afinal o juiz é mais do que isso ele é sujeito da relação processual, ele contribui fundamentalmente para que a relação se forme e da mesma forma deve intervir para que a mesma seja solucionada com a efetiva e adequada prestação da tutela jurisdicional.

Com este objetivo – de busca pela celeridade e da prestação adequada e efetiva da tutela jurisdicional – foi formada uma comissão encarregada pela elaboração de um Anteprojeto de alteração do Código de Processo Civil liderada pelo ministro Luiz Fux, que embora não trate expressamente sobre a temática coletiva contribui para se aproximar da mesma quanto a desburocratização procedimental e maior preocupação em retirar o processo como mera técnica e inseri-lo em um contexto social e econômico.

Dentre alguns estudos já realizados e alguns apontamentos que já foram direcionados pela comissão, está a ampliação dos poderes do magistrado que poderá flexibilizar o procedimento [22] seja adequando ritos a demandas, invertendo a ordem de produção de provas etc., e alterar, em determinadas hipóteses fundamentadas e sempre respeitando a ampla defesa, o pedido e a causa de pedir.

Também se encontra no Ministério da Justiça o Anteprojeto de Código Brasileiro de Processo Coletivos (Anteprojeto USP), fruto de estudos profundos e pioneiros de vários juristas brasileiros dos quais se destaca a professora Ada Pellegrini Grinover, que traz em seu bojo e até pela proposta de tutelar direitos fundamentais, um procedimento mais amplo, despido dos moldes formalistas, que supera a chamada "técnica pela técnica", para apresentar diplomas "preocupados com a ampliação de acesso à justiça e, principalmente, com a tutela dos direitos transindividuais e das minorias". [23]

Como se pode observar, tanto em um caso – comissão para elaborar o Anteprojeto de alteração do CPC – como em outro – Anteprojeto de Processo Coletivo – são propostas que logram modificar a atuação do magistrado e as aspirações do processo que vigoram hoje. Não há nada definido ainda, nada concretizado.

Contudo, a simples adoção de um posicionamento mais "ousado" por parte do magistrado pode contribuir para modificar essa situação. O juiz não é uma figura inerte ao processo que assiste o desenrolar da lide como mero expectador, para somente no final entregar o direito a quem melhor lhe convenceu. É senão, um sujeito da relação processual e um próprio construtor do direito na medida em que será ele, juiz, quem na prática adequará a norma editada pelo legislador à situação de direito substancial presente.

Assim e diante do caso concreto, respeitado o crivo do contraditório – que será ampliado como contra parte da própria ampliação dos poderes do magistrado – e utilizando as ferramentas que já possui para adequar a norma a essa nova realidade processual insurgente – que é reflexo de uma sociedade massificada, pluralista e diversificada – mais do que poder, o juiz tem o dever de adotar essa postura mais participativa.

A adoção dessa postura participativa em nada prejudica a sua imparcialidade frente ao processo. A mesma estará resguardada uma vez que o convencimento do juiz ainda será motivado e fundamentado nas instruções probatórias produzidas no curso do processo, e dessa forma o controle do uso arbitrário de suas funções encontra-se respaldado no próprio princípio da ampla defesa.

Cumpre ressaltar que, ao adotar o posicionamento de que o juiz deva ser agente do processo e não mero expectador, atuando neste e contribuindo não só para entregar a tutela jurisdicional a quem tenha direito, mas para auxiliar na prestação da tutela jurisdicional adequada e inserida no contexto social e político externo, propõe-se na verdade uma atuação condizente com os ditames da lei, observando sua atuação de acordo com o princípio da legalidade ou nos dizeres de Pedro Lenza:

(...) não deve o estudioso do direito temer qualquer inJustiça diante desta nova mentalidade que deverá assumir a magistratura moderna. Isso porque, quando se defende o aumento dos poderes instrutórios na condução do processo, em hipótese alguma prega-se a atividade jurisdicional fora dos limites da lei, tomada em sua acepção ampla. A legalidade deverá ser sempre observada, podendo o magistrado avançar até os limites tolerados pelo ordenamento jurídicos, desde que mantenha inatingível a integridade do due process of law". [24]

Nota-se assim que o grande desafio e problemática a ser enfrentado pelo magistrado moderno é buscar a realização da ordem jurídica justa dosando os poderes instrumentalizados pela lei e mais, estarem inseridos na realidade social para prestar a tutela jurisdicional adequada e efetiva principalmente quando estão em jogo bens ou interesses transindividuais marcados pela sua indivisibilidade e indisponibilidade.

Sobre a autora
Naiara Souza Grossi

Graduada em Direito pela Universidade Estadual Paulista "Julio de Mesquita Filho" - Faculdade de Ciencias Humanas e Sociais

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GROSSI, Naiara Souza. A flexibilização do papel do magistrado nas sociedades de massa a partir do direito fundamental à tutela jurisdicional adequada. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2799, 1 mar. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/18599. Acesso em: 22 dez. 2024.

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