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A eutanásia

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Agenda 19/11/1997 às 00:00

X- A COISA JULGADA PENAL - SUA INFLUÊNCIA.

O artigo 1525 do Código Civil estabelece:

"A responsabilidade civil é independente da criminal; não se poderá, porém, questionar mais sobre a existência do fato, ou quem seja o seu autor, quando estas questões se acharem decididas no crime."

A título de observação apenas existe ainda a Súmula 18 de STF:

"Pela falta residual, não compreendida na absolvição pelo juízo criminal, é admissível a punição administrativa do servidor público."

O juiz penal, condenando ou absolvendo, com fundamento na existência ou não do delito, ou na atribuição ou não da autoria ao réu, torna tais verdades insuscetíveis de novo questionamento, no juízo da reparação. Por detrás dessa regra está o princípio jurídico-político do repúdio à contradição entre os julgados, o qual visa à preservação da segurança das relações jurídicas e do prestígio dessa ordem. Pode-se perguntar: e se a sentença criminal absolutória estribar-se na existência de excludente de antijuridicidade? Se o caso for de morte - que nos interessa - acha-se a resposta no artigo 1540 do Código Civil: há responsabilidade, a menos que a justificação relacione-se com culpa da vítima. Quanto à absolvição fundada em questões peculiares ao processo ou ao direito penal, não tem influência no cível.

Ainda no que concerne às circunstâncias excludentes, poderia parecer que o entendimento acima exposto seria prejudicado pelo artigo 65 do CCP. Tal não ocorre. A melhor interpretação é a de que os fatos lá elencados não poderão ser rediscutidos no juízo da reparação; mas isso não impede a reparação, em face do que dispõe o citado artigo 1540 do Código Civil.




XI- CONCLUSÃO

Em vista de todo o exposto, façamos, leitor, uma breve retrospectiva de tudo que enfocamos para, ao final, tomarmos uma posição a respeito de tão controvertido tema.

1- Deixamos claro na apresentação do trabalho que não era pretensão nossa exaurir o tema, dada a dificuldade de se encontrar literatura sobre a matéria ( sem falar, ainda, com perdão - é inoportuna a observação - das dificuldades econômicas por que todos passamos para investir em compra de livros, mormente estrangeiros, hoje caríssimos). Contudo, dentro da nossa humilde possibilidade, traçamos uma linha de abordagem que, sem dúvida, permitiu ao leitor ter uma visão dos problemas que afetam o tema. Para isso, usamos e abusamos dos conceitos de autores consagrados, trazendo, em grande extensão, a íntegra de suas idéias.

2- Vimos que a eutanásia é tema antigo. Praticavam-na os povos antigos - espartanos, birmaneses, populações rurais sul-americanas - e é motivo atual de preocupação em países considerados avançados, como a Holanda, por exemplo. E nos deparamos constantemente com casos, aqui e acolá, em que a prática da eutanásia vem à tona e acaba "mexendo" com a cabeça das pessoas, sobre sua licitude ou ilicitude, em termos abstratos ( uma vez que, na prática, inexiste, pois não é adotada pelo nosso Código).

3- Classificamo-la, à luz de certos aspectos, aceitos pelos estudiosos, pelos doutrinadores. Pode havê-la sob as mais variadas formas: espontânea ou libertadora; provocada ou piedosa; na forma comum; a eutanásia eugênica, tremendamente repugnante para nós; a eutanásia ativa e a eutanásia passiva ou ortotanásia.

4- Levantamos, embora sem citar nominalmente os autores, opiniões contras e prós a respeito dela. Notamos que, para os favoráveis, há determinados argumentos convencíveis. Outros não. Outros repugnantes, como os que abraçam a eutanásia eugênica. Sem dúvida, argumentos como o ser humano ter direito à morte condigna; como casos de situação irreversível, quando a própria ciência se sente impotente para solucionar, de fato, pesam.

Por outro lado, quando sopesamos os argumentos contrários que se embasam em princípios pétreos, como o de que a vida humana possui valor absoluto, que persegue fins superiores a si, sendo portanto indisponível, alicerçados em nossos espíritos pela formação cristã que a maioria das pessoas recebeu como educação moral e religiosa; no princípio de que o homem é simples peça encartada em uma ordem universal superior, não lhe competindo usar mal de seu livre-arbítrio para subvertê-la, em que simples dor não seria justificativa para atos extremos, são, na verdade, argumentos também bastante fortes.

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Entram também opiniões realistas, que desmascaram a nossa hipocrisia. A rigor, quantas famílias, diante de enfermos em estado terminal, mas relutantes com a morte, não desejariam, no fundo, em vista da raríssima esperança de cura, acabar com o sofrimento? Não, muitas vezes, apenas do enfermo, mas deles próprios, os membros da família, que acompanham a agonia. Ainda mais se concorrerem com o sofrimento problemas econômicos.

Todos sabemos quanto custam leitos hospitalares hoje! Uma família sem grandes recursos econômicos, em situações assim, entra em conflito, porque, procrastinar tratamento duvidoso, cujo resultado será inexoravelmente a morte, significará a falência, além de, afinal, perder o ente querido! São situações que "balançam" o ser humano.

5- Porém, há casos - como o citado, de R.C.C, 23 anos - que, sem dúvida, colocado a julgamento de qualquer pessoa, esta daria como veridicto a eutanásia. Não há motivos, neste caso específico, para que se apliquem lenitivos extraordinários, se a vida não mais se sustenta, em virtude do colapso de suas funções. Esperar o quê?

6- Claro que o nosso tema está diretamente ligado ao direito à vida. Propositadamente, fizemos uma imbricação desse direito com o direito à integridade física da pessoa, visto que ambos se encontram imbricados ( com perdão pela redundância) na eutanásia. Como justificá-la como lícita, diante do direito à integridade física e do direito à vida que possui um enfermo. Grosso modo, pela indisponibilidade do bem jurídico em questão, não pode nem o enfermo, nem terceiros, dispor dela, o que, acreditamos, conseguimos demonstrar no item 5.

7- Em seguida, tecemos considerações a respeito da culpa civil e da culpa penal. E ao abordarmos esses assuntos, colocamos no centro deles a figura do médico e sua responsabilidade, tanto civil, quanto penal.

8- Enfocamos, depois, a eutanásia sob o ponto de vista penal, dispondo, segundo nos ensina Jiménez de Asùa, que tratamento poderia a eutanásia receber sob a ótica penal. Ali constatamos que, indiretamente, o tema é tratado no nosso Direito sob o manto de delito privilegiado ( artigo 121, §1º) - há a prática do ato impelido por motivo de relevante valor social ou moral.

Depois, enfocamos sob o ponto de vista cível, em que o cidadão encontra seus direitos por meio de ressarcimento indenizatório e prestação de alimentos, desde que, comprovadamente, tenha o réu agido de forma que se configure crime ou delito. E claro ficou, sob a égide de opiniões abalizadas, que um ato desse nada tem de "torpe" por parte de quem o exige.

9- Debatemos o elemento primordial para que haja responsabilidade civil - o nexo causal. Buscamo-lo, inicialmente, de forma genérica, em casos que não fossem relativos à eutanásia, para, posteriormente, encaixá-lo no nosso tema.

Acreditamos que possibilitamos ao leitor uma ampla visão do problema. Assim como ficou caracterizado, segundo o ponto de vista do conceituado Dr. Erik Frederico, que, no caso de eutanásia, os requisitos essenciais são o dolo ( não há que se falar em eutanásia culposa); a ação ou omissão

(excetuada a hipótese da ortotanásia) e o nexo causal, este, conquanto não haja estudo pátrio satisfatório, socorre-se na teoria da equivalência dos antecedentes, buscado no nosso Código Penal, que o adota ( artigo 13).

10- Encerrando, mostramos a influência da coisa julgada penal na responsabilidade civil.

Evidentemente, como autor deste escorço, o leitor nos poderia cobrar, querendo saber que posição tomamos sobre a eutanásia. Vamos repetir-nos, uma vez que, em determinados trechos, deixamos transparecer claramente nossa opinião e posição. Como dissemos, há argumentos fortes, tanto a favor, como contra a eutanásia. A tentativa de, a exemplos de outras legislações estrangeiras, regulamentar legalmente a eutanásia no Brasil, ocorreu, conforme já dissemos, no Anteprojeto da Parte Especial do CP (artigo 121, § 3º). Mais feliz que a idéia do legislador foi a "tirada" do Professor Goffredo Telles Jr., com sua irônica observação de que os velhos ricos deveriam pôr suas barbas de molho. Humor negro, é verdade, mas real. Conquanto toda a discussão, acompanhamos a opinião do ilustre Dr. Erik Frederico Gramstrup - somos favoráveis à ortotanásia, no seu sentido estrito, ou seja, o médico se omite e deixa de prolongar, por meios artificiais e extraordinários, uma vida irrefragavelmente condenada. Conforme o enfocado, afastar-se-ia a questão da omissão, penalmente relevante, constante do artigo 13 do CP, estribado no mesmo artigo, isto é, se inexiste dever de agir, comando que obrigue a impedir o resultado, do mesmo modo inexiste a ilicitude.

Reiteramos que este escorço é baseado em opiniões e conceitos de autores consagrados, conforme a bibliografia abaixo nos demonstrará, muitos deles compilados integralmente. O valor deste trabalho talvez esteja em facilitar ao estudante o acesso a assunto de tão pouca literatura.




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Sobre o autor
Wilson Paganelli

advogado e professor em Castilho (SP)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PAGANELLI, Wilson. A eutanásia. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 2, n. 21, 19 nov. 1997. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/1861. Acesso em: 23 dez. 2024.

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