I – INTRODUÇÃO
A escassez dos bens ambientais e a efetivação do consumo desenfreados têm causado o agravamento da crise ambiental do planeta, de forma a pela primeira vez na história, o comportamento humano e o estilo de vida haver influído de forma significativa e negativa no frágil equilíbrio da vida sobre a Terra.
Um dos maiores problemas da atualidade é justamente a geração de resíduos oriundos do consumo em massa levado a efeito pela população, problema este que necessita ser urgentemente enfrentado e que em razão de sua dimensão deve mudar os paradigmas de responsabilidade que até o presente momento têm norteado a conduta das autoridades públicas.
O que se propõe neste artigo é o estudo da logística reversa (faceta prática do princípio da responsabilidade pós-consumo) como alternativa ao enfrentamento de parte do problema descrito, visando traçar critérios jurídicos claros para os casos em que é possível responsabilizar o empreendedor pelos resíduos decorrentes do consumo dos produtos que ele coloca no mercado.
Este artigo foi baseado em artigo anterior, intitulado "Contornos Jurídicos da Responsabilidade Pós-Consumo" publicado no livro "Direito Ambiental em Evolução n. 05" (LOUBET, 2007, p. 245-268), coordenado pelo professor Vladimir Passos de Freitas, principalmente face à publicação da Lei Federal n. 12.305, de 02 de agosto de 2010 e do Decreto Federal n. 7.404, de 23 de dezembro de 2010, que trouxeram uma nova visão sobre a questão dos resíduos sólidos.
Optou-se por adotar a nomenclatura trazida por esta lei – logística reversa – ao contrário da nomenclatura vinha o instituto tendo tratado até o momento pela doutrina nacional (responsabilidade pós-consumo), por entender que a logística reversa é uma faceta prática da aplicação do princípio da responsabilidade pós-consumo, além de visar a facilitação metodológica, evitando-se confusões em função de utilização de nomes diferentes para uma mesma realidade jurídica.
II – CONSUMO, CONSUMISMO E CONSUMO SUSTENTÁVEL
A discussão a respeito da geração de resíduos, poluição e degradação ambiental passa, como antecedente, pela análise do consumo e consumismo da sociedade atual, uma vez que tudo o que é produzido, visa, em uma perspectiva final, o mercado de consumo.
A poluição e a degradação estão diretamente relacionadas com o padrão de consumo da sociedade, de forma que quanto mais irresponsavelmente esta sociedade consumir, maior será a agressão ao meio ambiente em toda a cadeia produtiva, desde a retirada das matérias primas para gerar o bem de consumo, até o descarte do mesmo após ser consumido.
Desta forma, não se pode olvidar que o padrão de consumo é um dos maiores responsáveis pela degradação ambiental (FIGUEIREDO, 2005, p. 751), de molde que para conter a devastação ambiental do planeta impõe-se a racionalização na forma como todos vêm se comportando perante este mercado.
Ao se fazer uma análise retrospectiva, percebe-se facilmente que estamos vivendo hoje a verdadeira sociedade de consumo, na qual a criação de facilidades e avanços tecnológicos rapidamente transformam-se em uma necessidade.
O avanço tecnológico faz com que a cada dia os produtos eletro-eletrônicos tornem-se obsoletos com maior rapidez, sendo certo que o computador de última geração adquirido hoje, amanhã já se tornará ultrapassado em razão dos novos produtos lançados.
Toda esta transformação de facilidades em necessidades leva ao incentivo de consumo desenfreado, que por sua vez leva à necessidade de aumento de extração de matérias primas para a produção e também eleva a quantidade de descarte de tais bens.
O consumismo desenfreado caracteriza a sociedade de consumo, no qual tudo (ou quase tudo) o que se consome é descartável (FAGUNDEZ, 2004, p. 221), caracterizando o consumo de massa, ou seja, a produção padronizada e em grande escala de bens para serem consumidos por pessoas que tiveram suas prioridades conduzidas por um processo de marketing voltado ao aumento da demanda, ainda que não tivessem necessidade real de adquirir tais produtos.
É necessário tomar cuidado para não atribuir toda a culpa pela degradação ambiental ao mercado produtivo, uma vez que este mercado é pautado pela lei da oferta e da procura, sendo certo que somente produz o que o consumidor quer (NICHOLAS, 1995, p. 61).
Assim, a responsabilidade que antes era atribuída somente às empresas, agora deve ser também dividida com o consumidor (FIGUEIREDO, 2005, p. 747), que com sua atitude mais ou menos conscientizada poderá contribuir mais ou menos para a degradação do ambiente em que vive.
Caso não houvesse procura por bens produzidos social e ambientalmente de forma incorreta - com a degradação da natureza, contratação de mão de obra escrava ou infantil – certamente os mesmos deixariam de ser produzidos. Contudo, se o consumidor não se importar com a forma como foi produzido o que está sendo comprado, certamente a tendência será alimentar cada vez mais a existência de empresas que não tenham compromisso com o meio ambiente e com a sociedade que lhe circunda.
Para que se tenha um exemplo, o consumo de energia per capta nos países ricos é 18 (dezoito) vezes maior que o consumo nos países pobres (DIAS, 2003, p. 217).
Por tais razões é que se torna necessária a aplicação do conceito de consumo sustentável, o qual foi sintetizado pela ONU como "o fornecimento de serviços e produtos que atendam às necessidades básicas, proporcionando uma melhor qualidade de vida enquanto minimizam o uso dos recursos naturais e materiais tóxicos como também a produção de resíduos e a emissão de poluentes no ciclo de vida do serviço ou do produto, tendo em vista não colocar em risco as necessidades das futuras gerações."
Não havendo conscientização do consumidor da importância que sua atitude tem na preversação do meio ambiente dificilmente será possível conter a devastação do planeta.
Contudo, não se pode acreditar que o mercado será controlado apenas pela atitude do consumidor, pois este não detém todos os mecanismos para controlar a produção, além de ser improvável que um dia se atingirá o nível de conscientização necessário para que as opções de compra, de forma exclusiva, venham a ser suficientes para a mudança de conduta de empresas (NICHOLAS, 1995, p. 60).
É necessário que se tenha intervenção do Estado para coibir as atitudes abusivas das empresas responsabilizando-as pelos excessos que cometerem, além de obrigá-las a incluir em seus custos o valor do bem ambiental que é por elas utilizado.
III – RESÍDUOS SÓLIDOS – LEI N. 12.305/2010
A análise da logística reversa tem ligação direta – a despeito de não exclusiva – com a gestão dos resíduos sólidos provocados pelo descarte de produtos após sua utilização pela população.
A situação da produção de lixo mundialmente e também no país é preocupante, pois dados do IBGBE do ano de 2000, destacam que das cerca de 230 mil toneladas de resíduos geradas por ano no Brasil, aproximadamente 22% são destinadas a vazadouros a céu aberto ou lixões, sendo que 75% são destinadas a aterros controlados ou sanitários.
Contudo, apesar de grande parte do lixo destinar-se a aterros – controlados ou sanitários - o número de lixões ou vazadouros a céu aberto é de 6.000 (seis mil) em todo o país, contra apenas 3.000 (três mil) aterros.
Os problemas decorrentes deste depósito de resíduos sólidos são a poluição do ar e contaminação do solo, das águas superficiais e dos lençóis freáticos; riscos à saúde pública pela proliferação de diversos tipos de doenças; agravamento de problemas socioeconômicos pela presença de "catadores"; poluição visual da região; mau odor e também desvalorização imobiliária (TEONÓRIO e ESPINOSA, 2004, p. 164).
Todos estes fatos impõem às autoridades a necessidade de enfrentamento da questão com maior seriedade e também celeridade, principalmente levando-se em conta a necessidade de um ambiente equilibrado para garantia da sadia qualidade de vida (art. 225, da CF).
A resolução deste problema passa necessariamente pelo tratamento do lixo, processo este que é extremamente caro, principalmente no que diz respeito a produtos mais industrializados e também aos resíduos perigosos.
Ademais, o problema só tende a se agravar, pois o "volume dos resíduos sólidos está crescendo com o incremento do consumo e com a maior venda de produtos. Destarte, a toxidade dos resíduos sólidos está aumentando com o maior uso de produtos químicos, pesticidas e com o advento da energia atômica. Seus problemas estão sendo ampliados pelo crescimento da concentração das populações urbanas e pela diminuição ou encarecimento das áreas destinadas a aterros sanitários." (MACHADO, 2003, p. 527).
Quanto maior o nível econômico da população, maior é o custo de disposição e tratamento do lixo, pois enquanto na África o custo por tonelada é de U$ 40,00, nos Estados Unidos este valor é de 12 ou 13 vezes maior e na Europa Ocidental é 20 vezes superior (NASCIMENTO E SILVA, 2002, p. 137).
Nos termos do que ensina Celso Antônio Pacheco Fiorillo (2003, p. 149), perante a Lei da Política Nacional do Meio Ambiente não há diferenciação entre lixo e resíduos, sendo que "o lixo urbano, desde o momento em que é produzido, já possui natureza jurídica de poluente, porque, assumindo o papel de resíduo urbano, deverá ser submetido a um processo de tratamento que, por si só, constitui, mediata ou imediatamente, forma de degradação ambiental."
Para enfrentar o problema, o legislador nacional, através da Lei n. 12.305/2010, instituiu a Política Nacional de Resíduos Sólidos, sendo que em seu artigo 3°, XVI, traz o conceito da expressão "resíduos sólidos":
"Art. 3° Para os fins desta Lei, entende-se por:
..
XVI – resíduos sólidos: material, substância, objeto ou bem descartado resultante de atividades humanas em sociedade, a cuja destinação final se procede, se propõe proceder, nos estados sólido ou semissólido, bem como gases contidos em recipientes e líquidos cujas particularidades tornem inviável o seu lançamento na rede pública de esgotos ou em corpos d´água, ou exijam para isso soluções técnica ou economicamente inviáveis em face da melhor tecnologia disponível;"
O advento desta lei foi muito esperado pela sociedade, uma vez que ela vem dar tratamento avançado ao tema, estabelecendo uma nova visão sobre a responsabilidade para com os resíduos sólidos.
É importante registrar que, mesmo usando o adjetivo "sólidos" na expressão, a Lei abriu a possibilidade de resíduos como gases ou líquidos cujas particularidades tornem inviável o seu lançamento na rede pública de esgotos ou em corpos d´água estarão submetidos a esta lei.
Este fato é importante para aplicar os institutos deste instrumento normativo também a casos como o de óleos lubrificantes (já regulamentado) e aos de óleo de cozinha (ainda não regulamentado e que sob nossa ótica deverá ser objeto da logística reversa em razão do consumo de massa, conforme adiante se defenderá).
A despeito de não ser objeto deste artigo, entende-se importante trazer algumas anotações sobre institutos e situações tratadas por este novo instrumento legal que, acredita-se, ainda será fruto de muitos debates na doutrina e jurisprudência nacionais.
Uma primeira anotação importante é a que trata da responsabilidade compartilhada no que diz respeito aos resíduos sólidos.
Este conceito não é novo e já vinha sendo adotado de forma mais ou menos explícita em dispositivos legais ou infralegais esparsos, inclusive, na Lei de Agrotoxicos e resoluções do CONAMA que tratam da logística reversa (responsabilidade pós-consumo).
A idéia é que, seguindo na esteira do artigo 225, da Constituição Federal, que estabelece ser dever de todos proteger o meio ambiente, passou-se a elencar e distribuir responsabilidades pela gestão, destinação e/ou coleta dos resíduos sólidos, conforme participação na cadeia da geração deles.
No artigo 3°, XVIII, estabeleceu-se ser a "responsabilidade compartilhada pelo ciclo de vida dos produtos: conjunto de atribuições individuadas e encadeadas dos fabricantes, importadores, distribuidores e comerciantes, dos consumidores e dos titulares dos serviços públicos de limpeza urbana e de manejo dos resíduos sólidos, para minimizar os volume de resíduos sólidos e rejeitos gerados, bem como reduzir impactos causados à saúde humana e à qualidade ambiental decorrentes do ciclo de vida dos produtos, nos termos da Lei...". Registre-se que o ciclo de vida do produto, segundo o inciso IV, envolve o desenvolvimento, a obtenção de matérias primas e insumos, o processo produtivo, o consumo e a disposição final.
Assim, a questão dos resíduos sólidos deixa de ter uma visão como de responsabilidade exclusiva do Poder Público e passa a ser compartilhada por toda a cadeia de vida dos mesmos, desde sua fabricação, distribuição, consumo e destinação final.
Esta nova visão – como dito, já adotada de forma esparsa anteriormente, mas agora sistematizada – traz uma nova luz à questão dos resíduos sólidos, exigindo-se o envolvimento maior de toda a sociedade.
Contudo, não poderá esta responsabilidade compartilhada servir de escusa para que o Poder Público deixe de cumprir sua obrigação como principal articulador esta política, além de ente responsável pelo tratamento final da questão. Ao contrário, sua responsabilidade aumenta, já que, além de exercer a limpeza urbana e o manejo dos resíduos sólidos, também deverá, na esfera de sua competência, exigir dos demais atores da cadeia a assunção de suas responsabilidades.
O artigo 13, por sua vez, traz os conceitos dos vários tipos de resíduos, sendo que, para fins deste artigo, o que importa é a conceituação dos resíduos perigosos:
"art. 13, II, a): aqueles que, em razão de suas características de inflamabilidade, corrosividade, reatividade, toxidade, patogenicidade, carcinogenicidade, teratogenicidade e mutagenicidade, apresentam significativo risco à saúde pública ou à qualidade ambiental, de acordo com a lei, regulamento ou norma técnica;"
Existem outros diplomas legais e infra-legais que também tratam de resíduos perigosos. Contudo, seja qual for a classificação adotada, o que importa para as conclusões a respeito deste trabalho é a percepção que dentre os resíduos oriundos do consumo existem alguns que se destacam em razão de sua periculosidade e potencialidade de dano, seja para o meio ambiente, seja para a saúde pública.
IV – DO PRINCÍPIO DO POLUIDOR PAGADOR
A análise do princípio ambiental do poluidor-pagador (por alguns chamado usuário-pagador) passa necessariamente pela compreensão do fenômeno econômico e da escassez cada vez maior dos bens ambientais.
Fundamento básico da economia é aquele segundo o qual escassez – ou por outro lado, a riqueza – é que justifica seu estudo. Não houvesse escassez de bens, os mesmos não teriam qualquer valor econômico.
Esta mesma escassez – ou riqueza – é que justifica a economia ambiental, pois ao longo do tempo o homem ignorou o fato dos recursos naturais serem escassos, imaginando que os mesmos eram inesgotáveis. Não se havia atribuído qualquer custo ao ar, à água, aos rios e oceanos, ao solo e subsolo, às espécies vegetais e animais, aos ecossistemas, pois não se tinha noção da finitude de tais bens, os quais eram chamados pelos economistas de bens livres (CALDERONI, 2004, p. 571-572).
Oportuna para a compreensão deste pensamento econômico é a lição de Guilherme José Purvin de Figueiredo, em seu artigo Relação de Consumo, Defesa da Economia e Meio Ambiente (2004, p. 743), segundo o qual na economia do século XVII – que alicerçou as teorias do século subseqüente – ainda baseava-se em crenças cientificamente despropositadas tais como a capacidade criativa do planeta (alquimia e criação de metais a partir do nada) e que os continentes cresciam ano a ano, o que levava os economistas acreditar na inesgotabilidade dos bens ambientais.
Contudo, após a metade do século XX, a humanidade deu conta de que esses recursos ambientais já não eram tão abundantes e a sua ausência poderia ser suficiente para extinguir a vida na terra, surgindo a economia ambiental.
É justamente levando em conta esta visão de escassez dos bens ambientais que se deve analisar o poluidor-pagador, sendo que para a compreensão de seu conteúdo o conceito-chave é o das externalidades econômicas.
Um dos pressupostos básicos do mercado é o de que os custos e benefícios de qualquer atividade econômica recaiam sobre a unidade que esteja sendo produzida, de tal forma que o preço final do produto reflita não somente todos os custos gerados para sua produção, como também os benefícios dele advindos.
Mas nem sempre este conceito se reflete na realidade, pois existem inúmeros custos e benefícios que por não possuírem preços pré-definidos não são incluídos no valor final do produto ou serviço, de forma que há o rompimento do pressuposto de que o preço final deve incluir todos estes fatores.
Quando um custo é desconsiderado na elaboração do preço final de um produto/serviço, está-se diante de uma externalidade negativa. De outro lado, quando um benefício gerado por produto/serviço não é incluído em seu preço, está-se diante de uma externalidade positiva (NUSDEO, 2004, p.209).
Exemplo de externalidades negativas são abundantes. Toda a produção que causa poluição despejando dejetos em rios e lagos, depreciando a qualidade da água e do ecossistema existente – sem que se inclua no seu custo o valor desta depreciação ou de eventual tratamento – é uma externalidade negativa. Assim também é o uso da água captada do subsolo para elaboração de produtos sem que seja atribuído um valor à mesma.
Trata-se de externalidade positiva a não inclusão no preço do produto dos fatores sociais e ambientais positivos eventualmente levados a efeito por uma empresa. Assim, quando um produto orgânico é produzido com menor agressão ao meio ambiente e por razões de competitividade de mercado tem que ser vendido ao mesmo preço de um não orgânico, está ocorrendo uma externalidade positiva (ou seja, um benefício gerado pelo produto não está sendo incluído em seu preço final).
A existência das externalidades – sejam positivas, sejam negativas – configura-se como uma distorção do mercado, pois como dito, o preço final do produto/serviço deve refletir todos os custos e benefícios dele advindos.
Dos exemplos acima citados fica evidente que a não internalização destas externalidades afigura-se como uma injustiça, seja beneficiando aquelas empresas que produzem de forma social/ambientalmente injusta ou ao contrário, não privilegiando aquelas empresas que trabalham com justiça social/ambiental.
Não havendo esta internalização, como bem apontado pelo professor Marcelo Abelha Rodrigues, haverá, isto sim, uma "privatização dos lucros e socialização das perdas" (2002, p. 142), uma vez que enquanto o lucro ficará integralmente com quem produziu o produto, os prejuízos decorrentes das violações aos direitos sociais e ambientais serão arcados por toda a sociedade.
Para que seja possível a internalização dos custos ambientais é necessário que se entenda que estes bens têm um custo de utilização e este deve ser necessariamente assumido por quem o utiliza com fins econômicos.
Fica evidente, assim, que a não internalização das externalidades ambientais além de configurar-se uma situação injusta – distorção do livre mercado – evidencia-se também como uma forma velada de subsídio estatal (ANTUNES, 2002, p. 41), já que os custos que deveriam ser arcados por quem produziu estão, em verdade, sendo suportados por toda a sociedade.
É justamente para eliminar este subsídio à atividade econômica às custas do sacrifício de bens ambientais é que surgiu o princípio do poluidor-pagador, conforme ensina Jacson Corrêa (2002, p. 44):
"Embora ainda não tenha sido tratado em nosso ordenamento jurídico com a amplitude e definição desejados, não há dúvida de que o princípio do poluidor-pagador, ou usuário-pagador, como prefere a melhor doutrina, tem a vantagem de indicar com maior exatidão e de forma definitiva que toda atividade econômica é, em sua origem, poluidora, e que os agentes responsáveis por ela devem arcar com os custos sociais que são dirigidos, com especial relevo, à prevenção do dano ambiental, retirando, com isso, da sociedade, a tarefa de subvencionar os poluidores, como soeu ocorrer durante largo tempo por conta de políticas públicas viciadas e equivocadas."
É por isto que MartineRémond-Gouilloud (apud GRANZIERA, 2003, p. 57), defende que o princípio do poluidor-pagador é, em sua origem, um princípio econômico introduzido por razões políticas, pois visa imputar aos provocadores da poluição o conjunto de despesas para sua prevenção e combate, objetivando preversar as finanças públicas desses ônus.
O viés jurídico-econômico do princípio está estampado em seu conceito trazido pelo princípio 16 da Declaração Sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento:
"Tendo em vista que o poluidor deve, em princípio, arcar com o custo decorrente da poluição, as autoridades nacionais devem promover a internalização dos custos ambientais e o uso de instrumentos econômicos, levando na devida conta o interesse público, sem distorcer o comércio e os investimentos internacionais."
Assim, conforme ensina Herman Benjanim (1993, p. 229), "o objetivo maior do princípio poluidor-pagador é fazer com que os custos das medidas de proteção do meio ambiente – as externalidades ambientais – repercutam nos custos finais dos produtos e serviços cuja produção esteja na origem da atividade poluidora."
É certo que com a aplicação do princípio do poluidor-pagador, necessariamente, há uma transferência do custo ambiental para o consumidor, o que tem sido objeto de crítica por alguns autores (COSTA NETO, 2003, p. 79).
Contudo, em nosso entendimento isto não é um problema, ao contrário, é até mesmo desejável. Ora, é melhor que o custo ambiental de um produto/serviço seja arcado por aquele que irá consumi-lo do que transferido a toda à sociedade, seja com a queda na qualidade de vida, seja com o aumento da carga tributária para que o Estado possa fazer frente ao combate a estes problemas ambientais.
Por outro lado, não se pode olvidar que, considerando as regras de concorrência do mercado, o empreendedor que adotar uma postura menos poluente, com utilização de tecnologia adequada, terá um menor custo a repassar ao consumidor final. Também o consumidor irá sempre preferir se eximir de pagar mais caro, optando por aqueles produtos produzidos sem este encargo ambiental mais elevado (TUPIASSU, 2003, p. 169).
Isto inverteria a lógica atual do mercado, em que os produtos produzidos de forma social/ambientalmente corretos são mais caros do que aqueles que não o são.
No momento em que se encerrar este subsídio estatal disfarçado sobre os produtos que não consideram as externalidades negativas, haverá com certeza melhora na balança entre aqueles empreendedores que trabalham de acordo com estas regras e os que não o fazem.
Em geral, três tipos de custos ambientais devem ser absorvidos pelo empreendedor: o custo da prevenção dos impactos negativos da propriedade; o custo de controle no sistema de produção e monitoramento, de forma a que sejam tomadas as medidas para que seja produzida a menor poluição possível (como trabalhar dentro dos padrões máximos de emissão de poluição); e os custos da reparação, quais sejam, da recuperação de eventual danos ambientais decorrentes da falha nesta prevenção.
Destes três, os dois primeiros têm fundamento no princípio do poluidor-pagador e o terceiro funda-se no princípio da responsabilidade, segundo o qual o degradador ambiental deve ser compelido a recuperar os danos causados.
Alguns doutrinadores colocam a responsabilidade civil por dano ambiental como uma forma de internalização das externalidades da atividade e, portanto, ligada ao princípio do poluidor-pagador. Contudo, em nosso entendimento, é necessário diferenciar-se este princípio do princípio da responsabilidade.
O princípio do poluidor-pagador não é uma punição e não exige qualquer ilicitude no comportamento para que seja implementado. Assim, não é necessário que se prove que o poluidor está cometendo faltas ou infrações, bastando apenas comprovar-se o uso do recurso ambiental ou sua poluição. A existência de autorização administrativa para poluir, segundo as normas de emissão fixadas, não isenta o poluidor de pagar pela poluição por ele efetuada.
É justamente esta a diferença entre os princípios do poluidor-pagador e o da responsabilidade, conforme ensina Paulo Bessa Antunes (2002, p. 41):
"O elemento que diferencia o PPP da responsabilidade tradicional é que ele busca afastar o ônus do custo econômico das costas da coletividade e dirigi-lo diretamente ao utilizador dos recursos ambientais. Logo, ele não esta fundado no princípio da responsabilidade mas, isto sim, na solidariedade social e na prevenção mediante a imposição da carga pelos custos ambientais nos produtores e consumidores."
Registre-se, ainda, que este princípio além de constar na Declaração Sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (princípio 16), também é extraído da própria Constituição Federal, por força do artigo 170, VI, que ao tratar da ordem econômica, dispõe que um de seus princípios é o do "meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação;"
Ora, para que se faça tratamento diferenciado entre produtos e serviços com fundamento no aspecto ambiental é necessário justamente internalizar todos os custos ou benefícios ambientais que existam no processo de produção e consumo dos mesmos.
Assim, fica evidenciado que o princípio do poluidor-pagador tem assento na própria Constituição Federal (art. 170, VI), não podendo qualquer lei infraconstitucional dispor de forma contrária.
A previsão deste princípio na legislação infraconstitucional encontra esteio na última parte do inciso VII, do art. 4º da Lei da Política Nacional do Meio Ambiente, quando estabelece que deverá ocorrer a "imposição .... ao usuário, da contribuição pela utilização de recursos ambientais com fins econômicos".
Por fim, a Lei de Resíduos Sólidos previu este princípio como disposição expressa à sua política, no artigo 6, II.