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Logística reversa (responsabilidade pós-consumo) frente ao Direito Ambiental brasileiro.

Implicações da Lei nº 12.305/2010

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Agenda 04/03/2011 às 07:56

V – DO PRINCÍPIO DA RESPONSABILIDADE PÓS-CONSUMO (E A LOGÍSTICA REVERSA COMO SUA FACETA PRÁTICA DE APLICAÇÃO)

O estudo do princípio da responsabilidade pós-consumo ainda é insipiente, sendo escassa doutrina ou jurisprudência sobre este assunto. Até o advento da Lei de Resíduos Sólidos a matéria era carente de uma regulamentação geral e não possuía sistematização no Direito Ambiental Pátrio.

Agora, com o advento desta Lei, o instituto ganha um delineamento geral, além de haver sido implementado em seu viés prático pelo instrumento da "logística reversa", cujo próprio nome já estabelece seu conteúdo: é a logística de retorno dos produtos ou embalagens à sua cadeia produtiva, fazendo o caminho inverso do consumidor ao fabricante.

Justamente por esta falta de estudos e precedentes sobre a questão, bem como a recente implementação legislativa do tema, não se pretende dar qualquer resposta pronta e acabada para as inúmeras indagações e dúvidas que surgem na análise deste tema e, muito menos, objetiva-se esgotar todas as possibilidades de abordagens ou casos em que poderia ser aplicado este princípio.

Aliás, será no duro teste da realidade, após alguns anos de experimentação é que será possível avaliar em toda a sua amplitude a inovação que adveio com a sistematização deste instituto pela Lei n. 12.305/2010.

Como se extrai do próprio nome, para que haja a responsabilidade pós-consumo, necessariamente, deverá haver anteriormente o consumo de algum produto para então o rejeito desta atividade ser imputado àquele que lucrou com a mesma.

A relação de consumo, segundo Newton de Lucca, é "aquela que se estabelece necessariamente entre fornecedores e consumidores, tendo por objeto a oferta de produtos ou serviços no mercado de consumo." (2003, p. 78)

Como elementos desta relação, o mesmo autor apresenta os seguintes elementos em sua composição: a) como sujeitos, o fornecedor e o consumidor; b) como objeto, os produtos e os serviços; c) como finalidade, a aquisição ou utilização de produto ou serviço como destinatário final.

O princípio da responsabilidade pós-consumo é corolário do princípio do poluidor-pagador, uma vez que se pretende a internalização de uma externalidade ambiental: neste caso, o resíduo oriundo do consumo de um produto.

Note-se que, regra geral, quando um produto é colocado no mercado e é consumido, a responsabilidade pelo tratamento dos resíduos produzidos por este consumo fica com o Poder Público.

Ou seja, cabe à toda a sociedade custear o tratamento e a destinação adequada do resíduo oriundo de uma relação de consumo em que o fornecedor obteve o lucro e o consumidor as vantagens que pretendeu com a aquisição do mesmo.

De igual maneira, quando não há tratamento e destinação adequados ao resíduo oriundo do consumo de determinado produto, quem arca com o ônus da perda da qualidade ambiental também é a própria sociedade.

Assim, a finalidade da logística reversa é justamente combater esta distorção de forma que o custo desta externalidade ambiental passe a ser arcado pelo fornecedor do produto que obteve lucro na operação.

O conceito deste princípio nos é apresentado pela Procuradora de Justiça do Ministério Público do Rio Grande do Sul, Silvia Cappeli (2004, p. 09), segundo o qual "a responsabilidade pós-consumo consiste no dever dos fabricantes, importadores, distribuidores e comerciantes de coletar, transportar e dar destino final adequado aos resíduos sólidos gerados pelos produtos ou por suas embalagens."

Na Lei da Política Nacional dos Resíduos Sólidos (Lei Federal n. 12.305/2010, a logística reversa (faceta prática da responsabilidade pós-consumo) teve como definição legal a seguinte:

"Art. 3° Para os efeitos desta Lei, entende-se por:

...

XII – logística reversa: instrumento de desenvolvimento econômico e social caracterizado por um conjunto de ações, procedimentos e meios destinados a viabilizar a coleta e a restituição dos resíduos sólidos ao setor empresarial, para reaproveitamento, em seu ciclo ou em outros ciclos produtivos, ou outra destinação final ambientalmente adequada;"

Desta forma, aplicado o princípio, cabe ao gerador do produto, ao fornecedor, ao comerciante e ao consumidor, após vendido e consumido, a responsabilidade em coletar e dar destinação final ao resíduo correspondente. Este resíduo pode ser o próprio produto em si quando descartado (caso de componentes eletrônicos, pneus, etc...) ou a embalagem que o envolvia (caso das garrafas pet, embalagens de agrotóxicos, etc...).

Note-se que este conceito está extremamente ligado ao conceito de responsabilidade compartilhada, até porque o artigo 8°, III, diz ser a logística reversa um dos instrumentos da Política Nacional de Resíduos Sólidos para implementação da responsabilidade compartilhada, juntamente com a coleta seletiva.

É de se registrar que a responsabilidade compartilhada pelo ciclo de vida dos produtos tem os seguintes objetivos estabelecidos pelo artigo 30:

"Art. 30. É instituída a responsabilidade compartilhada pelo ciclo de vida dos produtos, a ser implementada de forma individualizada e encadeada, abrangendo os fabricantes, importadores, distribuidores e comerciantes, os consumidores e os titulares dos serviços públicos de limpeza urbana e de manejo de resíduos sólidos, consoante as atribuições e procedimentos previstos nesta Seção. 

Parágrafo único. A responsabilidade compartilhada pelo ciclo de vida dos produtos tem por objetivo: 

I - compatibilizar interesses entre os agentes econômicos e sociais e os processos de gestão empresarial e mercadológica com os de gestão ambiental, desenvolvendo estratégias sustentáveis; 

II - promover o aproveitamento de resíduos sólidos, direcionando-os para a sua cadeia produtiva ou para outras cadeias produtivas; 

III - reduzir a geração de resíduos sólidos, o desperdício de materiais, a poluição e os danos ambientais; 

IV - incentivar a utilização de insumos de menor agressividade ao meio ambiente e de maior sustentabilidade; 

V - estimular o desenvolvimento de mercado, a produção e o consumo de produtos derivados de materiais reciclados e recicláveis; 

VI - propiciar que as atividades produtivas alcancem eficiência e sustentabilidade; 

VII - incentivar as boas práticas de responsabilidade socioambiental."

Também é responsabilidade pós-consumo (a despeito de não ser logística reversa) a imputação ao fabricante de obrigações e limites a seus produtos para que o rejeito do mesmo, após o consumo, seja menor do que caso não adotadas estas medidas ambientais (como no caso dos fabricantes de combustíveis e veículos automotores estudado mais adiante).

A responsabilidade do fabricante pela destinação final do produto não é exclusiva do Brasil e já vem sendo aplicada em outros países, como por exemplo, na França, desde 1975, em que é responsabilidade do empreendedor em eliminar os resíduos gerados, mesmo quando estes já não estejam mais em suas mãos (TELES DA SILVA, 2003, p. 69).

Não se pode confundir a responsabilidade pós-consumo com a obrigatoriedade das empresas ou fornecedores tratar adequadamente o resíduo de sua produção (como tratar os efluentes que uma indústria emite antes de despejá-los em rios ou lagoas), pois neste caso o mesmo não é oriundo da relação de consumo, mas sim anterior, fundando-se tal obrigatoriedade no princípio do poluidor-pagador.

A responsabilidade pelo ciclo de vida do produto e, mais especificamente, pela implantação da logística reversa ficou estabelecida no artigo 31, III, da Lei Nacional de Resíduos Sólidos, quando estabelece que:

"Art. 31. Sem prejuízo das obrigações estabelecidas no plano de gerenciamento de resíduos sólidos e com vistas a fortalecer a responsabilidade compartilhada e seus objetivos, os fabricantes, importadores, distribuidores e comerciantes têm responsabilidade que abrange:

...

III – recolhimento dos produtos e dos resíduos após o uso, assim como sua subseqüente destinação final ambientalmente adequada, no caso de produtos objetos do sistema de logística reversa na forma do art. 33;"

O tratamento do tema da logística reversa veio a ser regulamentado pelo artigo 33, com o seguinte teor:

"Art. 33. São obrigados a estruturar e implementar sistemas de logística reversa, mediante retorno dos produtos após o uso pelo consumidor, de forma independente do serviço público de limpeza urbana e de manejo dos resíduos sólidos, os fabricantes, importadores, distribuidores e comerciantes de: 

I - agrotóxicos, seus resíduos e embalagens, assim como outros produtos cuja embalagem, após o uso, constitua resíduo perigoso, observadas as regras de gerenciamento de resíduos perigosos previstas em lei ou regulamento, em normas estabelecidas pelos órgãos do Sisnama, do SNVS e do Suasa, ou em normas técnicas; 

II - pilhas e baterias; 

III - pneus; 

IV - óleos lubrificantes, seus resíduos e embalagens; 

V - lâmpadas fluorescentes, de vapor de sódio e mercúrio e de luz mista; 

VI - produtos eletroeletrônicos e seus componentes. 

§ 1º Na forma do disposto em regulamento ou em acordos setoriais e termos de compromisso firmados entre o poder público e o setor empresarial, os sistemas previstos no caput serão estendidos a produtos comercializados em embalagens plásticas, metálicas ou de vidro, e aos demais produtos e embalagens, considerando, prioritariamente, o grau e a extensão do impacto à saúde pública e ao meio ambiente dos resíduos gerados. 

§ 2º A definição dos produtos e embalagens a que se refere o § 1º considerará a viabilidade técnica e econômica da logística reversa, bem como o grau e a extensão do impacto à saúde pública e ao meio ambiente dos resíduos gerados. 

§ 3º Sem prejuízo de exigências específicas fixadas em lei ou regulamento, em normas estabelecidas pelos órgãos do Sisnama e do SNVS, ou em acordos setoriais e termos de compromisso firmados entre o poder público e o setor empresarial, cabe aos fabricantes, importadores, distribuidores e comerciantes dos produtos a que se referem os incisos II, III, V e VI ou dos produtos e embalagens a que se referem os incisos I e IV do caput e o § 1º tomar todas as medidas necessárias para assegurar a implementação e operacionalização do sistema de logística reversa sob seu encargo, consoante o estabelecido neste artigo, podendo, entre outras medidas: 

I - implantar procedimentos de compra de produtos ou embalagens usados; 

II - disponibilizar postos de entrega de resíduos reutilizáveis e recicláveis; 

III - atuar em parceria com cooperativas ou outras formas de associação de catadores de materiais reutilizáveis e recicláveis, nos casos de que trata o § 1º. 

§ 4º Os consumidores deverão efetuar a devolução após o uso, aos comerciantes ou distribuidores, dos produtos e das embalagens a que se referem os incisos I a VI do caput, e de outros produtos ou embalagens objeto de logística reversa, na forma do § 1º. 

§ 5º Os comerciantes e distribuidores deverão efetuar a devolução aos fabricantes ou aos importadores dos produtos e embalagens reunidos ou devolvidos na forma dos §§ 3º e 4º. 

§ 6º Os fabricantes e os importadores darão destinação ambientalmente adequada aos produtos e às embalagens reunidos ou devolvidos, sendo o rejeito encaminhado para a disposição final ambientalmente adequada, na forma estabelecida pelo órgão competente do Sisnama e, se houver, pelo plano municipal de gestão integrada de resíduos sólidos. 

§ 7º Se o titular do serviço público de limpeza urbana e de manejo de resíduos sólidos, por acordo setorial ou termo de compromisso firmado com o setor empresarial, encarregar-se de atividades de responsabilidade dos fabricantes, importadores, distribuidores e comerciantes nos sistemas de logística reversa dos produtos e embalagens a que se refere este artigo, as ações do poder público serão devidamente remuneradas, na forma previamente acordada entre as partes. 

§ 8º Com exceção dos consumidores, todos os participantes dos sistemas de logística reversa manterão atualizadas e disponíveis ao órgão municipal competente e a outras autoridades informações completas sobre a realização das ações sob sua responsabilidade."

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Pois bem, nos itens seguintes será feita a abordagem de alguns dos aspectos da logística reversa, tanto para casos já regulamentados em outros instrumentos normativos, como para outros casos ainda sem regulamentação. Além disto, será analisada a questão da implementação da logística reversa via vários instrumentos previstos em nosso ordenamento jurídico pátrio.


VI – CASOS DE LOGÍSTICA REVERSA (RESPONSABILIDADE PÓS-CONSUMO) REGULAMENTADOS

Mesmo que a Lei da Política Nacional de Resíduos Sólidos, nem seu Decreto regulamentar tenha estabelecido prazos, metas e sistematização para alguns casos nela previstos como expressamente obrigados à logística reversa, já há alguma regulamentação legal ou infra-legal (agrotóxicos, pilhas e baterias, óleos lubrificantes e pneus), motivo pelo qual tal obrigação é plenamente exigível desde antes da edição da nova lei, não se alterando com a mesma, ao contrário, sendo apenas reforçada tal obrigação legal.

VI.1 - PILHAS E BATERIAS

A destinação final das pilhas e baterias utilizadas em larga escala pela sociedade atual é assunto de extrema preocupação, tendo sua regulamentação sido estabelecida pela Resolução CONAMA 401/2008, a qual, na esteira das demais regulamentações a respeito da responsabilidade pós-consumo, estabelece responsabilidade compartilhada entre consumidores, distribuidores e fabricantes, conforme determina seu artigo 4º e 6º:

Art. 4o Os estabelecimentos que comercializam os produtos mencionados no art 1o, bem como a rede de assistência técnica autorizada pelos fabricantes e importadores desses produtos, deverão receber dos usuários as pilhas e baterias usadas, respeitando o mesmo princípio ativo, sendo facultativa a recepção de outras marcas, para repasse aos respectivos fabricantes ou importadores.

Art. 6o As pilhas e baterias mencionadas no art. 1o, nacionais e importadas, usadas ou inservíveis, recebidas pelos estabelecimentos comerciais ou em rede de assistência técnica autorizada, deverão ser, em sua totalidade, encaminhadas para destinação ambientalmente adequada, de responsabilidade do fabricante ou importador.

Parágrafo único. O IBAMA estabelecerá por meio de Instrução Normativa a forma de controle do recebimento e da destinação final.

O princípio da responsabilidade pós-consumo é aplicado ao caso das pilhas e baterias com base em duplo fundamento: consumo em massa e periculosidade intrínseca do produto.

Sobre o perigo deste produto, observe-se a lição de Rener (1992, p. 194) que explica que tais objetos contêm metais como mercúrio, zinco, manganês, níquel e cadmium, os quais são extremamente prejudiciais à saúde e possuem efeito cumulativo nos organismos vivos e, uma vez atingida a taxa limite, começa a provocar danos, sobretudo no sistema nervoso central e nos embriões.

Só por tal motivo já seria necessária a aplicação do princípio da responsabilidade pós-consumo ao caso. Contudo, também se aplica este regime jurídico em razão do consumo em massa deste produto.

Ocorre que o Brasil produz por ano 800 milhões de pilhas comuns – ou seja, seis unidades por habitante – 10 milhões de baterias de celular, 12 milhões de baterias automotivas e 200 mil baterias industriais(ABREU, 2006, documento de internet).

Toda esta produção e consumo, gera, necessariamente, o descarte destes materiais, os quais, via de regra, quando não enviado para os lixões e aterros sanitários – que não têm preparo para recebê-los – são descartados no meio ambiente.

Por estes motivos, a Resolução CONAMA n. 401/2008, em seu artigo 22, proíbe o lançamento in natura ou queima destes produtos no meio ambiente, para evitar a contaminação:

Art. 22. Não serão permitidas formas inadequadas de disposição ou destinação final de pilhas e baterias usadas, de quaisquer tipos ou características, tais como:

I - lançamento a céu aberto, tanto em áreas urbanas como rurais, ou em aterro não licenciado;

II - queima a céu aberto ou incineração em instalações e equipamentos não licenciados;

III - lançamento em corpos d’água, praias, manguezais, pântanos, terrenos baldios, poços ou cacimbas, cavidades subterrâneas, redes de drenagem de águas pluviais, esgotos, ou redes de eletricidade ou telefone, mesmo que abandonadas, ou em áreas sujeitas à inundação.

Conforme apontado, tal resolução estabeleceu responsabilidade compartilhada entre consumidores, revendedores, fabricantes e importadores.

Aos consumidores compete devolver nos estabelecimentos revendedores as pilhas e baterias utilizadas, sendo que estes últimos têm obrigação de recebê-las, acondicioná-las de forma segregada, para após entregá-las aos fabricantes e importadores, que devem recolhê-las e dar destinação final adequada, mediante reciclagem ou processo para tratamento.

Sobre a Resolução CONAMA n. 257/99 (revogada pela Resolução 401/08), o Professor Paulo de Bessa Antunes (2002, p. 556), traçou as seguintes considerações:

"O ato normativo baixado pelo CONAMA, entretanto, do ponto de vista jurídico, é grandemente controverso e, em tais circunstâncias, de legalidade e constitucionalidade bastante duvidosos. Em primeiro lugar, merece registro o fato de que a referida Resolução do CONAMA não encontra fundamento imediato em nenhum diploma legal elaborado pelo Poder Legislativo. Igualmente, não consigo vislumbrar, nas competências estabelecidas pelo artigo 8º da Lei n. 6.938/81, qualquer autorização para que o CONAMA possa dispor sobre direitos e obrigações comerciais de produtores e comerciantes de pilhas e baterias; nem mesmo o Regimento Interno do CONAMA, que foi baixado por uma simples Portaria, chega a cogitar da competência à qual ora estou me referindo. É curial que, nos termos da Constituição vigente em nosso País, inexiste, em nosso direito positivo, a figura jurídica do regulamento autônomo. Há que se considerar, contudo, que a Resolução ora sob comento deve ser atendida pelas partes envolvidas até que uma declaração de ilegalidade ou inconstitucionalidade – conforme seja o caso – venha a ser proferida pelo Poder Judiciário. Assim é, pois as normas jurídicas, em princípio, gozam de presunção de constitucionalidade."

Esta lição, parece haver perdido sua atualidade, já que agora há um tratamento geral na Lei de Resíduos Sólidos para o tema. Contudo, como a regulamentação é anterior à Lei, ainda é interessante analisá-la.

O posicionamento do citado professor aplica-se não só ao caso das baterias e pilhas, mas a todos aqueles de responsabilidade pós-consumo que não estavam previstos em lei e foram regulamentados pelo CONAMA, tais como os pneumáticos, os óleos lubrificantes.

É certo que este tema sobre a competência do CONAMA para editar resoluções que criem direitos ou obrigações é polêmico e já foi enfrentado várias vezes pela doutrina, existindo tanto posicionamento de quem defende a validade destes atos, como de quem entende serem os mesmos destituídos de validade.

Contudo, na hipótese da responsabilidade pós-consumo parece haver um diferencial: o fato de ser ela decorrência direta de um princípio constitucional (poluidor-pagador).

Ora, tratando-se a responsabilidade pós-consumo de corolário do princípio constitucional implícito do poluidor-pagador, parece-nos ser possível que os órgãos administrativos ao regulamentar as situações práticas possam estabelecer regramento de como as situações práticas devem ser enfrentadas.

Note-se que, neste caso, não há violação ao princípio da legalidade, uma vez que não se está criando uma obrigação – a qual já decorre da própria existência do princípio – mas apenas explicitando a forma de cumpri-la.

Hipótese análoga é a situação de estabelecimento de cotas raciais ou sociais nas Universidades – para aqueles que entendem que as mesmas são uma forma de implementação de isonomia – em que por meio de regulamento baseado diretamente no princípio da igualdade é feita a reversa para etnias ou estudantes de escolas públicas.

Também seria a mesma situação de um órgão regulamentar a forma do direito à petição previsto constitucionalmente, neste caso não se estará criando um direito, mas apenas regulamentando algo que já se encontra na Constituição Federal.

Note-se que, se até mesmo sem previsão legislativa infraconstitucional nenhuma é possível a aplicação da responsabilidade pós-consumo (como no caso das garrafas pet citado posteriormente), com muito mais razão é possível que tais situações estejam previstas nas Resoluções do CONAMA.

Por tais motivos, ousamos discordar do mestre Paulo de Bessa Antunes, para defender a legalidade e constitucionalidade tanto da Resolução CONAMA n. 257/99, quanto da resolução atual que trata do tema, como também das que tratam de pneumáticos, óleo lubrificante e outras que venham a regulamentar a matéria, desde que fundadas em um dos dois pressupostos desta responsabilidade adiante estudados: a) periculosidade intrínseca do produto; b) consumo de massa.

Além do mais, com o advento da Lei de Resíduos Sólidos que regulamentou o instituto da logística reversa (ou responsabilidade pós-consumo) no nosso ordenamento pátrio, prevendo, inclusive sua extensão por meio de instrumentos como os termos de acordo, planos de resíduos, etc... (adiante analisados), torna-se ainda mais claro que tal obrigação pode ser estendida a outros setores, ainda que não haja uma disposição expressa em lei sobre o tema.

Reconhecendo a possibilidade de implementação por instrumentos infra-legais, a própria Lei da Política Nacional dos Resíduos Sólidos assim estabeleceu nos parágrafos do artigo 33:

"Art. 33. ...

§ 1º Na forma do disposto em regulamento ou em acordos setoriais e termos de compromisso firmados entre o poder público e o setor empresarial, os sistemas previstos no caput serão estendidos a produtos comercializados em embalagens plásticas, metálicas ou de vidro, e aos demais produtos e embalagens, considerando, prioritariamente, o grau e a extensão do impacto à saúde pública e ao meio ambiente dos resíduos gerados. 

§ 2º A definição dos produtos e embalagens a que se refere o § 1º considerará a viabilidade técnica e econômica da logística reversa, bem como o grau e a extensão do impacto à saúde pública e ao meio ambiente dos resíduos gerados. 

§ 3º Sem prejuízo de exigências específicas fixadas em lei ou regulamento, em normas estabelecidas pelos órgãos do Sisnama e do SNVS, ou em acordos setoriais e termos de compromisso firmados entre o poder público e o setor empresarial, cabe aos fabricantes, importadores, distribuidores e comerciantes dos produtos a que se referem os incisos II, III, V e VI ou dos produtos e embalagens a que se referem os incisos I e IV do caput e o § 1º tomar todas as medidas necessárias para assegurar a implementação e operacionalização do sistema de logística reversa sob seu encargo, consoante o estabelecido neste artigo, podendo, entre outras medidas: 

I - implantar procedimentos de compra de produtos ou embalagens usados; 

II - disponibilizar postos de entrega de resíduos reutilizáveis e recicláveis; 

III - atuar em parceria com cooperativas ou outras formas de associação de catadores de materiais reutilizáveis e recicláveis, nos casos de que trata o § 1º."

Percebe-se de forma clara que a lei em questão reconheceu a implementação da logística reversa por meio de regulamentos e normas estabelecidas pelos órgãos do SISNAMA e do SNVS, inclusive com a possibilidade de extensão a outros produtos.

Neste sentido foi previsto pelo Decreto n. 7.404/2010:

Art. 16. Os sistemas de logística reversa dos produtos e embalagens previstos no

art. 33, incisos I a IV, da Lei nº 12.305, de 2010, cujas medidas de proteção ambiental podem ser ampliadas mas não abrandadas, deverão observar as exigências específicas previstas em:

I - lei ou regulamento;

II - normas estabelecidas pelos órgãos do Sistema Nacional do Meio Ambiente - SISNAMA, do Sistema Nacional de Vigilância Sanitária - SNVS, do Sistema Único de Atenção à Sanidade Agropecuária - SUASA e em outras normas aplicáveis; ou ....

Art. 30. Sem prejuízo do disposto na Subseção I, a logística reversa poderá ser implantada diretamente por regulamento, veiculado por decreto editado pelo Poder Executivo.

Parágrafo único. Na hipótese prevista no caput, antes da edição do regulamento, o Comitê Orientador deverá avaliar a viabilidade técnica e econômica da logística reversa.

Assim, a lei em questão sepultou de vez a discussão sobre a possibilidade ou não de implementação da logística reversa por meio de decreto federal ou resoluções do CONAMA ou de outros órgãos colegiados.

VI.2 - PNEUS

A questão do descarte dos pneumáticos é de grande importância e merece extremo cuidado por parte das autoridades ambientais.

Segundo dados da Associação Nacional da Indústria de Pneumáticos (www.anip.org.br), no ano de 2005, foram vendidos, entre fabricados e importados, 56,6 milhões de pneus no Brasil, o que caracteriza um consumo de massa e demonstra a seriedade com que a questão tem que ser enfrentada.

Como se sabe, o depósito de pneus de forma inadequada pode causar sérios prejuízos à saúde e ao meio ambiente, devendo ser levado em conta que este produto demora centenas de anos para se decompor na natureza.

Portanto, o consumo em massa deste produto justifica a aplicação do princípio da responsabilidade pós-consumo, sendo que, dentre os casos já regulamentados, afigura-se como destaque a situação dos pneumáticos utilizados em veículos no território nacional.

A Resolução CONAMA n. 416/2008, estabeleceu ser obrigatório às empresas fabricantes e importadoras de pneumáticos para uso em veículos automotores e bicicletas coletar e dar destinação final ambientalmente adequada aos pneus inservíveis existentes no território nacional, nos termos do artigo 1º:

Art. 1o Os fabricantes e os importadores de pneus novos, com peso unitário superior a 2,0 kg (dois quilos), ficam obrigados a coletar e dar destinação adequada aos pneus inservíveis existentes no território nacional, na proporção definida nesta Resolução.

§ 1o Os distribuidores, os revendedores, os destinadores, os consumidores finais de pneus e o Poder Público deverão, em articulação com os fabricantes e importadores, implementar os procedimentos para a coleta dos pneus inservíveis existentes no País, previstos nesta Resolução.

§ 2o Para fins desta resolução, reforma de pneu não é considerada fabricação ou destinação adequada.

§ 3o A contratação de empresa para coleta de pneus pelo fabricante ou importador não os eximirá da responsabilidade pelo cumprimento das obrigações previstas no caput deste artigo.

Tais empresas devem, segundo o artigo 3º, dar destinação adequada para um pneu inservível para cada pneu comercializado.

A resolução mencionada, proíbe a destinação final inadequada de pneumáticos inservíveis, sendo vedada a disposição dos mesmos em aterros sanitários, rios, lagos ou riachos, terrenos baldios ou alagadiços e a queima a céu aberto (art. 15).

Os fabricantes e os importadores, segundo a resolução, poderão criar centrais de recepção de pneus inservíveis, para armazenamento temporário e posterior destinação final ambientalmente adequada e segura.

De outro norte, os distribuidores, os revendedores, os reformadores, os consertadores e os consumidores finais em articulação com os fabricantes, importadores e Poder Público, deverão colaborar na adoção de procedimentos, visando implementar a coleta dos pneus inservíveis existentes no País.

VI.3 - AGROTÓXICOS

Outro caso de responsabilidade pós-consumo em razão do risco intrínseco do produto é o das embalagens de agrotóxicos, ou, como preferem as empresas fabricantes, de defensivos agrícolas.

Por serem produtos tóxicos com alto risco à saúde humana e à integridade do meio ambiente a matéria foi regulamentada através da Lei n. 7.802/80 que dispõe sobre pesquisa, experimentação, produção, embalagem, rotulagem, transporte, destinação final dos resíduos e embalagens, dentre outros tópicos ligados a este assunto.

Para os fins desta lei consideram-se agrotóxicos os produtos e os agentes de processos físicos, químicos ou biológicos, destinados ao uso nos setores de produção, no armazenamento e beneficiamento de produtos agrícolas, nas pastagens, na proteção de florestas, nativas ou implantadas, e de outros ecossistemas e também de ambientes urbanos, hídricos e industriais, cuja finalidade seja alterar a composição da flora ou da fauna, a fim de preservá-las da ação danosa de seres vivos considerados nocivos.

No que se refere à responsabilidade pós-consumo a Lei n. 7.802/89 determinou ser obrigação dos usuários de agrotóxicos (consumidores) efetuar a devolução das embalagens vazias dos produtos aos estabelecimentos comerciais em que foram adquiridos, no prazo de até um ano contado da data da compra, ou prazo superior se autorizado pelo órgão registrante (art. 6º, § 2º).

No caso do produto não ser fabricado no país, a responsabilidade pelo recebimento das embalagens passa a ser do importador.

Fechando o ciclo ficou determinado às empresas produtoras e comercializadoras de agrotóxicos a responsabilidade pela destinação das embalagens vazias dos produtos por elas fabricados e comercializados, após a devolução pelos usuários, e pela dos produtos apreendidos pela ação fiscalizatória e dos impróprios para utilização ou em desuso.

Tais embalagens ou produtos devem ser reutilizados, reciclados ou inutilizados, obedecidas as normas e instruções dos órgãos registrantes e sanitário-ambientais competentes.

Portanto, trata-se de responsabilidade pós-consumo compartilhada entre consumidores, comerciantes e fabricantes de agrotóxicos, competindo aos primeiros a devolução de forma adequada e aos demais o recolhimento e destinação final de tais embalagens ou produtos.

VI.4 - CONTROLE DE POLUIÇÃO DE VEÍCULOS

Em uma primeira leitura, muitos podem imaginar que a responsabilidade pós-consumo somente é aplicável para o gerenciamento dos resíduos sólidos. É certo que a maior parte dos casos é justamente voltada a estas hipóteses.

Contudo, também ocorre a responsabilidade pós-consumo em outros casos, como da emissão de poluição para os veículos automotores.

Também neste caso a ligação entre os danos causados e o consumo de massa é estreita, uma vez que, com o crescimento do número de veículos por habitantes e com o sucateamento do transporte público, a poluição causada pelo uso de veículos automotores é uma das grandes preocupações ambientais, principalmente nos grandes centros.

Na região metropolitana de São Paulo os veículos são responsáveis por 98% da emissão de monóxido de carbono, 97% dos hidrocarbonetos e 96% dos óxidos de nitrogênio, além de serem importantes contribuintes na emissão de dióxido de enxofre e material particulado inalável (ASSUNÇÃO, 2004, p. 115).

Esta poluição causa aproximadamente 800.000 mortes por ano em todo o mundo, e as suas partículas podem ser precipitadas a milhares de quilômetros de distância do seu ponto de origem. A acidificação resultante está causando danos significativos a sistemas naturais, culturais e plantações e estruturas desenvolvidas pelo homem, diminuindo a produtividade de florestas, pesca e lavouras, além de ser grande contribuinte do efeito estufa (GOLDEMBERG, 2003, p. 174).

Na tentativa de amenizar os problemas decorrentes do uso destes veículos a Lei Federal n. 8.723/93 estabeleceu o princípio da responsabilidade pós-consumo para fabricantes de automóveis e combustíveis, tendo seu artigo 1°, determinado:

"Art. 1° Como parte integrante da Política Nacional de Meio Ambiente, os fabricantes de motores e veículos automotores e os fabricantes de combustíveis ficam obrigados a tomar as providências necessárias para reduzir os níveis de emissão de monóxido de carbono, óxidos de nitrogênio, hidrocarbonetos, álccois, aldeídos, fuligem, material particulado e outros compostos poluentes nos veículos comercializados no País, enquadrando-se aos limites fixados nesta Lei e respeitando, ainda, os prazos nela estabelecidos."

Nos demais artigos a lei estabelece limites máximos de emissão e prazos para a redução nos novos veículos fabricados.

Defendemos que este é um caso de responsabilidade pós-consumo porque as empresas fabricantes de veículos e combustíveis não são as responsáveis diretas pela emissão que sai da queima deste material e utilização destas máquinas, mas sim o consumidor que adquire o veículo.

É diferente de uma fábrica que responde diretamente pela poluição que sai de suas chaminés. No caso em estudo, os fabricantes de combustíveis e veículos estão sendo responsabilizados na fase pós-consumo.

O fundamento para a aplicação deste tipo de responsabilidade na hipótese vertente é justamente o consumo em massa do produto, uma vez que um único veículo não causa poluição relevante, mas, a junção de milhões deles é fator significativo na perda da qualidade do ar.

Desta forma, como fabricantes de veículos, motores e combustíveis têm por obrigação adotar medidas para que seus produtos, após a relação de consumo, sejam menos poluentes, entendemos ser esta também hipótese de responsabilidade pós-consumo.

Registre-se que, neste caso, a despeito de ser aplicável a terminologia "responsabilidade pós-consumo", não é o caso de logística reversa, já que não se trata de recolher o produto para retornar ao fabricante, mas, simplesmente, uma responsabilidade dele em relação ao seu produto após a venda.

VI.5 - ÓLEO LUBRIFICANTE

A responsabilidade pós-consumo no caso do óleo lubrificante é regulamentada desde o ano de 1993 através da Resolução CONAMA 09, posterioremente revogada pela Resolução CONAMA n. 362, de 23 de junho de 2005.

Aplica-se o princípio a este produto com fundamento nos dois pressupostos: periculosidade intrínseca do produto e consumo em massa. Segundo a NBR 10004 elaborada pela Associação Brasileira de Normas Técnicas – ABNT, tal produto foi classificado como resíduo perigoso por apresentar toxicidade. Não bastasse isto, o consumo deste produto é elevadíssimo – pois é utilizado em todos os veículos automotores - motivo pelo qual se caracteriza o consumo em massa.

A exemplo do que ocorre com os agrotóxicos, neste caso também há responsabilidade compartilhada entre consumidores (denominados geradores), revendedores e fabricantes ou importadores, competindo em linhas gerais ao consumidor a entrega aos postos revendedores, enquanto aos fabricantes e importadores compete a destinação final adequada do produto.

Os fabricantes e importadores poderão contratar empresas coletoras (devidamente autorizadas e licenciadas) deste material, ficando, contudo, solidariamente responsáveis com aquelas pelos danos causados.

Segundo o artigo 3º da resolução, todo óleo lubrificante usado ou contaminado deverá ser recolhido, coletado e ter destinação final adequada, devendo ser preferencialmente reciclado pelo sistema de rerrefino.

É vedado o descarte dos óleos usados ou contaminados em solos, subsolos, nas águas interiores, no mar territorial, na zona econômica exclusiva e nos sistemas de esgoto ou evacuação de águas residuais, bem como a incineração ou combustão.

Sobre o autor
Luciano Furtado Loubet

Pós-Graduado em Direito Ambiental pela UNIDERP – Universidade para o Desenvolvimento da Região do Pantanal. Promotor de Justiça no Estado de Mato Grosso do Sul. Ex-Juiz de Direito no Estado do Acre. Especialista em Direito Tributário pelo IBET – Instituto Brasileiro de Estudos Tributários.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LOUBET, Luciano Furtado. Logística reversa (responsabilidade pós-consumo) frente ao Direito Ambiental brasileiro.: Implicações da Lei nº 12.305/2010. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2802, 4 mar. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/18617. Acesso em: 23 dez. 2024.

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