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Logística reversa (responsabilidade pós-consumo) frente ao Direito Ambiental brasileiro.

Implicações da Lei nº 12.305/2010

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Agenda 04/03/2011 às 07:56

VII – APLICAÇÃO DA LOGÍSTICA REVERSA AOS CASOS AINDA NÃO REGULAMENTADOS, PREVISTOS OU NÃO PREVISTOS NA LEI DE RESÍDUOS SÓLIDOS - REGRA GERAL DE APLICAÇÃO: PERICULOSIDADE DO PRODUTO (INTRÍNSECA E POR CONSUMO EM MASSA)

Ao tratar da questão dos resíduos sólidos, impõe-se analisar de quem é a obrigação geral de recolhê-los e tratá-los adequadamente.

A regra geral é a de que é o consumidor – como proprietário daquele produto – o responsável pelo mesmo, devendo, também, ser responsabilizado pela sua destinação final, por força do disposto no Código Civil e no Código Comercial (PEDRO, 2001, documento de internet).

Cabendo aos cidadãos a responsabilidade pelos produtos por eles adquiridos, incumbe ao Poder Público o tratamento destes resíduos, uma vez que arrecada tributos justamente para prestar serviços públicos, dentre eles, o de tratamento de lixo ou de combate à poluição.

Sobre o ente responsável pela coleta e tratamento dos resíduos sólidos, hoje, resta claro ser o Poder Público Municipal o titular deste serviço/obrigação, isto porque o artigo 23, incisos VI e VII, da Constituição Federal prevê que:

"Art. 23. É competência comum das União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios:

(...)

VI – Proteger o Meio Ambiente e combater a poluição em qualquer de suas formas".

VII – Preversar as florestas, a fauna e a flora."

A seu turno, dispõe o artigo 30, inciso V da Carta Magna:

"Art. 30. Compete ao Município:

(...)

V – Organizar e prestar, diretamente ou sob o regime de concessão ou permissão, os serviços públicos de interesse local, incluído o de transporte coletivo, que tem caráter essencial."

No que tange à coleta de lixo, fácil é a constatação de que se trata de atividade com repercussões locais, o que justifica a competência municipal na correta consecução de tal serviço público.

Com efeito, leciona o saudoso mestre HELY LOPES MEIRELLES que: "a limpeza das vias e logradouros públicos é, igualmente, serviço de interesse local, de suma importância para a coletividade" (2003, p. 348)

Por outro lado, a Lei da Política Nacional dos Resíduos Sólidos (Lei Federal n. 12.305/2010) estabelece expressamente ser obrigação do Município o serviço de coleta e tratamento dos resíduos sólidos. É o que se extra do artigo 10 da norma:

"Art. 10. Incumbe ao Distrito Federal e aos Municípios a gestão integrada dos resíduos sólidos gerados nos respectivos territórios, sem prejuízo das competências de controle e fiscalização dos órgãos federais e estaduais do Sisnama, do SNVS e do Suasa, bem como da responsabilidade do gerador pelo gerenciamento de resíduos, consoante o estabelecido nesta Lei."

Assim, é evidente o seguinte: a responsabilidade imediata pelo produto consumido é do consumidor, proprietário daquele bem que não pode depositá-lo em qualquer lugar. Já em uma visão coletiva, a responsabilidade pela coleta e tratamento adequado dos resíduos sólidos é do Poder Público Municipal, conforme expressamente previsto na Constituição e na Lei de Resíduos Sólidos.

Assim, impõe-se analisar qual o critério que rompe com esta regra geral, transferindo-o ao empreendedor (e via reflexa ao consumidor, em razão da incorporação deste custo no preço final).

Ao abordar o tema a professora Annelise Monteiro Steigleder (2004, p. 204-205) aponta que o sistema brasileiro, embora ainda vacilante, abre-se para a possibilidade de ampliação das hipóteses de responsabilização, dentre elas a da responsabilidade pós-consumo, imposta a algumas determinadas fontes geradoras em virtude do fator de risco intrínseco ao produto.

É este o ponto principal no qual se baseia a responsabilidade pós-consumo: o fator de risco oriundo do produto. Todavia, além do risco intrínseco apontado pela professora (como nos casos de produtos perigosos, venenosos, etc...), também há aqueles casos decorrentes do risco em razão do consumo de massa do produto, que leva a um volume enorme de resíduos que colocam em risco o meio ambiente e a sadia qualidade de vida (pneus, garrafas pet, queima de combustível, etc...).

Fica evidenciado, assim, que é o risco anormal que rompe a regra geral segundo a qual cabem à sociedade os custos pela destinação final dos resíduos de produtos por ela consumidos, passando-se aos empreendedores este ônus.

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Em todos os casos de responsabilidade pós-consumo já regulamentados – abordados no item anterior – há a presença do fator de risco, seja em razão da periculosidade do produto (agrotóxicos), seja em razão do consumo de massa (pneus e combustíveis), isto quando não estão presentes ambos os casos (baterias, óleo lubrificante, etc...).

Sendo o princípio da responsabilidade pós-consumo corolário do princípio do poluidor-pagador, e estando este implicitamente previsto na Constituição Federal (art. 170, IV) e explicitamente na Declaração do Meio Ambiente e Desenvolvimento (princípio 16), é juridicamente possível e politicamente desejável que seja o mesmo aplicado para todos os casos em que haja risco acima da normalidade, seja pela característica do produto, seja pelo consumo em massa e, principalmente, quando ambos os motivos ensejadores desta responsabilidade estejam presentes.

Desta forma, serão abordados alguns exemplos – sem pretensão de esgotá-los – da existência de risco e possibilidade de aplicação deste princípio em casos ainda não regulamentados.

Para delinear a aplicação da responsabilidade pós-consumo em casos de periculosidade intrínseca do produto é possível utilizar como baliza a noção de resíduos perigosos já existentes no Direito Ambiental, previstos no Artigo 13, II, a, da Lei de Resíduos Sólidos, os quais geralmente têm características de inflamabilidade, corrosividade, reatividade, toxicidade e patogenicidade.

O Dicionário de Direito Ambiental coordenado por William Freire e Daniela Lara Martins (2003, p. 339), apresenta a seguinte definição para estes produtos:

"Resíduo ou mistura de resíduos que, devido à sua quantidade e às suas características físicas, químicas e biológicas, podem apresentar perigo à saúde humana e à fauna e flora, podendo prejudicar substancialmente o meio ambiente ou causar danos ás construções e equipamentos. Podem ocorrer em estados sólido, líquido ou gasoso. Usualmente, são explosivos, tóxicos, corrosivos ou radioativos. Requerem cuidados adequados na sua manipulação, desde o acondicionamento ao transporte, tratamento e disposição final, devendo ser estabelecidos por lei."

A classificação deste tipo de resíduo foi abordada no item III e tem relevância para o estudo da questão justamente porque todos os produtos que tenham em sua composição a presença de algum material deste tipo em concentrações que possam causar perigo à vida ou à saúde humana, ou, ainda, ao meio ambiente, devem necessariamente ser de responsabilidade de seu fabricante, ainda que esta obrigação não esteja expressamente regulamentada, por força da simples aplicação do princípio da responsabilidade pós-consumo (logística reversa).

A Lei da Política Nacional dos Resíduos Sólidos já trouxe pelo menos três casos expressos de aplicação da logística reversa que ainda não estão regulamentados a nível infra-legal.

O primeiro deles é o das embalagens de óleo lubrificantes. Pelo que se sabe, toda a regulamentação do tema estava adstrita à logística reversa aplicada aos óleos lubrificantes em si, mas, não se havia disposição expressa legal para que os fabricantes também fossem obrigados a recolher as embalagens destes produtos.

Ocorre que estas embalagens também devem ser de responsabilidade dos fabricantes, já que além de serem de difícil decomposição, em razão da sua composição plástica, invariavelmente ficam contaminadas com os resíduos de óleo que nelas permanecem.

Contudo, como se trata de consumo em massa, agravado pela periculosidade da permanência de resíduo de óleo em seu interior, entendemos ser caso de aplicação do princípio da responsabilidade pós-consumo independentemente de regulamentação, até porque está agora expresso na Lei de Resíduos Sólidos, em seu artigo 33, inciso IV.

Outra situação de extrema preocupação é a dos Equipamentos Elétrico e Eletrônicos (EEE), sendo que neste caso a situação de risco existe com base nos dois fundamentos já aludidos: a periculosidade do produto e o consumo em massa.

Os Equipamentos Elétrico e Eletrônicos (EEE) são aqueles que utilizamos no dia a dia tais como televisores, brinquedos eletrônicos, rádios, computadores, telefones celulares, e muitos outros. O volume destes equipamentos descartados cotidianamente é imenso, sendo que na Europa estima-se que oito milhões de toneladas destes equipamentos são descartados todos os anos (ASSIS GUIMARÃES, 2006, documento de internet) .

Com o surgimento a cada dia de novas tecnologias e o custo para reparos destes aparelhos ser maior do que as vantagens de aquisição de outro novo, o número de EEE descartados vem aumentando vertiginosamente, situação esta que por si só já representa um risco, justificando a aplicação do princípio da responsabilidade pós-consumo, para que os fabricantes e importadores sejam responsabilizados pela coleta e destinação final destes equipamentos.

Contudo, além de representar um consumo em volume que já representa perigo ao meio ambiente e à saúde humana, estes aparelhos também contêm substâncias perigosas em seus componentes, o que agrava ainda mais a situação (RODRIGUES, 2006, documento de internet).

A mesma autora ressalta o perigo do depósito destes componentes em aterros controlados, pois a maioria deles não está aparelhada para eliminar totalmente os materiais perigosos existentes neste tipo de aparelho. Muito mais grave é o caso daqueles depositados em aterros não controlados, em que o risco de contaminação de solo e lençol freático é extremamente elevado (CÁSSIA RODRIGUES, 2006).

Outros países já aplicam este princípio aos EEE, como é o caso da União Européia, que com a diretiva 2002/96/CE, estabeleceu ser obrigação dos fabricantes em recolher tais produtos (CÁSSIA RODRIGUES, 2006).

A necessidade de aplicação do princípio da responsabilidade pós-consumo no caso dos EEE evidencia-se, portanto, com base nos dois fundamentos acima apontados: periculosidade intrínseca do produto e volume excessivo decorrente do consumo de massa.

Assim, justifica-se a presença da obrigação de logística reversa aos EEE, conforme determinado no artigo 33, VI, da Lei de Resíduos Sólidos.

Não só os equipamentos eletrônicos representam perigo, mas também as lâmpadas fluorescentes – tão utilizadas atualmente – são um problema ambiental sério, colocando em risco não só os ecossistemas, mas também a saúde humana.

Estima-se que anualmente no Brasil quarenta milhões de lâmpadas fluorescentes sejam descartadas (www.apliquim.com.br, acesso em 20/06/2006), fator este que representa um perigo à saúde e ao meio ambiente, uma vez que as mesmas são compostas de vapores de mercúrio que caso inalados ou ingeridos podem contaminar o ser humano.

Da mesma forma, o rompimento destas lâmpadas em aterros pode contaminar o solo e o lençol freático, vindo, inclusive a incorporar-se à cadeia alimentar (www.apliquim.com.br, acesso em 20/06/2006) já que o mercúrio é acumulativo nos organismos.

Portanto, digno de elogios a determinação legal prevista no artigo 33, V, da Lei dos Resíduos Sólidos sobre a aplicação da logística reversa às lâmpadas.

É necessário reconhecer que a Lei de Resíduos Sólidos trouxe alguns casos de aplicação imediata pelo só efeito desta Lei, mas, deixou em aberto, a possibilidade de ampliação para outros casos, conforme se percebe da redação do parágrafo primeiro, do artigo 33.

Portanto, é de se reconhecer que o rol de produtos sujeitos à logística reversa é meramente exemplificativo na lei, podendo ser ampliado para outros sem nenhum problema.

No caso das embalagens plásticas (garrafas pet) expressamente citadas como passíveis de aplicação da logística reversa em um segundo momento, entende-se ser necessária sua implementação imediata, dada a periculosidade do produto em razão do consumo em massa.

O volume anual no Brasil de garrafas PET chega a 350 mil toneladas/ano (www.plástico.com.br, acesso em 20/06/2006). Ou seja, todo este volume – salvo a parte reciclada – irá parar nos aterros controlados ou não, isto quando não despejado diretamente em terrenos baldios, rios, lagos, etc...

Portanto, este é um exemplo de necessidade de aplicação da responsabilidade pós-consumo em razão do risco provocado pelo consumo em massa do produto. Observe-se que a embalagem em si não possui risco intrínseco, mas, juntadas aos milhares passam a colocar em risco a saúde humana e o equilíbrio ambiental.

Sobre esta questão o Professor Saint-Clair Honorato Santos (2002, p. 349), procedeu a seguinte lição:

"Aquele que lucra com a atividade deve arcar com as conseqüências do seu negócio, por isso entendemos que as embalagens devem ser devolvidas aos fabricantes, como sempre ocorreu com os vasilhames de vidro, assim os postos de compra seriam os postos de recebimento, com a mesma simplicidade do que sempre se praticou. O que está acontecendo é que não se está atribuindo esta responsabilidade às empresas para que recebam suas embalagens."

Este é um caso evidente de uma externalidade ambiental que deve ser internalizada, aplicando-se os princípios do poluidor-pagador e da responsabilidade pós-consumo, sob pena de toda a sociedade ter que arcar com o ônus de milhões de embalagens jogadas ao meio ambiente, enquanto os empreendedores ficam com o bônus do lucro.

Pois bem, com este mesmo raciocínio, justifica-se sustentar que tal situação deve ser aplicável também ao óleo de cozinha utilizado no país, pois, segundo estudos, cada litro de óleo de cozinha usado tem potencial para contaminar milhares de litros de água.

Além do mais, este óleo de cozinha quando depositado indevidamente na rede de esgoto, causa entupimento do encanamento, poluição dos recursos hídricos, além de elevar os custos do tratamento do esgoto.

Por outro lado, são consumidos anualmente 03 bilhões litros de óleo de cozinha (informações da Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais), o que justifica a aplicação da logística reversa pela periculosidade do produzo em razão do consumo em massa.

Note-se que, como a logística reversa (aspecto prático do princípio da responsabilidade pós-consumo) é decorrente do princípio do poluidor pagador, previsto na Constituição e na Legislação Federal do país, também pode ser aplicada a outros produtos não mencionados expressamente no artigo 33, já que, como dito, o mesmo foi exemplificativo e não taxativo em seu rol, mesmo se não houver menção expressa ao mesmo no dispositivo legal.

Por fim, um último caso que pode-se defender a aplicação da logística reversa (sem prejuízo de vários outros que poderiam ser citados), é a situação do produto conhecido como "ascarel". O ascarel é um óleo utilizado para refrigeração de sistemas elétricos (atualmente proibido pela Portaria Interministerial n. 19, de 29 de janeiro de 1981), cuja toxidade é extremamente alta e pode causar sérios riscos à saúde humana e ao meio ambiente.

Como aponta Paulo Bessa Antunes (2002, p. 542), apesar da portaria em questão haver proibido a utilização e fabricação de ascarel e produtos congêneres em território nacional, não deu solução ao imenso passivo ambiental decorrente dos transformadores e aparelhos elétricos que ainda utilizam este tipo de óleo.

Para que se tenha a dimensão do problema, recorde-se o acidente ocorrido no mês de agosto de 1988 no Rio Paraíba do Sul em Barra do Piraí, Rio de Janeiro, em que o derramamento de apenas 300 litros deste óleo no curso d´água paralisou o abastecimento de água de uma população de cinco milhões de pessoas durante três dias (ANTUNES, 2002, p. 542-543).

Parece ser este um caso evidente de aplicação do princípio da responsabilidade pós-consumo independentemente de qualquer regulamentação, para que se obriguem os fabricantes destes produtos a recolhê-los e dar-lhes destinação adequada.

Sobre o autor
Luciano Furtado Loubet

Pós-Graduado em Direito Ambiental pela UNIDERP – Universidade para o Desenvolvimento da Região do Pantanal. Promotor de Justiça no Estado de Mato Grosso do Sul. Ex-Juiz de Direito no Estado do Acre. Especialista em Direito Tributário pelo IBET – Instituto Brasileiro de Estudos Tributários.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LOUBET, Luciano Furtado. Logística reversa (responsabilidade pós-consumo) frente ao Direito Ambiental brasileiro.: Implicações da Lei nº 12.305/2010. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2802, 4 mar. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/18617. Acesso em: 5 nov. 2024.

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