VIII – INSTRUMENTOS PARA APLICAÇÃO DA LOGÍSTICA REVERSA
VIII. 1 – EXIGÊNCIA DA LOGÍSTICA REVERSA POR VIA DE LEI FEDERAL PRÓPRIA, LEGISLAÇÃO ESTADUAL E MUNICIPAL, DECRETOS DO EXECUTIVO E RESOLUÇÕES DE ÓRGÃOS COLEGIADOS AMBIENTAIS
Conforme apontado acima, o princípio da responsabilidade pós-consumo (do qual a logística reversa é sua faceta prática) é corolário do princípio do usuário pagador, ou seja, é a inclusão de uma externalidade ambiental ao ciclo do produto.
Por outro lado, o princípio do usuário pagador é um princípio implícito de Direito Constitucional Ambiental, conforme já abordado em item anterior.
Portanto, não há dúvidas que se pode extrair como princípio constitucional ambiental implícito o princípio da responsabilidade pós-consumo e, como já apontado anteriormente, sendo esta uma obrigação constitucional exigível nos casos dos pressupostos já estudados (periculosidade intrínseca do produto ou em decorrência do consumo de massa), pode ela ser exigida diretamente pelos órgãos responsáveis – inclusive judicialmente – independentemente de haver ou não uma regulamentação em nível legal ou infra-legal.
Relativamente à implantação de logística reversa por meio de Lei Federal, Decreto do Executivo Federal e Resoluções de órgãos colegiados, remete-se o leitor ao item já analisado quando do tema dos produtos já regulamentados, mais especificamente quando se tratou da regulamentação a respeito da logística reversa das pilhas e baterias.
Já no que pertine à possibilidade de exigência por Leis ou Regulamentos Estaduais ou Municipais, é de analisar, inicialmente, o artigo 23 e 24 da Constituição Federal:
"Art. 23. É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios:
...
VI - proteger o meio ambiente e combater a poluição em qualquer de suas formas;
VII - preversar as florestas, a fauna e a flora;"
"Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre:
...
V – produção e consumo;
VI - florestas, caça, pesca, fauna, conservação da natureza, defesa do solo e dos recursos naturais, proteção do meio ambiente e controle da poluição;
VII - proteção ao patrimônio histórico, cultural, artístico, turístico e paisagístico;
VIII - responsabilidade por dano ao meio ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico;"
"Art. 30. Compete aos Municípios:
I - legislar sobre assuntos de interesse local;
II - suplementar a legislação federal e a estadual no que couber;"
Portanto, a proteção ao meio ambiente, o combate à poluição e a regulamentação da produção e consumo, tanto em âmbito material, quanto em âmbito legislativo é de competência das três esferas da federação (União, Estados e Município), motivo pelo qual a todos eles é possível prever a implementação da logística reversa.
Em relação aos Municípios então, com ainda maior justificativa, uma vez que, como apontado acima, é inegável ser ele o responsável pela coleta e tratamento dos resíduos sólidos – já que se trata de serviço público local, cuja atribuição municipal foi expressamente reconhecida na Lei de Resíduos Sólidos (art. 10) – sendo evidente que poderá traçar as regras pertinentes a tais temas, seja por meio de lei, decreto ou resolução de órgão colegiado de meio ambiente.
Sobre a competência concorrente para legislar sobre meio ambiente, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal já se posicionou:
"PROTEÇÃO AO MEIO AMBIENTE – CONTROLE DA POLUIÇÃO – COMPETÊNCIA CONCORRENTE DO ESTADO PARA LEGISLAR – CONSTITUIÇÃO FEDERAL, ART. 24, INC. VI – A competência legislativa da União para baixar normas gerais sobre a defesa e proteção da saúde, a abranger as relativas ao meio ambiente, não exclui a dos Estados para legislar supletiva e complementarmente sobre a matéria, desde que respeitadas as linhas ditadas pela União. Prevalência da legislação estadual, editada com base na regra de competência ditada pela Carta Federal. O exame da validade das normas locais frente às federais (Lei nº 6.938/81) não pode ser feito no âmbito do recurso extraordinário, por extrapolar o contencioso constitucional. Precedentes das duas Turmas do STF."
O Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro também assim já se posicionou:
(TJRJ – AC 15071/1999 – (31082000) – 13ª C.Cív. – Rel. Des. Azevedo Pinto – J. 08.06.2000)"EMBARGOS A EXECUÇÃO FISCAL – DANO AMBIENTAL – MULTA – COMPETÊNCIA LEGISLATIVA DA UNIÃO – COMPETÊNCIA LEGISLATIVA DOS ESTADOS E MUNICÍPIOS – EXCLUSÃO – INOCORRÊNCIA – Apelação. Embargos `a execução fiscal. Meio ambiente. Multa aplicável por violação de norma. CF 88. Art. 24, par. 1. e 23, VI. Competência da União para legislar sobre meio ambiente que não exclui a dos Estados-Membros e Municípios. Legislação Estadual que, regulamentando a questão do meio ambiente, tem incidência no caso de imposição de multa."
A doutrina especializada reforça este entendimento, nos termos da lição de Paulo de Bessa Antunes:
agir localmente, pensar globalmente." (Direito Anbiental, Ed. Lumen Juris, 6ª ed., p. 79-80)"O artigo 30 da Constituição Federal atribui aos Municípios competência para legislar sobre: assuntos de interesse local; suplementar a legislação federal e estadual no que couber; ...
Está claro que o meio ambiente está incluído dentre o conjunto de atribuições legislativas e administrativas municipais e, em realidade, os Municípios formam um elo fundamental na complexa cadeia de proteção ambiental. A importância dos Municípios é evidente por si mesma, pois as populações e as autoridades locais re~unem amplas condições de bem conhecer os problemas e mazelas ambientais de cada localidade, sendo certo que são as primeiras a localizar e identificar o problema. É através dos Municípios que se pode implementar o princípio ecológico de
Especificamente sobre flora, Paulo Affonso Leme Machado também reconhece como incontroversa a competência do Município:
(ob. Cit., p. 385)"Na Constituição anterior à de 1988, a competência para a legislação florestal era exclusiva da União. Mesmo àquela época, o Município tinha competência para legislar sobre a flora urbana. Atualmente, com a Constituição Federal em vigor, pacífica é a competência municipal para legislar sobre a flora como um todo e, portanto, especificamente sobre legislação florestal. Essa legislação, contudo, obedece ao sistema já anunciado, isto é, o Município deve seguir as normas gerais da União.
Constatado o interesse local, o Município tem o direito de legislar sobre a flora, mesmo quando a União e os Estados estiverem inertes sobre a matéria."
Registre-se que, tratando-se de competência concorrente ambiental, vige o princípio do in dubio pro natura, devendo prevalecer a lei mais restritiva, independentemente do ente federativo que a expediu. É esta a lição do Professor da Universidade Católica de Brasília, Paulo José Leite Farias:
fortiori ratione, fixar como diretriz exegética que os eventuais conflitos, nos quais a noção de norma geral e especial não seja suficiente, devem ser resolvidospela prevalência da norma que melhor defenda o direito fundamental tutelado, por tratar-se de preceito constitucional (lei nacional) que se impõe à ordem jurídica central ou regional (in dubio pro natura)."Pelos já citados §§ 1º e 4º do art. 24, pelo art. 225 da Constituição, bem como pela indefinição do que seja norma especial, deve-se,
Assim, o princípio
in dubio pro natura deve constituir um princípio inspirador da interpretação. Isto significa que, nos casos em que não for possível uma interpretação unívoca, a escolha deve recair sobre a interpretação mais favorável à proteção ambiental.Fica assim solucionado o conflito em função da maior restritividade da legislação federal ou estadual,
caso não se possa distinguir com clareza que se trata de normas específicas ou gerais. Exemplificando, a proibição regional ou local da pesca de determinadas espécies deve prevalecer sobre a norma federal que não preveja tal situação." (FARIAS, Paulo José. Competência Federativa e Proteção Ambiental, Ed. Sério Antônio Fabris, 1999, p. 356)Ao tratar sobre caso concreto de interesse local, o Professor e Desembargador Federal Vladimir Passos de Freitas cita exemplo interessante, inclusive citando a Cidade de Porto Murtinho, no Estado de Mato Grosso do Sul:
"A Constituição Federal estabelece no art. 24, inc. VI, que compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar, de forma concorrente, sobre pesca. No âmbito federal, acha-se em vigor o Código de Pesca (Decreto-lei 221, de 28.02.1967) e a Lei 7.679, de 21.11.1988. O art. 20 da lei municipal de Barra do Quarai é claro ao determinar que as penalidades decorrentes de infração à lei serão as mesmas dos arts. 4º, 5º e 6º da Lei 7.679, de 23.11.1988. Na esfera estadual, a Lei 10.164, de 11.05.1994, dispõe sobre a definição da pesca artesanal no território do Estado do Rio Grande do Sul. O decreto estadual 35.539, de 19.09.1994, que regulamentou a lei estadual, faz expressa referência no art. 7º à possibilidade de proibição de locais para pesca, à quantidade de pescado por habilitação, ao uso de petrechos e aos períodos de defeso.
Poderia o Município legislar a respeito? ....
Pois bem: a resposta no caso é sim. È verdade que existem leis da União e do Estado-membro. Todavia, são normas de natureza mais genérica, que não atendem à situação específica do município fronteiriço. São as pessoas da localidade que conhecem e enfrentam os problemas da pesca desenfreadas. São elas que sofrem os efeitos da diminuição de indivíduos, com direto efeito na alimentação da comunidade. Isso sem falar no fato de que a diminuição do pescado poderá resultar em diminuição das rendas com ausência de turistas na região.
Vale a pena, aqui, abrir um parêntese para citar um exemplo concreto da importância da pesca para o município. No Estado do Mato Grosso do Sul, o rio Paraguai separa a cidade de Porto Murtinho, no Brasil, e a de Islã Margarita, no país vizinho. No lado brasileiro, a pesca com rede é proibida; no lado paraguaio, não é. Segundo o jornal Correio do Estado, de 12.06.1998, o ministro paraguaio de Assuntos Econômicos Internacionais anunciou um acordo com o governo brasileiro, liberando o uso de rede. Tal fato é causa de enorme preocupação na cidade brasileira, porque a principal fonte de turismo local é a pesca amadora, que se vê fortemente ameaçada diante da pesca predatória praticada pelos paraguaios. É evidente que, no caso, o interesse local é maior que o estadual e o federal.
Disso tudo conclui-se que a lei municipal de Barra do Quarai é constitucional e baseia-se no art. 30, inc. I, da Lei Maior, especificamente no item ‘interesse local’. Trata-se de lei suplementar. Não se daria o mesmo se a lei municipal fosse mais concessiva que o diploma federal e o estadual. Aí certamente incorreria em inconstitucionalidade, pois estaria o município invadindo área de competência alheia e autorizando aquilo já estava proibido por aqueles que detêm competência constitucional para legislar. No entanto, sendo mais restritiva a lei municipal, ela em nada está a afrontar os textos dos demais entes políticos; ao contrário, está protegendo o meio ambiente e sensibilizando a comunidade para a importância da preversação dos pescados. Essa me parece a inteligência do dispositivo constitucional."
Portanto, é plenamente possível a implementação da logística reversa por meio de leis, decretos ou resoluções – sejam Federais, Estaduais ou Municipais – sendo que, como exemplo de obrigação de logística reversa não prevista ou regulamentada pela Legislação Federal, mas sim em Leis Estaduais, citem-se as Leis n. 2.222/01, 3.185/06 e 3.970/10 do Estado de Mato Grosso do Sul, que exigem este sistema para garrafas e embalagens plásticas, pilhas e lâmpadas e lixo tecnológico, respectivamente.
VIII.2 - EXIGÊNCIA DA LOGÍSTICA REVERSA NO PLANO DE GERENCIAMENTO DE RESÍDUOS SÓLIDOS, DURANTE O LICENCIAMENTO AMBIENTAL
Pertinente ao ponto da logística reversa é a análise de sua exigência nos planos de gerenciamento de resíduos sólidos que devem ser levados a efeito por alguns geradores, sendo que tal análise deverá ser feita no âmbito do processo de licenciamento ambiental.
A obrigatoriedade do licenciamento ambiental de atividades potencialmente poluidoras decorre diretamente do princípio constitucional da prevenção, pois é neste procedimento que se verificam os impactos da atividade e a forma de evitá-los ou mitigá-los.
Note-se que o princípio da prevenção decorre diretamente da Carta Magna (art. 225), "haja vista a inserção de vários mecanismos preventivos do dano ambiental, como a) o dever de exigência do estudo prévio de impacto ambiental pelos órgãos públicos ambientais; b) a previsão de participação popular em audiência públicas, permitindo a discussão prévia à aprovação de atividades potencialmente degradadoras do meio ambiente; c) o dever estatal de controlar a produção, a comercialização e o emprego de técnicas, métodos e substâncias que comportem risco para a vida, a qualidade de vida e o meio ambiente; d) o dever estatal relativo à preversação – que só se alcança com a prevenção – dos processos ecológicos essenciais; e) a preversação da diversidade e da integridade do patrimônio genético, bem como a fiscalização das entidades dedicadas à pesquisa e manipulação de material genético" (GOMES, 2003, p. 188-189).
Assim, tratando-se de princípio constitucional, nem mesmo a legislação e muito menos a Administração Pública podem contrariá-lo, de sorte que qualquer ato precipitado que possa causar dano ao meio ambiente é passível de declaração de nulidade judicialmente por afrontar a Carta Magna.
Sobre a exigência do licenciamento ambiental, além de decorrer diretamente do princípio da prevenção-precaução, também decorre de texto legal, já que a Lei Federal nº 6.938/81, em seu artigo 10, dispõe que qualquer atividade potencialmente causadora de degradação ambiental, necessariamente deve possuir o licenciamento expedido pelo órgão estadual competente, nos termos da redação do dispositivo:
"Art. 10. A construção, instalação, ampliação e funcionamento de estabelecimentos e atividades utilizadoras de recursos ambientais, considerados efetiva e potencialmente poluidores, bem como os capazes, sob qualquer forma, de causar degradação ambiental, dependerão de prévio licenciamento por órgão estadual competente, integrante do Sistema Nacional do Meio Ambiente – SISNAMA e do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis – IBAMA, em caráter supletivo, sem prejuízo de outras licenças exigíveis."
O licenciamento ambiental, segundo o conceito da Resolução CONAMA 237/97, é "procedimento administrativo pelo qual o órgão ambiental competente licencia a localização, instalação, ampliação e a operação de empreendimentos e atividades utilizadores de recursos ambientais, consideradas efetiva ou potencialmente poluidoras ou daquelas que, sob qualquer forma, possam causar degradação ambiental, consideradas as disposições legais e regulamentares e as normas técnicas aplicáveis ao caso;" (art. 1º, I).
Segundo depreende-se do conceito normativo do licenciamento ambiental, o mesmo é um procedimento, ou seja, um encadeamento de atos com uma finalidade pré-definida.
Esta visão do licenciamento como um procedimento é essencial para a avaliação da responsabilidade dos envolvidos, já que a soma de condutas lesivas ao meio ambiente durante o transcurso de tais atos pode levar à responsabilização solidária dos agentes.
Tratando sobre licenciamento ambiental, o professor Paulo de Bessa Antunes (2002, p. 133-134) ensina o seguinte:
"O procedimento de licenciamento ambiental compreende a concessão de suas licenças preliminares e a licença final que o encerra. Estas licenças são:
I – Licença Prévia (LP), na fase preliminar do planejamento da atividade, contendo requisitos básicos a serem atendidos nas fases de localização, instalação e operação, observados os planos municipais, estaduais ou federais de uso do solo.
II – Licença de Instalação (LI), autorizando o início da implantação, de acordo com as especificações constantes do projeto executivo aprovado.
III – Licença de Operação (LO), autorizando, após as verificações necessárias, o início da atividade licenciada e o funcionamento de seus equipamentos de controle de poluição, de acordo com o previsto nas licenças prévia e de instalação."
Por outro lado, a Lei dos Resíduos Sólidos previu a exigência do plano de gerenciamento de resíduos sólidos como parte estrutural das políticas públicas de resíduos sólidos que serão criadas com base nos instrumentos previstos no artigo 14 da Lei:
Lei nº 10.650, de 16 de abril de 2003, e no art. 47 da Lei nº 11.445, de 2007.Art. 14. São planos de resíduos sólidos:
I - o Plano Nacional de Resíduos Sólidos;
II - os planos estaduais de resíduos sólidos;
III - os planos microrregionais de resíduos sólidos e os planos de resíduos sólidos de regiões metropolitanas ou aglomerações urbanas;
IV - os planos intermunicipais de resíduos sólidos;
V - os planos municipais de gestão integrada de resíduos sólidos;
VI - os planos de gerenciamento de resíduos sólidos.
Parágrafo único. É assegurada ampla publicidade ao conteúdo dos planos de resíduos sólidos, bem como controle social em sua formulação, implementação e operacionalização, observado o disposto na
Pois bem, tais planos – nacional, estaduais, microrregionais, intermunicipais e municipais – estão disciplinados entre os artigos 15 e 19 da Lei, sendo que, em seu âmbito poderão prever, descrever e traçar em minúcias as hipóteses de logística reversa, mesmo que tal previsão esteja expressa apenas para o Plano Municipal, conforme depreende-se do artigo 19, IV e XV:
Art. 19. O plano municipal de gestão integrada de resíduos sólidos tem o seguinte conteúdo mínimo:
...
IV - identificação dos resíduos sólidos e dos geradores sujeitos a plano de gerenciamento específico nos termos do art. 20 ou a sistema de logística reversa na forma do art. 33, observadas as disposições desta Lei e de seu regulamento, bem como as normas estabelecidas pelos órgãos do Sisnama e do SNVS;
...
XV - descrição das formas e dos limites da participação do poder público local na coleta seletiva e na logística reversa, respeitado o disposto no art. 33, e de outras ações relativas à responsabilidade compartilhada pelo ciclo de vida dos produtos;
Contudo, pertinente a esta parte do estudo, o importante é a análise dos planos de gerenciamento de resíduos sólidos, os quais deverão ser elaborados conforme determina o artigo 21:
Art. 21. O plano de gerenciamento de resíduos sólidos tem o seguinte conteúdo mínimo:
I - descrição do empreendimento ou atividade;
II - diagnóstico dos resíduos sólidos gerados ou administrados, contendo a origem, o volume e a caracterização dos resíduos, incluindo os passivos ambientais a eles relacionados;
III - observadas as normas estabelecidas pelos órgãos do Sisnama, do SNVS e do Suasa e, se houver, o plano municipal de gestão integrada de resíduos sólidos:
a) explicitação dos responsáveis por cada etapa do gerenciamento de resíduos sólidos;
b) definição dos procedimentos operacionais relativos às etapas do gerenciamento de resíduos sólidos sob responsabilidade do gerador;
IV - identificação das soluções consorciadas ou compartilhadas com outros geradores;
V - ações preventivas e corretivas a serem executadas em situações de gerenciamento incorreto ou acidentes;
VI - metas e procedimentos relacionados à minimização da geração de resíduos sólidos e, observadas as normas estabelecidas pelos órgãos do Sisnama, do SNVS e do Suasa, à reutilização e reciclagem;
VII - se couber, ações relativas à responsabilidade compartilhada pelo ciclo de vida dos produtos, na forma do art. 31;
VIII - medidas saneadoras dos passivos ambientais relacionados aos resíduos sólidos;
IX - periodicidade de sua revisão, observado, se couber, o prazo de vigência da respectiva licença de operação a cargo dos órgãos do Sisnama.
§ 1º O plano de gerenciamento de resíduos sólidos atenderá ao disposto no plano municipal de gestão integrada de resíduos sólidos do respectivo Município, sem prejuízo das normas estabelecidas pelos órgãos do Sisnama, do SNVS e do Suasa.
§ 2º A inexistência do plano municipal de gestão integrada de resíduos sólidos não obsta a elaboração, a implementação ou a operacionalização do plano de gerenciamento de resíduos sólidos.
§ 3º Serão estabelecidos em regulamento:
I - normas sobre a exigibilidade e o conteúdo do plano de gerenciamento de resíduos sólidos relativo à atuação de cooperativas ou de outras formas de associação de catadores de materiais reutilizáveis e recicláveis;
II - critérios e procedimentos simplificados para apresentação dos planos de gerenciamento de resíduos sólidos para microempresas e empresas de pequeno porte, assim consideradas as definidas nos
Nos termos do que se pode perceber do inciso, III, b, ao determinar que neste plano deve conter a "definição dos procedimentos operacionais relativos às etapas do gerenciamento de resíduos sólidos sob responsabilidade do gerador", está claro que, estando sujeito à logística reversa, é neste documento que deverá ser explicitada a situação e, na análise para aprovação do plano, o Poder Público poderá exigir que a mesma se efetive.
Registre-se que este plano faz parte do processo do licenciamento ambiental do empreendimento ou atividade, conforme previsto no artigo 24 da Lei:
Art. 24. O plano de gerenciamento de resíduos sólidos é parte integrante do processo de licenciamento ambiental do empreendimento ou atividade pelo órgão competente do Sisnama.
§ 1º Nos empreendimentos e atividades não sujeitos a licenciamento ambiental, a aprovação do plano de gerenciamento de resíduos sólidos cabe à autoridade municipal competente.
§ 2º No processo de licenciamento ambiental referido no § 1º a cargo de órgão federal ou estadual do Sisnama, será assegurada oitiva do órgão municipal competente, em especial quanto à disposição final ambientalmente adequada de rejeitos.
Assim, caso não haja uma regulamentação geral para a atividade que será exercida, mas, entendendo o órgão ambiental ser caso de exigência para o empreendimento da logística reversa, deverá tal situação ser prevista no plano e regulamentada na licença ambiental.
Por outro lado, para os empreendimentos já em atividade e que não houve exigência deste documento, deverá o órgão ambiental pedir complementação da licença ambiental para exigir o plano e incorporar sua aprovação nas condicionantes da licença ambiental expedida.
Contudo, impõe-se reconhecer que a exigência do plano de gerenciamento de resíduos sólidos não é exigível de todos os empreendimentos, mas só daqueles elencados no artigo 20 (resíduos de saneamento, industrial, saúde, mineração, perigosos, construção civil, etc...) – a despeito de poder ser exigido, conforme o caso necessite (inciso II, b). Mas, mesmo nos casos em que não estão expressamente abrangidos por tal artigo, entendemos que deverá a analisar durante o processo de licenciamento ambiental se não se afigura a hipótese de periculosidade do produto intrínseca ou pelo consumo em massa, caso em que, poderá ser exigida a logística reversa.
VIII.4 – EXIGÊNCIA DA LOGÍSTICA REVERSA VIA ACORDOS SETORIAIS E TERMOS DE COMPROMISSO DE AJUSTAMENTO DE CONDUTA
A Lei da Política Nacional de Resíduos Sólidos, previu em seu artigo 8º, XVI e XVIII, os acordos setoriais, os termos de compromisso e os termos de ajustamento de conduta como seus instrumentos. Confira-se:
Art. 8º São instrumentos da Política Nacional de Resíduos Sólidos, entre outros:
...
XVI - os acordos setoriais;
...
XVIII - os termos de compromisso e os termos de ajustamento de conduta;
Estes instrumentos poderão ser utilizados para implementação da logística reversa, conforme o artigo 33, § 1º e 3º já citados.
É importante registrar que – ainda que não abrangido certo produto ou embalagem pelo sistema da logística reversa – pode o Município tomar este compromisso com a finalidade de envolver fabricantes e comerciantes para participar de ações previstas no plano municipal de gestão integrada de resíduos sólidos, para fortalecer a responsabilidade compartilhada pela vida dos produtos, nos termos do artigo 31, IV:
Art. 31. Sem prejuízo das obrigações estabelecidas no plano de gerenciamento de resíduos sólidos e com vistas a fortalecer a responsabilidade compartilhada e seus objetivos, os fabricantes, importadores, distribuidores e comerciantes têm responsabilidade que abrange:
I - investimento no desenvolvimento, na fabricação e na colocação no mercado de produtos:
a) que sejam aptos, após o uso pelo consumidor, à reutilização, à reciclagem ou a outra forma de destinação ambientalmente adequada;
b) cuja fabricação e uso gerem a menor quantidade de resíduos sólidos possível;
II - divulgação de informações relativas às formas de evitar, reciclar e eliminar os resíduos sólidos associados a seus respectivos produtos;
III - recolhimento dos produtos e dos resíduos remanescentes após o uso, assim como sua subsequente destinação final ambientalmente adequada, no caso de produtos objeto de sistema de logística reversa na forma do art. 33;
IV - compromisso de, quando firmados acordos ou termos de compromisso com o Município, participar das ações previstas no plano municipal de gestão integrada de resíduos sólidos, no caso de produtos ainda não inclusos no sistema de logística reversa.
Assim, por exemplo, mesmo que não adotado integralmente o sistema de logística reversa (com a responsabilidade de recolhimento, tratamento e destinação final adequada das embalagens ou produtos fabricados/vendidos), pode o Município tomar este compromisso para atividades parciais, como pontos de colega e armazenamento de resíduos recicláveis (em supermercados, conveniências, etc...) ou pontos de recebimento e armazenagem de óleo de cozinha já usado (em restaurantes, supermercados, etc...).
Importante registrar que a legislação previu expressamente que estes compromissos são garantias mínimas e que prevalece, no que diz respeito ao meio ambiente, a obrigação mais restritiva de proteção. É o que se extrai do artigo 34:
Art. 34. Os acordos setoriais ou termos de compromisso referidos no inciso IV do caput do art. 31 e no § 1º do art. 33 podem ter abrangência nacional, regional, estadual ou municipal.
§ 1º Os acordos setoriais e termos de compromisso firmados em âmbito nacional têm prevalência sobre os firmados em âmbito regional ou estadual, e estes sobre os firmados em âmbito municipal.
§ 2º Na aplicação de regras concorrentes consoante o § 1º, os acordos firmados com menor abrangência geográfica podem ampliar, mas não abrandar, as medidas de proteção ambiental constantes nos acordos setoriais e termos de compromisso firmados com maior abrangência geográfica.
Portanto, percebe-se que os acordos com âmbito nacional têm prevalência sobre os firmados em âmbito regional ou estadual e estes sobre os de âmbito municipal. Contudo, no que concerne à proteção ambiental, vale a regra mais restritiva.
Fazendo-se uma analogia, pode ser entendido como a competência legislativa em matéria ambiental, em que a União traça normas gerais, os Estados suplementam e o Município estabelece aquelas com interesse local. Contudo, neste caso, é expresso que prevalece a norma mais restritiva (o que em relação à competência legislativa não é expresso – mas decorre da interpretação sistemática da Constituição Federal).
Assim, no que diz respeito ao funcionamento da logística reversa, suas linhas gerais, a forma de implementação, prevalecerá o acordo de âmbito maior (até porque, para que haja maior praticidade para as empresas terem uma forma só de atuação em todo o país ou estado, como ocorre com os agrotóxicos). Mas, em relação às metas (p. ex: percentagem de produtos a ser recolhidos), prazos (p. ex: para implementação) e regras de proteção ambiental (p. ex: condições de armazenamento), prevalecerá aquela mais restritiva, seja de âmbito nacional, estadual ou municipal.
Em âmbito federal, o Decreto n. 7.404/2010 estabeleceu o seguinte regramento para os acordos setoriais:
art. 33 da Lei nº 12.305, de 2010, das cooperativas ou outras formas de associações de catadores de materiais recicláveis ou reutilizáveis, das indústrias e entidades dedicadas à reutilização, ao tratamento e à reciclagem de resíduos sólidos, bem como das entidades de representação dos consumidores, entre outros."Art. 20. O procedimento para implantação da logística reversa por meio de acordo setorial poderá ser iniciado pelo Poder Público ou pelos fabricantes, importadores, distribuidores ou comerciantes dos produtos e embalagens referidos no art. 18.
§ 1º Os acordos setoriais iniciados pelo Poder Público serão precedidos de editais de chamamento, conforme procedimento estabelecido nesta Subseção.
§ 2º Os acordos setoriais iniciados pelos fabricantes, importadores, distribuidores ou comerciantes serão precedidos da apresentação de proposta formal pelos interessados ao Ministério de Meio Ambiente, contendo os requisitos referidos no art. 23.
§ 3º Poderão participar da elaboração dos acordos setoriais representantes do Poder Público, dos fabricantes, importadores, comerciantes e distribuidores dos produtos e embalagens referidos no
Art. 21. No caso dos procedimentos de iniciativa da União, a implantação da logística reversa por meio de acordo setorial terá início com a publicação de editais de chamamento pelo Ministério do Meio Ambiente, que poderão indicar:
I - os produtos e embalagens que serão objeto da logística reversa, bem como as etapas do ciclo de vida dos produtos e embalagens que estarão inseridas na referida logística;
II - o chamamento dos interessados, conforme as especificidades dos produtos e embalagens referidos no inciso I;
III - o prazo para que o setor empresarial apresente proposta de acordo setorial, observados os requisitos mínimos estabelecidos neste Decreto e no edital;
IV - as diretrizes metodológicas para avaliação dos impactos sociais e econômicos da implantação da logística reversa;
V - a abrangência territorial do acordo setorial; e
VI - outros requisitos que devam ser atendidos pela proposta de acordo setorial, conforme as especificidades dos produtos ou embalagens objeto da logística reversa.
§ 1º A publicação do edital de chamamento será precedida da aprovação, pelo Comitê Orientador, da avaliação da viabilidade técnica e econômica da implantação da logística reversa, promovida pelo grupo técnico previsto no § 3º do art. 33.
§ 2º As diretrizes metodológicas para avaliação dos impactos sociais e econômicos da implantação da logística reversa referidas no inciso IV do caput serão estabelecidas pelo Comitê Orientador.
Art. 22. No caso dos procedimentos de iniciativa dos fabricantes, importadores, distribuidores ou comerciantes, as propostas de acordo setorial serão avaliadas pelo Ministério do Meio Ambiente,consoante os critérios previstos no art. 28, que as enviará ao Comitê Orientador para as providências previstas no art. 29.
Art. 23. Os acordos setoriais visando a implementação da logística reversa deverão conter, no mínimo, os seguintes requisitos:
I - indicação dos produtos e embalagens objeto do acordo setorial;
II - descrição das etapas do ciclo de vida em que o sistema de logística reversa se insere, observado o disposto no
inciso IV do art. 3º da Lei nº 12.305, de 2010;III - descrição da forma de operacionalização da logística reversa;
IV - possibilidade de contratação de entidades, cooperativas ou outras formas de associação de catadores de materiais recicláveis ou reutilizáveis, para execução das ações propostas no sistema a ser implantado;
V - participação de órgãos públicos nas ações propostas, quando estes se encarregarem de alguma etapa da logística a ser implantada;
VI - definição das formas de participação do consumidor;
VII - mecanismos para a divulgação de informações relativas aos métodos existentes para evitar, reciclar e eliminar os resíduos sólidos associados a seus respectivos produtos e embalagens;
VIII - metas a serem alcançadas no âmbito do sistema de logística reversa a ser implantado;
IX - cronograma para a implantação da logística reversa, contendo a previsão de evolução até o cumprimento da meta final estabelecida;
X - informações sobre a possibilidade ou a viabilidade de aproveitamento dos resíduos gerados, alertando para os riscos decorrentes do seu manuseio;
XI - identificação dos resíduos perigosos presentes nas várias ações propostas e os cuidados e procedimentos previstos para minimizar ou eliminar seus riscos e impactos à saúde humana e ao meio ambiente;
XII - avaliação dos impactos sociais e econômicos da implantação da logística reversa;
XIII - descrição do conjunto de atribuições individualizadas e encadeadas dos participantes do sistema de logística reversa no processo de recolhimento, armazenamento, transporte dos resíduos e embalagens vazias, com vistas à reutilização, reciclagem ou disposição final ambientalmente adequada, contendo o fluxo reverso de resíduos, a discriminação das várias etapas da logística reversa e a destinação dos resíduos gerados, das embalagens usadas ou pós-consumo e, quando for o caso, das sobras do produto, devendo incluir:
a) recomendações técnicas a serem observadas em cada etapa da logística, inclusive pelos consumidores e recicladores;
b) formas de coleta ou de entrega adotadas, identificando os responsáveis e respectivas responsabilidades;
c) ações necessárias e critérios para a implantação, operação e atribuição de responsabilidades pelos pontos de coleta;
d) operações de transporte entre os empreendimentos ou atividades participantes, identificando as responsabilidades; e
e) procedimentos e responsáveis pelas ações de reutilização, de reciclagem e de tratamento, inclusive triagem, dos resíduos, bem como pela disposição final ambientalmente adequada dos rejeitos; e
XIV - cláusulas prevendo as penalidades aplicáveis no caso de descumprimento das obrigações previstas no acordo.
Parágrafo único. As metas referidas no inciso VIII do caput poderão ser fixadas com base em critérios quantitativos, qualitativos ou regionais.
Art. 24. Durante as discussões para a elaboração do acordo setorial, o grupo técnico a que se refere o § 3º do art. 33 poderá promover iniciativas com vistas a estimular a adesão às negociações do acordo, bem como realizar reuniões com os integrantes da negociação, com vistas a que a proposta de acordo setorial obtenha êxito.
Art. 25. Deverão acompanhar a proposta de acordo setorial os seguintes documentos:
I - atos constitutivos das entidades participantes e relação dos associados de cada entidade, se for o caso;
II - documentos comprobatórios da qualificação dos representantes e signatários da proposta, bem como cópia dos respectivos mandatos; e
III - cópia de estudos, dados e demais informações que embasarem a proposta.
Art. 26. As propostas de acordo setorial serão objeto de consulta pública, na forma definida pelo Comitê Orientador.
Art. 27. O Ministério do Meio Ambiente deverá, por ocasião da realização da consulta pública:
I - receber e analisar as contribuições e documentos apresentados pelos órgãos e entidades públicas e privadas; e
II - sistematizar as contribuições recebidas, assegurando-lhes a máxima publicidade.
Art. 28. O Ministério do Meio Ambiente fará a avaliação das propostas de acordo setorial apresentadas consoante os seguintes critérios mínimos:
I - adequação da proposta à legislação e às normas aplicáveis;
II - atendimento ao edital de chamamento, no caso dos processos iniciados pelo Poder Público, e apresentação dos documentos que devem acompanhar a proposta, em qualquer caso;
III - contribuição da proposta e das metas apresentadas para a melhoria da gestão integrada e do gerenciamento ambientalmente adequado dos resíduos sólidos e para a redução dos impactos à saúde humana e ao meio ambiente;
IV - observância do disposto no
art. 9º da Lei nº 12.305, de 2010, quanto à ordem de prioridade da aplicação da gestão e gerenciamento de resíduos sólidos propostos;V - representatividade das entidades signatárias em relação à participação de seus membros no mercado dos produtos e embalagens envolvidos; e
VI - contribuição das ações propostas para a inclusão social e geração de emprego e renda dos integrantes de cooperativas e associações de catadores de materiais reutilizáveis e recicláveis constituídas por pessoas físicas de baixa renda.
Art. 29. Concluída a avaliação a que se refere o art. 28, o Ministério do Meio Ambiente a enviará ao Comitê Orientador, que poderá:
I - aceitar a proposta, hipótese em que convidará os representantes do setor empresarial para assinatura do acordo setorial;
II - solicitar aos representantes do setor empresarial a complementação da proposta de estabelecimento de acordo setorial; ou
III - determinar o arquivamento do processo, quando não houver consenso na negociação do acordo.
Parágrafo único. O acordo setorial contendo a logística reversa pactuada será subscrito pelos representantes do setor empresarial e pelo Presidente do Comitê Orientador, devendo ser publicado no Diário Oficial da União."
É importante estabelecer que tais regras dizem respeito à Administração Pública Federal e não podem ser impostas a acordos setoriais tomados pelos Estados ou Municípios que, com base no princípio federativo, não podem se sujeitar às regras administrativas criadas pela União.
Já sobre o termo de compromisso, o Decreto Federal n. 7.404/2010, estabeleceu:
Art. 32. O Poder Público poderá celebrar termos de compromisso com os fabricantes, importadores, distribuidores ou comerciantes referidos no art. 18, visando o estabelecimento de sistema de logística reversa:
I - nas hipóteses em que não houver, em uma mesma área de abrangência, acordo setorial ou regulamento específico, consoante estabelecido neste Decreto; ou
II - para a fixação de compromissos e metas mais exigentes que o previsto em acordo setorial ou regulamento.
Parágrafo único. Os termos de compromisso terão eficácia a partir de sua homologação pelo órgão ambiental competente do SISNAMA, conforme sua abrangência territorial.
Resta a análise da natureza jurídica do acordo setorial e também do termo de compromisso previsto no artigo 8º. Sobre o acordo setorial, o conceito legislativo é o seguinte:
Art. 3º Para os efeitos desta Lei, entende-se por:
I - acordo setorial: ato de natureza contratual firmado entre o poder público e fabricantes, importadores, distribuidores ou comerciantes, tendo em vista a implantação da responsabilidade compartilhada pelo ciclo de vida do produto;
De uma leitura apressada do dispositivo pode-se chegar a conclusão equivocada de que se trata de um contrato típico com a administração pública (regido pela Lei n. 8.666/93) ou, até mesmo, regido pela legislação civil.
Contudo, não parece ser a visão mais acertada. Ocorre que a implementação da logística reversa decorre do princípio da responsabilidade pós-consumo, que, como dito, ocorrido seus pressupostos (periculosidade do produto – intrínseca ou pelo consumo de massa), é de implementação obrigatória por uma das vias até este momento apresentadas (inclusive, judicial, conforme apontar-se-á a seguir).
Portanto, não se trata de um acordo de vontades entre administrado e administração – e, por isto, não se pode ter a natureza contratual em sentido estrito. Em verdade, a natureza jurídica "contratual" deve ser interpretada como um acordo de vontade entre administrado e administração para a implementação de um imperativo de direito público, no caso, um imperativo ambiental.
Neste sentido, a natureza jurídica do acordo setorial – e com muito mais razão do "termo de compromisso" também previsto na legislação – é a do Termo de Ajustamento de Conduta, previsto no artigo 5º, §6º, da Lei da Ação Civil Pública (Lei n. 7.347/85), com a seguinte redação:
"Art. 5º. ....
§6º. Os órgãos públicos legitimados poderão tomar dos interessados compromisso de ajustamento de sua conduta às exigências legais, mediante cominação, que terá eficácia de título executivo extrajudicial."
Não fosse esta a interpretação, deveria necessariamente entender-se que a participação no sistema de logística reversa seria uma faculdade das empresas, comerciantes e consumidores, e não uma obrigação, conforme determinado na própria lei ao dispor sobre a responsabilidade compartilhada pela vida do produto.
Em assim sendo, com suas particularidades, o acordo setorial tem a natureza jurídica de termo de ajustamento de conduta e, portanto, é um título executivo extrajudicial, servindo tanto um quanto o outro para implementação da logística reversa.
Com muito mais razão, também é possível de aplicação a logística reversa via termos de ajustamento de conduta, inclusive, pelo Ministério Público – um dos co-legitimados a tomar este tipo de instrumento.
VIII.6 – EXIGÊNCIA DA LOGÍSTICA REVERSA VIA JUDICIAL
Por fim, o último instrumento passível de utilização para implementação da logística reversa a ser analisado neste artigo é o da via judicial, mediante ajuizamento da ação civil pública ou ação popular.
Neste caso, esta é a verdadeira participação cidadã na implementação desta política pública, pois, ainda que haja omissão por parte de todos os órgãos públicos incumbidos da defesa ambiental, poderá a sociedade, seja através de uma associação (art. 5º, V, da Lei n. 7.347/85) – via ação civil pública – seja através de qualquer cidadão (art. 5º, LXIII, da CF e art. 1º, da Lei n. 4.717/65) – via ação popular – levar o caso ao Poder Judiciário exigindo a implementação da logística reversa em face a uma empresa ou várias, exigindo-se do Poder Público que rompa sua omissão em não implementar esta política.
Note-se que o uso da ação popular para proteção ao meio ambiente já está consagrado na jurisprudência, conforme acórdão abaixo:
"PROCESSUAL CIVIL – AÇÃO POPULAR – REPARAÇÃO DE DANOS SUPOSTAMENTE CAUSADOS AO MEIO AMBIENTE POR EMPRESA CONCESSIONÁRIA DE SERVIÇO PÚBLICO – UNIÃO FEDERAL – LEGITIMIDADE PASSIVA AD CAUSAM – HONORÁRIOS PERICIAIS – ADIANTAMENTO – RESPONSABILIDADE – I - A União Federal é parte legítima para figurar no pólo passivo das ações em que se busca a reparação de danos supostamente causados ao meio ambiente por empresa concessionária de serviço público, sujeita à fiscalização do poder concedente, nos termos da Lei nº 8.987/95. II - Em se tratando de ação popular, o autor, salvo comprovada má-fé, está isento de custas processuais e dos ônus da sucumbência, por força do art. 5º, LXXIII, da Constituição Federal. III - Observada a exceção em referência, ainda que vencido na demanda, não está o autor popular sujeito ao pagamento de honorários periciais, devendo estes ser previamente depositados pela Fazenda Pública, se for parte na demanda, e pelos demais promovidos, nas hipóteses em que também pugnaram pela realização de prova pericial, como no caso. IV - Agravo de instrumento desprovido."
No caso específico da ação popular – que exige ato lesivo por parte do Poder Público (o qual pode ser também omissivo) – a não implementação da logística reversa é lesiva não só ao meio ambiente, mas, também, aos próprios cofres públicos, pois estão custeando com impostos e taxas um serviço que deveria ser realizado pelo próprio setor produtivo.
Sobre a possibilidade de aplicação da logística reversa via judicial, em uma decisão de vanguarda, o Tribunal de Justiça do Paraná, em acórdão de relatoria do Des. Ivan Bortoleto (Apelação Cível n. 118.652-1), firmou o entendimento de que a ré, uma engarrafadora de refrigerantes, deveria ser condenada a recolher 50% (cinqüenta por cento) das embalagens PET que vendia, além de dever aplicar 20% (vinte por cento) de sua verba publicitária em propaganda sobre a necessidade de devolução das garrafas vazias.
A ementa do acórdão teve o seguinte teor:
"AÇÃO CIVIL PÚBLICA - DANO AMBIENTAL - LIXO RESULTANTE DE EMBALAGENS PLÁSTICAS TIPO PET (POLIETILENO TEREFTALATO) - EMPRESA ENGARRAFADORA DE REFRIGERANTES - RESPONSABILIDADE OBJETIVA PELA POLUIÇÃO DO MEIO AMBIENTE - ACOLHIMENTO DO PEDIDO - OBRIGAÇÕES DE FAZER - CONDENAÇÃO DA REQUERIDA SOB PENA DE MULTA - INTELIGÊNCIA DO ARTIGO 225 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL, LEI Nº 7347/85, ARTIGOS 1º E 4º DA LEI ESTADUAL Nº 12.943/99, 3º e 14, § 1º DA LEI Nº 6.938/81 - SENTENÇA PARCIALMENTE REFORMADA.
Apelo provido em parte.1. Se os avanços tecnológicos induzem o crescente emprego de vasilhames de matéria plástica tipo PET (polietileno tereftalato), propiciando que os fabricantes que delas se utilizam aumentem lucros e reduzam custos, não é justo que a responsabilidade pelo crescimento exponencial do volume do lixo resultante seja transferida apenas para o governo ou a população.
2. A chamada responsabilidade pós-consumo no caso de produtos de alto poder poluente, como as embalagens plásticas, envolve o fabricante de refrigerantes que delas se utiliza, em ação civil pública, pelos danos ambientais decorrentes. Esta responsabilidade é objetiva nos termos da Lei nº 7347/85, artigos 1º e 4º da Lei Estadual nº 12.943/99, e artigos 3º e 14, § 1º da Lei nº 6.938/81, e implica na sua condenação nas obrigações de fazer, a saber: adoção de providências em relação a destinação final e ambientalmente adequada das embalagens plásticas de seus produtos, e destinação de parte dos seus gastos com publicidade em educação ambiental, sob pena de multa."
Do texto do voto, após brilhante explanação sobre o volume de garrafas descartadas anualmente, a preocupação sobre o consumo de massa e seu impacto ao meio ambiente, o relator tece as seguintes considerações sobre a responsabilidade pós-consumo:
"Com efeito, se por um lado os avanços tecnológicos induzem o emprego de vasilhames tipo PET, obtidos a partir de matéria plástica, propiciando que as empresas que delas se utilizam aumentem lucros e reduzam custos, não é justo que a responsabilidade pelo crescimento exponencial do volume do lixo resultante seja transferida apenas para o governo ou a população.
Cuidando-se aqui da chamada responsabilidade pós-consumo de produtos de alto poder poluente, é mesmo inarredável o envolvimento dos únicos beneficiados economicamente pela degradação ambiental resultante o fabricante do produto e o seu fornecedor.
Esta responsabilidade é objetiva aliás, nos termos das disposições da Lei nº 7.347/85, artigos 1º e 4º da Lei Estadual nº 12.943/99, e artigos 3º e 14, § 1º da Lei nº 6.938/81, como bem observou a douta Procuradoria Geral de Justiça no bem lançado parecer de folhas 177/183.
Assim, não só pode como deve a recorrida ser responsabilizada, ainda que parcialmente, em ação civil pública, pela destinação final ambientalmente adequada de garrafas e outras embalagens plásticas das bebidas de que vem se servindo na sua atividade econômica.
...
Destarte, merece acolhimento a pretensão recursal e o pedido de condenação da apelada na obrigação de fazer, de recolhimento das embalagens dos produtos que vier a fabricar, após o consumo, quando deixadas em parques e praças, ruas, lagos, rios e onde forem encontradas. Para tanto, deverá dar início imediato a este recolhimento em todas as localidades nas quais distribuir seus produtos. Faculta-se-lhe, porém, o cumprimento de obrigação alternativa, ou seja, de adotar, dentro de no máximo 60 (sessenta) dias após o trânsito em julgado desta decisão, procedimentos de reutilização e recompra, por preço justo, de no mínimo 50% (cinqüenta por cento) das garrafas plásticas que produzir a cada ano, após o uso do produto pelos consumidores, a fim de dar-lhes destinação final ambientalmente adequada, assim entendida a utilização e reutilização de garrafas e outras embalagens plásticas em processos de reciclagem, e para a fabricação de embalagens novas ou para outro uso econômico, respeitadas as vedações e restrições estabelecidas pelos órgãos oficiais competentes da área de saúde.
Acolhe-se também o apelo em termos, para condenar a apelada a dar início imediato a campanha publicitária às suas expensas, com destinação de no mínimo 20% (vinte por cento) dos recursos financeiros que vier a gastar anualmente com a promoção de seus produtos, na divulgação de mensagens educativas de combate ao lançamento de lixo plástico em corpos d'água e no meio ambiente em geral, informando o consumidor sobre as formas de reaproveitamento e reutilização de vasilhames, indicando os locais e as condições de recompra das embalagens plásticas, e estimulando a coleta destas visando a educação ambiental e sua reciclagem. Deverá ainda imprimir em local visível e destacado da embalagem de todos os seus produtos informações sobre a possibilidade da sua reutilização e recompra, advertindo o consumidor quanto aos riscos ambientais advindos de seu descarte no solo, corpos d'água ou qualquer outro local não previsto pelo órgão municipal competente de limpeza pública.
Sem prejuízo da responsabilidade por danos ambientais causados pelas embalagens plásticas de seus produtos, o descumprimento comprovado, ainda que parcial, de qualquer das obrigações aqui fixadas nos limites da competência territorial deste Tribunal (Lei nº 7.347/85, art. 16), incorrerá a apelada em multa diária equivalente a 0,5% (meio por cento) do valor dado à causa, a ser carreada para o fundo previsto no artigo 13 da Lei nº 7.347/85."
Portanto, da leitura de tão brilhante e inovador acórdão, resta claro que a implementação da logística reversa como faceta prática do princípio da responsabilidade pós-consumo independe da vontade dos fabricantes ou comerciantes ou de qualquer ato normativo específico, podendo ser extraída diretamente do sistema jurídico ambiental vigente e, quando não haja aceitação de sua implementação via acordo (seja setorial ou por termo de ajustamento de conduta), pode ser imposta judicialmente.
Justamente por isto, entende-se que a implantação progressiva prevista no artigo 56 da lei para os casos de lâmpadas e produto eletro-eletrônicos é uma mera concessão do Poder Público, uma vez que tal obrigação já pode e poderia ser exigida de imediato, através de ação judicial, respeitado o princípio da razoabilidade.