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Os contratos e a responsabilidade civil no Direito Marítimo.

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Agenda 31/03/2011 às 07:13

3. OS CONTRATOS MARÍTIMOS

O Direito Marítimo se subdivide, hodiernamente, em várias subáreas. Dentre elas, pode-se citar a divisão primordial entre direito marítimo e direito náutico que se diferenciam por tratarem de, no caso daquele, direito de natureza mista e, no caso deste, direito público. Isto se dá, pois, o direito da navegação é aquele concernente às normas de ordem pública que regulamentam o tráfego e visam à segurança da navegação, enquanto o direito marítimo é aquele que rege as normas do comércio marítimo em geral, sendo elas ora públicas, ora privadas. 49 Há ainda outras subdivisões do direito marítimo, como o direito do petróleo e o direito ambiental marítimo, porém neste estudo o interesse é analisar especificamente o direito marítimo comercial antes citado.

Desta feita, passa-se a debruçar sobre como se dão as relações comerciais pela via marítima atualmente e como estas são tratadas por ordenamento jurídico pátrio. Para isto, serão analisadas, primeiramente, as partes integrantes dos contratos marítimos e, posteriormente, o conteúdo de tais contratos.

3.1. As partes dos contratos marítimos

Basicamente, os contratos marítimos têm duas partes essenciais: o fretador que é aquele que cede o navio em afretamento e, o afretador, aquele que recebe o navio em afretamento. 50 Todavia, não são os únicos a fazer parte dos contratos marítimos, posto que há diversas outras figuras que deles podem vir a participar, dependendo do tipo de contrato que esteja sendo celebrado.

Dentre estas outras figuras que podem fazer parte dos contratos marítimos está o proprietário, que é o dono do navio e, portanto, aquele em cujo nome ele está registrado no Tribunal Marítimo 51 e inscrito numa Capitania, Delegacia ou Agência. Deve ele ser, necessariamente, cidadão brasileiro ou ser empresa brasileira. 52

O armador, por sua vez,

[..] é a pessoa, física ou jurídica, que arma a embarcação, isto é, coloca-a nas condições necessárias para que possa ser empregada em sua finalidade comercial, e que opera comercialmente, pondo a embarcação ou a retirando da navegação por sua conta. 53

O proprietário e o armador são figuras jurídicas distintas em nosso ordenamento. Entretanto, o primeiro pode exercer cumulativamente as funções do segundo. Essa prática é comum no Brasil, passando então o proprietário, nestes casos, a chamar-se armador-proprietário. Já, no exterior, é mais comum a terceirização destes serviços. 54

Bem nos frisa Sampaio de Lacerda que:

O armador, porém, representa sempre a propriedade do navio: é o representante legal dela, mesmo quando não seja o proprietário. Pode, portanto, demandar, ser demandado e intervir em todas as operações e contratos que respeitem à exploração comercial. 55

Sobre os armadores, Gibertoni nos expõe por sua vez que:

[...] a maioria dos armadores provém de uma longa linha, normalmente familiar, que tem estado no transporte marítimo por um longo tempo. Em muitos casos, estas famílias iniciaram nas frotas pesqueiras do mundo. Não é surpresa que muitas nações com grande representatividade no transporte marítimo (Grécia, Dinamarca, Noruega, ...) sejam nações inicialmente pesqueiras, que necessitaram aprender a sobreviver no mar.

É importante notar que, muitos Armadores, sem dúvida, iniciaram na atividade comprando navios de segunda mão de outros armadores e foram desenvolvendo sua frota com o passar dos anos. Existem poucas dúvidas de que navios novos, de estaleiros, são economicamente inviáveis nos primeiros cinco a dez anos de vida, e é usualmente reconhecido que há muitas frotas no mundo que tem um sensível equilíbrio entre navios velhos e novos. Os navios velhos tendem a subsidiar os novos durante esse primeiro período de vida, que por sua vez, completam o ciclo para futuras novas construções. 56

Como a maioria dos armadores e, especialmente, dos armadores-proprietários provém de longas linhagens familiares de pescadores, estes estabeleceram um meio de proteger seus preços perante o mercado: as Conferências de Frete. Nestas Conferências:

[...] eles estabelecem as tarifas a serem cobradas pelos serviços prestados, dimensionando o mercado para que não haja concorrência danosa aos integrantes da Conferência de Fretes, mantendo, também, a regularidade dos serviços prestados. Não são considerados cartéis, mas como muita coisa na indústria da navegação, pode-se dizer que são sui generis, pois são permitidas inclusive nos Estados Unidos. 57

O navio pode ser alugado ou ser objeto de leasing, como todas as coisas, excetuando as consumíveis e as fungíveis. Sendo um destes o caso, teremos a figura do armador-locatário. 58 É importante bem compreender que:

[...] fretamento é pertinente aos contratos de fretes de transporte, quer de mercadorias, quer de passageiros, em navio provido pelo armador, seja este ou não o proprietário; locação é o aluguel ou o arrendamento do navio a terceiro, que será então o armador e poderá fazer contratos de fretamento. O próprio locatário armador pode até efetuar o contrato de fretamento, isto é, após armar e equipar o navio, combina com outrem a efetivação do transporte de mercadoria de um porto a outro. A locação de navios não é um contrato mercantil: apenas uma simples locação de coisas, sujeita às regras do Direito Civil aplicadas à locação de coisas móveis [...]. 59

Ocorrem casos de parcerias marítimas em que o navio pertence a várias pessoas, neles surge a figura do armador-gerente ou caixa, como se depreende do seguinte trecho:

Se os co-proprietários quiserem explorar conjuntamente o navio, deverão escolher, pelo voto da maioria, um dos compartes para administrar a parceria. Caso contrário, poderão, com o consentimento unânime, nomear uma pessoa estranha à parceria para desempenhar a função e o administrador receberá o nome de armador, gerente ou caixa. O Código Comercial estabelece no art. 492. – que o caixa deve ser nomeado dentre os compartes; salvo se todos convierem na nomeação de pessoa estranha à parceria; em todos os casos, é necessário que o caixa tenha as qualidades para ser comerciante - art. 484, 1º e 4º 60 do Código Comercial. 61

Já o armador-afretador será aquele que, nos contratos de afretamento por tempo (time charter), nos contratos trip charter e nos contratos de afretamento a casco nu (bare boat charter ou demise charter), se responsabilizará pela integral gestão comercial e parcial gestão administrativa do navio. 62

É possível que um Estado venha a explorar um navio comercialmente, passando a ocupar a posição de Estado Armador. A Convenção Internacional de Bruxelas estabeleceu tratamento igualitário para tais navios perante aqueles administrados pela iniciativa privada. 63

As empresas de navegação são as pessoas jurídicas que prestam ao público os serviços de transporte de cargas e/ou passageiros pela via marítima. Tal serviço costuma ser denominado de common carrier, o que significa "transportador público". Pode ser ele de linha – traders -, de disponibilidade imediata – tramp -, ou especializado. 64

Conforme Gibertoni, os serviços das empresas de navegação podem ser classificados em comercialização dos espaços do navio para o transporte de cargas e operação do navio. 65 Dentre os primeiros incluem-se "as atividades de angariar e fechar cargas, cobrança de fretes, faltas, avarias e sobrestadias, o embarque, desembarque, estiva e tudo que se relaciona à parte comercial". 66 E, na operação, estão incluídos "a contratação e a manutenção da equipagem, a manutenção do navio, reparos, seguro casco e P&I 67, atracação 68 e desatracação 69, docagens 70 etc.". 71

Nos portos, as empresas de navegação mantêm prepostos seus, conhecidos como agentes de navios, que substituem o capitão, providenciando para ele o desembarque das mercadorias, sua entrega ao destinatário, bem como recebem os fretes ainda não pagos. 72

As empresas que não mantêm linhas regulares em determinados portos, quando os utilizam, optam pelos serviços dos consignatários, que têm a mesma função dos agentes de navios, porém agem temporariamente, apenas enquanto o navio permanecer no porto. 73

Há ainda os operadores técnicos que prestam serviços aos armadores. Eles são pessoas jurídicas especializadas contratadas pelos armadores quando estes não detêm condições próprias para operacionalizar o navio – tais como tripulação, material, etc. – ou simplesmente não pretendem fazê-lo diretamente, passando a agir em nome do armador, em troca do pagamento de uma taxa mensal por navio, de forma a mantê-lo operando. 74

E, também, os operadores comerciais, que são contratados pelos armadores quando estes não possuem estrutura adequada para comercializar a utilização do navio ou não pretendem fazê-lo diretamente, passando a operar comercialmente o navio, angariar cargas, celebrar contratos e fazer todos os cálculos e cobranças pertinentes em troca de comissão ou taxa fixa. 75

Podem também participar dos contratos marítimos empresas especializadas em operar navios, que são conhecidas como gerentes de navios ou Ship’s manager.

Por fim, "surgiu, também, a figura "non vessel operator common carrier" (NVOCC) que é um armador-operador que não possui navios próprios e usa somente navios afretados". 76

3.2. A classificação dos contratos marítimos

Os contratos marítimos se classificam em:

3.2.1. Hipoteca Naval

Regida pelo artigo 1.473, inciso VI, do Código Civil e pela Lei 5.056/66, constituindo-se mediante escritura pública, após a apresentação do título de propriedade naval, inscrevendo-se no Tribunal Marítimo. 77

O navio é, freqüentemente, o instrumento garantidor de dívidas adquiridas pelos comerciantes marítimos e, por isto, pode ser gravado de hipoteca naval. Segundo Vitral, "a hipoteca naval constitui direito real de garantia, é regida pela lei civil e está sujeita à jurisdição civil, ainda que a dívida garantida seja comercial e comerciantes as partes". 78

É definida por Gibertoni como um

[...] contrato do tipo convencional – estabelecida pelas partes, que celebram entre si um contrato de natureza acessória, formal, sendo exigida a escritura pública como substância do ato jurídico. Pode ser constituída em favor do construtor ou financiador ainda que a embarcação se encontre na fase de construção, qualquer que seja sua arqueação bruta, devendo nesse caso constar o nome do construtor ou do financiador, o numero do casco, a especificação do material de construção e seus dados característicos. 79

Seus elementos essenciais são: a data de sua celebração; o nome, o domicílio e a profissão das partes; o valor da dívida garantida pela hipoteca ou sua estimativa; os juros contratados; a época, o lugar e a forma de pagamento; o nome do navio e suas especificações; e, a declaração de seguro do navio, quando integralmente construído. 80

Este é um contrato marítimo em razão de seu objeto específico, apesar de ser regido pelo Código Civil naquilo que lhe for aplicável 81. Nos termos do Decreto 15.788/22, em seu artigo 24: "A Hipoteca Marítima é regida por este decreto e pelas disposições que lhe forem aplicáveis pelo Código Civil". De acordo tanto com o Decreto, quanto com a Convenção de Bruxelas 82, os seguintes créditos têm preferência na ordem de pagamento frente às hipotecas, apesar de sua regular constituição:

  1. As custas judiciais devidas ao Estado e despesas feitas no interesse comum dos credores para a conservação do navio ou para conseguir sua venda e bem assim a distribuição do respectivo preço; dos direitos de tonelagem, de farol ou de porto e outras taxas e impostos públicos da mesma espécie; os gastos de praticagem; as despesas de guarda e conservação desde à entrada do navio no último porto;

  2. Os créditos resultantes do contrato de engajamento do capitão, da tripulação e de outras pessoas engajadas a bordo;

  3. As remunerações devidas pelo socorro e assistência e a contribuição dos navios às avarias comuns;

  4. As indenizações pela abalroação ou outros acidentes de navegação, assim como pelos danos causados às obras de arte dos portos, docas e vias navegáveis; as indenizações por lesões corporais aos passageiros e aos tripulantes; as indenizações por perdas ou avarias da carga ou das bagagens;

  5. Os créditos provenientes de contratos lavrados ou de operações realizadas pelo capitão fora do porto de registro, em virtude de seus poderes legais, para as necessidades reais da conservação do navio ou do prosseguimento da viagem (disburses, para os ingleses). 83

O artigo 33 da Lei 7.652/88 exige o consentimento do cônjuge quando o outro resolver celebrar um hipoteca naval, não importando qual seja o regime de bens pelo qual tenham se casado. O mesmo deve ocorrer nos casos de parceria marítima, nos quais todos os condôminos devem consentir com a hipoteca, exceto quando o sócio-gerente tenha poderes expressos para tanto. 84

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A hipoteca sempre abrangerá a totalidade do navio, incluindo seus acessórios, acessões, melhoramentos ou qualquer tipo de construção nele existentes, não podendo, portanto, haver hipoteca sobre partes do navio, visto que ela é indivisível e grava o navio em todas as suas partes. 85

É possível a celebração de duas ou mais hipotecas consecutivas sobre o mesmo navio, em favor do mesmo ou de novo credor. Todavia, ainda que a segunda hipoteca se vença antes da primeira, deverá aguardar o vencimento desta para poder efetuar a execução do contrato, exceto se puder provar a insolvência do devedor hipotecário. 86

A hipoteca naval, para ter eficácia, deve ser registrada perante o Tribunal Marítimo. Até ser levada a registro, só produzirá efeito entre as partes contratantes. Porém, uma vez registrada, seus efeitos retroagirão à data da prenotação. Para efetivar o registro, qualquer das partes pode fazer o requerimento, a partir dele os registros são feitos em livro próprio e averbados à margem do título de propriedade. 87

Ocorre a extinção da hipoteca naval:

Pela perda da embarcação ou resolução de domínio; pela extinção da obrigação principal; pela renúncia do credor; pela venda forçada do navio, a arrematação judicial ou adjudicação; pela remição ou prescrição; por sentença judicial transitada em julgado e executada. 88

A embarcação hipotecada sofre as seguintes restrições:

  1. Não pode ser afretada ou arrendada;

  2. Ser empregada, de qualquer modo, em serviços de nação estrangeira;

  3. Não pode ter mais de um porto de registro, nem o seu proprietário alterar o seu porto de inscrição. 89

3.2.2. Contrato de Praticagem

A praticagem é um dos serviços auxiliares da navegação, sendo regulamentada pelo Decreto 2.596/98. A contratação dos serviços de praticagem tem como objetivo a garantia da segurança da navegação em trechos perigosos ou de difícil acesso, visto que estes profissionais são especializados na realização de manobras em tais áreas. Nas palavras de Lacerda:

Ás vezes, dirigindo-se o navio para certas regiões em que a navegação exige maiores cuidados, torna-se necessária a existência, a bordo, de alguém que, melhor conhecendo aqueles lugares, possa indicar com mais segurança o percurso a fazer. [...] na entrada e saída dos portos, nos percursos realizados em estreitos 90 e canais 91 ou em águas fluviais, precisam os navios de tomar a bordo indivíduos mais treinados e mais habituados à navegação nesses trechos, mesmo porque constitui serviço feito sempre por pessoas especializadas destinadas a esse fim: os práticos. 92 [Grifo do autor].

A relação entre os práticos e as empresas de navegação não é de emprego, mas sim de prestação de serviços, executados mediante acordo entre as associações ou cooperativas a que pertencem os primeiros e os representantes legais dos últimos, estabelecendo-se a forma de execução, a remuneração e as condições de prestação do serviço. Sendo assim, trata-se de um contrato bilateral, consensual, oneroso e de execução sucessiva. 93

Quanto à definição do início efetivo do trabalho do prático, nos dizem Anjos e Gomes:

O início da execução dos serviços de praticagem ocorre com o embarque do Prático, seja no porto ou no local determinado dentro das respectivas zonas de praticagem. Entretanto, quando as condições de tempo e mar dificultem o seu embarque, considerar-se-ão iniciados os serviços a partir do momento em que a embarcação ou o navio passa a ser conduzido sob a orientação do prático, mesmo que este se encontre em terra ou nas proximidades, em sua embarcação de praticagem, isto porque, estando o navio navegando sob rumos práticos, presume-se que a "faina 94 de praticagem" já teve seu início e se encontra em fase de execução, sujeitando-se o Prático, a todas as responsabilidades inerentes à profissão. 95

Já no que se refere ao termo final do contrato de praticagem, este se dá, estando o navio entrando no porto, com a atracação; e, estando o navio saindo do porto, com o desembarque do prático. 96 Desta feita, percebe-se que enquanto o prático se mantiver embarcado, dele será a responsabilidade por qualquer fato que venha a ocorrer com o navio, a carga ou seus tripulantes. Todavia, isto não retira a responsabilidade do capitão do navio, que ainda mantém seu dever legal de guarda e vigilância da embarcação, podendo, inclusive, se achar necessário, retirar o prático da direção de determinada manobra, solicitar substituto, ou mesmo dispensá-lo e assumir o comando total do navio, desde que não esteja em zona de praticagem obrigatória. 97

São deveres do prático, conforme Vitral:

  • Não se negar à execução da praticagem;

  • Atender com presteza as embarcações;

  • Desempenhar suas atividades profissionais com acerto, isto é, sem cometer erros ou omissões;

  • Praticar as embarcações em toda extensão da zona de praticagem que lhes compete;

  • Não fundear 98 as embarcações em local impróprio, mesmo que tal procedimento não acarrete avarias;

  • Transmitir sinais com acerto às embarcações que demandarem ao porto;

  • Assinalar corretamente a mudança dágua nas barras e canais;

  • Comunicar ao Capitão dos Portos qualquer irregularidade ou contravenção regulamentar que tenha observado. 99

A praticagem pode ser livre ou obrigatória, dependendo do trecho que esteja sendo navegado e de sua regulamentação específica. Pode, ainda, ser civil ou militar. Sendo civil, o contrato será o contrato civil de prestação de serviços, conforme supra citado, fiscalizado pela Capitania dos Portos; e, sendo militar, os práticos serão militares dos quadros da Marinha de Guerra, subordinados aos Distritos Navais. 100

3.3.3. Contrato de trabalho da tripulação e do capitão

Os tripulantes, o capitão e o armador mantém entre si uma relação de emprego, posto que aqueles são pessoas físicas que prestam serviços de natureza não eventual sob remuneração a este que assume os riscos da atividade econômica. 101 Tal contrato é regido pela Consolidação das Leis do Trabalho, sendo estudado pelos pesquisadores do Direito do Trabalho, não sendo objeto deste estudo o aprofundamento de sua análise.

3.3.4. Fretamento de Navios

É o contrato por meio do qual o armador ou o proprietário do navio se obriga, mediante o pagamento de um frete, a transportar mercadorias de um porto a outro. Nele incluem-se a locação do navio, a prestação de serviços e o transporte, sendo este último o elemento central ou o objeto propriamente dito do contrato. 102

De acordo com Lacerda, "é o contrato pelo qual alguém se obriga, mediante o pagamento do frete, a transportar em um navio mercadorias de um porto a outro determinado, à escolha do carregador". 103

Em princípio, portanto, somente quando há a obrigação de transporte há fretamento, o que não ocorre nos contratos a prazo e a casco nu, os quais deveriam ser entendidos como locações de coisas móveis regidas pelo direito civil, e não pelo comercial. Todavia, de acordo com as regras de direito internacional, tanto a cessão de um navio por viagem, quanto a prazo e a casco nu são compreendidas como contratos de fretamento. 104

Gibertoni define o contrato de frete como

[...] um acordo escrito mediante o qual o armador se compromete a transportar mercadorias por água, numa expedição marítima, recebendo em troca uma quantia em dinheiro denominada frete. 105

O frete marítimo é o valor em dinheiro que recebe o transportador para efetivar o transporte das mercadorias a si confiadas. 106

Pode-se concluir do estudo pelo uso da definição de que "os contratos de fretamento geram de um lado a obrigação de transporte, e do outro a obrigação do aluguel ou do frete, implicando também em um contrato de locação". 107

Para firmar o negócio, fretador e afretador utilizam-se de um intermediário conhecido por corretor de navios ou broker. Este procura no mercado o navio mais adequado às necessidades de seu cliente, o afretador, e dele recebe uma comissão por seus serviços, a taxa de corretagem (brokerage). Feita a negociação, o fretamento será firmado por escrito em um documento chamado carta-partida ou carta de fretamento. 108

Não havendo disposição expressa em contrário, pode o afretador subfretar o navio a terceiros, transportando suas mercadorias e, assim, obter lucro com a diferença do frete que prometeu pagar ao fretador e o que cobra dos subfretadores. Da mesma forma, é possível a cessão a terceiros de todos os direitos provenientes do afretamento. 109

Os contratos de fretamento marítimo podem ser celebrados de duas maneiras, dependendo da quantidade de carga a ser transportada e do volume que ela ocupe no casco do navio, quais sejam:

3.3.4.1. Carta-Partida (charter party)

É o instrumento que estabelece as relações jurídicas entre fretador e afretador. 110 Também pode ser chamado de contrato ou apólice de fretamento (contract of affreightment). 111 Utilizada quando o navio é fretado em sua totalidade e utilizada em conjunto com o conhecimento do embarque quando o fretamento é parcial (art. 566. CCo). 112 Aliás, nosso Código Comercial, em seu artigo 567, 3, exige que conste na carta-partida se o fretamento é total ou parcial.

Seu uso remonta à Idade Média, na Inglaterra, quando as convenções contratuais eram redigidas por escrito em um papel que era rasgado em duas partes, de alto a baixo, ficando cada metade com cada uma das partes contratantes, as quais, mais tarde, comprovavam a idoneidade do contrato e da mercadoria entregue com a junção perfeita das metades do contrato. Daí surgiu o nome de carta-partida. 112

Como instrumento contratual que é, a carta-partida deve conter os seguintes requisitos essenciais exigidos pelo Código Comercial:

Art. 567. CCo. A carta-partida deve enunciar:

1 - o nome do capitão e o do navio, o porte deste, a nação a que pertence, e o porto do seu registro (artigo nº. 460);

2 - o nome do fretador e o do afretador, e seus respectivos domicílios; se o fretamento for por conta de terceiro deverá também declarar-se o seu nome e domicílio;

3 - a designação da viagem, se é redonda ou ao mês, para uma ou mais viagens, e se estas são de ida e volta ou somente para ida ou volta, e finalmente se a embarcação se freta no todo ou em parte;

4 - o gênero e quantidade da carga que o navio deve receber, designada por toneladas, nºs, peso ou volume, e por conta de quem a mesma será conduzida para bordo, e deste para terra;

5 - o tempo da carga e descarga, portos de escala quando a haja, as estadias e sobre estadias ou demoras, e a forma por que estas se hão de vencer e contar;

6 - o preço do frete, quanto há de pagar-se de primagem ou gratificação, e de estadias e sobre estadias, e a forma, tempo e lugar do pagamento;

7 - se há lugares reservados no navio, além dos necessários para uso e acomodação do pessoal e material do serviço da embarcação;

8 - todas as mais estipulações em que as partes se acordarem.

3.3.4.2. Conhecimento de embarque (bill of lading)

Instrumento de fretamento parcial do navio, utilizado para pequenos lotes de mercadorias. Para este fim também pode ser utilizada a reserva de praça (booking note). 113

Sobre sua origem, nos conta Lacerda:

Historicamente começou por cumprir a função de simples recibo de mercadorias consignadas ao capitão para o transporte. Nos primeiros tempos da Idade Média, quando os carregadores embarcavam conjuntamente com as mercadorias para acompanhá-las durante a viagem, bastava a eles que seu direito sobre as mercadorias fosse provado pelo registro de bordo, que tinha fé pública. Mais tarde, com o desenvolvimento do comércio, os carregadores confiaram a pessoas residentes no lugar do destino o cumprimento das operações com as mercadorias (consignatários da carga). Daí a necessidade de um documento que, reconhecendo o direito sobre as mercadorias embarcadas, habilitasse o seu correspondente a retirá-las. Essa a origem desse documento, hoje muito mais usado que a carta-partida, por isso que muitas vezes a substitui, quando se trata de transporte por mar realizado por navios de linhas regulares. 114

Segundo o nosso Código Comercial, o conhecimento de embarque deve preencher os mesmos requisitos da carta-partida, ser datado, ter a assinatura do capitão – que hoje pode ser substituída pela assinatura fretador ou de qualquer de seus agentes – e a assinatura dos carregadores. Este último item, porém, está em desuso atualmente, a sua falta não causará a nulidade do contrato, apenas o conhecimento sem tais assinaturas não poderá servir de prova do contrato. Desta feita, deixará ele de regular as condições do transporte, posto que não há a aceitação do carregador das cláusulas contratuais. Porém, provado estará o transporte em si. 115

Além de evidenciar as cláusulas e condições contratuais, o conhecimento de embarque é também um título de crédito. É o que nos explica Lacerda:

Se a carta-partida tem função meramente probatória, o conhecimento, ao contrário, além de comprovar o recebimento da mercadoria por parte do capitão, serve, principalmente, para representar a coisa nele individuada. Em tais condições é um instrumento que permite a circulação da mercadoria, durante o tempo de sua permanência a bordo, sob custódia do capitão. A posse do conhecimento equivale à posse da mercadoria, podendo o seu possuidor dispor dela à vontade, de acordo com as disposições que nele figurarem. É, pois, um título de crédito à ordem, transferível por endosso (art. 587, 2º). 116

De acordo com Raphael, o conhecimento de embarque tem as seguintes funções:

  • É um recibo das mercadorias;

  • Prova a propriedade das mercadorias nele descritas e reputa-se, quando emitido "à ordem", título de crédito, negociável por meio de endosso;

  • Serve como evidência dos termos e condições do transporte acordados entre o armador e o embarcador;

  • Obriga a pronta entrega das mercadorias mediante sua apresentação;

  • Exime as mercadorias, nele descritas, de medidas como o arresto, seqüestro, penhora ou qualquer embargo judicial por fato, dívida, falência ou outra causa estranha ao seu atual dono;

  • É suscetível dessas medidas judiciais por fatos relacionados ao seu atual dono;

  • Constitui uma prova plena absoluta entre todas as partes na carga e frete entre elas e seguradores. 117

Existem seis tipos de contratos de fretamento marítimo, alguns já citados anteriormente. São eles:

3.3.4.2.1. A casco nu (by demise ou demise charter party)
3.3.4.2.2. Bareboat charter party

Também é um contrato a casco nu. Porém neste, o fretador fica com a posse e a administração do navio. Nos dois casos é o afretador que emite a carta-partida ou o conhecimento. 123

3.3.4.2.3. Por tempo ou a prazo (time charter party)

Art. 2º, II, Lei 9.432/97. O proprietário dá o navio em aluguel ao afretador pelo tempo que este ache conveniente. Entretanto, o proprietário não perde a posse do navio, mantendo-o tripulado e sendo o emissor do conhecimento de transporte. O armador é quem arca com as despesas de operação do navio, incluindo os vencimentos da tripulação, o rancho, o seguro, o combustível, os reparos, as taxas portuárias, entre outros. 124

Como ocorre no contrato de fretamento a casco nu, o proprietário deve entregar o navio em boas condições de navegabilidade, fortaleza, estanqueidade e segurança; e, o afretador, por sua vez, se compromete a devolver o navio nas mesmas condições em que este lhe foi entregue, excetuando pequenos desgastes atribuíveis ao decurso do tempo da viagem. 125

3.3.4.2.4. Por viagem (rate, trip, voyage charter)

Art. 2º, III, Lei 9.432/97. Nesta modalidade, faz-se a contratação do transporte em uma viagem redonda (single voyage) ou por viagens consecutivas (consecutives voyages), entre dois ou mais portos pré-definidos. É de larga utilização em escala global, servindo para o transporte de mercadorias a granel, tais como petróleo e seus derivados. 126

O fretador cede o navio e sua equipagem ao afretador, mas mantém a posse, sendo por isto o responsável pela expedição da carta-partida. Ainda cabem a ele todas as despesas da viagem, incluindo combustível, alimentação, seguro, etc., e a responsabilidade pela navegação do navio e pela segurança da carga. Já as despesas de estiva, manipulação da carga, carregamento e descarga, bem como as taxas portuárias e impostos podem ficar com qualquer das partes, dependo unicamente do que estas acordem entre si. 127

Gibertoni define o fretamento por viagem como

[...] um contrato misto de locação de coisa móvel e de prestação de serviços. Nele, tanto a gestão náutica como a comercial permanecem com o fretador (armador). É a contratação do navio para o transporte de determinadas mercadorias em uma ou mais viagens, sendo o instrumento de contrato a carta-partida. 128

3.3.4.2.5. Fretamento parcial

Esta última modalidade de fretamento é utilizada para cargas de menor volume, posto que nela pequenas partes do navio são cedidas a diversos afretadores diferentes. O instrumento contratual é o conhecimento de embarque ou a reserva de praça (booking note), emitido pelo fretador em via individual para cada afretador. 129 Este é o transporte feito por linhas regulares de navegação entre determinados portos. 130

Mesmo sob esta modalidade de fretamento, cujo foco é o transporte de cargas menores que nas anteriores, pode haver a necessidade de o afretador carregar expressiva quantidade de carga, neste caso:

[...] poderão ser solicitados os serviços de uma ou várias companhias de navegação, que utilizarão diversos navios para a efetivação do transporte, não sendo indicados nem os nomes nem o numero de navios que serão empregados, comprometendo-se os armadores a fazer o transporte nas condições especificadas.

Neste caso, o instrumento de contrato é o "Contract of Affreightment – COA", sendo incorporado ao contrato um modelo impresso de "Voyage Charter Party", aproveitando-se as cláusulas aplicáveis ao "COA". 131 (Grifos da autora)

3.3.4.2.6. Afretamento de espaço (space charter ou slot charter)

Ocorre quando duas empresas fretadoras resolvem unir seus esforços numa join venture, a fim de, juntas, poderem oferecer aos afretadores uma maior capacidade de transporte de carga em um única viagem. Nestas operações, tais empresas cedem uma a outra certos espaços em seus navios para que lá sejam colocadas as cargas que negociaram. 132

3.3.5. Transporte de pessoas e bagagens

É um contrato de transporte cujos elementos acessórios são a ocupação da cabine e o fornecimento de alimentos. Considera-se celebrado com o pagamento do preço e a entrega do bilhete de passagem. Todavia, pode ser provado por qualquer outro meio de prova em direito admitido, como pela troca de e-mails. É um contrato de adesão, com cláusulas pré-formuladas pela empresa transportadora. O transporte das bagagens dos passageiros não é feito de forma gratuita, posto que seu preço está incluso no valor da passagem. 133

3.3.6. Reboque

É o trabalho prestado por um navio rebocador para mover uma embarcação momentaneamente impossibilitada de utilizar sua força motriz. Pode ser utilizado ainda para auxiliar os navios de grande calado 134 na sua entrada e saída dos portos, bem como nas travessias de certos canais ou estreitos de difícil navegação. Por meio do contrato de reboque o armador de um navio rebocador se compromete a fazer um outro navio andar durante um determinado tempo ou no decorrer de algum percurso, mediante certa remuneração. 135

3.3.7. Seguro marítimo

É o contrato que opera a transferência do risco da atividade marítima, passando-a do transportador à empresa seguradora. Para tanto, o transportador deve pagar o prêmio do seguro, o qual lhe garantirá o pagamento pela seguradora, no caso da ocorrência de quaisquer fatos ou atos da navegação cobertos pelo seguro, do valor relativo a reparação dos danos ocorridos, valor este pré-fixado no contrato. Trata-se de um seguro de coisa móvel, comumente chamado de seguro de casco, apesar de cobrir todo o navio, incluindo suas máquinas, acessórios e demais equipamentos, bem como as mercadorias nele embarcadas. É regulado pelos artigos 666 a 730 do CCo e pelos artigos 752 a 802 do CC. 136

Neles, são cobertos os riscos de naufrágio 137, encalhe 138, varação 139, abalroação 140 e colisão 141 da embarcação com qualquer outra embarcação ou com qualquer outro objeto fixo ou móvel; de explosão, incêndio ou raio; de ressacas, tempestades e trombas marinhas; de alijamento 142 e arrebatamento pelo mar; de queda de lingada nas operações de carga ou descarga; de arribada forçada 143 ou mudança forçada de rota; de barataria 144 do capitão ou dos tripulantes; e os riscos resultantes das condições do mar, de caso fortuito ou de força maior. 145

De outra banda, não estão cobertos os riscos de contrabando, comércio e embarques ilícitos ou proibidos; de mau acondicionamento da mercadoria ou do uso de embalagens inadequadas para o transporte; de medidas sanitárias, desinfecções, invernada, demora, estadia e sobrestadia em porto, incluindo deficiência na armação do navio; de vício próprio ou redibitório; de influência da temperatura, de mofo, de diminuição natural do peso; de exudações 146, roeduras ou outros estragos causados por animais ou parasitas; e, os riscos de roubo, extravio, derrame, vazamento, quebra, amassamento, arranhadura, má estiva 147, contaminação, contato com outra mercadoria, ferrugem, contato com água doce, com suor de porão, mancha no rótulo, paralisação da máquina frigorífica, entre outros. 148

Os contratos de seguro marítimo incluem uma série de cláusulas excludentes da responsabilidade do segurador, as quais costumam serem as seguintes:

As cláusulas dos contratos de seguro marítimo são padronizadas, sendo sua terminologia elaborada e constantemente revisada pelo Institute of London Underwriters. Estas cláusulas padronizadas são conhecidas por Institute Cargo Clauses (ICG). 152

Dentre tais cláusulas, as mais utilizadas são a Free from Particular Average (FPA), a With Average (WA) e a All Risks. A primeira representa a cobertura básica ou mínima de riscos nos contratos de transporte marítimo. Nesta cobertura, só poderá o segurado reclamar por avarias particulares – danos parciais sofridos pelas mercadorias – caso estas sejam produzidas por encalhe, naufrágio, incêndio ou explosão. Já na cobertura WA, as avarias particulares estão totalmente cobertas, não importando a forma como tenham sido produzidas. 153

Há ainda a cláusula All Risks, que cobre quaisquer avarias, sendo por isto a mais abrangente. Todavia, mesmo esta sofre as limitações das cláusulas excludentes da responsabilidade do segurador antes citadas, posto que estas são aplicáveis a qualquer tipo de apólice. 154

Nas três cláusulas supra descritas está segurada a avaria grossa 155, por ser ela um incidente comum do comércio marítimo. 156

Além dessas, existem outras cláusulas especiais que visam excluir ou incluir determinados riscos nos contratos de seguro marítimo, quais sejam:

No direito marítimo, o segurado pode transferir ao segurador o direito de propriedade das mercadorias seguradas e, assim, adquirir o direito a exigir o pagamento da indenização contratada. Isto poderá ocorrer com a procedência da ação de abandono, que será possível quando: faltarem notícias do navio em que as mercadorias eram transportadas; houver perda total como conseqüência de naufrágio ou de outro risco coberto pela apólice; houver deterioração das mercadorias equivalente a três quartos do seu valor; a chegada das mercadorias a seu destino tenha se tornado impossível; ou, ocorra a venda das mercadorias, em razão de sua deterioração inexorável, em outro porto que não o de partida, nem o de destino. 162

Uma vez paga a indenização, o segurador sub-roga-se ao segurado em todos os seus direitos, na medida da indenização paga. Assim, havendo perda total, torna-se ele proprietário das mercadorias objeto do sinistro. 163

Os seguros marítimos também podem ser celebrados como co-seguros, que são contratos de seguro com multiplicidade de seguradores, que simultaneamente cobrem um mesmo interesse, porém, a cada um deles corresponde uma parte do risco total. Isso ocorre sempre que o risco a ser segurado tem valor muito elevado para ser suportado por uma única empresa seguradora. 164

Conforme Gibertoni, nos co-seguros marítimos "cada segurador responderá em proporção ao montante por ele segurado, não implicando solidariedade entre os diversos seguradores. Cada segurador opera como um segurador independente". 165 Ou seja, cada segurador terá sua responsabilidade limitada ao valor que indicar no contrato. Entretanto, não sendo estabelecido tal valor, a responsabilidade dos seguradores passará a ser solidária, nos termos do art. 668. do CCo. 166

Há ainda o resseguro, que é o seguro do segurador. Segundo Raphael:

Trata-se de um contrato independente do contrato de seguro, mediante o qual o ressegurador, pelo pagamento de um preço, obriga-se a reindenizar o segurador pelas somas que este deve pagar a seu segurado, como conseqüência do contrato de seguro concluído com este último. 167

Quando o transportador for responsável pelos danos ou perdas ocasionados à carga segurada, havendo sido paga a indenização, o segurador poderá ingressar com ação de regresso contra ele a fim de ser ressarcido dos valores que indenizou. 168

A contratação do seguro marítimo nem sempre é obrigatória, podendo variar de acordo com as cláusulas e os incoterms inseridos no contrato, como veremos no próximo capítulo. Todavia, os armadores e os proprietários das embarcações nacionais ou estrangeiras sujeitas à inscrição na Capitania dos Portos são obrigados a contratar o Seguro Obrigatório de Danos Pessoais Causados por Embarcações ou por suas Cargas (DPEM), que tem por finalidade a garantia de ressarcimento de quaisquer danos causados por embarcações ou suas cargas às pessoas embarcadas. 169

3.3.8. Clubes de P & I (Protection and Indemnity Clubs)

São contratos celebrados por múltiplos armadores, formando entre si uma sociedade de seguro mútuo. Têm o fito de cobrir os eventos não cobertos pela maioria dos seguros marítimos, como aqueles provocados pelo mau acondicionamento da carga no convés. Cada um dos sócios contribui mensalmente com um fundo comum que servirá para cobrir os acidentes que venham a ocorrer com quaisquer dos sócios. 170

Além desses contratos típicos, temos alguns outros atípicos de natureza difusa, tais como: contratos de abastecimento do navio com os fornecedores, contratos de reparos e manutenção dos navios com os estaleiros e as empresas de assistência técnica, dentre outros. Estes contratos atípicos sempre exigem uma maior cautela na análise in concreto para a correta aplicação das normas jurídicas. 171

3.4. As Obrigações do Fretador e do Afretador

Nos contratos de fretamento, o fretador tem variadas obrigações de acordo com o momento em que se encontre o navio. Ou seja, ele tem diferentes obrigações antes, durante e depois da viagem. Antes da viagem ele deverá:

Durante a viagem, terá ele a obrigação de:

E, depois da viagem, o fretador deverá entregar a carga em perfeito estado de conservação no porto de destino. Caso ocorra qualquer diminuição ou danificação, caberá ao destinatário indenização por perdas e danos. Para este fim, deve ser realizada uma vistoria judicial antes da descarga, a qual deve ser requerida pelo capitão. Caso isto não seja feito, o afretador terá ainda 48 horas para requerer a vistoria nas mercadorias já desembarcadas. E, sendo o vício oculto, poderá o exame judicial ser feito até dez dias após a entrega da carga (art. 618, CCo). 179

Assim como o fretador, o afretador também tem várias obrigações que exsurgem do contrato de fretamento, vez que este é um contrato bilateral ou sinalagmático e, portanto, impõe direitos e deveres em igualdade a ambas as suas partes 180. Suas obrigações são: pagar o frete e carregar e descarregar as mercadorias no prazo contratado. 181

Dependendo do acordo feito entre as partes, o pagamento se dará antes ou depois da viagem. Todavia, tendo sido acordado para o momento do desembarque e lá não se dando, não poderá o fretador reter a carga no navio a fim de pressionar o afretador. Isto pois, seria impraticável tal ação na navegação marítima moderna, visto que os navios não podem ficar eternamente atracados no porto com mercadorias embarcadas, perecendo uns e outras, o que geraria grandes perdas financeiras a ambas as partes. Isto sem falar nos outros negócios que estariam elas deixando de fazer. Desta feita, o fretador, neste caso, deverá proceder ao protesto, requerendo o depósito judicial pelo afretador de mercadorias equivalentes, pedindo sua venda e mantendo a salvo o seu direito pelo resto contra o carregador, no caso de insuficiência de depósito (art. 619, CCo). Deve ele agir desta mesma forma quando o consignatário se recusar a receber a mercadoria transportada. 182

Havendo avaria ou diminuição por defeito de acondicionamento de vasilhas, caixas, etc., o frete deverá ser pago por inteiro, exceto se isto derivar de falta de arrumação ou de estiva (art. 621. CCo). As mercadorias que eventualmente tenham sido lançadas ao mar para salvamento comum do navio ou da carga são abonadas por inteiro como avarias grossas. 183

Nos casos de força maior – pirataria, naufrágio, roubo – o frete deixa de ser devido (art. 622. CCo). Sendo resgatadas as mercadorias, o frete será devido proporcionalmente até o local da ocorrência; se o capitão conduzir a carga salva até o local de destino, o frete será devido por inteiro. Porém, se for resgatada sem o auxílio da tripulação, não será devido frete algum (art. 623. CCo). Sendo perdidas as mercadorias cujo frete foi pago adiantado, o afretador poderá pedir a devolução integral do mesmo (art. 622. CCo). 184

O prazo para a carga e descarga das mercadorias é, geralmente, estipulado no contrato, sendo chamado de estadia. Não tendo sido pactuado, devem ser seguidos os usos e costumes do porto de embarque ou desembarque (art. 591, CCo). Se naquele local não houverem usos pré-estabelecidos sobre a estadia, deve ser ela o mais célere possível. 185

Normalmente são excluídos das estadias os domingos e feriados, contando-se apenas os dias normais de trabalho. Também se costuma distinguir as estadias correntes, nas quais se contam todos os dias, das estadias laborativas, nas quais só os dias úteis são contados. Caso o contrato não faça referência a nenhuma delas, prevalecerá a contagem apenas dos dias úteis. Devem ser excluídos ainda os dias e que não possa haver carregamento por motivo de força maior - como congestionamento do porto ou greve geral dos estivadores -, cujos prejuízos que provoquem correrão por conta do navio e não do afretador. 186

Existem também as estadias reversíveis, nas quais:

Se se houver fixado no contrato um prazo único para carga e descarga, pode o afretador utilizar-se dos dias como bem entender, compensando os dias a mais, perdidos com o embarque demorado, com um desembarque mais rápido. 187

Ainda, há uma modalidade de estadia em que se premiam os dias poupados no carregamento ou descarregamento da mercadoria. É o resgate de estadias (despatch money), criado pelos comerciantes ingleses de carvão de pedra e destinado a interessar os carregadores a realizar um serviço mais rápido, facilitando a viagem do navio. 188

Algumas vezes ocorre de o afretador não conseguir cumprir com o prazo de estadia estipulado no contrato, extrapolando-o. A partir de então, novo prazo passa a ser contado, dia a dia, inclusive domingos e feriados, pois se não fosse isso o navio já poderia ter adiantado sua viagem. Este novo prazo é chamado sobreestadia ou contra-estadia (demurrage) e por ele o afretador pagará certa importância pré-determinada no contrato ou aquela utilizada usualmente naquele porto calculada dia a dia. A sobreestadia é, pois, uma indenização paga pelo afretador ao fretador pela demora excepcional provocada aos demais afretadores que com este contrataram. 189

Visto isso, passar-se-á a destrinchar, no capítulo vindouro, as cláusulas costumeiramente insertas nos contratos marítimos, bem como os incoterms, que são termos internacionais de comércio que também compõem os contratos de comércio marítimo, além de analisar as responsabilidades civil, administrativa e criminal advindas destes contratos.

Sobre a autora
Vanessa Kiewel Cordeiro

Advogada atuante nas áreas cível, imobiliária e tributária. Pós-graduanda em Direito Tributário pela Universidade Gama Filho - UGF.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CORDEIRO, Vanessa Kiewel. Os contratos e a responsabilidade civil no Direito Marítimo.: Estudo sobre características e particularidades desta espécie contratual. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2829, 31 mar. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/18774. Acesso em: 22 nov. 2024.

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