Na última semana, abrindo a página da Presidência da República na Internet com a finalidade de fazer uma pesquisa, verifiquei um fato alarmante. Chegamos na lei ordinária número 10.000. Claro que muitas destas estão revogadas, mas quase sempre, por um novo ordenamento. Esta prática legislativa feroz, aos poucos, vai determinando o caos legislativo que impera no Brasil dos dias de hoje. Nosso país é um emaranhado de leis, decretos e instruções. Confundem desde os mais experientes advogados até o cidadão mais leigo.
Existe uma enorme facilidade de se fabricar legislação em nosso país. As formas de legislar são inúmeras, que entre outras, vão desde portarias ministeriais, passando por leis ordinárias e desaguando nas Medidas Provisórias, que em seu número total (contando-se reedições), já somam 5.251. Um exemplo da complexa situação legislativa brasileira é a ementa da lei 9.999, de 30.08.2000, aqui transcrita: "Altera o inciso VIII do art. 5o da Lei no 8.313, de 23.12.91, alterada pela Lei no 9.312, de 5.11.96, que restabelece princípios da Lei no 7.505, de 2.07.86, institui o Programa Nacional de Apoio à Cultura PRONAC e dá outras providências, aumentando para três por cento da arrecadação bruta das loterias federais e concursos de prognósticos destinados ao Programa".
O excesso de normas é um de nossos maiores problemas, entretanto, é um resultado direto de nossa tradição jurídica. O direito brasileiro é fortemente derivado do sistema italiano, berço do positivismo jurídico, onde a construção legislativa é imensa e o formalismo processual é venerado. São os países seguidores da chamada "civil law". Apesar de estes países possuírem ordenamentos muito bem organizados em Códigos e sistemas processuais que visam equilibrar as partes litigantes, de outro lado, criam leis estanques, que não evoluem no mesmo compasso da sociedade. Resulta daí, a necessidade de uma criação legislativa intensa, no sentido de acompanhar as mudanças ocorridas em um mundo cada vez mais dinâmico.
De modo diverso vivem os países de cultura e tradição anglo-saxã, onde o Estado possui limites rígidos para legislar. Dentro desta linha jurídica, intitulada "common law", deixa-se a sociedade, ao buscar no judiciário a satisfação de suas pretensões, construir algumas de suas próprias regras de convívio. Os precedentes judicias tem valor muito importante. Neste último caso, as regras evoluem em compasso com os valores da sociedade. O maior exemplo deste caso é a Inglaterra.
O excesso leis é diretamente decorrente do poder que um Estado tem em editá-las, e para que este seja mais cuidadoso quando da elaboração de normas, deve-se limitar as possibilidades deste legislar. O judiciário, o executivo e o legislativo deveriam voltar a ter suas funções originais, impedindo, entre outras coisas, a possibilidade de o executivo criar ordenamentos jurídicos. As leis devem ser resultado de um amplo debate na casa especializada no assunto, o Congresso Nacional.
O respeito pelos ordenamentos jurídicos é um dos fatores básicos daqueles que desejam viver em sociedade. Devemos ter claro que não podemos deixar de cumprir uma lei porque esta é justa ou injusta. Devemos cumprir as leis porque são estas que tornam o convívio em sociedade algo harmonioso, traçando os limites e direitos dos indivíduos. Viver sob a proteção e o respeito da lei, é viver dentro do Estado de Direito, um os pilares básicos de uma sociedade democrática. Legislar deve ser algo sério. Por fim, devemos ter claro que um Estado menor, com atribuições e limites definidos nos âmbitos federal, estadual e municipal, pode ensejar o fim da farra legislativa que existe no Brasil, propiciando um convívio harmônico entre lei e cidadão.