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"Three strikes and you’re out".

A vitimização da democracia substancial na cruzada contra a reincidência criminal

Agenda 25/04/2011 às 17:26

A política repressiva norte-americana estampa a maior população carcerária em âmbito mundial. Figurando com expressiva atuação na composição desse quadro, está a polêmica Three Strikes and You’re Out, cuja sistemática angaria tanto simpatizantes quanto opositores, munidos de decrescentes cifras de criminalidade e progressivos índices de encarceramento.

Gestada na década de 70, mais precisamente em 1978 no estado de Ilinois, o qual quadruplicou sua população carcerária em 16 anos (PURPURA, 1997), a Three Strikes Law parece ser uma daquelas leis cujo nome foi submetido um minucioso processo de marketing a fim de provocar empatia e justificar práticas punitivas. Em alusão ao beisebol, no qual há a expulsão do jogador no cometimento da terceira falta, aquele que reitera pela terceira vez na prática criminosa é retirado de circulação (HASSEMER; MUÑOZ CONDE, 2008).

Orientada pelo sistema da perpetuidade da reincidência, a referida lei, adotada por mais de vinte e quatro estados norte-americanos, entrou em vigor em dezembro de 1993 em Washington e em março de 1994 na Califórnia estabelecendo penas gradativas, de acordo com o número de condenações sofridas (AUSTIN; CLARK; HENRY, 1997).

No modelo californiano, o indivíduo que possuir o registro de um strike na certidão de antecedentes criminais e vier a cometer outro delito de qualquer natureza, será condenado ao dobro da pena em abstrato deste novo tipo penal, devendo cumprir pelo menos 85% da reprimenda para a obtenção do livramento condicional (GILMORE, 1999). Na preexistência de duas condenações por strike, a pena dirigida ao terceiro crime será de 25 anos a prisão perpétua, independentemente de este integrar o aludido rol, restando ceifado qualquer benefício ao condenado em face da sistemática da truth in sentencing (DITTON; WILSON, 1999).

Em tempo, cumpre registrar que os crimes apontados como strike compõem um catálogo próprio, conforme a legislação de cada estado, no qual é comum o homicídio, o estupro, o roubo, o incêndio premeditado, entre outros classificados como felony. Todavia, inobstante a Flórida desviar da proposta inicial, visto que considera entre os strikes a fuga do delinquente (AUSTIN; CLARK; HENRY, 1997), sob o manto deste diploma, inclusive crimes bagatelares, como o roubo de uma pizza ou de fitas de vídeo, foram punidos com longas penas (WALSH, 2007), em razão de uma fórmula denominada wobbler, que, vigente somente na Califórnia, erige um misdemeanor, isto é, transgressões mais leves que felonies e mais graves que infractions, à condição de terceiro strike (BROWN; JOLI, 2005).

Contudo, quando instada a se pronunciar sobre a inconstitucionalidade do diploma mediante o caso Ewing versus Califórnia, sob o fundamento de que o apenamento a 25 de anos de prisão em virtude de um furto atingia a vedação à punição cruel porque desproporcional à gravidade do crime, a U.S Supreme Court, numa apertada decisão de 5 x 4, afirmou que não haveria de se falar em desproporcionalidade, uma vez que tais condenações eram justificáveis na medida em que primavam pela proteção da sociedade frente ao indivíduo indisciplinado que ao reiterar na atividade criminosa evidenciou uma personalidade perigosa propensa a delinquir (BROWN; JOLI, 2005 e WALSH, 2007).

Tais decisões são temerárias na medida em que, centrando-se fundamentalmente na reincidência, conferem guarida à aplicação dessa pesada regra inclusive a crimes que não sejam graves ou violentos, de modo a conduzir a verdadeiras discrepâncias como o apenamento mais severo àquele que cometeu três crimes pequenos sem violência ou sem gravidade frente a outro que cometeu somente um delito, mas deveras violento.

Com efeito, essa cruzada repercutiu na massa carcerária estadunidense, posto que 1/3 dos que lá se encontram, majoritariamente negros e hispânicos, foram por ela enviados, sendo menos da metade por crimes graves ou violentos. De outra banda, a redução das taxas de criminalidade, inclusive violenta, é indubitável, mas creditá-la meramente ao impacto preventivo-geral positivo do diploma, mormente quando os estados aplicaram-no de forma distinta restando por prejudicar um exame preciso sobre sua eficácia, seria incorrer num raciocínio um tanto inadequado, haja vista que outros fatores sociais, como diminuição do número de armas e mudanças econômicas positivas, podem ter influído para tanto (BROWN; JOLI, 2005; WALSH, 2007).

Ante o exposto, tecer considerações positivas sobre a referida lei é uma tarefa arriscada, pois não bastasse apresentar um vultoso custo para os cofres públicos, devido ao longo período de segregação e o encarceramento massivo que impõe, traz um alto custo à democracia substancial, ferindo frontalmente os princípios do non bis in idem, da culpabilidade, da proporcionalidade, da lesividade, da dignidade da pessoa humana, entre outros.

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Nessas circunstâncias, resta nítido que a Three Strikes Law trata-se de um retrato fiel do direito penal máximo que, impregnado por uma cultura imediatista, procura esconder na prisão o produto da insuficiência das prestações positivas do Estado. Desse modo, ao revés de primar por políticas criminais cada vez mais repressivas e, por conseguinte, excludentes, seria mais coerente reivindicar pela efetividade de políticas públicas em sede de prevenções primária e terciária, pois como bem concluem Hassemer e Muñoz Conde, "[...] ‘matar mosquitos a canhão’ tem sido sempre considerada como uma reação desproporcional e um gasto inútil que, tanto a médio como a longo prazo, produz mais dano do que benefício" (HASSEMER; MUÑOZ CONDE, 2008).


Referências

Austin, James; Clark, John; Henry, D. Alan. Three strikes and you're out: a review of state legislation. National Institute of Justice, Washington DC, set. 1997.

BROWN, Brian; JOLI, Greg. A primer: three strikes - the impact after more than a decade. Legislative Analyst's Office. Califórnia, out. 2005.

DITTON, Paula M.; wILSON, Doris James. Truth in sentencing in state prisons. The Bureau Of Justice Statistics, Washington DC, jan. 1999.

GILMORE, Janet. Three Strikes law can't take credit for state's drop in crime, finds UC Berkeley law professor. University of California at Berkeley, 1999.

HASSEMER, Winfried; MUÑOZ CONDE, Francisco. Introdução à criminologia. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2008.

PURPURA, Philip P. Criminal justice: an introduction. United States of America: Butterworth-Heinemann, 1997.

WALSH, Jennifer Edwards. Three Strikes Laws. London: Greenwood Press, 2007.

Sobre a autora
Débora de Souza de Almeida

Doutoranda em Direito Penal pela Universidad Complutense de Madrid – UCM, Espanha. Mestre em Ciências Criminais pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul - PUCRS. Especialista em Ciências Penais pela mesma instituição. Advogada. Autora dos livros “Populismo penal midiático: caso mensalão, mídia disruptiva e direito penal crítico” (em coautoria com o Dr. Luiz Flávio Gomes, pela Editora Saraiva) e “Reincidência criminal: reflexões dogmáticas e criminológicas” (Juruá Editora). Autora de artigos em periódicos especializados em âmbito nacional e internacional.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ALMEIDA, Débora Souza. "Three strikes and you’re out".: A vitimização da democracia substancial na cruzada contra a reincidência criminal. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2854, 25 abr. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/18971. Acesso em: 23 dez. 2024.

Mais informações

Publicado no Boletim IBCCrim nº. 213, ano 18, agosto/2010, página 13.

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