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Licenciamento ambiental e reserva legal no agronegócio brasileiro

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Agenda 23/05/2011 às 14:51

SUMÁRIO: 1 DISCIPLINA JURÍDICA DO LICENCIAMENTO AMBIENTAL; 1.1 Conceito; 1.2 Competência para o licenciamento; 1.3 Princípios aplicados ao licenciamento; 1.4 O Licenciamento Ambiental como um Processo Administrativo

; 1.4.1 Processo Administrativo e suas Fases; 1.4.2 Etapas de um Processo Administrativo de Licenciamento; 1.5 O Licenciamento Ambiental da Atividade Rural; 1.5.1 Conceito de Licenciamento Ambiental como subsídio aos seus desdobramentos; 1.5.3 Licenciamento: ato administrativo vinculado; 1.5.4 Prazo de validade das licenças; 1.5.5 Responsabilidade da administração por danos ambientais; 1.6 Licenciamento e o Crédito Rural; 1.7 Conclusão tópica. 2 DIREITO FLORESTAL: DISCIPLINA JURÍDICA E POSSÍVEIS MODIFICAÇÕES; 2.1 Histórico; 2.2 O Código Florestal; 2.3 Áreas de Preservação Permanente; 2.3.1 Conceito; 2.3.2 Objetivos das APPs; 2.3.3 Espécies de APPs; 2.3.4 APPs: Parâmetros; 2.3.5 APPs e Reserva Legal; 2.3.6 As mudanças propostas na Reforma do Código Florestal; 2.4 Reserva Legal; 2.4.1 Conceito de Reserva Legal; 2.4.2 Percentuais previstos para Reserva Legal; 2.4.3 Averbação da Reserva Legal; 2.4.4 Importância da Delimitação Jurídica (Averbação) da Área de Reserva Legal; 2.4.5 A Celeuma Jurídica criada pelo Decreto n. 6.514/08; 2.4.6 Reserva Legal em condomínio; 2.4.7 Soluções possíveis para os Produtores que não têm a Reserva Legal; 2.4.8 Servidão Florestal. 3. CONCLUSÃO. REFERÊNCIAS.

1 DISCIPLINA JURÍDICA DO LICENCIAMENTO AMBIENTAL

Inúmeras são as controvérsias geradas em torno da questão do Licenciamento Ambiental da Atividade Rural. Entretanto, o enfoque em que se tem direcionado as possíveis soluções não é o que um dos seus principais agentes necessita. O Licenciamento Ambiental da Atividade Rural tem na pessoa do empreendedor, que neste caso, é o produtor rural, o responsável pela sua promoção. Todavia, esse agente, parte de um processo administrativo, desconhece totalmente este instituto, e tal desconhecimento gera uma conclusão precipitada de sua parte: a de que ele funciona apenas como mais um obstáculo imposto pelo Estado à sua atividade, e, em consequência desse raciocínio o empreendedor rural defende a ideia de que essa fiscalização ambiental exercida pelo Poder Público prejudica o desenvolvimento do próprio país.

Luciana de Morais Ferreira, estabelece que "o licenciamento ambiental compreende um conjunto de atos realizados pelo administrador e pela Administração e culmina na prática de ato administrativo pelo órgão ambiental competente" [01] deixando bem claro que o Licenciamento Ambiental possui um litisconsórcio entre o Empreendedor e a Administração Pública.

Por sua vez, o objeto de sua ação é a prévia análise da possibilidade de um determinado empreendimento ser passível de causar dano ambiental.

Édis Milaré é taxativo ao defender que o Licenciamento Ambiental é um instituto que se situa além da mera polícia administrativa ambiental como uma das funções da Administração Pública. Milaré alerta para o fato de que,

o licenciamento ambiental, como prática do poder de polícia administrativa, não deve ser considerado como obstáculo teimoso ao desenvolvimento, porque este também é um ditame natural e anterior a qualquer legislação, chegando mesmo a ser um imperativo bíblico e religioso. O que está em jogo é a supremacia do interesse público sobre o individual, preceito inscrito em tantas culturas e civilizações, e dele está fortemente impregnado o direito em todas as suas ramificações. [02]

José Afonso da Silva afirma que as licenças ambientais são, em geral, atos administrativos de controle preventivo de atividades de particulares no exercício de seus direitos. Há situações em que o particular é titular de um direito relativamente à exploração ou uso de um bem ambiental de sua propriedade. Mas o exercício desse direito depende do cumprimento de requisitos legalmente estabelecidos tendo em vista a proteção ambiental, de tal sorte que fica ele condicionado à obtenção da licença da autoridade competente, pois que o licenciamento de atividades poluidoras é uma exigência da Lei n. 6.938/81 como instrumento da Política Nacional do Meio Ambiente (art. 9º, IV). [03]

É bem verdade que o licenciamento ambiental é regido por diplomas legais como a Constituição de 1998 e por leis como a de n. 6.938 de 31.08.1981 além de resoluções e decretos regulamentados posteriormente. Acrescenta-se também o Estudo de Impacto Ambiental – EIA – e o Relatório de Impacto Ambiental – RIMA, os quais, relacionados, formam procedimentos e instrumentos administrativos para o licenciamento.

O Conselho Nacional do Meio Ambiente – CONAMA, por meio da Resolução n. 237, de 19 de dezembro de 1997, definiu os empreendimentos e atividades que estão sujeitos ao licenciamento ambiental. Esse licenciamento será efetuado em um nível de competência, repartindo-se harmonicamente as atribuições entre o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis – IBAMA, em nível federal, e os órgãos ambientais dos Estados e Municípios em que se localizar o empreendimento.

Em linhas gerais, compete ao IBAMA o licenciamento de empreendimentos e atividades com impacto ambiental de âmbito nacional ou que afete diretamente o território de dois ou mais Estados federados, considerando os exames técnicos procedidos pelos órgãos ambientais dos Estados e Municípios em que se localizar o empreendimento.

Aos órgãos ambientais municipais compete o licenciamento de empreendimentos e atividades de impacto ambiental e dos que lhe forem delegados pelos Estados mediante instrumento legal ou convênio.

Para Paulo de Bessa Antunes, o mais importante dentre os mecanismos de controle da preservação do meio ambiente é o licenciamento ambiental, por meio do qual a Administração Pública, no uso de suas atribuições, estabelece condições e limites para o exercício de determinadas atividades. [04]

Ao analisar uma questão ambiental, para não sermos contagiados de forma a suprimir a nossa imparcialidade, devemos sempre lembrar das palavras do saudoso Hely Lopes Meirelles:

De um modo geral, as concentrações populacionais, as indústrias, o comércio, os veículos motorizados e até a agricultura e a pecuária produzem alterações no meio ambiente. Essas alterações, quando normais e toleráveis, não merecem contenção e repressão, só exigindo combate quando se tornam intoleráveis e prejudiciais à comunidade, caracterizando poluição reprimível. Para tanto há necessidade de prévia fixação técnica e legal dos índices de tolerabilidade, ou seja, dos padrões admissíveis de alterabilidade de cada ambiente, para cada atividade poluidora, não se compreendendo nem se legitimando as formas drásticas de interdição de indústrias e atividades licitas por critérios pessoais de autoridade, sob o impacto de campanhas emocionais que se desenvolvem em clima de verdadeira psicose coletiva de combate à poluição. [05] (grifamos)

Feitas as considerações preliminares do que é licenciamento ambiental, partiremos agora para uma análise mais detalhada desse instituto, conceituando e explicando a sua importância para o Direito do Agronegócio. Buscaremos para tanto, neste trabalho, analisar em apertada síntese, os aspectos atinentes ao Licenciamento Ambiental, voltando-os para a questão rural. Faremos, por meio de uma prospecção centrada na normatividade e no emprego prático do Instituto em análise, expondo ao final as considerações fundamentadas no conteúdo desenvolvido.

1.1 Conceito

O licenciamento ambiental é instrumento não jurisdicional de tutela ambiental com caráter preventivo. Aliás, dizer que se trata de um instrumento da política ambiental é repetir o que estabelece o artigo 9º, IV, da Lei n. 6.938/81.

Em outras palavras, o licenciamento não é um ato administrativo simples, mas sim um encadeamento de atos administrativos (ato administrativo complexo), o que lhe conota uma ideia de processo administrativo. Portanto, difere-se sensivelmente da licença comum, já que nesta basta o cumprimento formal das exigências legais para que se dê a outorga. No entanto, para obtenção da licença ambiental existe a necessidade do cumprimento de alguns atos como, em alguns casos o EIA e o RIMA, exigindo, dessa maneira, mais que apenas simples requisitos legais para a licença.

1.2 Competência para o licenciamento

Faz-se necessária a identificação da competência para a realização do pedido de licença.

As licenças ambientais são de competência do órgão estadual, que deverá ouvir, quando necessário, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e de Recursos Naturais Renováveis – IBAMA, e os órgãos ambientais municipais, como determina o artigo 10 da Lei n. 6.938/81. Segue o artigo citado:

Art. 10. A construção, instalação, ampliação e funcionamento de estabelecimentos e atividades utilizadoras de recursos ambientais, considerados efetiva e potencialmente poluidoras, bem como capazes, sob qualquer forma, de causar degradação ambiental, dependerão de prévio licenciamento do órgão estadual competente, integrante do Sistema Nacional do Meio Ambiente e de Recursos Naturais Renováveis (IBAMA), e, caráter supletivo, sem prejuízo de outras licenças exigidas.

O IBAMA deverá considerar o exame técnico procedido pelos órgãos ambientais dos Estados e Municípios que abrigarão a atividade ou empreendimento. Poderá ainda, ressalvada a sua competência supletiva, delegar a competência para o licenciamento aos Estados, quando a atividade for potencialmente causadora de significativo impacto ambiental em âmbito regional, como afirmam Celso Antônio Pacheco e Marcelo Abelha Rodrigues. [06]

1.3 Princípios aplicados ao licenciamento

Alguns princípios são fundamentais na análise de Direito Ambiental. Tais princípios estão fundamentados na doutrina alemã e são eles: a) princípio da prevenção; b) princípio do poluidor pagador ou da responsabilização; c) princípio da cooperação ou da participação.

A seguir, faremos uma análise mais detalhada de cada um dos princípios citados.

Princípio da prevenção: o autor português Fernando Alves Correia, em sua obra O Plano Urbanístico e o Princípio da Igualdade,indica que deve ser dada prioridade a medidas que evitem o nascimento de atentados ao meio ambiente. A legislação portuguesa, denominada de Lei de Bases do Ambiente, no seu artigo 3º, determina que as atuações com efeitos imediatos ou a prazo no ambiente, devem ser consideradas de forma antecipada, reduzindo ou eliminando as causas, prioritariamente, à correlação dos efeitos dessas ações ou atividades suscetíveis de alterarem a qualidade do meio ambiente. [07]

Princípio do poluidor-pagador ou da responsabilização: ainda de acordo com o autor português, esse princípio indica que o poluidor é obrigado a corrigir ou recuperar o ambiente, suportando os encargos daí resultantes, não lhe sendo permitido continuar a ação poluente. Além disso, aponta para a assunção pelos agentes das consequências para terceiros, de sua ação, direta ou indireta sobre os recursos naturais. [08]

Uma das consequências desse princípio é a obrigação do poluidor, independentemente de culpa, sempre que o agente tenha causado danos significativos ao ambiente, em virtude de uma ação especialmente perigosa, embora com respeito ao normativo aplicável, conforme artigo 41, n. 1, da Lei de Bases do Ambiente. O mesmo princípio pode ser identificado, no Brasil, na Lei n. 6.938/81, artigo 4º.

O artigo citado determina: "à imposição, ao poluidor e ao predador da obrigação de recuperar e/ou indenizar os danos causados e, ao usuário, da contribuição pela utilização de recursos ambientais" [09].

A consequência de tal princípio também é encontrada no Direito brasileiro, na mesma lei citada anteriormente, artigo 14, § 3º.

Princípio da cooperação: o mesmo autor supracitado afirma que esse princípio expressa a ideiade que para a resolução dos problemas do ambiente deve ser dada especial ênfase à cooperação entre o Estado e a sociedade, por meio da participação dos diferentes grupos sociais na formulação e na execução do meio ambiente (art. 3º, c, e art. 41, i, da Lei n. 11/87) [10].

Na Constituição brasileira esse princípio vem determinado pelos artigos 61, § 2º; 27, § 4º e 29, incisos X e XI, que englobam os níveis federal, estadual e municipal.

1.4 O Licenciamento Ambiental como um Processo Administrativo

1.4.1 Processo Administrativo e suas Fases

Antes de explicar a relação do licenciamento com a atividade rural é necessário enfatizar que o licenciamento é um processo administrativo.

Mas o que seria um processo administrativo? Segundo Nelson Nery Costa,

o processo administrativo é o conjunto de atos administrativos, produzidos por instituições públicas ou de utilidade pública, com competência expressa, respaldados em interesse público, que são registrados e anotados em documentos que formam peças administrativas, disciplinando a relação jurídica entre a Administração e os administrados [...]. [11]

Desdobrando esse conceito, poderíamos concluir desde já que:

a) O processo administrativo é o conjunto de atos administrativos, produzidos por instituições públicas ou de utilidade pública – ou seja, somente a Administração Pública é competente para análise de processo administrativo, seja de forma desconcentrada ou descentralizada. Logo, em todos os Estados da Federação, os responsáveis pela análise de um processo administrativo de licenciamento ambiental são as suas respectivas Secretarias do Meio Ambiente, que o farão de forma centralizada (sendo o trâmite do processo dentro de seus departamentos) ou de forma descentralizada (neste caso a Secretaria institui órgãos – Autarquias [12] ou Fundações Públicas [13] – que terão competências delegadas para a sua análise);

b) com competência expressa – essa competência deve estar amparada por norma constitucional e infraconstitucional;

c) respaldados em interesse público – o critério do interesse público é adotado para matizar os dois princípios-base do regime jurídico administrativo: Supremacia do Interesse Público sobre o Privado (consubstanciado na afirmação de que aqueles que têm o dever de buscar a satisfação do interesse público, devem ter privilégios e prerrogativas jurídicas, de modo a que se coloquem em uma posição de superioridade em relação aos que que perseguem a satisfação de Interesses Privados) e Indisponibilidade do Interesse Público (onde há a afirmação de que o administrador público não pode dispor livremente dos interesses públicos, devendo rigorosamente seguir a vontade da coletividade, representada na expressão da lei);

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d) que são registrados e anotados em documentos que formam peças administrativas;

e) disciplinando a relação jurídica entre a Administração e os administrados.

Algumas peculiaridades do Processo Administrativo podem ser apontadas. Procuraremos identificar as suas três fases.

A Fase inicial é a de instauração do processo administrativo, que pode ser de ofício ou a pedido do interessado [14]. Nesta fase, a principal observação que pode ser feita está relacionada à competência. Para se instaurar o processo administrativo, deve-se verificar o órgão competente, observando-se a matéria de que se trata o processo e a hierarquia administrativa para essa instauração [15].

Nesta fase, ou seja, na instauração, há o direito do administrado de requerer o Processo Administrativo pessoalmente ou por intermédio de procurador. Nesse sentido, Sérgio de Andréa Ferreira preconiza que "no Processo Administrativo, as partes podem postular pessoalmente, através de advogado, e, em alguns casos, através de despachante autorizado" [16].

A segunda fase, chamada de instrutória ou preparatória, é aquela onde estão presentes:

todos os elementos de fato e de direito que possibilitem a tomada de decisão justa e aderente à realidade; aí se incluem os atos e fatos relativos às provas, a formulação de pareceres jurídicos e técnicos, as audiências públicas (como no licenciamento ambiental), relatórios, alegações escritas com caráter de defesa ou não, enfim todos os elementos que levam a um conhecimento mais acurado da questão tratada no processo, com o objetivo de conduzir a uma decisão correta quanto aos fatos e ao direito. [17]

Por fim, a terceira fase, chamada de decisória. A regra aplicável é a de que nesta fase, a Administração obrigatoriamente decide o processo e tem o prazo de 30 dias, a contar da conclusão da instrução, podendo esse prazo, se houver motivo para isso, ser prorrogado por igual prazo.

Nessa fase se incluem os elementos necessários à eficácia da decisão, tais como notificação, publicação e, eventualmente, homologação ou aprovação, pois todos são ínsitos à própria decisão.

1.4.2 Etapas de um Processo Administrativo de Licenciamento

Três são as etapas do licenciamento: a) outorga da licença prévia; b) outorga da licença de instalação; e c) outorga da licença de operação. Ressalta-se que entre uma etapa e outra podem ser necessários o EIA e o RIMA, ou ainda uma audiência pública.

O Órgão Ambiental é que estabelece como deverão ser feitos os pedidos de licença, mas em regra segue as seguintes etapas:

Licença prévia: é concedida na fase preliminar do planejamento do empreendimento ou atividade, aprovando a sua localização e concepção, atestando a viabilidade ambiental e estabelecendo os requisitos básicos e condicionantes a serem atendidos nas próximas fases de implementação, como determina o artigo 8º, I, da Resolução CONAMA n. 237/97.

Para a formalização do processo de licença prévia são necessários vários documentos que são exigidos pelos Órgãos Públicos responsáveis pela Tutela Ambiental. Ressalta-se que, além dos documentos, pode ser exigido, durante a análise da licença prévia, a elaboração de um projeto que demonstre a viabilidade econômica, técnica, social e ambiental do empreendimento [18]e uma audiência pública, cuja finalidade é expor o projeto e seus estudos ambientais às comunidades interessadas, sanando dúvidas e recolhendo do público outros questionamentos e sugestões.

Licença de instalação: é a segunda fase do licenciamento ambiental, quando são analisados e aprovados os projetos educativos de controle de poluição e as medidas compensatórias que compõem o documento denominado Plano de Controle Ambiental.

Essa licença gera direito à instalação do empreendimento ou sua ampliação, ou seja, a implantação do canteiro de obras, movimentos de terra, aberturas de vias, construção de galpões, edificações e montagens de equipamentos.

Licença de operação ou licença de funcionamento: é expedida após a licença de instalação. De acordo com a Resolução CONAMA n. 237/97, artigo 8º, III, a operação da atividade ou empreendimento só ocorre após a verificação do efetivo cumprimento do que consta das licenças anteriores com as medidas de controle ambiental e condicionantes determinados para a operação.

A legislação ambiental prevê dois tipos especiais de licença de operação: licença sumária, aplicável a empreendimentos de pequeno porte; e licença precária, concedida quando for necessária a entrada em operação do empreendimento exclusivamente para teste de eficiência de sistema de controle de poluição, com validade nunca superior a seis meses.

Exemplo de Documentos Solicitados para uma Licença em Projeto de Irrigação

(Resolução Conama n. 284 de 2001)

1.5 O Licenciamento Ambiental da Atividade Rural

1.5.1Conceito de Licenciamento Ambiental como subsídio aos seus desdobramentos

Partindo do conceito de Licenciamento Ambiental, temos que esse instituto é um processo administrativo (ato administrativo complexo) pelo qual o órgão ambiental competente verifica a localização, instalação, ampliação e operação de empreendimentos e atividades utilizadoras de recursos ambientais ou potencialmente poluidoras, e, depois de verificadas as adequações, vincula-se à emissão de licença ambiental.

Fazendo um desdobramento desse conceito pode-se dizer que ele é um Processo Administrativo porque é composto por várias fases.

A primeira fase é a instauração. Esta ocorre com o protocolo do Formulário de Caracterização do Empreendimento junto ao Órgão Estadual competente. Em Minas Gerais, por exemplo, o protocolo é feito no Instituto Estadual de Florestas – IEF – que é vinculado ao Conselho Estadual de Política Ambiental – COPAM. A partir desse período, o IEF terá três meses para emitir o seu Formulário de Orientação Básica para a elaboração do licenciamento. É necessário ressaltar que há casos em que se exigirá o licenciamento tanto Estadual quanto Federal. O Superior Tribunal de Justiça recentemente proferiu julgamento nesse sentido. Perceba:

ADMINISTRATIVO E AMBIENTAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DESASSOREAMENTO DO RIO ITAJAÍ-AÇU. LICENCIAMENTO. COMPETÊNCIA DO IBAMA. INTERESSE NACIONAL.

1. Existem atividades e obras que terão importância ao mesmo tempo para a Nação e para os Estados e, nesse caso, pode até haver duplicidade de licenciamento.

2. O confronto entre o direito ao desenvolvimento e os princípios do direito ambiental deve receber solução em prol do último, haja vista a finalidade que este tem de preservar a qualidade da vida humana na face da terra. O seu objetivo central é proteger patrimônio pertencente às presentes e futuras gerações.

3. Não merece relevo a discussão sobre ser o Rio Itajaí-Açu estadual ou federal. A conservação do meio ambiente não se prende a situações geográficas ou referências históricas, extrapolando os limites impostos pelo homem. A natureza desconhece fronteiras políticas. Os bens ambientais são transnacionais. A preocupação que motiva a presente causa não é unicamente o rio, mas, principalmente, o mar territorial afetado. O impacto será considerável sobre o ecossistema marinho, o qual receberá milhões de toneladas de detritos.

4. Está diretamente afetada pelas obras de dragagem do Rio Itajaí-Açu toda a zona costeira e o mar territorial, impondo-se a participação do IBAMA e a necessidade de prévios EIA/RIMA. A atividade do órgão estadual, in casu, a FATMA, é supletiva. Somente o estudo e o acompanhamento aprofundado da questão, através dos órgãos ambientais públicos e privados, poderá aferir quais os contornos do impacto causado pelas dragagens no rio, pelo depósito dos detritos no mar, bem como, sobre as correntes marítimas, sobre a orla litorânea, sobre os mangues, sobre as praias, e, enfim, sobre o homem que vive e depende do rio, do mar e do mangue nessa região.

5. Recursos especiais improvidos.

(RESP 588022/SC; RECURSO ESPECIAL 2003/0159754-5. DJ DATA: 05.04.2004 PG: 00217. Relator Min. JOSÉ DELGADO (1105). Data de Julgamento: 17.02.2004. PRIMEIRA TURMA).

A segunda fase é a instrutória, que se inicia com o recebimento do Formulário de Orientação Básica – FOB.

Podemos apontar algumas questões relativas a essa segunda fase:

I – Conteúdo que geralmente o FOB exige (a título exemplificativo, adotamos as exigências comuns no Estado de Minas Gerais):

a) Requerimento da Licença – FCE;

b) Declaração da Prefeitura Municipal, que funciona como uma Certidão Negativa de Dano Ambiental;

c) Estudo de Impacto Ambiental e Relatório de Impacto do Meio Ambiente – se forem exigidos – que serão elaborados em conformidade com os parâmetros traçados pelo IEF;

d) Relatório e Plano de Controle Ambiental elaborado de acordo com os parâmetros traçados pelo IEF;

e) Anotação da Responsabilidade Técnica dos profissionais que elaboraram o RCA/PCA – Engenheiros Agrônomos ou Ambientais, Geólogos, Biólogos, Economistas, etc.;

f) Autorização concedida pelo IEF para exploração florestal;

g) Certificado de Outorga do Direito de Uso das Águas;

h) Cópia da Publicação do Requerimento de Licença Ambiental;

i) Anuência do Órgão responsável pela gestão ambiental da Unidade de Conservação e Preservação Ecológica – IBAMA, IEF ou Secretaria Municipal do Meio Ambiente;

j) Comprovante de recolhimento das custas.

II – Quanto ao EIA/RIMA, algumas considerações:

Edna Cardozo Dias define impacto ambiental como qualquer alteração das propriedades físicas, químicas, e biológicas do meio ambiente causadas por qualquer forma de matéria ou energia resultante das atividades humanas que, direto ou indiretamente, afetam: a) a saúde, a segurança e o bem-estar da população; b) as atividades sócio-econômicas; c) a biota; d) as condições estéticas e sanitárias do meio ambiente; e) qualidade dos recursos ambientais. [19]

O EIA é um dos mais importantes recursos criados para a proteção do meio ambiente, pois ele representa o diagnóstico do conjunto de alterações ambientais que pode ser causado pelas atividades de determinado projeto, evitando dessa forma o dano ambiental.

A criação do EIA se deu em 1969, nos Estados Unidos, quando o congresso americano votou o National Environmental Policy Act – NEPA – e também o Environmental Protection Agency – EIA. Em 1970, o NEPA regulamentou o EIA, e esse passou a ser enviado para diversos países do mundo pelos Estados Unidos.

É necessário ressaltar, entretanto, que para efeitos do Licenciamento Ambiental atualmente existem dois modelos, o americano e o francês.

O Modelo Americano adveio com o surgimento da Avaliação de Impacto Ambiental – AIA – em 1969. Neste modelo, a AIA é o próprio licenciamento, ou seja, não há licenciamento sem a realização de Estudo de Impacto Ambiental e o Respectivo Relatório.

O segundo, Modelo Francês, coloca a AIA como um requisito para a emissão de licença; entretanto, pode ser dispensada para atividades de pequeno potencial ofensivo ao meio ambiente. É o modelo adotado no Brasil. A Resolução CONAMA n. 001/86, dispõe em seu artigo 2°, que "dependerá de elaboração de Estudo de Impacto Ambiental e respectivo Relatório de Impacto Ambiental – RIMA, a serem submetidos à aprovação do órgão estadual competente, e do IBAMA em caráter supletivo, o licenciamento de atividades modificadoras do meio ambiente, (...)". Especificamente tratando da questão agrária, estabelece o inciso XVII que em "projetos agropecuários que contemplem áreas acima de 1.000 ha, ou menores, neste caso, quando se tratar de áreas significativas em termos percentuais ou de importância do ponto de vista ambiental, inclusive nas áreas de proteção ambiental".

Depreende-se, portanto, da interpretação deste artigo 2°, XVII, que a contrario sensu, as propriedades que não ultrapassem 1.000 ha a princípio estariam dispensadas de elaborar o EIA/RIMA. Excetuando aquelas áreas que são consideradas significativas em termos percentuais ou de importância ambiental. Neste caso, deve-se observar as Áreas de Proteção Ambiental [20] e as de Relevante Interesse Ecológico [21], que são disciplinadas pela Lei 9.985, de 18 de julho de 2000. Estas áreas obrigatoriamente necessitam de elaboração do EIA/RIMA.

O Estado de São Paulo foi mais longe, e adotou um interessante modelo para se avaliar a necessidade ou não da realização de EIA/RIMA. Por meio da Resolução n. 26/93, emitida por sua Secretaria do Meio Ambiente, criou-se o Relatório Ambiental Preliminar – RAP, que tem por objetivo avaliar a extensão dos possíveis Impactos Ambientais decorrentes do empreendimento. Após essa verificação, e com o Relatório em mãos, o Órgão Ambiental Licenciador terá melhores condições de requerer ou não a elaboração do EIA/RIMA.

Conceituando o EIA, temos que ele é o estudo das prováveis modificações nas características socioeconômicas e biofísicas do meio ambiente, que podem resultar de um projeto proposto. É um diagnóstico da situação ambiental presente e uma previsão de eventuais impactos futuros.

Para Avaliação de Impacto Ambiental, segundo Geraldo Mario Rohde, deve-se observar as seguintes etapas:

1. identificação das atividades do empreendimento e os parâmetros do sistema ambiental;

2. correlação (e quantificação, se possível) dos efeitos ambientais das atividades identificadas sobre os parâmetros ambientais; como resultado desta análise, obtém-se um diagrama de efeitos onde se pode visualizar o impacto potencial das atividades do empreendimento sobre o meio ambiente;

3. considerando as relações causa-efeito e suas quantificações, torna-se fatível orientar o estabelecimento de medidas de proteção ambiental, visando a eliminação ou redução do impacto ambiental a nível aceitável (permite – ainda – a avaliação preliminar do impacto ambiental);

4. a partir do conhecimento da situação inicial do empreendimento e do meio ambiente são realizados os programas e planos ambientais, que envolvem o acompanhamento e o monitoramento das situações futuras, bem como a recuperação ambiental de áreas onde for o caso. [22]

Os principais impactos ambientais existentes [23] e que causam danos diretos ao meio ambiente rural são os relacionados a seguir:

a) Impactos Climáticos: alterações no mesoclima, criação de microclimas, formação de neblinas artificiais, redução da visibilidade, indução artificiais de precipitações, criação de chuvas ácidas [24], efeito estufa e destruição da camada de ozônio;

b) Impactos Geomorfológicos: alteração parcial de determinados compartimentos geomorfológicos, alterações na paisagem regional, alterações da topografia, inundação de áreas florestais e outras formações vegetais, eliminação da cobertura vegetal, destruição de parques, áreas de recreação e sítios arqueológicos-históricos, impacto ("visual") estético;

c) Impactos Pedológicos: rompimento das relações solo-vegetais-sementes-animais, alteração da estrutura do solo, mistura de horizontes, aumento de densidade e compactação do solo, modificação das espessuras das camadas do solo, diminuição dos teores de matéria orgânica, aumento de teores de elementos tóxicos, aumento acelerado de erosão, compactação excessiva dos solos, degradação/inutilização/remoção/inundação/perturbação/acidificação de solos, contaminação e poluição de solos por resíduos sólidos, líquidos e gasosos, mudanças na capacidade de uso atual do solo, interrupção do uso atual do solo, e uso inadequado do solo, do território e dos recursos naturais;

d) Impactos Geológicos: perturbação das camadas geológicas, produção de silte, cascalhos e de resíduos sólidos, ocorrência de avalanchas, escorregamentos, desabamentos e recalques, quedas de blocos e detritos, ocorrência de combustão espontânea, ruptura do habitat da fauna e da flora pela eliminação do substrato geológico (por exemplo, um pântano), destruição de espaço aberto, dunas e áreas costeiras baixas, e aumento na acumulação de vidro, metais, plásticos, cimento, asfalto e lixo;

e) Impactos Hidrológicos: perturbação da drenagem natural, mudanças na frequência e/ou volume do fluxo superficial, assoreamento em geral, assoreamento de reservatórios de água (barragens e outros), contaminação e poluição das águas superficiais, erosão nas margens dos canais, diques e reservatórios, transformação e alterações nas características físico-químicas e biológicas dos recursos hídricos, contaminação da água, redução do valor fertilizante da água, impedimentos (ou eliminação) à pesca, à navegação e esportes aquáticos, inundação do patrimônio paisagístico, cultural, histórico, arqueológico e científico, mudança da salinidade, e poluição térmica;

f) Impactos Hidrogeológicos: elevação ou rebaixamento do nível freático, redução da infiltração, alteração, intensificação ou impedimentos de trocas entre aquíferos, e contaminação e/ou poluição de aquíferos;

g) Impactos Geoquímicos: poluição do solo, do ar, das águas superficiais e das águas subterrâneas consideradas como um conjunto, modificação dos ciclos biogeoquímicos e da composição química da atmosfera, mobilização, transporte, transformação e bioacumulação das substâncias contaminantes.

Ramón Martín Mateo, explica que:

En dicha evaluación se distinguirán los efectos positivos de los negativos, los temporales de los permanentes, los simples de los acumulativos y sinérgicos, los directos de los indirectos, los reversibles de los irreversibles, los recuperables de los irrecuperables, los periódicos de los de aparición irregular, y los continuos de los discontinuos. Del mesmo model, se indicarán los Impactos Ambientales compatibles, moderados, severos y críticos, así como las implicaciones económicas de los efectos ambientales. [25]

Quanto ao RIMA, este é elaborado de forma mais simples, com menos termos técnicos que o EIA, e com o intuito de ser facilmente compreendido pelo público. Seu conteúdo é o mesmo do EIA, sofrendo modificações apenas na forma como a informação deve ser passada a terceiros, apresentando-se na verdade como uma minuta do EIA.

De acordo com Edna Cardozo Dias, o RIMA é um resumo do EIA, e reflete suas conclusões e faz uma síntese do diagnóstico ambiental da área, além de indicar a alternativa mais favorável. [26]

III – Relatório de Controle Ambiental e o Plano de Controle Ambiental:

O Relatório de Controle Ambiental e o Plano de Controle Ambiental, na verdade, são planos para uma eficientização/otimização do controle do meio ambiente após a concessão da licença. Entretanto, devem ser feitos anteriormente à concessão daquela. O órgão ambiental deve estabelecer especificamente as diretrizes para elaboração dos Relatórios e Planos de Controle Ambiental.

Daniel Roberto Fink e André Camargo Horta de Macedo, explicam que o Plano de Controle Ambiental é "destinado a propor diretrizes para o monitoramento ambiental do empreendimento, bem como o projeto executivo de implantação das medidas mitigadoras ou corretivas" [27].

IV – Audiência Pública:

Outro aspecto que merece ser frisado é a Audiência Pública. Esta é a reunião destinada a expor à comunidade as informações sobre obra ou atividade potencialmente causadora de significativo impacto ambiental e o respectivo Estudo de Impacto Ambiental, dirimindo dúvidas e recolhendo as críticas e sugestões a respeito para subsidiar a decisão quanto ao seu licenciamento.Ela funciona como um viés ao Princípio da Publicidade do Licenciamento Ambiental.

V – Outorga de Uso das Águas:

Outro importante aspecto é a Outorga de Direito de Uso das Águas. Sem a outorga expedida pelo órgão competente, seja a Agência Nacional de Águas, se o rio for de jurisdição federal, ou o órgão estadual, se o rio for de jurisdição estadual, o licenciamento se inviabiliza, já que atualmente ela aparece como requisito para a concessão da licença. No caso da outorga coletiva estar em andamento, para os que não estejam no processo, é necessário que se faça esse ajustamento. Em alguns Estados já está estabelecida a obrigação de interdependência do Licenciamento Ambiental, da Outorga de Água e da Autorização para Exploração Florestal; logo, sem um não há a concessão do outro.

VI – Reserva Legal:

Também é necessário apresentar documento que comprove estar a Reserva Florestal Legal devidamente averbada, para que o Órgão Ambiental possa dar impulso ao processo administrativo, pois se trata de obrigação ambiental comum a qualquer produtor rural que deseje atuar de forma ambientalmente correta.

Por fim, aparece a fase decisória – última fase. Nessa fase, o órgão licenciador emitirá ou não a licença. Se não emitir, ele pode exigir a adequação visando a correção dos motivos que determinaram a não emissão.

1.5.2 Modalidades de Licenciamento Ambiental

Quanto às modalidades de Processo Administrativo de Licenciamento Ambiental, duas modalidades são as existentes em regra no Brasil. Ambas dependem da fase em que se encontra o empreendimento, se ainda vai ser implantado ou já está em operação.

Para os empreendimentos a serem implantados, o modelo de licenciamento é o Preventivo, que prevê a concessão de três licenças: Licença Prévia (LP), Licença de Instalação (LI) e Licença de Operação (LO).

Quando o empreendimento já está em plena operação, como é o caso da maioria das atividades agropecuárias, o modelo é o de Licenciamento de Operação Corretiva (LOC), que corresponde a uma única licença. Para sua obtenção é cobrado do empreendedor o montante da soma das três licenças anteriores.

Na primeira modalidade – Licenciamento Preventivo –, três são as etapas: a) outorga da licença prévia; b) outorga da licença de instalação e c) outorga da licença de operação. Ressalta-se que, entre uma etapa e outra, podem ser necessários o EIA e o RIMA, ou ainda uma audiência pública.

Na segunda modalidade – Licenciamento de Operação Corretiva –, ou seja, aquela prevista para os empreendedores que já estão instalados e operacionalizando, o que é o caso da maioria, não haverá a necessidade de observância de todas essas fases até porque, a finalidade desse processo rigoroso, que é o direito à execução da atividade, já foi alcançado, e na maioria das vezes, antes do próprio poder público exigir uma licença de operação, ou seja, antes de 1981.

Para se ter uma noção dos valores cobrados pelo licenciamento, apresentamos um quadro comparativo entre quatro Estados da Federação.

Quadro de valores médios cobrados pelas 3 licenças (LP, LI e LO) em reais (R$) (comparação entre Estados da Federação – Período 2004/2009):

Classes

MG

RS

SP

PR

Pequena

5.250,00

1.302,23

892,70

125,13

Média

8.500,00

2.727,00

1.692,70

175,19

Grande

16.600,00

5.060,34

2.492,70

400,43

Como se percebe, a discrepância é grande. A maior taxa cobrada pelo Estado do Paraná é cerca de quarenta vezes menor do que a maior taxa cobrada por Minas Gerais.

1.5.3 Licenciamento: ato administrativo vinculado

Vale ainda ressaltar, na parte conceitual de licenciamento, a diferença existente entre licença e autorização.

A licença só é pertinente naquelas hipóteses que preexiste o direito subjetivo ao exercício da atividade. Se esse direito não existisse, se o exercício da atividade vai nascer com o ato da autoridade, então este não será licença. Pode ser concessão, pode ser permissão ou autorização, não licença, pois essa é um ato que pressupõe que aquele em favor de quem é liberada seja titular de direito. Trata-se, porém, de um direito cujo exercício é condicionado ao preenchimento de determinada exigência e de alguns requisitos impostos em lei. A outorga da licença significa o atendimento dessas exigências e requisitos, salvos se a própria licença houver sido liberada com desrespeito às normas legais, caso em que ela será inválida, não surtindo aqueles efeitos. Por isso, é ato vinculado. Quer dizer, se o titular do direito a ser exercido comprova o cumprimento dos requisitos para seu efetivo exercício, a licença não pode ser indeferida, porque do preenchimento dos requisitos nasce o direito subjetivo à mesma.

A autorização é ato precário e discricionário porque não pressupõe um direito anterior a ser exercido. Vale dizer, o direito ao exercício da atividade autorizada nasce com a outorga da autorização. "[...] Ela pressupõe uma proibição geral, expressa ou decorrente do sistema, ao exercício da atividade. Sua outorga consiste, assim, em remover esses obstáculos em favor de alguém, por razões de conveniência ou de mera liberdade da Administração. [28]

Tal diferenciação é de relevante importância já que nos leva à delimitação do tema deste capítulo: licenciamento ambiental, não podendo ser confundido com autorização.

A licença é vinculada. Depois de verificadas as adequações vinculam-se à emissão de licença ambiental. O licenciamento é um ato administrativo vinculado, já que é uma licença e não uma autorização. Há, portanto, algumas diferenças entre esses dois institutos, quais sejam:

LICENÇA

AUTORIZAÇÃO

– Pressupõe uma preexistência de direito ao exercício da atividade.

– É um direito condicionado ao preenchimento dos requisitos legais.

– É ato vinculado, já que, preenchidos os requisitos, o Órgão Licenciador se obriga à sua emissão, ou seja, nasce um direito subjetivo.

– Concede um direito a exercício de atividade determinada.

– É um ato precário e discricionário porque não pressupõe um direito anterior.

– Pressupõe uma proibição geral. O direito ao exercício da atividade só nasce com a outorga da autorização.

Portanto, se o licenciamento fosse uma autorização, ele dependeria da boa vontade da Administração Pública em concedê-lo, pois seria um ato administrativo discricionário.

1.5.4 Prazo de validade das licenças

Cada Órgão Ambiental estabelece os prazos de validade de acordo com o tipo de licença requisitada. Mister se faz esclarecer que cada empreendimento possui uma classificação que varia conforme o porte e potencial poluidor apresentado. Todavia, em regra o prazo máximo de validade da licença é de 6 anos, mas deve-se analisar a legislação de cada Estado que fixou o prazo.

1.5.5 Responsabilidade da administração por danos ambientais

Dano ambiental é qualquer lesão ao meio ambiente que possa ter sido causada por condutas ou atividades de pessoa física ou jurídica de direito público ou de direito privado. Ocorrendo dano, a Constituição prevê três tipos de responsabilidade e suas respectivas sanções pelos danos ecológicos cometidos. São eles: administrativa, civil e penal. "A responsabilidade administrativa resulta de infração a normas administrativas sujeitando-se o infrator a uma sanção de natureza também administrativa: advertência, multa, interdição de atividade, suspensão de benefícios, etc." [29]

Já a responsabilidade civil, consiste em imposição ao infrator de ressarcimento do prejuízo causado por sua conduta ou atividade. Essa responsabilidade é objetiva, ou seja, é independente da verificação de culpa. Ressalta-se que a confirmação de tal informação pode ser encontrada no artigo 225, § 3º da Constituição Federal.

Por último, a responsabilidade criminal resulta do cometimento de um crime ou contravenção na qual o infrator pode perder a sua liberdade.

1.6 Licenciamento e o Crédito Rural

O artigo 12 da Lei 6.936/81 obriga os bancos a condicionarem o Crédito Rural à apresentação pelo empreendedor de certificado de licença ambiental.

Entretanto, não é o que se tem visto na prática. O Tribunal de Justiça do Mato Grosso firmou jurisprudência que atinge o licenciamento ambiental. O caso envolvia o Banco do Brasil como órgão financiador de Crédito Rural. Na Apelação Cível (n. 25.408), movida pelo Banco do Brasil contra o Ministério Público do Mato Grosso, o Tribunal decidiu que não cabe ao órgão financiador, na concessão do crédito agrícola, verificar a adequação das normas ambientais referentes à proteção e manutenção da reserva florestal legal, tal como definidas no Código Florestal e na Lei de Política Agrícola.

A decisão daquele Tribunal, apesar de respeitosa, é absurda e temerosa, pois simplesmente exclui a aplicação da norma constante no artigo 12 da Lei n. 6.938, de 31 de agosto de 1981, onde há previsão de que "as entidades e órgãos de financiamento e incentivos governamentais condicionarão a aprovação de projetos habilitados a esses benefícios ao licenciamento, na forma desta Lei, e ao cumprimento das normas, dos critérios e dos padrões expedidos pelo CONAMA". Parágrafo único. "As entidades e órgãos referidos no caput deste artigo deverão fazer constar dos projetos a realização de obras e aquisição de equipamentos destinados ao controle de degradação ambiental e a melhoria da qualidade do meio ambiente."

Não sabemos onde está a consciência de nossos julgadores, já que a ação promovida pelo Ministério Público não objetivava que o órgão financiador realizasse um controle ambiental, mas sim, que ele impusesse como requisito a comprovação da averbação da reserva florestal legal.

Não andou bem, portanto, o Tribunal. É irrazoável e desproporcional esta decisão, pois, se eles estão obrigados a exigir o licenciamento ambiental e o cumprimento de padrões do CONAMA para concessão de créditos, com muito mais razão devem exigir o cumprimento da lei.

Essa decisão tem efeito sobre o próprio licenciamento, pois com base nela, muitos poderão alegar que é dispensável esse controle ambiental pelos financiadores e que os mesmos não são responsáveis solidários em um potencial dano ambiental.

Adotamos dessa forma a posição já colocada brilhantemente por Paulo de Bessa Antunes ao analisar a questão in caso. Vejam seus argumentos:

Veja-se, em complemento, que o financiamento público somente pode ser concedido se no projeto constar previsão de melhoria da qualidade do meio ambiente. No caso concreto, evidentemente que isto se consubstancia na recuperação das áreas de reserva florestal legal, onde ela for inexistente. Acrescente-se o fato de que a perda de financiamentos públicos é uma penalidade a ser aplicada pelo Conselho Nacional do Meio Ambiente, por resolução própria, àqueles que desrespeitam a legislação de proteção ao meio ambiente (artigo 14, III da Lei n. 6.938/81).

No caso em tela, o financiamento que, em tese, seria concedido pelo Banco do Brasil está catalogado como crédito rural, cuja regulamentação está a cargo da Lei n. 4.829/1965. Ora, como se sabe, o sistema nacional de crédito rural é integrado pelo Banco Central do Brasil, Banco do Brasil, Banco da Amazônia e Banco do Nordeste por suas carteiras próprias. Segundo o disposto no artigo 3º da Lei n. 4.829/65, o crédito rural tem os seguintes objetivos: I – estimular o incremento ordenado dos investimentos rurais, inclusive para armazenamento, beneficiamento e industrialização dos produtos agropecuários, quando efetuado por cooperativas ou pelo produtor na sua propriedade rural; II – favorecer o custeio oportuno e adequado da produção e a comercialização de produtos agropecuários; III – possibilitar o fortalecimento econômico dos produtores rurais, notadamente pequenos e médios; IV – incentivar a introdução de métodos racionais de produção, visando ao aumento da produtividade e à melhoria do padrão de vida das populações rurais, e à adequada defesa do solo.

Ele é, portanto, um instrumento de política pública que, na forma do artigo 1º, ‘será distribuído e aplicado de acordo com a política de desenvolvimento da produção rural do País e tendo em vista o bem-estar do povo’. Ainda que muito anterior à Constituição Federal de 1988, em linhas gerais o crédito rural atende aos ditames do artigo 225 de nossa Lei Fundamental, pois busca aprimorar o padrão de vida das populações rurais e promover a adequada defesa do solo e do meio ambiente. A reserva florestal legal é, como se sabe, um instrumento absolutamente necessário para a defesa do solo e, portanto, o financiamento a ser concedido com base na Lei n. 4.829/65 não pode deixar de levá-la em consideração. O crédito rural tem, evidentemente, uma natureza pública.

O TJMT entendeu, a meu ver equivocadamente, que o MPMT estava exigindo que o concedente do crédito rural exercesse a função de órgão de controle ambiental ou de responsável pelo dano causado por terceiro. Parece-me que tal não foi o pedido da ação civil pública mas, pura e simplesmente, que o banco, ao celebrar o mútuo, exigisse certidão de averbação da reserva florestal legal ou prova de que ela estava submetida a procedimento de recuperação. O pedido encontra, em minha opinião, ressonância em nossa ordem jurídica, e certamente a matéria voltará a ser enfrentada pelos nossos tribunais. As instituições bancárias que atuam com crédito rural não devem tomar a decisão do TJMT como uma tendência definitiva de nossa jurisprudência pois, conforme procurei demonstrar, o conjunto de normas legais sobre o assunto aponta na direção inversa. [30]

Em outro momento, Paulo de Bessa Antunes, manifesta a sua posição a respeito do licenciamento ambiental e sua importância, inclusive como fator de responsabilidade social das Empresas. Segundo ele:

O licenciamento ambiental deve ser considerado um ativo intangível, pois ele é uma condição essencial e sine qua non para o regular funcionamento de uma empresa. A inexistência do licenciamento é uma ameaça constante ao desenvolvimento de atividades industriais e econômicas, visto que a pressão pela conformidade ambiental de uma firma não se limita aos órgãos públicos encarregados do controle ambiental. Nos tempos modernos, a conformidade ambiental das empresas é tema que extrapola a administração pública do meio ambiente e se alastra pela sociedade, que, mediante a constante vigilância das organizações não-governamentais (ONGs), exige dos empreendedores uma total submissão à legislação ambiental.

Valorizar uma licença ambiental é extremamente importante para as empresas que prezam o seu bom nome e que buscam dar cumprimento às normas legais em suas atividades. Infelizmente, muitas empresas ainda não acordaram para a importância do licenciamento ambiental e não dão a devida atenção ao seu encaminhamento. Tramitam seguidamente nos órgãos ambientais processos mal elaborados, com análises técnicas insuficientes e pouca precisão nas informações, patrocinados por ‘despachantes’ que os transformam em verdadeiros calvários empresariais. Fato é que, em boa medida, a demora nos processos de licenciamento se deve à pouca familiaridade dos empresários com a rotina administrativa específica que é fruto de uma compreensão equivocada do papel desempenhado pelo licenciamento ambiental na vida da empresa moderna. [31]

Desta forma os bancos e demais órgãos financiadores são responsáveis solidários pelos danos causados se não exigirem os comprovantes de negativo de débito ambiental, e o próprio BNDES já adotou essa medida como padrão para liberação de seus créditos, por saber-se responsável solidário em um eventual dano ambiental, é claro.

Não cabe, portanto, ao poder judiciário ou ao poder executivo dizer o contrário, pois a legislação, já respaldada em acordos internacionais, optou por obrigar os requerentes desses créditos a apresentarem esses comprovantes, e, caso os Juízes ou a Administração Pública os dispensarem, estariam recaindo em ilegalidade, e o que é muito mais agravante, em inconstitucionalidade.

1.7 Conclusão tópica

Dada a importância do licenciamento, temos que este é elemento fundamental à política do meio ambiente. Outrossim, há inúmeros requisitos a serem preenchidos para que o licenciamento ambiental seja realizado em conformidade com a lei. Respeitados os requisitos, o impacto ambiental seria evitado, ou diminuído, de forma a não degradar o meio ambiente, que vem sendo desrespeitado e destruído cada vez mais com o passar dos anos.

Entretanto, outra conclusão que se pode colocar é o fato de que o licenciamento ambiental é utilizado em alguns Estados, tais como Minas Gerais, como meio de angariar recursos, pois as taxas não se adéquam aos parâmetros nacionais. Isso, de certa forma, inibe o empreendedor rural a procurar respeitar a legislação ambiental, pois o custo para o próprio projeto de licenciamento já é alto, mas somada ainda a essa taxa absurda fixada pelo Governo desse Estado, pode deixar o empreendedor de mãos atadas.

Conclui-se ainda que a ausência de Licenciamento pode causar para atividade de produção agrícola a indisponibilidade de Créditos Rurais para aqueles que continuam a trabalhar a propriedade sem a licença ambiental devida, porém mais grave ainda, pode dar causa a desapropriação do imóvel por descumprimento da Função Social da Propriedade, que tem entre seus requisitos a ser cumpridos a "utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente" (art. 9º, II, da Lei 8.629/93).

Pode-se, em última análise, caracterizar o licenciamento ambiental como o instrumento de maior importância no controle preventivo de atividades que possivelmente possam degradar o meio ambiente, e, caso este seja desrespeitado, haverá com certeza perda do patrimônio natural brasileiro.

Sobre o autor
João Eduardo Lopes Queiroz

Reitor do Centro de Ensino Superior de São Gotardo – CESG.Pós-graduado em Direito Administrativo Econômico pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Doutorando em Direito pela Universidad de Valladolid/Universidad de Buenos Aires.Vice-Presidente da Comissão de Direito do Agronegócio da OAB/MG. Coordenador da Revista Brasileira de Direito do Agronegócio (www.direitodoagronegocio.org). Professor de Direito Administrativo e Ambiental da Fundação Armando Álvares Penteado e na Escola Paulista de Direito no nível de Pós-Graduação.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

QUEIROZ, João Eduardo Lopes. Licenciamento ambiental e reserva legal no agronegócio brasileiro. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2882, 23 mai. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/19149. Acesso em: 5 nov. 2024.

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