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Embargos à cidadania

Agenda 01/07/1999 às 00:00

Todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo, ou geral, que serão prestadas no prazo da lei, sob pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado.

A afirmação não é minha. Trata-se do inciso XXXIII, do art. 5º, da Constituição Federal, no capítulo DOS DIREITOS E DEVERES INDIVIDUAIS E COLETIVOS, no título DOS DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS.

Este dispositivo está entre aqueles, mediante os quais, quis o legislador constituinte, numa obediência a preceito universal, assegurar a todos os brasileiros e estrangeiros residentes no País, a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade.

Portanto, ele é o fundamento do mesmo direito que assiste a qualquer cidadão, independente de credo, cor ou raça, de requerer em qualquer repartição pública, a qualquer autoridade, quaisquer informações, quaisquer certidões ou o que quiser obter, estando a autoridade obrigada a prestar, tendo como única restrição o sigilo imprescindível à segurança da sociedade e do Estado, hipótese, com certeza, remota na grande maioria dos casos.

Portanto, se uma pessoa requer a um Secretário de Estado, informação sobre determinados atos que o mesmo praticou, por exemplo, nem precisa pertencer a qualquer conselho ou organismo paraestatal, para resultar que aquela autoridade está na obrigação de fornecer o que for pedido, note-se, sob pena de responsabilidade.

Faz parte da transparência que deve orientar a administração da coisa pública. Bem como, o agente público que se pauta conforme a lei, não tem o que temer, fornecerá todas as certidões e muito mais, sabe que não tem porque se recusar.

Existem pessoas que não obstante até dever de ofício, ainda não leram a Constituição Federal, outras que por isto, perdem excelente oportunidade de exercer potencialmente, a cidadania. Por exemplo, requerendo informações e certidões dos atos que nossas autoridades possam estar praticando e desta forma, poderem acompanhar o uso que está sendo feito do poder que num gesto democrático, lhes foi temporariamente, outorgado.

Eu sei que muitas pessoas vivem descrentes e não se sentem encorajadas, sabem o quanto é difícil ser cidadão e já se cansou de remar contra tantos embargos à cidadania.

Importa fazer valer os direitos dos quais dispomos, máxime, quando se trata de um direito fundamental como o ora abordado. O dispositivo diz, todos, todos quer dizer todos, ninguém excluído. As informações podem até não ser de interesse particular ou só do requerente, podem ser de interesse coletivo ou geral.

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Nem a autoridade pode engavetar o pedido ou só atender, quando tiver tempo, tem prazo expressamente consignado em lei. E não o fazendo, repete-se, incorre em crime de responsabilidade.

O requerimento não precisa ser rebuscado, nem precisa estar fundamentado, o fundamento é constitucional. Seria, no mínimo, muito estranho, que se dissesse que como as petições iniciais com que se deflagram ações judiciais, tivessem que ser mencionados os dispositivos em que se arrima. No entanto, há quem se equivoca, falando até de deserção que é próprio da falta de preparo, na interposição de recurso que deva subir à superior instância.

Seria temeridade deixar de acatar um pedido feito por qualquer cidadão.


Mas os embargos à cidadania, não param por ai. Nós mesma, que mesmo sendo Promotora de Justiça, não deixamos de ser cidadã, já provamos do amargo fel de "não ter para que santo apelar". Ora, a polícia não tem viatura para se deslocar; ora, o fax está trancado na sala, porque "hoje" é domingo e "não tem ninguém lá"; ora, o telefone do "disk silêncio" toca até desligar e ninguém atende; ora, um simples supervisor se arvora em soberano e não acata o que lhe for dito.

Apesar de tudo, ainda há gente que quer exercer seus direitos como cidadã. Depois de ter buscado todos os caminhos, pensa, resta o judiciário!

Neste momento, vai se lembrar daquele amigo ou conhecido que está esperando há anos por uma decisão de um MS que não vem. Não obstante os Juizados Especiais, que de fato, têm contribuído para agilizar a prestação jurisdicional, mandado de segurança contra autoridades de primeiro escalão do governo, por exemplo, só no Tribunal de Justiça.

Isto tudo é um grande padecimento, desnecessário, diga-se de passagem!

Creio no meu país, quero continuar crendo nas instituições e nos poderes constituídos, mas não posso deixar de lamentar que hajam tantos embargos à cidadania!

Sobre a autora
Marlusse Pestana Daher

promotora de Justiça no Espírito Santo, radialista, jornalista, escritora, especialista em Direito Penal e Processual Penal, membro da Academia Feminina Espírito Santense de Letras, ex-dirigente do Centro de Apoio Operacional às Promotorias do Meio Ambiente e do Patrimônio Histórico.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

DAHER, Marlusse Pestana. Embargos à cidadania. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 4, n. 33, 1 jul. 1999. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/1921. Acesso em: 22 nov. 2024.

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