A crise mundial e a crise
brasileira já eram previstas desde 1996. No começo daquele ano, lancei o livro Uma
visão do mundo contemporâneo, pela Editora Pioneira, e levantei sérias dúvidas
sobre a possibilidade de a Economia mundial contornar o milênio sem violentas
turbulências, com a comunidade internacional dramaticamente envolvida. Mais do que isto,
ponderava que a instabilidade econômica, política e social dos países emergentes
levariam os investidores à busca de segurança em troca de rentabilidade, com sérios
danos à sua estabilidade, sem que, contudo, os países desenvolvidos, protegidos por
excesso de recursos, estivessem afastados da zona procelosa.
É que a "aldeia global" já não é mais facilmente compartimentalizável, como ocorre com as comportas avariadas de um navio para que continue navegando. Enfim, a "globalização", irreversível, a meu ver, retira competitividade dos países emergentes e descortina um mundo de "competitividade selvagem" em busca de mercados, com vantagem acentuada para os países desenvolvidos, além de ostentar um caráter predatório inequívoco e uma capacidade incontrolável de gerar crises sem terapêutica adequada.
A gravidade dos acontecimentos, a partir de 1997, anteciparam minhas pessimistas previsões, visto que os quase 70 trilhões de dólares que navegam, muitas vezes sem rumo, no oceano econômico, não têm tutela eficaz das autoridades financeiras e são duas vezes superiores ao PIB de todos os países (32 trilhões de dólares, aproximadamente).
À evidência, num PIB mundial de 32 trilhões de dólares, o Brasil, com seus quase 800 bilhões, tem um peso relativo importante, pois economias menores (América do Sul) dele dependem e economias maiores acreditam que seu grande trunfo --o mercado-- poderá ser útil no futuro.
Ocorre, todavia, que, do PIB brasileiro, 250 bilhões de dólares são entregues, a título de tributos, para a Federação (União, Estados e Municípios), sendo, rigorosamente, insuficientes para que o Estado sobreviva, com estruturas esclerosadas de 5.500 entidades federativas. Tais fantásticos ingressos cobrem apenas os gastos com mão de obra ativa e inativa do funcionalismo (+ de 60%) e os juros da dívida pública (+ de 30%), pouco restando para a prestação de serviços à comunidade.
Ora, uma carga tributária de 33% do PIB (já considerada a projeção do ajuste fiscal) coloca o Brasil no mesmo nível de Estados Unidos e Japão, em nível de arrecadação, e no mesmo nível de Uganda, Ruanda, Suriname, em nível de prestação de serviços públicos, pois todo o esforço da produção tributária nacional é para sustentar uma arcaica máquina administrativa, que luta para manter o privilégio de seus detentores e pouco se importa com servir a sociedade, salvo exceções que, necessariamente, ocorrem.
Ora, o enfrentamento da crise asiática de novembro de 1997 foi incorreto, não só porque o país não fez qualquer alteração na política de gastos públicos inúteis (a reeleição de presidente e governadores prejudicou a austeridade fiscal), como perdeu o "tempo certo" para a desvalorização, em meados de 98, quando as reservas superavam 70 bilhões, temendo a repercussão política na reeleição.
O resto foi consequência já certa para os analistas, que sabem que a economia é um jogo de "xadrez", em que as jogadas podem ser vistas por todos, e não um jogo de "poquer" com o mercado.
A perda de 40 bilhões de dólares de reservas antes da mididesvalorização de 11 de janeiro, demonstrou o quanto se retardou a terapia necessária de correção da descompetitividade mercantil, já não se sabendo se, pelo atraso, a terapêutica surtirá os efeitos que surtiriam em meados de 98.
Fala-se em "ajuste fiscal" a ser completado, mas é de se lembrar que o "ajuste" corre em direção oposta à adotada por coreanos e japoneses, que apostaram na recuperação da industria nacional e na redução de tributos para incentivar a produção interna, pois é um ajuste que busca, na recessão, tirar mais recursos de uma sociedade exaurida, que perdeu, em 4 anos, fantástico poder de competitividade internacional, nada obstante o esforço e as adaptações que envidou para tentar concorrer, com sensível aumento de produtividade do que restou da indústria nacional.
O certo é que a confiabilidade externa só voltará no momento em que as estruturas do Estado se modernizarem e os governos passarem a exigir menos da sociedade, em nível tributário, para que ela possa dar mais à nação, em nível de emprego e desenvolvimento.
Nada obstante a desvalorização do real estar gerando período de interna turbulência, sinaliza uma saudável mudança de rumo. Estou convencido de que os governos deveriam exigir, com muito maior severidade, a redução das esclerosadas estruturas das 5.500 entidades federativas, do que mais sacrifícios de uma sociedade exaurida. É que a sociedade pode salvar o governo, mas o governo, com a manutenção dos privilégios de seus detentores, tem demonstrado uma notável incapacidade de salvar a sociedade.
O tempo dirá.