O espetáculo é a ideologia por excelência, porque expõe e manifesta na sua plenitude a essência de qualquer sistema ideológico: o empobrecimento, a submissão e a negação da vida real. O espetáculo é, materialmente, a expressão da separação e do afastamento entre o homem e o homem.
A Sociedade do Espetáculo – Guy Debord
1 – Introdução
Ao abordar o tema, o estudo inicia-se afirmando, desde logo, que não se devem esquecer as circunstâncias ou mesmo o panorama econômico–ideológico em que se baseia: intervencionismo versus neoliberalismo, posto que esses dois projetos de economia e/ou de Estado estão presentes em todos os questionamentos acerca do tema central da análise. Para alguns autores, o eixo central do problema poderia estar localizado no que se convencionou de chamar de "Estado de Bem-Estar", conforme se verá adiante.
Ademais, fica fora de dúvida que próximo aos anos 30, a ordem econômica que possuía uma configuração liberal clássica sofreu uma imensa crise em todo o ocidente, o que veio a criar o caldo de cultura para a chegada e o desenvolvimento de todo um conjunto de instrumentos técnicos, econômicos e ideológicos que faziam coro em favor de um determinado modelo de intervencionismo estatal na ordem econômica capitalista. Assim é que, o Welfare-state surge no interior de umas coordenadas históricas especiais e bem concretas, ou seja, localiza-se geograficamente nos espaços que correspondem aos chamados "Países Capitalistas Avançados".
É nesse contexto em que o presente estudo visa fazer uma análise sistemática do intervencionismo e neutralidade fiscal, cujos preceitos incidirão direta e indiretamente na teoria da tributação e sua conseqüente eficiência econômica. Em seguida, o estudo analisará o tributo na teoria econômica contemporânea como mecanismo de financiamento das despesas públicas, de redistribuição e de correção das imperfeições do mercado. Além disso, o tributo será analisado sob a ótica micro e macroeconômica, bem como na perspectiva de sua eficiência. O trabalho pretende tratar de alguns aspectos relacionados a projetos e/ou experiências de reformas tributárias, no marco de uma discussão mais ampla: o tamanho do Estado.
2 – O Intervencionismo Estatal e o Interesse Público
É consensual entre os estudiosos da evolução dos modelos de planejamento na América Latina que a crise dos anos 80 foi como um "divisor de águas" entre o modelo de planejamento das décadas de 50, 60 e 70 e os modelos posteriores. Na década de 80, houve a ampliação das demandas por democracia e participação e questionamento do modelo centralizador e verticalista. Com o endividamento externo houve o esgotamento do modelo de Estado intervencionista e o impedimento da continuidade do financiamento dos gastos públicos e as políticas sociais [01].
É justamente nesse momento histórico que possibilitou a abertura para as idéias neoliberais e neoconservadoras, na medida em que o Keynesianismo [02], expressão máxima de intervenção do Estado nas relações econômicas e sociais, entrou em crise e generalizou-se a idéia de que o Estado de Bem-Estar-Social proporcionou o aumento do gasto público, além de ter permitido uma pressão das classes trabalhadoras na manutenção dos direitos sociais. Buscou-se, a partir daí, um novo modelo de Estado, reduzido em seu tamanho e em sua política intervencionista, assegurando apenas uma política de "ordenamento institucional", caracterizada pela garantia da livre concorrência e o livre jogo do mercado.
Frente à crise do modelo de intervenção do Estado, os teóricos do Planejamento questionavam-se sobre como seria o planejamento num contexto de crise e de ajuste econômico, ainda desprovidos de conhecimentos sobre os paradigmas implícitos no novo modelo de Estado. Com a descentralização da gestão e do planejamento coloca-se uma alternativa para a redução do poder de intervenção do Estado, possibilitando o questionamento do planejamento centralizado, incoerente com a dinâmica capitalista, e a priorização da capacidade de planejamento e de gestão nas instâncias locais. [03]
O termo Estado intervencionista é um pouco global. Isso porque existe o Estado intervencionista como produtor, que age como uma empresa, o Estado intervencionista como Estado regulador, que regula a ação, e o Estado intervencionista que implementa políticas decididas pelo Legislativo, que é isso que ele (o Estado) deve fazer mesmo. Ele não está fazendo nada fora dos limites da sua competência quando intervêm para pôr em prática as políticas decididas por quem deve decidir, a saber, o Legislativo. Ele falha profundamente nesse terceiro aspecto. Nesse diapasão, o Estado não tem capacidade operacional para implementar as políticas que lhe são ditadas pelo legislativo.
Normalmente, antecede à implantação de uma economia de mercado a existência de um Estado intervencionista, que empreende segundo suas próprias regras, impedindo a atuação dos agentes privados e da própria sociedade no desenvolvimento sócio-econômico de um país. Disto se depreende que, historicamente, o Estado intervencionista se transforma num Estado regulador, de forma a garantir o interesse público, deixando o interesse privado para ser regulado pelos mecanismos de mercado, devidamente orientados para a competição. Essa é uma teoria que foi defendida por Keynes, que pregava a intervenção do Estado para dar sustentação ao próprio sistema liberal político e econômico.
Somente um mercado regulado para a competição pode produzir os reais benefícios que se espera para a sociedade: disponibilidade de produtos e serviços, com qualidade, segurança e preços competitivos. Isto significa, em outras palavras, reservar ao Estado o estabelecimento de regras claras para o jogo, deixando aos capitais privados a tarefa de produzir.
Os argumentos utilizados para justificar a intervenção do Estado na economia nos países em desenvolvimento ("diferentes dos países europeus onde isso ocorreu em virtude da chegada de governos de esquerda ao poder" [04]), ou foram baseados em razões ideológicas ou porque o processo de industrialização planejada, objetivando encurtar as etapas, demandava investimentos não compatíveis com a capacidade imediata do setor privado.
Os problemas gerados com base nessa intervenção levaram o Estado a deter uma hegemonia no setor de infra-estrutura e na indústria de base. Por tal mister, conforme explicado alhures, o Estado intervencionista se transforma num Estado regulador, de forma a garantir o interesse público, deixando o interesse privado para ser regulado pelos mecanismos de mercado, devidamente orientados para a competição.
Não obstante, a participação da sociedade e dos agentes econômicos na formulação da regulação de qualquer segmento econômico é fundamental para sua aplicabilidade. É preciso sempre ter em conta que a regulação e intervenção Estatal não se destinam aos interesses da burocracia, mas sim aos interesses públicos.
Os interesses públicos, segundo o Professor Hely Lopes Meirelles [05], são as aspirações ou vantagens licitamente almejadas por toda a comunidade administrativa, ou parte expressiva de seus membros. A finalidade da intervenção estatal repousa no bem comum, na justiça da igualdade para a utilidade coletiva, como já preconizava Aristóteles em sua obra "Política":
Em todas as ciências, assim como em todas as artes, a finalidade é um bem; e o maior de todos os bens encontra-se, sobretudo, naquele dentre todas as ciências que é a mais alta; ora, tal ciência é a política e o bem, em política, é a justiça, quer dizer, a utilidade coletiva. Explicamos o que vem a ser justiça, e que aplicação tem; e afirmamos que a igualdade não admite nenhuma diferença entre os iguais. [06]
O interesse público é a relação entre a sociedade e o bem comum por ela perseguido, por intermédio daqueles que, na comunidade, têm autoridade, tais como governantes, administradores públicos, magistrados, etc. A atribuição de promover o bem comum cabe ao Estado, por meio de uma atuação voltada às aspirações sociais, dentre elas a implementação de políticas públicas que satisfaçam os interesses sociais.
O intervencionismo estatal que ora se invoca visa preservar o interesse público, razão pela qual o intervencionismo estatal contemporâneo transforma o Estado num Estado regulador, de forma a garantir o interesse público, deixando o interesse privado para ser regulado pelos mecanismos de mercado, devidamente orientados para a competição, conforme asseverado anteriormente.
No Brasil, a atividade regulatória no País tem acompanhado, de um modo geral, o processo de atuação do Estado ao longo dos anos, uma atuação intervencionista que, mesmo tendo obtido resultados, impediu ou dificultou a participação de agentes econômicos no seu processo de desenvolvimento. As mudanças políticas ocorridas no País, principalmente a partir de 1990, fizeram com que se iniciasse o processo de abertura econômica, de modo a permitir a atração de investimentos externos, a tornar o País competitivo no mercado internacional e a integrá-lo aos blocos econômicos emergentes. Para isso, fazia-se mister, além das reformas constitucionais, alterar o modo de regulação dos principais setores econômicos do País. As funções públicas estatais passaram a ser regidas por mecanismos mais eficientes e inteligíveis. Não pode ser desconsiderado que o crescimento e a diversificação das funções públicas se refletem na organização intervencionista do Estado (visto que inerentes aos fins do próprio Estado), no sentido de perseguir uma ação mais justa e conforme as necessidades consideradas públicas, a exemplo da implementação de políticas públicas.
Com relação ao intervencionismo fiscal, o Estado influencia diretamente na produção, renda e no consumo, implicando na maior transferência de recursos financeiros do setor privado para o público, o que aumenta a importância das análises das alternativas de financiamento dos gastos públicos.
3 – Neutralidade e intervencionismo fiscal: as concepções opostas do papel do Estado
Tão importante quanto a estabilidade de regras impostas pelo Estado (intervenção estatal), a eficiência tributária tem um relevante aspecto no papel econômico do Estado. Nesse sentido, os tributos devem ser avaliados sob o ponto de vista de sua adequação aos objetivos mais amplos da política fiscal, especialmente no que diz respeito à correção de desequilíbrios conjunturais e à obtenção de taxas satisfatórias de crescimento.
Partido dessa premissa, a teoria da tributação sugere a criação de um "tributo ideal", cujos dois princípios fundamentais estariam interligados, quais sejam: Neutralidade e Eqüidade [07].
O princípio da neutralidade refere-se à não-interferência sobre as decisões de alocação de recursos tomadas com base no mecanismo de mercado. A neutralidade significaria, em outras palavras, a inexistência de qualquer política fiscal por parte do Estado, no que diz respeito às atividades de mercado. A idéia (até então aceita) de neutralidade dos tributos, isto é, que estes não devem constituir-se em incentivos finalísticos à orientação das atividades econômicas do Estado, num sentido ou noutro, o que se sucederia em formas diversas de intervencionismo fiscal, com finalidades econômico-sociais, demográficas, éticas, etc. O imposto passaria a ser considerado como um instrumento de política macroeconômica e de realização de fins extra-financeiros, interferindo o Estado, por intermédio dele, na localização das empresas, na redistribuição de rendimentos, na natalidade, etc.
Em relação ao Princípio da Eqüidade [08], o tributo ideal deveria ainda ser justo, no sentido de garantir a distribuição eqüitativa do ônus tributário pelos indivíduos. Por essa razão, o princípio da equidade prega a repartição do ônus tributário do estado com base na capacidade individual de produção.
A junção desses dois princípios infere, como idéia basilar, que a fiscalidade deve orientar o desenvolvimento econômico e, por conseguinte, a criação e a previsibilidade na gestão empresarial/produtiva, levando-se em conta as diferenças de rendimentos para uma melhor distribuição da riqueza e para a personalização da massa dos contribuintes, nomeadamente por meio do estabelecimento de taxas progressivas e da isenção do mínimo de existência. No entanto, o Estado tem simultaneamente uma posição de exterioridade e de imanência em relação à sociedade civil, em particular à atividade socioeconômica, razão pela qual em nenhum sistema fiscal, ou mesmo nenhum tributo, é ou pode ser totalmente neutro.
A própria existência de um regime fiscal geral (de técnicas tributárias) não é fruto do acaso, mas de uma escolha e, por isso, mesmo nesse caso, uma política fiscal estará presente. Pode-se falar, contudo, sobre um maior ou menor grau de intervencionismo do Estado, o que está ligado à definição das funções socioeconômicas do Estado, como as funções de regulação, motivo pelo qual o intervencionismo fiscal uma das formas mais importantes para o desenvolvimento do papel do Estado.
4 – O tributo na teoria econômica contemporânea:
Mecanismo de financiamento das despesas públicas, de redistribuição e de correção das imperfeições do mercado
Para realizar o bem comum, que é razão de sua existência e motivo de intervenção, o Estado deve atender as necessidades publicas prestando os chamados Serviços Públicos, ou seja, deve empenhar esforços para promover a saúde, educação, transportes, segurança, comunicações, administrar a justiça, fomentar a atividade econômica, etc.
Para tudo isso, é evidente que o Estado necessita de recursos, os quais são obtidos mediante a atividade financeira do Estado. Todas as aplicações práticas da teoria financeira se enquadram na Política Financeira, da qual a Política Fiscal é parte integrante. Já a Política Fiscal é inerente às despesas e receitas que permeiam o erário público, onde o tributo é parte indispensável para a sua consecução. Nesse sentido, o tributo, como mecanismo de financiamento e despesas públicas, é concebido inicialmente como Receita Pública Derivada.
Receita Pública Derivada: é aquela que o Estado consegue angariar realizando atividades que lhe são típicas. Neste momento, o Estado se utiliza da soberania que lhe foi outorgada pela coletividade. São receitas que derivam de obrigações surgidas por imposição coativa do Estado, por força da lei. São exemplos: tributos, multas administrativas e penais e reparações de guerra.
Nesse tipo de relação, temos, de um lado, o Estado, que angaria a receita, e, de outro, alguém que lhe fornece a receita. No entanto, este último não manifesta individualmente sua vontade junto ao credor (Estado), no sentido de contrair a dívida. Esta surge ou tem como fonte, não a vontade das partes envolvidas, mas apenas a manifestação soberana do Estado, que faz valer sua vontade sobre a de outrem.
No contexto da teoria econômica contemporânea, o tributo assume a sua importância em razão de seus critérios e valores finalísticos. O valor finalístico do tributo visa atender as necessidades do Estado na condução da economia, na implementação de políticas públicas, na correção de situações sociais indesejadas, no fomento de atividades econômicas, etc.
Inicialmente, os critérios finalísticos dos tributos poderiam ser divididos em [09]:
1 – critério fiscal: instrumento exclusivamente de arrecadação de recursos financeiros para o Estado. Exemplo: a cobrança do Imposto de Renda Retido na Fonte, do Imposto sobre Produtos Industrializados, etc.
2 – critério extrafiscal: quando o seu objetivo principal é a interferência no domínio econômico, buscando um efeito diverso da simples arrecadação de recursos financeiros.
Em relação à extrafiscalidade da norma tributária, pode-se dar o exemplo da Lei n.º 9.085, de 17 de fevereiro de 1995, do Estado de São Paulo, instituiu incentivos fiscais a empresas que contratam empregados com mais de quarenta anos de idade. A Assembléia Legislativa Paulista usou o caráter extrafiscal que pode ser conferido aos tributos, para estimular conduta por parte do contribuinte, sem violar os princípios da igualdade e da isonomia.
4.1 – O tributo como caráter redistributivo [10]
O caráter redistributivo do tributo está ligado diretamente com a sua eficiência, pois tem o condão de amenizar as desigualdades sociais, gerando um desenvolvimento mais equilibrado e menos excludente. Partindo dessa premissa, o caráter redistributivo está relacionado diretamente com conceito de redistribuição de renda.
O sentido vulgar de renda é o produto do capital ou trabalho, e o termo é usado como sinônimo de lucros, juros, aluguéis, proventos ou receitas. Nesse sentido, urge analisar o caráter retributivo do tributo por intermédio do imposto de renda.
O imposto de renda é de grande importância na vida econômica moderna como fonte de arrecadação aos cofres públicos e como função econômico-social a cumprir. Trata-se de um imposto que resulta do próprio desenvolvimento da economia capitalista.
O tributo paradigmático do primeiro caso (incidência direta) é o imposto de renda das pessoas físicas, em que o contribuinte recolhe ao erário uma fração de sua renda, reduzindo seu bem-estar na proporção do montante subtraído. Não é por acaso que as políticas tributárias de cunho redistributivo apóiam-se basicamente nesse imposto, pois fica garantido, ao menos teoricamente, que o contribuinte não poderá transferir a outrem a carga tributária que lhe é imposta. Portanto, uma vez definida (como é praxe em quase todos os países) uma estrutura progressiva de taxação (tabela progressiva de alíquotas), garante-se uma tributação progressiva em relação à renda auferida.
É um imposto que além de captar receita adequada para os cofres públicos, é capaz, graças à flexibilidade de sua incidência, de promover a expansão econômica e tenta corrigir desigualdades da distribuição da renda social entre os indivíduos e entre regiões do país, mas não tem sido assim entre nós, pois a sua administração fá-lo incidir mais onerosamente sobre as classes média-baixa e média-alta do que sobre as classes de rendas mais elevadas.
Outro caráter retributivo ligado ao tributo está relacionado com a contribuição social para a seguridade social. Nesse caso, parcela da renda do contribuinte é voltada para o Governo, que garante benefícios para esses contribuintes.
4.2 – O tributo como mecanismo de correção de imperfeições do mercado
O tributo como mecanismo de correção de imperfeições do mercado está relacionado com a intervenção estatal no domínio econômico [11].
O Estado intervém no domínio econômico, como verdadeiro agente, assumindo integralmente (por absorção) ou parcialmente (por participação) o controle dos meios de produção e/ou troca de determinado setor da atividade econômica em sentido estrito. Ou seja, o Estado, através de um ente com personalidade jurídica própria (empresa pública, sociedade de economia mista ou subsidiária – exemplo: Petrobrás), atua no domínio econômico, seja sob o regime de monopólio, seja em concorrência com os demais agentes econômicos da iniciativa privada.
De outra mão, ao intervir de forma indireta, o Estado se limita a condicionar, a partir de fora, a atividade econômica privada, exercendo sua função normativa e regulatória. Tal postura pode se dar por meio de duas modalidades (ou técnicas).
Por direção: o Estado exerce pressão sobre a economia, estabelecendo mecanismos e normas de comportamento compulsório para os agentes particulares, de caráter eminentemente cogente, inclusive para as empresas estatais que desempenhem atividade econômica em sentido estrito.
Por indução: está geralmente associada a estímulos, benefícios, de natureza positiva, por meio dos quais o Estado intenta persuadir os agentes econômicos a assumir comportamentos que, eventualmente, na falta de tais, não seriam adotados. Nesse sentido, a isenção, a redução de tributos, o financiamento público e os incentivos a atividades econômicas configuram formas bastante comuns e eficazes de intervenção do Estado sobre o domínio econômico.