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Os poderes investigatórios do juiz corregedor da Polícia Judiciária

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Agenda 13/06/2011 às 15:10

5.Limites

Objetiva a Corregedoria da Polícia Judiciária, como já anotado, a apuração e correção de eventuais atos abusivos praticados no exercício da atividade policial.

Deste objetivo depreende-se, portanto, o primeiro limite à função do Juízo Corregedor: o fato a apurar deve guardar conexão, direta ou indireta, com o exercício da atividade policial.

Com efeito, não constituindo a Corregedoria da Polícia Judiciária "Juízo por prerrogativa de função", a simples circunstância de pertencer o autor de um ilícito, em tese penal, aos quadros da polícia, não desloca a competência para a sua apuração e nem legitima a intervenção do Juízo Corregedor, na medida em que este visa à regularidade da atividade policial e não as pessoas que a desempenham.

Logo, não basta à atuação da Corregedoria da Polícia a simples existência de notícia de crime perpetrado por policial. Há de existir, como já asseverado, no fato objeto da apuração, um liame com a função policial, direto – como nos crimes próprios e de tortura – ou indireto – assim, por exemplo, se o ilícito envolver facilidades e informações decorrentes do exercício da atividade policial ou utilização equipamentos da polícia.

Também não se inserem na esfera de atribuição da Corregedoria os fatos que caracterizem infrações penais militares, pois, para tanto, há a Justiça Militar e respectivos órgãos auxiliares.

São excluídas da função correcional exercida pelo Judiciário, também, a nosso ver, as infrações estritamente administrativas, incapazes de caracterizar, mesmo em tese, ilícitos penais.

De fato, se não há subordinação dos integrantes da polícia ao Judiciário, inexistindo, ainda, exercício de poder hierárquico ou disciplinar nessa relação, a investigação de meras faltas administrativas pelo Juiz Corregedor da Polícia careceria de sentido, pois tal procedimento não atenderia a qualquer finalidade – na medida em que jamais daria ensejo a processo (jurisdicionalizado) e nem à imposição de penalidade – e representaria invasão do Poder Judiciário em área de competência exclusiva do Poder Executivo, pois, conforme disposto no art. 70, da Lei Complementar do Estado de São Paulo n. 207 de 05 de janeiro de 1979, a seus agentes, com exclusividade, compete a aplicação de sanções disciplinares em tais hipóteses.

Logo, chegando ao conhecimento do Juízo Corregedor notícia de falta funcional – de natureza exclusivamente administrativa - perpetrada por policial, cabe-lhe, tão-somente, encaminhá-la à respectiva Corregedoria, para as providências eventualmente cabíveis, sendo desnecessária a instauração de qualquer procedimento de acompanhamento.

Por fim, pelo mesmo fundamento, não incumbe à Corregedoria da Polícia Judiciária disciplinar ou determinar modificações na estrutura administrativa de quaisquer dos órgãos policiais, embora, na realização do interesse público, nada impeça que formule sugestões neste sentido, que poderão ser acolhidas, ou não, pela Autoridade competente.


6. Conclusões

Do exposto neste brevíssimo estudo, podemos formular as seguintes conclusões, que reputamos essenciais às idéias aqui desenvolvidas:

6.1. A possibilidade de averiguação e apuração pelo Poder Judiciário de ilícitos penais porventura praticados por policiais concretiza os fundamentos constitucionais da dignidade humana e da cidadania, na medida em que confere não apenas limite, mas especialmente correção a eventual desvio do exercício do poder de polícia judiciária conferido aos órgãos de segurança pública.

Esta tese é sustentada e vai ao encontro do exercício do direito de petição, da impossibilidade de supressão da apreciação do Poder Judiciário de lesão ou ameaça de direito, dentre outras garantias constitucionais.

6.2. os atos de polícia judiciária, a par de sua natureza administrativa e da não subordinação hierárquica ou disciplinar de seus agentes ao Poder Judiciário, caracterizam-se como serviços auxiliares da Justiça, por terem como escopo – já que o inquérito não existe como fim em si mesmo – viabilizar a realização de atividade típica deste Poder, de forma que se sujeitam ao controle do Poder Judiciário, nos exatos termos do art. 77, da Constituição do Estado de São Paulo.

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6.3. a legislação ordinária, em vários dispositivos – prisão temporária, Lei de Execução Penal, instituto da voz de prisão - confere ao Juiz a possibilidade, quer de apuração de fatos, independentemente de participação policial – o que exclui a tese de exclusividade da polícia judiciária para os atos de investigação -, quer de fiscalização, de mão própria, da atividade policial. Os procedimentos judiciais desta natureza, mesmo que inominados, encontram respaldo no sistema instituído pelo ordenamento jurídico e sua legitimidade decorre, quando não previstos de forma expressa, da observância dos princípios gerais de direito e da aplicação de analogia.

6.4. O poder de apuração e atuação do Juízo Corregedor, no entanto, encontra os seguintes limites: (a) existência de liame – direto ou indireto – entre a infração penal e a atividade policial; (b) não se tratar de mera infração disciplinar; (c) não se tratar de delito militar; (d) suas determinações não podem atingir a ordenação dos atos administrativos internos de organização da Polícia, cuja disciplina compete, com exclusividade, ao Poder Executivo.


Notas

  1. TJSP – 3ª Câmara Criminal - HC n. 880.226.3/0 – Rel. Des. Segurado Braz, v.u. Citação extraída da declaração de voto vencedor do Desembargador Samuel Júnior. Contra: "AÇÃO PENAL - Trancamento - Inadmissibilidade - Denúncia oferecida com base em elementos de prova coligidos no que se rotulou de sindicância perante o Juiz Corregedor - Validade - Ministério Público que pode se utilizar de outros elementos de prova para formar a opinio delicti e sustentar a ação penal - Carta Magna não vulnerada - Inocorrência de violação de competência - Ordem denegada Nada impede que o Juiz Corregedor, ou mesmo o representante do Ministério Público possam apurar os fatos que lhe sejam comunicados diretamente, ainda que envolvam policial civil, quer no exercício de sua função ou a título de exercê-la. (Relator: Gentil Leite - Habeas Corpus n. 169.255-3 - Osasco - 25.08.94)"; "MANDADO DE SEGURANÇA - Sindicância - Delegado de Polícia - Corregedor Permanente - Ampla defesa - Competência - No procedimento investigatório que não se destina a acusar e punir é dispensável o contraditório e a ampla defesa - O policial civil é auxiliar da justiça quando realiza a prisão em flagrante, ato de polícia judiciária e de apuração de infrações penais, submetendo-se no exercício desta função ao controle do juiz corregedor permanente por força do art. 77 da Constituição Estadual - Ordem denegada. (Mandado de Segurança n. 384.462-5/8 - São Paulo - 8ª Câmara de Direito Público - Relatora: Teresa Ramos Marques - 15.12.04 - V.U.)";
  2. "Tortura – Insurgência contra sentença que condenou os réus à pena de reclusão, em regime prisional fechado, por infração ao artigo 1º, inciso I, letras "a" e "b", combinado com parágrafo 4º, da Lei n° 9.455/97, tendo sido decretada com a perda de seus cargos públicos, assim como a interdição para o exercício desses cargos pelo dobro do prazo da pena aplicada por força do que dispõe o artigo 1º, parágrafo 5º, dessa mesma lei – Circunstância em que, em que pese não ser costumeira a prática de atos apuratórios pelo Juízo de Direito do Departamento de Inquéritos Policiais e Corregedoria da Polícia Judiciária, é de se considerar lídimo o procedimento preliminar instaurado ‘in casu’, porque respaldado não só pelo sistema de garantias constitucionais de maneira implícita, como, expressamente, pela própria lei de prisão temporária (artigo 2º, parágrafo 3º), agindo, o magistrado do DIPO, não como um juiz de instrução, mas sim como verdadeira autoridade corregedora dos atos da polícia judiciária – Recurso provido para bsolver os réus das imputações que lhe foram feitas, com fundamento no disposto no art. 386, VI, do CPP. (Apelação Criminal n° 933.931-3/8 – São Paulo – 11ª Câmara Criminal – Relator: Osvaldo Capraro – 14.11.2007 – V.U. – Voto n° 11.837)".

  3. Utilizamos a expressão ordenamento, neste estudo, no sentido de corpo de normas reciprocamente coerentes destinadas a determinado fim ou fins.
  4. Como já tivemos oportunidade de sustentar, a dignidade humana pode ser conceituada nos seguintes termos: "o complexo de direitos e garantias indispensável ao ser humano para a satisfação de suas múltiplas necessidades básicas, isto é, aquelas que o diferenciam como ser racional e provido de individualidade; a possibilidade de exercício dos direitos fundamentais – constitucionais – para o desenvolvimento pleno do indíviduo como ser humano (Fundamentos de Direito Penal, p. 46. São Paulo: Malheiros Editores, 2003). Gisele Mendes de Carvalho mantém posicionamento semelhante: "a dignidade humana possui dupla dimensão: uma negativa e outra positiva. A primeira impede que a pessoa humana venha a ser objeto de ofensas e humilhações. Já a dimensão positiva assegura o pleno desenvolvimento de cada ser humano, reconhecendo-se sua autodeterminação, livre de quaisquer interferências ou impedimentos externos" (Aspectos Jurídico-Penais da Eutanásia, p. 114. São Paulo: IBCCRIM, 2001).
  5. A cidadania, acolhida como fundamento do Estado democrático de Direito, não se limita ao conceito técnico-jurídico de nacionalidade no gozo dos direitos políticos, mas encerra um sentido mais amplo, pois representa, por um lado, o poder do indivíduo de opor-se à interferência indevida do Estado em seu âmbito de autonomia e relações e, por outro, de participar da realização dos fins do Estado e de exigir do poder público, em todas as suas esferas de atuação, o cumprimento de seus direitos. O exercício da cidadania e o abuso de poder são inconciliáveis, de forma que, no cotejo das disposições constitucionais, constituindo a primeira fundamento da Constituição, nenhuma norma poderá ser tomada para diminuir ou dificultar a sua plena efetivação, sob pena de deturpação do espírito da Lei Fundamental e de inviabilização de suas finalidades precípuas.
  6. TJSP, HC n. 880.226.3/0.
  7. Magalhães Noronha, E. Curso de Direito Processual Penal, 24ª edição, p. 17. São Paulo: Saraiva, 1996. Afirma este autor, a respeito da polícia judiciária: "Trata-se de função investigatória destinada a auxiliar a Justiça". Interessante, neste particular, o conceito desenvolvido por Manoel Messias Barbosa, citando Aládio A. Amaral: "a polícia judiciária é hoje polícia judiciária científica ou técnica, filha da antropologia criminal e da medicina legal. É uma ciência prática, da identificação civil, a serviço da investigação judicial. É a aplicação dos conhecimentos científicos aos inquéritos criminais. Não tem caráter policial. Não é propriamente polícia. É ramo da justiça criminal. Só se inspira em leis processuais penais. É sentinela avançada da justiça, seu primeiro auxiliar. Chave do processo. Olho e sentinela da justiça. A polícia judiciária e a judicatura criminal se integram, uma é nervo da outra. Suas características são a iniciativa, a atividade, a investigação" (Inquérito Policial, p. 2. São Paulo: Leud, 1990).
  8. Como afirma Heráclito Antonio Mossin: "A denominação polícia judiciária se dá tendo em linha de consideração que auxilia ela a justiça penal quanto aos seus fins, principalmente de natureza processual" (Comentários ao Código de Processo Penal, p. 17. Barueri: Manole, 2005).
  9. Código de Processo Penal Brasileiro Anotado, v. I, p. 293. Campinas: Bookseller, 2000.
  10. Neste sentido: Proc. G 30.946/94 (128/96). Parecer do Excelentíssimo Desembargador Adilson de Araújo, então juiz auxiliar da Corregedoria, oferecido em 07 de fevereiro de 1996.
  11. A Corregedoria da Polícia Judiciária e o respeito à titularidade da ação penal do MP. In: www.ultimainstancia.uol.com.br; acesso em 17.02.2006.
  12. Comentários ao Código de Processo Penal, p. 609.
  13. Neste ponto não podemos deixar de anotar que as normas processuais, ao contrário das penais e em virtude do princípio da instrumentalidade, não se subordinam ao princípio da tipicidade, tanto que o Código de Processo Penal, em seu art. 3º, dispõe: "A lei processual admitirá interpretação extensiva e aplicação analógica, bem como o suplemento dos princípios gerais de direito". Logo, a simples circunstância de não haver previsão legal expressa de instauração de procedimento investigatório pelo Juízo Corregedor da Polícia Judiciária – ou procedimento inominado, como ressaltado pelo Des. Samuel Júnior em seu citado voto, no julgamento do HC n. 880.226.3/0 -, não afasta a possibilidade de sua existência, uma vez que decorrente da observância dos princípios gerais de direito e também de analogia às normas legais – algumas delas citadas neste breve estudo - que prevêem o poder de apuração de fatos delituosos pelo Juiz.
Sobre o autor
Antonio Carlos Santoro Filho

Juiz de Direito em São Paulo (SP). Pós-graduado em Direito Penal. Autor de livros de Direito Penal, Processo Penal e Filosofia.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SANTORO FILHO, Antonio Carlos. Os poderes investigatórios do juiz corregedor da Polícia Judiciária. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2903, 13 jun. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/19323. Acesso em: 22 dez. 2024.

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