13. Kelsen desenvolve uma teoria da democracia que, simultaneamente, conecta-se a seu corpo teórico geral, e permite sua inserção no debate político contemporâneo. O autor estabelece um modelo de democracia como procedimento, de caráter formal e instrumental, sobre uma base que conjuga relativismo moral, realismo político, positivismo jurídico e individualismo metodológico. Nele, a principal questão a ser resolvida pela democracia remete à relação entre um Estado, que equivale à ordem jurídica, e a liberdade individual, exigência da razão prática.
A oposição inerente a diferentes fontes de decisão, a individual e a estatal, tornam a democracia, sob essa perspectiva, o regime mais desejável, já que o único a conciliar maximização da liberdade com prevalência da ordem social. Nesse ambiente, que, em termos liberais, pressupõe tanto um indivíduo atomizado, quanto uma sociedade contratualizada [166], nega-se a idéia de povo como unidade, admitindo-a apenas como sistema de atos individuais, ligado à ordem social por um liame jurídico. Esse vínculo se expressa, especialmente, por meio da Constituição [167], que possui sentido igualmente jurídico e deve normatizar a própria democracia, a definir procedimentos e conteúdos para a formação de acordos em torno da vontade geral estatal [168].
Trata-se de uma obra que ocupa espaço relevante na construção das idéias democráticas que ocorreu no século XX e perdura hoje. Embora identificada com a tradição liberal [169], a teoria democrática kelseniana, como ele próprio a percebia nos debates que travou [170], é passível de apropriação por qualquer Estado, quaisquer que sejam os conteúdos de seus compromissos políticos. Talvez insuficiente, se confrontada com modelos que aprofundam a perspectiva democrática, é uma teoria que, contudo, cumpre o importante papel de fundamentar, em bases pragmáticas, relações jurídicas e políticas em harmonia com ideais de liberdade, igualdade e pluralismo político, legado das tradições liberal e republicana que marcam a experiência das sociedades contemporâneas. É, nesse sentido, obra ainda dotada de certa atualidade e interesse.
NOTAS:
- Der Begriff des Staates und die Sozialpsychologie. Mit besonderer Berücksichtigung von Freuds Theorie der Masse (1922); Das Problem des Parlamentarismus (1924); Wesen und Wert der Demokrati (1929); Absolutism and Relativism in Philosophy and Politics (1948); Foundations of Democracy (1955).
- KELSEN, Hans. A Democracia. São Paulo: Martins Fontes, 2000, p. 209.
- Idem, p. 205.
- Idem, p. 25.
- FINLEY, Moses I. Os Gregos Antigos. Lisboa: Edições 70, 1988, p. 48-49.
- MANIN, Bernard. The principles of representative government. Cambridge: Cambridge University Press, 1997.
- KELSEN, Hans. A Democracia. São Paulo: Martins Fontes, 2000, p. 144-146.
- KELSEN, Hans. O que é justiça? A Justiça, o Direito e a Política no espelho da ciência. São Paulo: Martins Fontes, 2001, p. 10.
- KELSEN, Hans. A Democracia. São Paulo: Martins Fontes, 2000, p. 195.
- Idem, p. 32.
- Idem, p. 193.
- Idem, p. 39.
- Idem, p. 42.
- Idem, p. 40.
- Idem, p. 27.
- Idem, p. 27.
- Idem, p. 27.
- Idem, p. 27-28.
- Idem, p. 27.
- Idem, p. 28.
- Idem, p. 134.
- Idem, p. 29.
- Idem, p. 30.
- Idem, p. 30.
- Idem, p. 30-31.
- Idem, p. 31.
- Idem, p. 31.
- Idem, p. 31-32.
- Idem, p. 32.
- Idem, p. 33.
- Idem, p. 27.
- Idem, p. 33.
- Idem, p. 33-34.
- Idem, p. 35.
- Idem, p. 36.
- Idem, p. 36.
- Idem, p. 37.
- Idem, p. 38.
- Idem, p. 39.
- Idem, p. 40.
- Idem, p. 41.
- Idem, p. 41.
- Idem, p. 42-43.
- Idem, p. 182.
- Idem, p. 180-181.
- Idem, p. 182-183.
- Idem, p. 37.
- Idem, p. 38.
- KELSEN, Hans. Jurisdição Constitucional. São Paulo: Martins Fontes, 2003, p., p. 18.
- KELSEN, Hans. A Democracia. São Paulo: Martins Fontes, 2000, p. 45.
- Idem, p. 46.
- Idem, p. 47.
- Idem, p. 49.
- Idem, p. 47 e 50.
- Idem, p. 52.
- Idem, p. 50-51.
- Idem, p. 53.
- Idem, p. 54.
- Idem, p. 58-59.
- Idem, p. 64-65.
- Idem, p. 68.
- Idem, p. 68-69.
- KELSEN, Hans. Teoria Geral do Direito e do Estado. São Paulo: Martins Fontes, 2000, p. 411.
- KELSEN, Hans. A Democracia. São Paulo: Martins Fontes, 2000, p. 69.
- Idem, p. 70.
- Idem, p. 70.
- Idem, p. 71.
- Idem, p. 73.
- Idem, p. 73.
- Idem, p. 75.
- Idem, p. 77.
- Idem, p. 77.
- KELSEN, Hans. Jurisdição Constitucional. São Paulo: Martins Fontes, 2003, p., p. 201.
- KELSEN, Hans. A Democracia. São Paulo: Martins Fontes, 2000, p. 78.
- Idem, p. 78.
- Idem, p. 101.
- Idem, p. 99.
- Idem, p. 100.
- Idem, p. 100.
- Idem, p. 178.
- Idem, p. 32.
- Idem , p. 178-182.
- Idem, p. 83.
- Idem, p. 88.
- Idem, p. 90.
- Idem, p. 91.
- Idem, p. 92.
- Idem, p. 94.
- Idem, p. 94 e 96.
- Idem, p. 88-91.
- Idem, p. 279.
- Idem, p. 96.
- Idem, p. 106.
- Idem, p. 95.
- Idem, p. 96.
- Entre outros, podem ser relacionados, nessa linha, autores como Jürgen Habermas, James Bohman, Joshua Cohen, Íris Marion Young, Amy Gutmann, John Rawls e Cass Sustein. Ver a respeito em MIGUEL, L. F. "Representação política em 3-D". In: Revista Brasileira de Ciências Sociais, nº 51. São Paulo, 2003; DRYZEK, John S.. Deliberative democracy and beyond: liberals, critics, contestations. Oxford, Oxford University Press, 2000.
- SCHUMPETER, J. Capitalismo, socialismo e democracia. Rio de Janeiro: Fundo de Cultura, 1961.
- DOWNS, Anthony, Uma teoria econômica da democracia. São Paulo: Edusp, 1999.
- ARROW, Kenneth J. Social Choice and Individual Values. New Haven: Yale University Press, 1963.
- KELSEN, Hans. A Democracia. São Paulo: Martins Fontes, 2000, p. 305-306.
- Idem, p. 28.
- KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. São Paulo: Martins Fontes, 1998. p.4.
- KELSEN, Hans. Teoria Geral do Direito e do Estado. São Paulo: Martins Fontes, 1990, p. 190.
- Idem, p. 192.
- KELSEN, Hans. Jurisdição Constitucional. São Paulo: Martins Fontes, 2003, p. 201-202.
- Idem, p. 203.
- Idem, p. 22.
- Idem, p. 207.
- Idem, p. 165.
- Idem p. 14-15.
- Idem.
- Idem, p. 200.
- KELSEN, Hans. Jurisdição Constitucional. São Paulo: Martins Fontes, 2003, p. 24-27.
- Idem, p. 37.
- KELSEN, Hans. Jurisdição Constitucional. São Paulo: Martins Fontes, 2003, p. 213.
- MALBERG, Carré de. A sanção jurisdicional dos princípios constitucionais. In: Idem, p. 207-209.
- Idem, p. 201-202.
- KELSEN, Hans. Jurisdição Constitucional. São Paulo: Martins Fontes, 2003, p. 168.
- Idem, p. 169.
- Idem, ibidem.
- Idem, p. 261.
- Idem, p. 260.
- Idem, p. 262.
- LUHMANN, Niklas. La costituzione come acquisizione evolutiva. In: ZAGREBELSKY, Gustavo (coord.). et alli. Il Futuro Della Costituzione. Torino: Einaudi, 1996.
- KELSEN, Hans. Jurisdição Constitucional. São Paulo: Martins Fontes, 2003, p. 262.
- KELSEN, Hans. A Democracia. São Paulo: Martins Fontes, 2000, p. 205.
- KELSEN, Hans. A Democracia. São Paulo: Martins Fontes, 2000, p. 206 e ss.
- Idem, p. 209-211.
- OLIVEIRA, Júlio A. de. Os Fundamentos da democracia: análise crítica da justificação funcional da democracia por Hans Kelsen.
- ZAGREBELSKY, Gustavo. La Crucifixión y la democracia. Barcelona: Ariel, 1996, p. 8 e ss.
- KELSEN, Hans. A Democracia. São Paulo: Martins Fontes, 2000, p. 301 e ss.
- Citem-se, por exemplo, na elitista, J. A. Schumpeter; na pluralista, R. Dahl; na legalista, F. Hayek; na participativa, C. Pateman, N. Poulantzas e C. B. Macpherson; na deliberacionista, B. Manin e J. Habermas.
- Para uma exposição dos modelos de democracia, ver em: AVRITZER, Leonardo. A moralidade da democracia. São Paulo:Perspectiva, 1996, capítulo 5.
- ROUSSEAU, J. J. Do contrato social e outros escritos. São. Paulo: Nova cultural, 1999.
- Ver, por exemplo, em MILL, John Stuart. Considerações sobre o governo representativo. São Paulo: IBRASA, 1964. Também, a obra de Edmund Burke em HOFFMAN, J. S. e LEVACK, P. (orgs.). Burke’s Politics. New York: Knopf, 1967 HOFFMAN, J. S. e LEVACK, P. (orgs.). Burke’s Politics. New York: Knopf, HOFFMAN, J. S. e LEVACK, P. (orgs.). Burke’s Politics. New York: Knopf, HOFFMAN, J. S. e LEVACK, P. (orgs.). Burke’s Politics. New York: Knopf,.
- PITKIN, Hanna Fenichel. El Concepto de Representación. Madrid: CEC, 1985.
- MADISON, J., HAMILTON, A. e JAY, J. O Federalista. Campinas: Russel, 2003, artigo nº 10.
- Op. cit., artigo nº 51.
- GIDDENS, Anthony. Las Nuevas Reglas del Método Sociológico. Buenos Aires: Amorrortu, 1993.
- WEBER, M. C. E. Economia y Sociedad. México: Fondo de Cultura Económica, 1969.
- GIDDENS, Anthony. Sociologia. Madrid: Alianza, 2000.
- DURKHEIM, Emile. Educação e Sociologia. São Paulo: Melhoramentos, 1955; La División del Trabajo Social. Madrid: Akal, 1995.
- HAYEK, F. Os fundamentos da liberdade. Brasília: UnB, 1983; O caminho da servidão. Rio de Janeiro: IL, 1990.
- SCHUMPETER, J. A. Op. cit.
- DOWNS, Anthony. Op. cit.
- ARROW, Kenneth. Op. cit.
- KELSEN, Hans. A Democracia. São Paulo: Martins Fontes, 2000, p. 279.
- Idem, p. 142-143.
- BRANDÃO, Assis. "Bobbio na história das idéias democráticas". In: Lua Nova, n° 68, 2006, p. 135 e ss.
- BOBBIO, Norberto. Politica e Cultura. Turim: Einaudi, 2005; Rappresentanza e interessi. Rappresentanza e democrazia (org. Gianfranco Pasquino). Bari: Gius, Laterza & Figli, 1988, pp. 1-27;
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- CARRÉ DE MALBERG, Raymond. Contribution a la Théorie Générale de l’État. V. I. Paris: Recueil Sirey, 1922.
- SCHMITT, Carl. O conceito do político. Petrópolis: Vozes, 1992; Teologia Política. Belo Horizonte: Del Rey, 2006; O guardião da constituição. Belo Horizonte: Del Rey, 2007; Legalidade e legitimidade. Belo Horizonte: Del Rey, 2007.
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- Idem, p. 96..
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- ELSTER, Jon e SLAGSTAD, Rune. Constitutionalism and Democracy. Cambridge: Cambridge UP, 1997.
- KELSEN, HANS. A Democracia. São Paulo: Martins Fontes, 2000, p. 31.
- KELSEN, HANS. Jurisdição Constitucional. São Paulo: Martins Fontes, 2003, p. 260-261.
- Como reconhece, embora ressaltando sua insuficiência, Chantal Mouffe, por exemplo. Op. cit., p. 129.
- KELSEN, Hans. A Democracia. São Paulo: Martins Fontes, 2000, p. 32.
- Idem, p. 254.