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Do crime de quadrilha ou bando

Agenda 16/07/2011 às 12:10

O crime de quadrilha ou bando consiste em "associarem-se mais de três pessoas, (...), para o fim de cometer crimes" (art. 288, caput, do Código Penal), cuja pena é de reclusão de 1 (um) a 3 (três) anos. O delito é majorado quando a quadrilha ou bando é armado, aplicando-se a pena em dobro.

A finalidade do tipo penal é "punir, pelo perigo que representa para a paz e a segurança pública, a associação de quatro ou mais pessoas para a prática de crimes. Excluem-se por evidente, os crimes culposos e preterdolosos, não sendo possível haver associação para a prática de crimes não dolosos" (DELMANTO, Celso. e outros. Código Penal Comentado. 8. Ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 821). Assim, o bem jurídico tutelado é a segurança pública e a paz social.

Por se tratar de delito comum, o sujeito ativo é qualquer pessoa. Entretanto, como o delito é classificado como crime coletivo, plurissubjetivo ou, ainda, de concurso necessário, exige o mínimo de quatro pessoas para integrarem a quadrilha/bando. De outro lado o sujeito passivo é a coletividade.

O tipo objetivo do crime em análise é a associação estável ou permanente, armada (forma majorada) ou não (forma simples), de mais de três pessoas (no mínimo, quatro), para o fim de praticar crimes (mais de um). Sobre a conduta incriminada, eis o magistério de Luiz Régis PRADO (Comentários ao Código Penal. 5. Ed. São Paulo: RT, 2010. P. 810):

O núcleo do tipo é associar-se, que significar unir-se, ajuntar-se, reunir-se. É necessária a reunião de mais de três pessoas, caracterizando a quadrilha ou bando, ou seja, exigem-se, no mínimo quatro pessoas. Entende-se por quadrilha ou bando a "reunião estável ou permanente (que não significa perpétua), para o fim de perpetração de uma indeterminada série de crimes" (HUNGRIA, N. Comentários ao Código Penal. V. IX, p. 177). A associação tem como objetivo a prática de crimes excluídos as contravenções penais ou atos imorais. Mesmo que na associação haja inimputáveis, que sobre algum de seus membros recais uma causa pessoal de exclusão de pena ou que nem todos os componentes sejam identificados, o delito se caracteriza (ROSSO, G. Ordine pubblico. Novíssimo Digesto Italiano, v. XII, p. 160). Deve a associação apresentar estabilidade ou permanência, características relevantes para a sua configuração. Em razão da natureza dos delitos culposos e preterdolosos, também estes não podem ser escopo da quadrilha ou bando. A associação delitiva não precisa estar formalizada: é suficiente a associação fática ou rudimentar.

Desse trecho, extrai-se, pois, que: a) associar-se significa reunirem-se, ajuntarem-se, agregarem-se; b) é necessária a reunião de mais de três pessoas (ou seja, no mínimo quatro), independentemente se forem inimputáveis ou não, ou se serem todos identificados ou não ("O desconhecimento da autoria de algum envolvido não descaracteriza o crime de formação de quadrilha ou bando, se há prova da associação estável de mais de três pessoas. Precedentes do STF e do STJ." in STJ. HC 10.0912/SP. Rel. Napoleão Nunes Maia Filho. Julg. 01.12.2009); c) a associação não pode ser eventual ou acidental, isto é, deve ser estável ou permanente; d) a finalidade da quadrilha ou bando é a prática de crimes (mais de um) dolosos (excluídos os crimes culposos ou preterdolosos, bem como as contravenções penais ou atos imorais); e e) é prescindível a formalização da associação (registro, p. ex.), podendo ser fática ou rudimentar.

Em contraposição, Celso DELMANTO e outros, entendem que os inimputáveis não devem ser contados para a caracterização do delito e que é necessária a identificação de todos os componentes do grupo. Aduzem que "Ao nosso ver, os inimputáveis não devem ser contados no número mínimo de quatro pessoas, pois, não sendo eles penalmente responsáveis, sua associação aos demais – que exigiria vontade livre e consciente, por tratar-se de crime doloso – não pode ter relevância para os fins do art. 288 do CP. O mesmo se diga quanto ao componente da quadrilha não identificado, pois, sem sua identificação, não se pode saber se ele é ou não inimputável e se agiu dolosamente" (Ob. Cit. p. 822).

É imprescindível relembrar que a quadrilha ou o bando devem visar a prática de crimes, i.e., mais de um crime. A jurisprudência, por sua vez, tem entendido que a prática de crime em continuidade delitiva (crime único), também caracteriza o delito. Deste modo, "Configura-se o crime de quadrilha quando esta pratica um único crime, em continuidade delitiva. "O delito tipificado no artigo 288 do Código Penal e aqueloutros que a quadrilha venha a praticar são autônomos, até porque aquele se aperfeiçoa e é punível independentemente da prática de crimes subseqüentes da quadrilha, pelos quais respondem especialmente os seus agentes e, não, o bando todo" (HC 31.687/MS, Rel. Min. HAMILTON CARVALHIDO, DJ 25/4/05)" (STJ. HC 80.293/PE. Rel. Laurita Vaz. Julg. 18.02.2010).

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O dolo genérico é o elemento subjetivo do crime de quadrilha ou bando. Ou seja, é a vontade livre e consciente de querer se associar a outras pessoas com a finalidade de cometer crimes.

Como se refere a delito formal, o crime se consuma "no instante em que a associação criminosa (no mínimo quatro pessoas) é formada independentemente da prática de qualquer delito, pois é nesse momento que se apresenta o perigo concreto para a paz pública. Ainda que um dos integrantes venha a retirar-se posteriormente da associação, tendo essa retirada interferido no número mínimo exigido para o bando ou quadrilha, o crime já se reputa consumado, ocorrendo, contudo, o término da associação criminosa" (CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal: parte especial. 5. Ed. São Paulo: Saraiva, 2007. Vol. 3. p. 260). Por ser permanente, a consumação se protrai no tempo, enquanto persistir a quadrilha ou bando. Por ser autônomo, a sua consumação não necessita que a quadrilha ou bando tenha praticado algum crime.

Em síntese, sobre o momento consumativo, Felipe CALDEIRA comenta: "O STF reiterou a sua jurisprudência, e considerou o crime de quadrilha ou [bando] um crime formal, de forma que se consuma no momento em que se concretiza a convergência de vontades dos fundadores, sendo irrelevante a prática ou não dos crimes" (Direito Penal: informativos do STF e STJ comentados e sistematizados. Coord. Leonardo de Medeiros Garcia. Col. Informativos Comentados. Vol. 1. Salvador: Jus Podivm, 2010, p. 147). No mesmo sentido, "Crime formal, o delito de quadrilha ou bando consuma-se tanto que aperfeiçoada a convergência de vontade dos agentes e, como tal, independe da prática ulterior de qualquer delito compreendido no âmbito de suas projetadas atividades criminosas." (STF. HC 88978/DF. Rel. Cezar Peluso. Julg. 04.09.2007).

A tentativa, por sua vez, é inadmissível, "pois o crime é permanente e o legislador pune os atos preparatórios, sem a necessidade de qualquer resultado" (SILVA, Cesar Dario Mariano. Manual de Direito Penal: parte especial. Bauru/SP: Edipro, 2002; Vol. 3. P. 119).

Prevê, ainda, o tipo penal a pena de reclusão de 1 (um) a 3 (três) anos, sendo cabível, a princípio, a suspensão condicional do processo, nos termos do artigo 89 da Lei nº 9099/95. A ação penal incide na regra geral do processo penal, ou seja, é pública incondicionada.

O crime de quadrilha ou bando prevê ainda uma forma majorada, isto é, a possibilidade de que a pena seja aplicada em dobro, consoante se depreende do parágrafo único do artigo 288 do Código Penal. Destarte, nos casos em que a quadrilha for armada, v.g., utilize-se de qualquer tipo de arma (exceto arma de brinquedo), incidirá a causa de aumento de pena.

Antes de tecer comentário acerca da forma majorada do crime, é importante frisar que não se trata de qualificadora. Majorante ou causa especial de aumento de pena é diferente de qualificadora. Cezar Roberto BITENCOURT ensina que "as qualificadoras constituem verdadeiros tipos penais – tipos derivados – com novos limites, mínimo e máximo, enquanto as majorantes e minorantes, como simples causas modificadoras da pena, somente estabelecem a sua variação. Ademais, as majorantes e minorantes funcionam como modificadoras na terceira fase do cálculo da pena, o que não ocorre com as qualificadoras, o que estabelecem limites mais elevados, dentro dos quais será calculada a pena-base" (Tratado de Direito Penal: parte geral. 11. Ed. São Paulo: Saraiva, 2007. Vol. 1. P. 584).

Retomando. A majorante ocorre no caso em que haja arma na quadrilha ou bando. Segundo entendimento majoritário, a arma pode ser própria ou imprópria, portada ostensivamente ou não, bastando que apenas um integrante esteja armado.

A propósito, sobre o assunto, vide a lição de Damásio de JESUS (Direito Penal: parte especial. 16ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2007. Vol. 3. p. 414):

Nos termos do parágrafo único do art. 288 do CP, a pena cominada ao tipo simples aplica-se em dobro no caso de quadrilha ou bando armado. A razão da causa de aumento de pena é a maior temibilidade e periculosidade dos seus componentes. A arma pode ser própria (aquela concebida para o fim específico de ataque ou defesa, como o revólver) ou imprópria (objetivo concebido para outros fins que não a defesa ou o ataque, mas que podem servir para tanto, dada a sua idoneidade ofensiva, como a faca etc.). Pouco importa se a arma é portada ostensivamente ou não.

Exige-se que, no caso concreto, os membros da quadrilha ou bando estejam armados. Não é necessário que todos estejam portando armas. Para verificar se estão armados é necessário ter presentes as circunstâncias do caso concreto. Se pelo número de pessoas armadas, ainda que uma só, o Juiz concluir que todo o bando apresentava maior periculosidade, é de se reconhecer a causa de aumento de pena. O que importa é que o bando demonstre maior periculosidade e temibilidade graças ao emprego de arma.

A Lei de Crimes Hediondos (Lei nº 8072/90) instituiu a forma qualificada ou especial do delito. Assim, a pena será de reclusão de 3 (três) a 6 (anos), contados em dobro no caso de ser armado, quando a quadrilha ou bando tenha a finalidade de praticar crimes hediondos, tortura, tráfico ilícitos de entorpecentes e drogas afins ou terrorismo.

Rogério Sanches CUNHA, nesse diapasão, afirma que "aquele diploma legal somente cominou pena específica para estas hipóteses de ocorrência do crime de quadrilha ou bando, sem contudo, submeter os agentes às regras previstas no artigo 2º, que somente irão incidir se sobrevier a prática de um dos delitos etiquetados como hediondos ou a eles equiparados. Embora a Lei nº 8072/90 mencione o crime de tráfico, com o advento da Lei 11.343/06, a associação estável e permanente, de duas ou mais pessoas, para a prática do tráfico de drogas ou maquinários se enquadra no art. 35 deste diploma, com pena de reclusão variando de 3 a 10 anos, sem prejuízo da multa". (Código Penal para Concursos. 3. Ed. Salvador: Jus Podivm, 2010. P. 473). Sobre este último ponto, Fernando CAPEZ adverte, citando direito penal temporal, que "Por ser mais gravosa, a nova lei não poderá retroagir para atingir fatos praticados antes de sua entrada em vigor" (Ob. Cit. p. 266).

Com relação à delação premiada, é totalmente cabível, desde que preenchidos seus requisitos legais. Encontra respaldo jurídico na: a) Lei nº 7492/86 (alterada pela Lei nº 9080/95 – crimes contra o sistema financeiro nacional), artigo 25, § 2º; b) Lei nº 8072/90 (crimes hediondos), artigo 8º, parágrafo único; c) Lei nº 8137/90 (crimes contra a ordem tributária), artigo 16, parágrafo único; d) Lei nº 9034/95 (alterada pela Lei nº 10217/2001 – crime organizado), artigo 6º; e) Lei nº 9613/98 (lavagem de dinheiro), artigo 1º, § 5º; f) Lei nº 9807/99 (proteção à testemunha), artigo 14; e g) Lei nº 11.343/06 (drogas), artigo 41.

Ressalta-se ainda que a quadrilha ou bando está inclusa no rol em que é cabível a decretação de prisão temporária, segundo os termos do artigo 1º, inciso III, alínea "l", da Lei nº 7960/89 (prisão temporária), bem como, em determinados casos, deve-se ater à Lei nº 9034/95, sobre crimes organizados.

Outras observações gerais sobre o delito em análise: a) se o crime objetivado for de genocídio, aplica-se o art. 2º da Lei nº 2889/1956; b) se os crimes objetivarem à segurança nacional ou à ordem política e social, incide o art. 16 e 24 da Lei nº 7170/83; c) no caso de envolver matéria relativa à entorpecentes, deve-se observar o artigo 35 da Lei nº 11.343/06. Entretanto, em tais casos, é preciso ter cautela a fim de evitar a dupla punição (ne bis in idem).

Para finalizar, alguns aspectos processuais do crime de quadrilha ou bando: a) no caso de haver absolvição dos crimes em tese almejados pela quadrilha, não subsiste a condenação por quadrilha (TRF1. Ap. 98.01.00.0244397/TO. DJU 04.06.1999, p. 185), lembrando que o crime de quadrilha ou bando é autônomo ou formal, ou seja a sua consumação se dá com a convergência de vontades e independe da punibilidade ulterior dos delitos visados (STJ. RHC 24053/RJ. Rel. Napoleão Nunes Maia Filho. Julg. 17.03.2009); b) se a peça acusatória, a despeito de imputar ao recorrente o delito de quadrilha ou bando, não descreve qualquer conduta concreta de sua parte que pudesse caracterizar o delito, é inepta (STJ. RHC 22368 / AM. Rel. Napoleão Nunes Maia Filho. Julg. 23.02.2010) e, também, se o Ministério Público não está dotado de elementos suficientes para a propositura da ação penal, tanto que, podendo e devendo fazê-lo, não descreveu, nem mesmo em tese, conduta que se subsuma à moldura legal do crime de quadrilha ou bando, configura-se a inépcia da denúncia, nesta parte (STJ. RHC 16321 / RR. Rel. Celso Limongi. Julg. 01.06.2010); c) dada sua natureza permanente, autoriza a prisão em flagrante durante todo o lapso temporal em que se verificar a manutenção da associação dos consortes (STJ. HC 157.886/SP. Rel. Gilson Dipp. Julg. 15.02.2011); d) é necessário mínimo de provas para sustentar a acusação, vez que não se pode ter como sugestivo do crime de quadrilha a mera menção ao nome do impetrante por outros acusados, segundo captada em interceptações telefônicas, sem qualquer base concreta que demonstre, minimamente, a eventual prática delitiva (STF. HC 89.310/SP. Rel. Joaquim Barbosa. Julg. 31.03.2009).


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal: parte geral. 11. Ed. São Paulo: Saraiva, 2007. Vol. 1.

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Disponível em www.stj.jus.br. Acesso em 28.06.2011.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Disponível em www.stf.jus.br. Acesso em 28.06.2011.

CALDEIRA, Felipe. Direito Penal: informativos do STF e STJ comentados e sistematizados. Coord. Leonardo de Medeiros Garcia. Col. Informativos Comentados. Vol. 1. Salvador: Jus Podivm, 2010.

CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal: parte especial. 5. Ed. São Paulo: Saraiva, 2007. Vol. 3.

CUNHA, Rogério Sanches. Código Penal para Concursos. 3. Ed. Salvador: Jus Podivm, 2010.

DELMANTO, Celso. e outros. Código Penal Comentado. 8. Ed. São Paulo: Saraiva, 2010.

JESUS, Damásio Evangelista de. Direito Penal: parte especial. 16ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2007. Vol. 3.

PRADO, Luiz Regis. Comentários ao Código Penal. 5. Ed. São Paulo: RT, 2010.

SILVA, Cesar Dario Mariano. Manual de Direito Penal: parte especial. Bauru/SP: Edipro, 2002; Vol. 3.

Sobre o autor
Irving Marc Shikasho Nagima

Bacharel em Direito. Especialista em Direito Criminal. Advogado Licenciado. Ex-Assessor de Juiz. Assessor de Desembargador. Autor do livro "Ações Cíveis de Direito Bancário", publicado pela Editora Del Rey. Coautor do livro "Estudos de Direito Criminal", publicado pela editora Urbi et Orbi.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

NAGIMA, Irving Marc Shikasho. Do crime de quadrilha ou bando. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2936, 16 jul. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/19535. Acesso em: 22 dez. 2024.

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