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A necessidade de repensar os embargos de declaração

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Dos embargos de declaração como instrumento para modificação do julgado.

Como já se disse, os embargos de declaração podem ensejar a modificação do julgado, parcial ou total, podendo tal modificação ter caráter infringente – alteração do resultado da demanda--, mesmo quando tal modificação venha em desfavor da parte embargante, não se admitindo, no caso, a proibição do "reformatio in peius". [23]

Nesses casos de modificação do julgado, a jurisprudência pacífica é a de que, sob pena violação do amplo direito de defesa e do contraditório, a parte embargada deve ser previamente intimada para contestar os embargos. [24]

Embora omissa a legislação a respeito, em processos trabalhistas, em que há possibilidade de modificação do julgado, a prática é a da inclusão do processo em pauta de julgamento, intimando-se as partes e, mesmo, admitindo a sustentação oral. [25] Não faz falta que a parte explicitamente declare o caráter infringente dos embargos, mas sim, que o juiz, na possibilidade de alterar o resultado da decisão, atenda o princípio do contraditório.

A subsistência do entendimento de que os embargos possam alterar o resultado da demanda – e de que esta possibilidade é um fator benéfico à segurança e à celeridade processuais - é um dos principais motivos para que os embargos de declaração persistam, devendo-se buscar sua aperfeiçoamento através de medidas de alteração legislativa.


Uma proposta de alteração legislativa.

A preservação do instituto dos embargos de declaração atende a, pelo menos, duas finalidades essenciais, que justificam sua existência: 1) viabilizar a colaboração das partes na prestação jurisdicional, indicando ao juiz falhas e equívocos contidos na decisão judicial que possam ser corrigidos pelo magistrado, sem alteração do resultado e 2) em casos especiais (em que as falhas na decisão judicial comprometem o julgamento) propiciar a modificação do resultado.

No primeiro caso, estar-se-á diante de simples pedido de aclaramento do conteúdo da decisão judicial; no segundo, haverá o caráter infringente. Em ambos os casos, há de se entender que é direito da parte requerer a melhoria da prestação jurisdicional. Em ambos os casos, também, há de se reconhecer ser praticamente impossível determinar, com segurança que a parte é destituída de qualquer razão e que litiga com má-fé. Por outro lado, deve-se encontrar uma forma mais célere e econômica de julgamento dos embargos de declaração, aliviando o trabalho dos juízes e restringindo o campo de controvérsia sem descurar do dever de integral prestação jurisdicional.

Parece-nos que a melhor maneira de realizar tais propósitos seja atribuir ao bom-senso do magistrado decidir a respeito do conteúdo dos embargos propostos, reconhecendo tratar-se de real contribuição à prestação jurisdicional ou de necessário requerimento de reapreciação da matéria por força de erros que possam levar à modificação do resultado da decisão.

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Não sendo o caso, caberá ao juiz, liminarmente rejeitar os embargos (por mero despacho e, sem maior fundamentação, reportando-se às razões e argumentos já expendidos na decisão. Provavelmente, em tal situação poderão ser enquadrados a grande maioria dos embargos de declaração que, hoje, são propostos.

Por outro lado, em caso de embargos procedentes, deverá o juiz esclarecer a dúvida, sanar a omissão, resolver a contradição ou corrigir o erro material, acolhendo os embargos como uma contribuição concreta ou, se for o caso de infringência, alterar o resultado do julgamento depois de intimar a parte contrária, atendendo o princípio do contraditório.

Além disso, parece-nos necessário alterar o prazo de interposição dos embargos, voltando ao de quarenta e oito horas, mais do que suficiente ante as novas facilidades propiciadas pelo processo eletrônico. Também parece medida oportuna alterar a natureza do prazo, de interruptivo para suspensivo, de modo a retirar parte do incentivo que a atual lei processual confere à utilização dos embargos de declaração como forma de aumentar o prazo recursal.

Por fim, parece não ser mais necessária nem útil qualquer previsão de multa específica pela utilização de embargos de declaração, devendo ser revogada a previsão contida no art. 538, parágrafo único do CPC, extirpando-se, assim, fonte de controvérsias e desentendimento entre magistrados e advogados.


Conclusões provisórias.

Assim, entendemos que a norma processual que regula os embargos de declaração está a merecer algumas modificações, que restabeleçam a grande utilidade desse instituto e impeçam sua instrumentalização indevida em prejuízo da celeridade e da efetividade do processo.

Portanto, propõe-se:

a)que se entenda como implicitamente prequestionado qualquer dispositivo legal mencionado pela parte nos embargos de declaração, sem necessidade de qualquer declaração do juiz a esse respeito na decisão dos mesmos embargos;

b)a possibilidade do juiz não acolher os embargos de declaração por simples despacho, sem necessidade de fundamentar, apenas se reportando as razões já expendidas na decisão embargada.

c)que o prazo para interposição dos embargos de declaração volte a ser interruptivo;

d)que tal prazo seja suspensivo, como antes da modificação imposta pela Lei n. 8950/94;

e)que seja extinta a multa por embargos procrastinatórios.


Notas

  1. É ponto pacífico na história do direito lusitano que os embargos, como meio de obstar ou impedir os efeitos de um ato ou decisão judicial, são uma criação genuína daquele direito, sem qualquer antecedente conhecido, asseverando os autores que de semelhante remédio processual não se encontra o menor traço no direito romano, no germânico ou no canônico. Os embargos declaratórios são, portanto, criação portuguesa. (PINTO, Melina Pinto. "A aplicação do princípio da fungibilidade recursal nos embargos de declaração", 2005, Disponível em:  Jus Navigandi, Teresina, 2005,  http://jus.com.br/revista/texto/10798) Acesso em 10/6/2010.
  2. SEHNEM, Felix.  Embargos declaratórios . Jus Navigandi, Teresina, ano 7, n. 61, jan. 2003. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/3681>. Acesso em 10.06.2010.
  3. MIRANDA, Vicente. "Embargos de Declaração no Processo Civil Brasileiro", Saraiva, São Paulo, 1990, p. 15. A prática forense já permitiu conhecer-se embargos declaratórios apresentados contra simples despacho de "cite-se", na medida, em que a parte desejava saber qual seria a modalidade pela qual seria cumprida a determinação.
  4. Art. 463 do CPC: "Publicada a sentença, o juiz só poderá alterá-la: I- para Ihe corrigir, de ofício ou a requerimento da parte, inexatidões materiais, ou Ihe retificar erros de cálculo; II - por meio de embargos de declaração".
  5. Há respeitáveis opiniões em contrário. Sustentando o caráter meramente corretivo dos embargos de declaração pode-se citar, entre tantos, nomes como o de Ada Pellegrini Grinover e Manoel  Antonio Teixeira Filho.
  6. A possibilidade de efeito modificativo da decisão é expressa no art. 897, A da CLT. Nesse sentido, a Súmula 278 do TST.
  7. "A tendência de ampliar os efeitos das decisões, por intermédio dos embargos declaratórios, não pode ser conduzida a uma iniciativa ilimitada, sob pena de desvirtuamento do ordenamento jurídico, transformando-o para procedimento recursal indireto e meio de retratação do mesmo juízo proferidor da sentença embargada". (OLIVEIRA, Paulo Rogério. "Embargos de declaração". Disponível em http://www.fadisp.com.br/download/4.1 Acessado em 10/6/2010.
  8. SEHNEM, Felix, ob. cit.
  9. A esse respeito, VIDIGAL, Márcio Flávio Salem. "Embargos de declaração como instituto processual" in MOURA EÇA, Vitor Salino (coord). "Embargos de declaração no processo do trabalho", Sãp Paulo, 2010, LTr, p.45.
  10. "Esta a perspectiva que deve prevalecer entre os magistrados, advogados e demais operadores jurídicos acerca do instituto processual, amoldando-o, sempre, em prol da prestação jurisdicional plena, célere e eficaz, apta a atender aos anseios do jurisdicionado" ( AMARAL, Anemar Pereira. "Compreensão dos embargos de declaração, in "MOURA EÇA, ob.cit., p. 157).
  11. SEHNEM, Felix. Ob. cit.
  12. GARCIA, Ana Flávia de Aguiar Melo. "Embargos de declaração: análise de seus critérios de admissibilidade".  Disponível  http://direito.newtonpaiva.br/revistadireito/docs/convidados/11_04.doc . Acesso em 10/6/2010.
  13. STF, AI 163047-5, PR, Rel. Marco Aurélio, (DJU 8/3/1996, p.6223)
  14. No TRT-4ª. Região, a média de seis anos (2003 a 2008) da taxa de recorribilidade interna (embargos de declaração) no primeiro grau no Judiciário do Trabalho do Rio Grande do Sul foi de 26%, evidenciando-se um sensível acréscimo nos últimos anos (44,77% em 2007 e 33,76% em 2008). Tais números se mostram elevados (provavelmente por razões de natureza circunstancial) em relação à média do 2º grau (21%). Segundo dados de 2009 do Conselho Nacional de Justiça, a taxa de recorribilidade interna do Judiciário Trabalhista nacional é de 21,8% (segundo grau) e 13,8% (primeiro grau). Tais números são aproximados aos da média dos Tribunais Estaduais (21%) e dos Tribunais Federais (26,9%). Curiosamente, a média no primeiro grau da Justiça Estadual de todo o país é significativamente baixa na fase de conhecimento (2,1%), porém em um contexto de recorribilidade externa também baixa (8%). Simplificando bastante, pode-se dizer que são propostos embargos de declaração a cada quatro decisões proferidas. Não há dados estatísticos disponíveis, mas, empiricamente, sabe-se que a taxa de acolhimento dos embargos de declaração é muito pequena (normalmente acrescentando fundamentos à decisão), certamente representando bem menos de um dígito percentual. Destas, são raras as que contêm algum efeito modificativo.
  15. Conforme foi proposto, em 2004, pelo então Presidente do Supremo Tribunal Federal, Nelson Jobim.
  16. SANTOS, Moacyr Amaral. "Primeiras Linhas de Direito Processual Civil, 3º vol". Editora Saraiva, 1997.
  17. VIDIGAL, Márcio Flávio Salem, ob. cit., p.73.
  18. HORTA, Denise Alves. "Embargos de declaração: regime legal e suas hipóteses" in MOURA EÇA, Vitor Salino (coord)., ob. cit. p. 27.
  19. MARQUES, José Frederico. Manual de Direito Processual Civil. São Paulo, Ed. Bookseel, vol.. 3, 1997, pg. 191.
  20. HORTA, Denise Alves, ob. cit. p. 28.
  21. Por exemplo, o seguinte acórdão : "Os embargantes sustentam existir erro manterial no acórdão em relação à afirmação de que a procuradora signatária do agravo de petição, não possui procuração nos presentes autos. (...)Não se verifica no julgado a existência de qualquer erro material, entretanto. Da fundamentação dos embargos, aliás, denota-se que os embargantes buscam, na verdade, uma nova apreciação da matéria, de maneira favorável aos seus interesses. Todavia, para esse fim não prestam os embargos de declaração. (Processo 0055000-56.2001.5.04.0731 (ED) do TRT 4ª. Região, 8ª Turma, Rel. Wilson Carvalho Dias)
  22. CARMO, Júlio Bernardo. "Embargos de declaração – visão geral e prequestionamento no âmbito do processo do trabalho" in in MOURA EÇA, Vitor Salino (coord), ob. cit., p. 90-124.
  23. HORTA, ob. cit., p. 40.
  24. Em tal sentido, a Orientação Jurisprudencial 142 da SDI-1 do Tribunal Superior do Trabalho.

25.Esta, pelo menos, a praxe da maioria das Turmas do TRT da 4ª. Região.

Sobre os autores
João Ghisleni Filho

Desembargador do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região (Rio Grande do Sul), integrante da 3ª Turma.

Flavia Lorena Pacheco

Desembargadora do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região (Rio Grande do Sul), integrante da 3ª Turma.

Ricardo Carvalho Fraga

Desembargador do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região (Rio Grande do Sul), integrante da 3ª Turma.

Luiz Alberto de Vargas

Desembargador do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região (Rio Grande do Sul), integrante da 3ª Turma.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GHISLENI FILHO, João; PACHECO, Flavia Lorena et al. A necessidade de repensar os embargos de declaração. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2935, 15 jul. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/19565. Acesso em: 17 nov. 2024.

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