RESUMO: O presente artigo tem por objetivo analisar de forma detalhada a relação pessoal do filósofo alemão Martin Heidegger com o Estado nacional-socialista que se instaurou com a ascensão de Adolf Hitler ao poder no ano de 1933. Abordará, especificamente, se a política hitlerista alemã, a realidade social e o envolvimento voraz do filósofo com o mundo acadêmico da época foram capazes de levá-lo a aceitar as tentações da ideologia nazista e com ela envolver-se. A influência decisiva de Nietzsche nas tomadas de decisões de Heidegger, utilizando-se do conceito de niilismo, há de ser invocado para salvaguardar os conflitos que se instauraram no subconsciente do filósofo. Por fim, a grande resposta que se busca neste trabalho: Martin Heidegger sucumbiu às idéias "nazi", impostas pelo 3º Reich, ou sua ideologia e seu trabalho filosófico tornaram insustentável esta relação, fazendo com que ele fosse obrigado, por sua consciência, a se afastar do ambiente político do Estado nazista alemão?
PALAVRAS CHAVES: Nazismo, niilismo, filosofia alemã.
ABSTRACT: This article aims to analyze in detail the personal relationship of the German philosopher Martin Heidegger with the National Socialist State that has taken place with the rise of Adolf Hitler to power in 1933. Address, specifically, whether Hitler German politics, the social reality of the philosopher voracious and involvement with the academic world of that time were able to get him to accept the temptations of Nazi ideology and engage with it. The decisive influence of Nietzsche on Heidegger's decision-making, using the concept of nihilism, there can be relied on to safeguard the conflicts which have developed in the subconscious of the philosopher. Finally, the big answer that is sought in this work: Martin Heidegger succumbed to ideas "Nazi", imposed by the 3rd Reich or his ideology and his philosophical work became untenable this relationship, so that he would be compelled by his conscience, move away from the political environment of the German Nazi state?
KEYS WORDS: Nazism, nihilism, German philosophy.
1. INTRODUÇÃO
Para que possamos entender a postura de Heidegger dentro do Estado Alemão devemos analisar suas duas principais atividades naquela época: a primeira diz respeito à sua atuação como membro ativo dentro da Estrutura de Ensino do Estado e a segunda atinente à sua participação como membro do Partido Nacional Socialista dos Trabalhadores Alemães, cujas idéias de Tirania se lhe impunham pelo Estado Nazista pelo simples fato, sua forte atuação dentro dele.
Nesta análise a influência do niilismo em Heidegger é outro assunto que não pode deixar de vir à tona, vez que determinante na tomada de suas decisões frente ao Estado Germânico. Numa fase da vida do filósofo de grandes dúvidas sua obra de maior influência, "Nietzsche - Metafísica e niilismo", escrita entre os anos de 1946 e 1948 só vem corroborar com a colocação de que o filósofo não conseguiu suportar as atrocidades perpetradas pelo regime e dele se apartou. Nesta temática e com fulcro nas afirmações do próprio Nietzsche, onde aponta ser o niilismo um processo de desvalorização de valores tidos como sagrados, Martin Heidegger conseguiu tornar evidente a compreensão do que lhe foi imposto pelo Estado "nazi" e que mais tarde designou como sendo "um longo processo de enfermidade humana no curso da história" [01]
2. A BUSCA DE HEIDEGGER POR SEUS IDEAIS: A RENOVAÇÃO DA CULTURA ALEMÃ
2.1. Heidegger e a educação do cidadão no Estado Alemão
A relação de Heidegger com o Estado Alemão é delicada. O risco de uma abordagem superficial está justamente em envolvê-lo com as atrocidades perpetradas durante o nazismo [02]; mácula, inclusive, em torno da qual os comentadores de sua biografia se posicionam de duas maneiras bem distintas: - no primeiro grupo encontram-se aqueles que se levantam com um tom inflamado de denúncias e que apontariam para uma qualidade do filósofo de tentar "nazificar" a universidade alemã e, portanto, denunciando intrínseco e fugaz engajamento seu com o nazismo; no segundo grupamento aqueles que vão ao encontro da defesa passional de Heidegger pautada nos ideais culturais e universitários, a mais pura política universitária oficial e que, não querendo se envolver na prática nazi-militar almejava, simplesmente, o desenvolvimento da educação e da cultura; inclusive, conforme ele próprio gostava de se auto-intitular em seus discursos "o grande renovador da educação alemã".
A obra "Ascensão e Queda do III Reich", escrita por William Shirer [03]relata o grande número de docentes do ensino superior que se submeteram ao processo de "nazificação". As estatísticas indicam que: "aproximadamente três quartos da população docente permaneceu em seus postos e ao começar o outono de 1933 uns 960 deles liderados por sumidades como: o Professor Sauerbruch, cirurgião; Heidegger, o filósofo existencialista e Pinder, historiador da arte, manifestaram um velado e restrito voto de apoio ao regime nacional-socialista" – grifamos.
No auge de sua carreira como educador vivia-se na Alemanha o período da República de Weimar, acusada de amplo colaboracionismo com as potências que impuseram o Tratado de Versalhes a essa nação no pós primeira guerra. Isso fazia com que tal política causasse descontentamento geral na sociedade civil e em determinadas áreas das forças armadas, em especial, aquela facção representada pela elite militar prussiana. Em 1.932 poucos intelectuais mundiais renomados acreditavam na República Alemã, entre eles o jurista austríaco Hans Kelsen, que constatava que para a maioria da juventude germânica as idéias liberais teriam definitivamente fracassado naquele país.
O alemão Carl Schmitt, inclusive, justificaria a necessidade de um Estado que artificialmente regulasse conflitos, possuindo poder absoluto e força ilimitada, sobrepondo-se às individualidades. Manifestou-se: "o liberalismo será incapaz de conter a tendência de desagregação da sociedade civil, causada por conflitos ideológicos e individualistas." [04]Essa proposta de um Estado "forte" entraria em vigor no Terceiro Reich, instância culminante das diretrizes de Adolf Hitler com autoridade independente de qualquer legitimação inclusive dos poderes Legislativo e Judiciário.
Envolto neste cenário, Heidegger, então Professor da Universidade de Freiburg foi eleito Reitor em 1933, quase por unanimidade. Crédulo de que o novo governo seria uma benesse à cultura alemã em seu discurso de posse professava idéias educacionais revolucionárias para a universidade, as quais se coadunariam com outras que acreditava capazes de restaurar a identidade do povo alemão e formar indivíduos com força produtiva suficiente para tirar o país da crise que se instaurara.
Para o filósofo somente os elementos advindos de um Estado forte, no que compete principalmente às idéias políticas alemãs, faria com que a figura do cidadão germânico fosse capaz de defender seus interesses individuais e de conduzir-se em busca da superioridade educacional e científica. Segundo, Roberto S. Kahlmeyer Mertens [05]em sua obra "Heidegger o Estado e a Educação": essas idéias se aproximariam das de Carl Schmitt, que via Hitler como a personificação do antigo Estado Absoluto, condutor de uma política de hegemonia étnica, suprimindo conflitos ideológicos e individualistas em que a sociedade sacrificaria seus direitos individuais, obedecendo fielmente às diretivas dadas pelo poder público. Contudo, os dois Autores alemães divergiam entre eles, pois Schmitt via no ditador uma figura necessária à reimplementação e conservação da ordem pública do Estado, Heidegger, por sua vez, o interpretava apenas como o representante de uma revolução social necessária e que apenas implementaria uma política de educação mais bem estruturada no Estado Alemão.
Passada esta suposta aceitação de Heidegger pela reestruturação que surgia no Estado suas idéias no que tangem à política alemã assumem uma feição de repulsa a partir dos anos de 1940, fazendo com que o filósofo não se mostrasse conivente com a ideologia disseminada pelo partido nacional-socialista germânico à época.
Presume-se, portanto, que o conceito de cidadão dentro do Estado Alemão, mencionado por Heidegger, estava longe do significado vislumbrado em sua principal obra "Ser e Tempo", que apontava para a resolução de um indivíduo com um sentido autêntico à realização de sua existência – o ser-aí, capaz de estruturar no jovem alemão um imperativo ético com base na responsabilidade e no cuidado próprio do indivíduo como ser-no-mundo.
Novamente, Kahlmeyer [06]intriga a todos, pois aponta uma clara contradição interna na referida obra "Ser e Tempo": Fala-se do ser-no-mundo como coisa singular entregue às urgências próprias de sua existência em face do risco do comportamento impessoal; depois, do ser-no-mundo, como aquele que depende de ser autenticamente conduzido pela força a uma realização que não está dissociada do coletivo - grifamos. Posturas estas conflitantes dentro do pensamento de Heidegger e que seriam capazes de "sustentá-lo" dentro da filosofia nazista.
Em diversas oportunidades, Martin Heidegger defendeu a posição de que somente uma universidade criada nos moldes de superioridade e tradição seria capaz de formar os cidadãos e futuros governantes para os estratos sociais. E mais, os cursos técnicos implantados por ele e chamados de "oficinas" jamais tiveram qualquer visão bélica ou desagregadora da paz, frise-se, ao contrário do que ainda hoje alguns comentadores tentam afirmar, jamais houve intenção de utilizar os referidos cursos para a implantação de quaisquer sistemas que pregassem a superioridade bélica, étnica ou de ideais anti-semíticos. Esta superioridade de que fala o filósofo tratava-se apenas da evolução e melhora do indivíduo em termos de profissionalização, em especial daqueles conhecimentos necessários à indústria e escassos naquela época, criando meios de subsistência e, inclusive, qualificando-o para atuar em outras funções, até mesmo segurança do Estado, sempre, segundo Heidegger, no melhor intuito da superioridade do ser.
Para o filósofo, a união da universidade com a escola técnica seria capaz de ampliar o potencial produtivo da nação, fortalecendo o Estado e as condições de um bom governo, para, quem sabe, realizar o ideal da bela cidade platônica (Kallipolis) na própria Alemanha. [07]
Desafortunadamente, tal modelo proposto por Heidegger acerca da união universidade-escola técnica não convenceu, sequer, a comunidade acadêmica da época de que não havia neste ato uma corporificação, crença e obediência disciplinadas àquele Estado totalitário como uma maquina de guerra, o que ensejou, por fim, um imenso desagrado quanto às suas prescrições.
Entre os críticos mais cáusticos em relação às políticas educacionais adotadas por Heidegger estava Erich Jaensch [08], um antigo colega de Heidegger, que escreveu diversos pareceres acusando-o de que: suas idéias e seu conteúdo temático não passariam de ideologia nazi-fascista travestida de filosofia da existência. Também o chileno Victor Farias [09], que trabalhou com Heidegger na Alemanha, em sua obra "Heidegger e o Nazismo – Moral e Política", acreditava que: "Heidegger contribuiu para a revolução nacional-socialista na universidade redigindo relatórios instando as autoridades a não nomear um professor estritamente ligado ao "judeu" Frankel ou ainda proibiu, por sua própria iniciativa, a participação de não arianos numa cerimônia universitária oficial, o que mostra sim um engajamento do filósofo ao nazismo". Posteriormente, Guido Scheneeberger publicou textos em 1962, até aquela época desconhecidos, que em sua opinião evidenciariam a adesão plena de Heidegger ao nacional-socialismo nos anos de 1933/34. [10]
2.2. Heidegger e a Tirania no Estado nazista alemão
A experiência filosófica de Heidegger em "Ser e Tempo" representa uma radicalização do movimento iniciado por Husserl [11] no sentido da
exteriorização do pensamento. Assim, sua fenomenologia, dita "heideggeriana", trazia para a consciência do individuo uma forma de abertura do ser-para-o-mundo, ou seja, expunha que a autenticidade do indivíduo ocorria quando ele se sacrificava em prol do destino particular da comunidade e do Estado a que pertencia.
Neste sentido, nada seria mais absurdo que ver nas reflexões do filósofo algo como uma ideologia filosófica do nazismo. Mas, ao contrário, não era este o pensamento de diversos estudiosos de Heidegger. Assim, manifesta-se o doutor em filosofia pela Universidade de Paris, o professor Emmanuel Faye [12], ao observar que "o nazismo está intrínseco na obras de Heidegger", ou ainda, "o nazismo está no coração dessa filosofia, a convicção nazi de Heidegger vem do fundo da sua filosofia".
Frisamos de maneira reiterada que, diferentemente desta postura, majoritária e idêntica a de muitos outros expertos, comungamos do entendimento de que não foi na verdade como cidadão privado, mas, sobretudo, como estudioso, em nome de razões filosóficas, que Heidegger envolveu-se com a política "nazi" e se pôs como educador ao serviço dela. Somente estas, as razões que podem afastá-lo das idéias hitleristas, que hoje inquisidores tardios alucinam em impingir ao filósofo.
Mas vale também lembrar que nossa postura é minoritária dentre os apontamentos de outros comentadores e doutrinadores da vida de Heidegger e sua relação com o Estado germânico. Grande parte deles afirma que o nazismo está aí como sub-enunciado e astuciosamente emboscado entre as linhas dos textos "heideggerianos", potencialmente deslocado de seus escritos, mas colocado na sua idéia de pensar como forma e conteúdo. Para eles seria neste plano pré-ideológico em que se deveria enquadrar o problema Heidegger e a política, Heidegger e o Estado e por fim, Heidegger e o nazismo. Para nós, ledo engano.
Defende esta postura de um nazismo obscurecido e intrínseco em Martin Heidegger, Dias [13], conforme delineia: tanto mais que a relação da filosofia e do Estado, ou da verdade e do poder, não é, nunca foi, extrínseca. Um novo modelo do poder requer um novo modelo da verdade e o inverso. Em especial, a filosofia metafísica moldou-se pelo aparelho estatal e em troca, o Estado sai "fundado", assegurado numa petição ontológica, reconhecido como a verdade ou a razão realizadas, ou como a realidade de um absoluto, de um universal, espírito em ato. Mas nunca essa filosofia se limitou a "reproduzir" na forma de modelos da verdade estados efetivos. [14]
Na verdade, novamente pedimos escusas aos estudiosos e leitores, mas temos de discordar de Sousa Dias. Entendemos que tal filosofia, ainda que intrínseca às ideologias de Heidegger, jamais chegou a se concretizar em ações contributivas ao estado hitlerista. Inclusive, está apta a rever-se numa forma reativa de "niilismo" às formas de Estado não legitimadas e antidemocráticas, concretizando, por fim, no filósofo, seu ressurgimento espiritual e crença em seus antigos ideais. O deus (sua crença suprema) está morto, como viria mais tarde escrever op filósofo.
E mais, para Heidegger a consideração do nacional-socialismo como destino do povo alemão era apenas a indicação do assentimento da nação alemã na grandiosa missão para seu expansionismo cultural. A justificação de um Estado totalitário, melhor adequado ao mundo moderno dominado pela técnica, não poderia ser aceito. O caráter universitário desse empenhamento, a sua aceitação de funções oficiais, as suas incitações à colaboração patriótica dos estudantes, o seu sonho de fazer da universidade alemã com o hitlerismo a vanguarda de um renascimento espiritual europeu, era a idéia do filósofo como missão da universidade na revolução nacional. Mas por desilusão, com a desvirtuação efetiva do movimento nacional-socialista, com o seu crescente desvio da sua verdade inicial e por perda da fé, Heidegger isolou-se de todas estas relações em uma segunda fase de sua evolução. [15]
Assim notou René Schérer [16] e de seu pensamento compartilhamos:"em Heidegger nunca será posta em causa, nem ao longo de toda a duração do regime, nem depois, uma significação autêntica do nacional-socialismo, o fato de ele se ter historicamente confundido com o destino do povo alemão. Nem outra coisa seria possível: pôr em causa essa significação equivaleria, para Heidegger, admitir como inautêntica também, a sua própria experiência de pensamento fundamental."
Na verdade, todos esses fatos evocados vêm do calar-se do filósofo, talvez em nome do estado hitlerista, talvez ainda envolto na filosofia do esquecimento sob o ponto de vista do poder do niilismo. Heidegger, oficialmente, jamais respondeu a qualquer questionamento acerca de seu apoio ao nazismo, exceção feita em sua última entrevista antes de morrer ao Der Spiegel em que sem denunciar seu sentimento contra o horror nazista via nisso uma desfiguração de um ideal legítimo alemão e uma indevida apropriação do destino nacional ao expor numa frase avulsa que corrobora com o afastamento de qualquer relação sua com o Estado criado pelo Führer. Descrevo-a já que traça todo um sentimento por si só: "...a autenticidade do indivíduo ocorre quando ele se sacrifica em prol do destino particular, da comunidade e do Estado a que pertence..."
Por fim, há de se aventar em Heidegger uma outra faceta de intelectualidade liberada de seu inconsciente após a decepção política - a poesia, objeto capaz de fazê-lo prosseguir e aprofundar seu pensamento e seus estudos com temas da Pátria e da Terra, confirmando de forma cada vez mais explícita sua desvinculação com o nacionalismo exagerado.
Retoma aí neste momento de sua vida o estudo da verdade do ser e seu amadurecimento através do pensamento político. Mas, nada é mais difícil de ser entendido dentro da mente do próprio Heidegger, porque na verdade não se trata só de aceitar os fatos por que passou, mas de certa forma mudar a maneira de seu pensar, mudar de vida dali em diante, de viver de outra maneira dali para frente, daí todo seu entrosamento com os pensamentos de Nietzsche como uma fuga de parte de seu passado.
3. O NIILISMO ERUPTIVO EM MARTIN HEIDEGGER
A obra de maior influência de Heidegger e que explica sua própria relação interna com o estado nazista foi "Nietzsche - Metafísica e niilismo" [17] escrita a partir do ano de 1946. Tinha como base de estudo a afirmação já desenvolvida anteriormente por Nietzsche em que expunha o niilismo como uma conseqüência de um processo de desvalorização dos valores tidos como sagrados. [18] Ao propor uma interpretação do fenômeno do niilismo, o filósofo, que tinha visto ruir suas aspirações acerca da relação estado-educação, pretendia tornar evidente sua compreensão daquilo que designava como sendo um longo processo de enfermidade humana no curso da história e comprovar sua total desvinculação com os atos decorrentes das atrocidades cometidas pela sociedade acadêmica hitlerista em nome do Estado Alemão.
Acerca do niilismo e do que Nietzsche assinalava a respeito deste fenômeno, declarou Heidegger: Pensado em sua essência, o niilismo é muito mais o movimento fundamental da história do ocidente. Ele traz à tona um curso profundo tal que o seu desdobramento só pode ter ainda por conseqüências catástrofes mundiais. O niilismo é o movimento histórico mundial dos povos da Terra que se estendem em meio ao âmbito de poder da modernidade. Por isso ele não é somente um fenômeno do tempo presente, também não somente o produto do século dezenove, no qual em verdade uma visada mais incisiva para o niilismo vem-a-ser desperto e no qual o nome niilismo se torna usual. O niilismo tampouco é apenas o produto de nações singulares, cujos pensadores e escritores falam propriamente de niilismo. Aqueles que se arrogam livres dele impelem, talvez, o seu desenvolvimento da maneira mais fundamental. Pertence ao caráter sinistro, desse sinistro hóspede, a impossibilidade de nomear a sua própria proveniência. [19]
O niilismo deriva, pois, de um movimento de expansão da crise intelectual e da supressão do fundamento daquilo que fora pensado como sendo a finalidade suprema e que se desagrega por completo, decorrendo daí um processo de despotenciação do espírito, de declínio da crença no deus (objetivo maior) e nos valores sagrados (toda a metodologia usada na busca do objetivo maior) subjacentes a tal crença.
Se considerarmos, retrospectivamente, a obra de Nietzsche, é em função do acontecimento maior, por ele anunciado como sendo a morte de deus, que se abre o horizonte de compreensão do fenômeno do niilismo eruptivo em Heidegger. Todas suas ambições de transformar a juventude alemã através de uma universidade forte estavam mortas, ruíram com as imposições e desvirtuamentos advindos da sociedade hitlerista criada.
De acordo com Heidegger: "O estranho pensamento da morte de um deus e do morrer dos deuses, já era familiar ao jovem Nietzsche. Numa anotação do tempo de elaboração de seu primeiro texto, O Nascimento da Tragédia, Nietzsche escreve: "Creio no dito proto-germânico: todos os deuses têm de morrer". O jovem Hegel menciona, na conclusão do ensaio "Fé e saber", o "sentimento, em que se assenta a religião do novo tempo (a idade moderna) – o sentimento: o próprio deus morreu...". O dito de Hegel pensa outra coisa que o de Nietzsche [pensa] no seu. [20]
A significação deste dito, pelo menos de acordo com a declaração de Martin Heidegger indica que seu deus, como objetivo máximo, meta de todo real, está morto [21]. A partir daí o filosofo perde toda sua força imperativa e construtora e não lhe resta mais nada que possa mantê-lo em direção inicial ou sequer direcioná-lo numa nova direção. A sentença "deus está morto" encerra em si a constatação do niilismo, "o mais sinistro de todos os hóspedes", encontra-se à porta. [22]
Pelo exposto é que se entende que Heidegger sofreu as influências do fenômeno quando percebeu a demolição de seus valores sagrados e da tradição alemã, engendrando, assim, um desmoronamento dos valores culturais, esvaziamento radical de evolução dos ideais da universidade alemã e a ausência de manter-se ativo academicamente nos moldes impostos pela comunidade científica submissa ao Reich. O seu deus, o seu "poder" [23]tinha fadado ao fracasso e ele, Heidegger, não podia aceitar a intensificação e o aperfeiçoamento da ciência e da técnica nos moldes impostos pelo Estado alemão.