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Heidegger e o Estado

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Agenda 21/07/2011 às 19:03

4. HANS SLUGA E TOM ROCKMORE - UMA ANÁLISE CONTEMPORÂNEA DO PENSAMENTO "HEIDEGGERIANO" DE ESTADO

Dois escritores contemporâneos que retratam muito bem a obra e a vida de Martim Heidegger são o filósofo alemão, professor da Universidade de Berkeley, Hans Sluga, cujo livro "Heidegger’s Crisis" [24] lança um olhar sobre a complexa relação entre filosofia e política e a participação do filósofo no ambiente político da Alemanha nazista e Tom Rockmore, professor e filósofo da Universidade de Duquesne na Pensilvânia, Estados Unidos, com sua obra "Heidegger: The Introduction of Nazism Into Philosophy." [25]

O primeiro livro mostra que Heidegger tentou direcionar, inicialmente, o movimento nazista ao desenvolvimento, na tentativa de legitimá-lo através de sua filosofia, mas finalmente desacreditou-se e retirou-se em silêncio. Seu silêncio foi tão profundo que ele nunca comentou sobre qualquer discussão real da necessidade de legitimação filosófica dos acontecimentos políticos e seu envolvimento na política em geral. O segundo, conforme pontua seu escritor "... sem tomar uma postura de ligação ou não de Heidegger com o nazismo busca contribuir para o esforço contínuo em compreender a relação entre o Estado e sua filosofia. Está muito menos preocupado em provar a si próprio ou aos outros que a alma de Heidegger foi salva e em vez disso, esclarece o contexto político, institucional e filosófico em que tudo aconteceu." Sluga prevê um estudo sinótico da filosofia alemã da era nazista e examina a forma como Heidegger se relaciona com a política da época. Pontua: "... utilizo-me das ações de Heidegger como um centro a elucidar o que os outros filósofos alemães estavam fazendo, pensando e escrevendo, sem me afastar da influência decisiva de Nietzsche em Heidegger..."

A intenção de se citar neste trabalho os dois escritores acima fica na forma diferenciada de seus relatos. Os autores apontados não acusam nem absolvem. Pelo contrário, sustentam a perspectiva e os pressupostos de toda uma geração que procura o controle mais urgente do desenvolvimento da cultura alemã. Linchar Heidegger é bode expiatório acadêmico no pior sentido, para os escritores que o fazem, nada mais é do que uma diversão tática para fugir da responsabilidade intelectual do filósofo. [26]


5. CONCLUSÃO

Um trabalho acerca de divergências tão amplas sobre a vida de Heidegger não se encerra facilmente. Longe de esgotar o tema, espera-se ter conseguido demonstrar alguns aspectos importantes. Primeiro, a evidente relação da temática com o mundo político, tornada clara na proximidade da moral filosófica e da ética e também a congruência que uma análise sobre a conduta deste homem possui com o mundo do dever-ser, palco honorário das divagações sobre os elementos subjetivos que circundaram a época em que se perpetrou o nazismo. Outro ponto é a importância do niilismo como mantenedor de um sistema principiológico, sem que se necessite recorrer a figuras de remorso ou consciência tormentosa para se tratar sobre a conduta humana do filósofo.

Em que pese a postura da maioria dos estudiosos da biografia de Martin Heidegger, em especial Emmanuel Faye e os demais anteriormente apontados, ao colocá-lo a serviço do nacional-socialismo alemão, a ponto de ser contextualizado "nazista", tendo por pressuposto o carisma pessoal com que era tratado pelo Führer, não pode uma colocação desta ordem völkisch [27] prosperar na ânsia de denegrir toda uma imagem e uma relação íntima de povo-estado-educação traçada pelo filósofo.

Por fim, diante das diretrizes apontadas e influências do niilismo, somos capazes de reconhecer que a própria visão da filosofia do ser-aí impossibilitaram que Martin Heidegger se tornasse um admirador e praticante das atividades perpetradas pelo Estado "Nazi"; reiterando, esta nossa postura ainda é minoritária nos dias de hoje dentre os estudiosos da biografia do filósofo.

Ficam as reflexões para que se possam afastar quaisquer semelhanças entre o pensamento de Heidegger, colocados de forma fantástica em seus escritos, com aqueles delineados na obra Mein Kampf de Adolf Hitler, como, infelizmente, tentam alguns estudiosos concatenar. Mas também fica a colocação de Hans Sluga [28] "é impossível considerar o envolvimento nazista dos filósofos alemães como uma pedra de toque para avaliar a sua filosofia. Caso contrário, teríamos que entregar toda a filosofia, em todas as suas formas, em todas as suas correntes e com todas as suas diferenças, para as profundezas do inferno". É neste sentido que acreditamos deva ser estudada a obra, a vida e a carreira acadêmica de Heidegger: com a voz da razão, um convite à filosofia, para engajá-lo em uma perpétua análise de todos os parâmetros da linha filosófica criada e desenvolvida, que acena à autenticidade do ser-aí e por fim, seu auto-exílio na Floresta Negra, como forma de punição, não pode ser descartado. Conclusão: impossível, em face dos fatos levantados, ligar Martin Heidegger à doutrina de um regime ditatorial de governo.

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BIBLIOGRAFIA

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DIAS, Sousa. Nota sobre Heidegger e a Tirania – Rizologias 2010. Revista da Associação de Professores de Filosofia da Universidade da Beira Interior. Portugal. Cadernos de Filosofia, nº 02. (Jan/1990 sobre Heidegger).

FARIAS, Victor. Heidegger e o Nazismo – Moral e Política. Tradução de Sieni Maria Campos. Rio de Janeiro: Paz e Terra, Ano de 1988.

FAYE, Emmanuel. Heidegger. La introducción del Nazismo en la filosofia. Madrid, Akal, Ano de 2009.

HEIDEGGER, Martin. Nietzsche: metafísica e niilismo. Tradução de Marco Antonio Casa Nova. Rio de Janeiro: Relume Dumará, Ano de 2000.

___________________ A sentença nietzscheana - deus está morto. Tradução de Marco Casa Nova. Rio de Janeiro: Relume Dumará, Ano de 2003.

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NIETZSCHE, Friedrich. Além do bem e do mal. Tradução de Paulo César Souza. São Paulo, Companhia das Letras. Ano de 1992.

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ROCKMORE, Tom. Heidegger: The Introduction Of Nazism Into Philosophy. Editora Yale University Press. Ano de 2009.

SHIRER, William. Ascensão e queda do III Reich. Tradução de Pedro Pomar. 3ª edição Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, Ano de 1963.

SAFRANKI, R. Heidegger: Um mestre na Alemanha entre o bem e o mal. Tradução de Lya Luft. São Paulo. Editora Geração, 2000.

SLUGA, Hans. Heidegger's Crisis. Editora Harvard University Press. Ano de 1993.

SHEEHAN, Thomas. Heidegger – the man and the thinker. Precedent Pub. Inc. Chicago. Acessado em www.stanford.edu/dept/relstud/Sheehan/pdf/heidegger_texts_online. 19/10/10.


Notas

  1. ApudQUIRINO, Túlio Tibério. O niilismo como lógica do Ocidente. Artigo científico. Ano de 2009. Doutor em Filosofia pela UFRJ.
  2. Na década de 1930 o nazismo não era um movimento monolítico, mas sim uma combinação de várias ideologias e filosofias centradas principalmente no nacionalismo, no anticomunismo e no tradicionalismo. Uma de suas motivações foi a insatisfação com o Tratado de Versalhes que era entendido como uma conspiração judaico-comunista para humilhar a Alemanha no final da Primeira Guerra Mundial. O Partido Nazista chegou ao poder na Alemanha em 1933.
  3. SHIRER, William. Ascensão e queda do III Reich. Tradução de Pedro Pomar. 3ª edição, Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, Ano de 1963.
  4. SAFRANKI, R. Heidegger: Um mestre na Alemanha entre o bem e o mal. Tradução de Lya Luft. São Paulo. Editora Geração, Ano de 2000.
  5. KAHLMEYER-MERTENS, R. S. Filosofia primeira – Estudos sobre Heidegger e outros autores. Rio de Janeiro: Papel Virtual, Ano de 2005.
  6. Idem ao anterior.
  7. Idem ao anterior.
  8. Apud LOPARIC, Z. Heidegger. Rio de Janeiro. Editora Zahar, Ano de 2004.
  9. FARIAS, Victor. Heidegger e o Nazismo – Moral e Política. Tradução de Sieni Maria Campos. Rio de Janeiro: Paz e Terra, Ano de 1988.
  10. Apud SHEEHAN, Thomas. Heidegger – the man and the thinker. Precedent Pub. Inc. Chicago. Acessado em 19/10/10 em www.stanford.edu/dept/relstud/Sheehan/pdf/heidegger_texts_online.
  11. Edmund Husserl foi fundador do estudo da fenomenologia e professor de Heidegger. A principal obra do filósofo "Ser e Tempo" é dedicado a Husserl, que posteriormente não a aprovou, o que ocasionou o rompimento entre ambos, mestre e pupilo.
  12. FAYE, Emmanuel. Heidegger. La introducción del Nazismo en la filosofia. Madrid, Akal. Ano de 2009.
  13. DIAS, Sousa. Nota sobre Heidegger e a Tirania – Rizologias 2010. Originalmente publicado na Revista da Associação de Professores de Filosofia da Universidade da Beira Interior. Portugal. Cadernos de Filosofia, nº 02 (Jan/1990 sobre Heidegger).
  14. Idem ao anterior.
  15. PALMIER, Jean Michel. A experiência do pensamento. Apud DIAS, Sousa. Nota sobre Heidegger e a Tirania – Rizologias 2010.
  16. SCHÉRER-ARION, René. Heidegger l’expérience de la pensée. Seghers. Paris, Ano de 1973. Apud DIAS, Sousa. Nota sobre Heidegger e a Tirania – Rizologias 2010.
  17. HEIDEGGER, Martin. Nietzsche: metafísica e niilismo. Tradução de Marco Antonio Casa Nova. Rio de Janeiro: Relume Dumará, Ano de 2000.
  18. A este respeito declarou o próprio Nietzsche: O niilismo como estado psicológico terá de se declarar primeiro quando procuramos em todo acontecimento um "sentido" que não há; assim, quem procura perde finalmente o ânimo. Niilismo é então o tornar-se consciente do grande e duradouro desperdício de força, a vergonha de si mesmo, como de alguém que tivesse se enganado durante muito tempo. In DELEUZE, Gilles. Nietzsche e a filosofia. Tradução de Edmundo Fernandes Dias. Rio de Janeiro. Editora 3Rio. Ano de 1976.
  19. HEIDEGGER, Martin. A sentença nietzscheana - deus está morto. Tradução de Marco Casa Nova- Rio de Janeiro: Relume Dumará, Ano de 2003.
  20. Idem ao anterior.
  21. Apud NIETZSCHE, Friedrich. Além do bem e do mal. Trad. Paulo César Souza. São Paulo, Companhia das Letras. Ano de 1992.
  22. HEIDEGGER, M. A sentença nietzscheana - deus está morto. Tradução de Marco Casa Nova. Rio de Janeiro: Relume Dumará, Ano de 2003.
  23. Ainda, de acordo com Nietzsche, a natureza deve ser interpretada como expressão da vontade e poder. Neste sentido afirma que a vida como a forma do ser que nos é mais familiar é especificamente uma vontade de acumulação de força que anseia por um sentimento maximal de poder daquilo que se busca.
  24. SLUGA, Hans. Heidegger's Crisis. Harvard University Press. Ano de 1993. ISBN 0674387112.
  25. ROCKMORE, Tom. Heidegger: The Introduction Of Nazism Into Philosophy. Yale University Press. Ano de 2009.

    ISBN 0300120869.

  26. John C. Haugeland da Universidade de Pittsburgh em 2009, comentando o livro de Sluga.
  27. Termo utilizado por Carl Schmitt para pensar um povo étnica e racialmente homogêneo como um "valor" absoluto.
  28. SLUGA, Hans. Heidegger's Crisis. Harvard University Press. Ano de 1993.
Sobre o autor
Efren Fernandez Pousa Junior

Mestrando em Direito Político e Econômico pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, pós-graduado em Direito Penal pela Escola Superior do Ministério Público do Estado de São Paulo, pós-graduado em Direito Processual Civil pelo Centro Universitário Salesiano, Bacharel em Direito, Bacharel e Licenciado em Física Pura. Advogado inscrito nos quadros da Ordem dos Advogados do Brasil. Membro da Instituição Educacional "Núcleo Diretriz de Estudos da Filosofia" . Técnico em Edificações formado pela Escola Técnica Federal de São Paulo.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

POUSA JUNIOR, Efren Fernandez. Heidegger e o Estado. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2941, 21 jul. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/19596. Acesso em: 23 nov. 2024.

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