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Quem julga: Astréia ou Nêmesis? Julgue você!

Agenda 02/02/1997 às 00:00

Tenho certeza que, entre nós, estas dignas senhoras representantes da Mitologia Grega são velhas conhecidas.

A primeira, Astréia, representa a justiça e a paz enquanto que a segunda, Nêmesis, que também representa a justiça e a vingança, é imbatível, faz cair sua espada contra aquele que subverte a ordem e a justiça da sagrada lei.

Do Panthéon Zeus, pai de todos os deuses, manipula segunda a sua vontade os Templos da Justiça. Com política exemplar ora coloca Astréia ora coloca Nêmesis de posse da balança e da Espada, mas sempre, sem a venda nos olhos. Ainda, de festa em festa, manda apurar, junto aos mortais, quem é o mais popular para administrar seu Olimpo.

Quando nos bancos escolares e universitários aprendemos a respeitar as leis, os usos e os costumes de um povo transferimos o pensamento, imediatamente, à distante Roma que absorveu o marcante e mitológico Olimpo Grego.

O respeito que sentimos pelos nossos dogmas, pelos nossos usos e costumes nos faz vislumbrar os vários Templos da Justiça administrados por semideuses, com seus hábitos quase sacerdotais, seus vestuários, sua intransponível sisudez, honradez e seu distanciamento do mundo, quase que numa clausura eterna.

Isentos de máculas, de sexo, de alegria, apenas a dedicação as coisas da deusa justiça, ficam, às vezes, em tão longínquo passado que não puderam respirar as mudanças da mundo exterior por estarem respirando a poeira dos livros que amontoam-se nas prateleiras, mesas, escrivaninhas, no chão com o único fito de dizerem a justiça aos pobres mortais que esperam angustiados, através dos incontáveis anos, àquele momento de vida ou de morte.

Enquanto isto, no Panthéon, os bacanais, de Baco, sucedem-se uns aos outros. Discutem-se futilidades, discutem-se novos locais para a implantação de babilônicos jardins suspensos, discutem-se os destino dos mortais que generosamente são obrigados a financiar toda orgia, sob a ameaça de lutar na arena contra os leões ou sucumbir na flamejante espada de Nêmesis, em mais uma festa.

Não que seja esta a rotina, mas de tempos em tempos, para saber da satisfação dos mortais, Zeus manda aferir quem será o próximo administrador-executivo do todo poderoso Olimpo.

Aí começam as batalhas dos orgulhosos deuses menores, para sentarem-se ao trono, criam seres bestiais, titãs, ciclopes e semideuses.

Angariando a confiança dos mortais fazem alianças e promessas que jamais serão cumpridas uma vez eleitos.

Derrotados ou tentam sentar à direita do vencedor e apoiá-lo ou, através de seus míticos seres e semideuses fomentar guerras para desmoralizá-lo aos olhos de Zeus e dos mortais.

Os seres míticos reúnem-se num templo todo especial, de um lado os imortais, como os titãs, ciclopes etc., do outro, em maior número, os semideuses.

Estes, também, passam por provas de força e fôlego para conseguirem ocupar um lugar naquela brilhante e central esfera. Usam de seus mágicos poderes, de distribuir alimentos, vestimentas, ilusões, festas, passeios em suas magníficas bigas, até o momento da sua diplomação, deixando-os, logo após, abandonados à própria e triste sina dos mortais.

É neste momento de abandono, de revolta, de fome, de ver tripudiado o direito sacro da lei que vão levar as cornucópias em singela ofertas, dividindo o pouco que possuem, ao grande Templo da Justiça.

Lá demonstram todos os acontecimentos, narram com preciosismo de detalhes todas as suas mazelas. Estas reclamações repetem-se milhares de vezes sobre os mesmos fatos, sobre os mesmos sagrados princípios da mesma lei.

Os semideuses afogam-se na infinidade de pedidos até que no momento de dizer a lei, Zeus, presidente do Olimpo, com sua matreirice, manda um pouco de ambrosia aos semideuses para revigorar-lhe as forças e dá uma sensacional espada de ouro para que Nêmesis fira aos mortais por contrariarem a sua vontade.

As sagradas leis são esquecidas, deixadas de lado, porque assim quer o poderoso Zeus. Os semideuses que receberam um pouco do alimento divino ajoelham-se ante a vontade deste e não declaram o que as sagradas leis determinam, esquecem dos princípios dos usos e dos costumes, da analogia, para fazer o que a política do presidente do Olimpo determinou.

Exemplos deste disparate são inúmeros, como narra a estória, que na mais sagrada das leis do Olimpo colocava em igualdade isonômica os serviçais do deuses do Templo, ou quando na mudança de administração financeira dos presidentes do Templo, declararam que existiam direitos mas, a eles, serviçais, não se aplicavam.

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Nêmesis, mais uma vez, usou da espada, curvou-se ao desígnio de Zeus e abateu os sacros direitos dos pobres mortais que, além de tudo, foram condenados, ainda, as custas e despesas de limpeza da flamejante espada de ouro da deusa, impregnada de sangue justo.

Astréia, que figuradamente faz justiça para implementar a paz, só pode governar o seu Templo quando suscitada a dizer o direito entre iguais, desde que não fira interesse dos semideuses, ciclopes, titãs ou deuses.

As decisões de Astréia tem a base fática das sagradas normas das leis, dos usos e costumes e, embora, consigne um vencedor que finda sobrepondo-se a perda e dor do vencido, faz nascer, ainda assim, a paz e a justiça.

Diante de tal estória, você não julgaria os semideuses à mesma espada de Nêmesis por fugirem ao sacro dever de dizer justiça em vez de seguir as normas de Zeus?

Não seria o momento de mudar estas mitológicas figuras corroídas pelo tempo que passou isolado sem ver além das colunas do Templo?

Não seria tempo de romper os laços com estes eternos semideuses, que se alimentaram da ambrosia, e colocar semideuses buscados na sabedoria, na dignidade e no vetor do conhecimento da justiça e não da mentira política do poder, do faz de conta que eu disse?

Julgue você que leu este artigo e responda somente para saber como será a contagem dos votos que você proferir.

Sobre o autor
Alberto Monteiro Alves

advogado em Minas Gerais

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ALVES, Alberto Monteiro. Quem julga: Astréia ou Nêmesis? Julgue você!. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 2, n. 6, 2 fev. 1997. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/1962. Acesso em: 5 nov. 2024.

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