É a indagação que se faz, ante a publicação do livro "Por uma vida melhor", distribuído pelo MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO E CULTURA a 500.000 jovens estudantes da rede pública de ensino. Esse livro, ao desconsiderar a importância do estudo da gramática, faz reprovável apologia do falar inculto.
Na elaboração de leis é indispensável que o legislador saiba falar, saiba ler, saiba interpretar textos e saiba escrever a língua pátria, observados os padrões da linguagem culta. E mais: o legislador deve, de preferência, ser jurista, dominar o fraseado jurídico, conhecer o imenso e sufocante material legislativo e jurisprudencial existente e, também, o ramo do direito sobre o qual vai legislar.
Os seguintes trechos da entrevista que o renomado e respeitado filólogo e gramático brasileiro, EVANILDO BECHARA, concedeu à revista VEJA, edição do dia 1º de junho de 2011, obrigam-nos a profunda reflexão. Diz ele:
"O domínio do idioma é resultado da educação de qualidade. Isso nos falta de maneira clamorosa. O estudo do português nas escolas é deficiente. Uma das razões recai sobre o evidente despreparo dos professores. É espantoso, mas, muitas vezes, antes de lecionarem a língua, eles não aprenderam o suficiente sobre a gramática. Além disso, não detêm uma cultura geral muito ampla nem tampouco costumam ler os grandes autores, como faziam os antigos mestres." E, antes, já enfatizara, com muita propriedade: "Nenhum país desenvolvido prega a desvalorização da norma culta na sala de aula ou inclui esse tipo de idéia nos livros didáticos. Esse desserviço aos alunos e à sociedade como um todo só encontra eco mesmo no Brasil".
Afirma, ainda, haver um grupo de brasileiros "empenhando-se em desvalorizar o bom português" e que "As línguas mais difundidas no mundo são justamente aquelas mais avançadas do ponto de vista gramatical. É o caso do francês e do inglês".
GLADSTONE CHAVES DE MELO, na sua Gramática Fundamental da Língua Portuguesa, 3ª. ed., 2/3, esclarece haver "dois grandes usos linguísticos: o uso coloquial e o uso culto. Uso coloquial é a língua da conversa desataviada, da conversa viva. Esse uso coloquial, por sua vez, pode comportar vários desdobramentos. A conversa de dois amigos, conversa íntima, conversa despreocupada, desenvolve-se num tom, diverso do da conversa cerimoniosa, de duas pessoas que se conhecem mal e que se tratam com cortesia e pouca liberdade. Há a conversa da gente do povo, povo da cidade, ou povo dos campos, há a conversa das crianças, entre si ou com os adultos."
E após falar sobre a possibilidade de sistematização desses usos, assim conclui: "Mas a gramática que interessa a todos é a gramática da língua culta, da língua-padrão, da língua literária.
Todo povo civilizado utiliza a língua por dois modos fundamentais. O modo vivo e espontâneo, que é a língua coloquial, e o nodo refletido, padronizado, que é o que se chama língua culta, língua-comum, coiné.
A língua coloquial estabelece um circuito linguístico, uma comunicação linguística entre duas ou mais pessoas presentes, ao passo que o uso culto se destina a estabelecer um circuito linguístico muito mais amplo, sem que os interlocutores estejam necessariamente à vista e sem que eles sejam necessariamente de hoje ou do momento presente.
Qualquer comunidade civilizada dispõe de uma forma linguística considerada a melhor, a mais rica, a mais prática, e que é aceita por todos os membros dessa comunidade como norma linguística ideal. É a tal língua-padrão ou língua culta ou língua literária."
Daí a necessidade da maior exatidão possível dos termos jurídicos. A linguagem do legislador há que ser precisa, utilizando-se ele de conceitos próprios da ciência jurídica, evitando ambiguidades e contradições, na normatização da conduta inter-humana. O legislador há que estar atualizado não só com o fraseado jurídico como também e principalmente com a ciência jurídica e o estudo diuturno do direito e da linguagem culta.
O que mais incrível se nos afigura, nessa desastrada e destrutiva política educacional do MEC, é afrontar ela o inciso V, do art. 23, da Constituição Federal, que assim determina:
"É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios:
V – proporcionar os meios de acesso à cultura, à educação e à ciência".
E desde quando falar errado, cometer erros de linguagem, menosprezar a sintaxe passou a ser considerado cultura, educação e ciência? Jamais poderia o MEC substituir a cultura, a educação e a ciência pela meia-cultura, pela meia-educação, pela meia-ciência, como o fez com a publicação e distribuição desse mal alinhavado livro, com aberrante ofensa àquele princípio constitucional. E se nada for feito para eliminar essa bactéria altamente nociva, teremos, em futuro próximo, redigindo leis pessoas que falam: dificulidade, a gente obedecemos, nós paga, os livro, rúbrica, gratuíto, entre eu e tu, entrar pra dentro, sair pra fora, descer pra baixo, subir pra cima, o juiz mandou prender ele, sútil, nós fica, etc. "Sem terminologia escorreita e sem sintaxe não há ciência" afirma PONTES DE MIRANDA (Comentários à Constituição de 1967, com a Emenda n. 1 de 1969, t IV, 3ª. ed., 119).
Infelizmente, a Presidente da República omitiu-se ao não impedir tão grave dano ao ensino dos jovens na Escola Pública, decepcionando e frustrando todos os brasileiros afeitos ao uso culto da língua, uso este indispensável à ascensão profissional e social de toda pessoa.
Se "não há rigor no pensar" e "menos ainda na linguagem técnica", jamais teremos bons legisladores. E "Mais perigoso do que conservar o que não serve é adotar o que não é bom" enfatiza PONTES DE MIRANDA (Comentários à Constituição de 1967, com a Emenda n. 1 de 1969, t, IV, 3ª. ed., 119; Sistema de Ciência Positiva do Direito, t. IV, 2ª. ed., 301).
Ainda bem que há o Exame de Ordem da Ordem dos Advogados do Brasil, o qual, certamente, salvará o Direito dessa patologia destrutiva da cultura, da educação e da ciência.