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A tutela inibitória nas ações coletivas

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3.A TUTELA INIBITÓRIA NAS AÇÕES COLETIVAS

A tutela inibitória parte da premissa clássica do Direito de que a defesa do direito em juízo deve aderir da melhor forma possível, à realidade do direito material a ser protegido.

A tutela inibitória coletiva é prevista legislativamente no artigo 11 da Lei da Ação Civil Pública [13] e no artigo 84 do Código de defesa do Consumidor. [14] Em apressada leitura, depreende-se que a previsão do artigo 11 da Lei da Ação Civil Pública só admitiria a forma da tutela inibitória que visa à cessação da atividade ilícita. Entretanto, este dispositivo legal tem uma aplicação muito mais ampla, como ensina Luiz Guilherme Marinoni:

Perceba-se que o Art. 11 da Lei da Ação Civil Pública só admite, em princípio, uma das formas de tutela inibitória, aquela que visa a fazer cessar a prática do ilícito. Contudo, é certo que tal norma, ao aludir à "cessação da atividade nociva", deseja abarcar os atos nocivos suscetíveis de repetição, cujos exemplos são notórios no plano da tutela coletiva, valendo a pena lembrar, v.g., os casos de venda de produtos nocivos à saúde do consumidor. [15]

A tutela inibitória pura – que pretende a tutela do direito antes mesmo de configuração de qualquer dano – não está contemplada, a princípio, no Art. 11, pois esta norma, ao referir-se à "cessação da atividade nociva", supõe logicamente um ilícito já ocorrido.

A interpretação sistemática e teleológica da norma é, todavia, medida que se impõe. De fato, se em grande parte dos casos o ilícito já foi praticado, temendo-se somente a sua repetição ou continuação, isto não significa que não possa haver hipóteses em que a tutela inibitória coletiva seja imprescindível na sua forma pura, e assim anteriormente à prática de qualquer ilícito.

O Art. 84 do Código de Defesa do Consumidor, por seu turno, tem grande semelhança com o Art. 461 do Código de processo Civil, dispondo, em seu caput, que "na ação que tenha por objeto o cumprimento da obrigação de fazer e de não fazer, o juiz concederá a tutela específica da obrigação ou determinará providências que assegurem o resultado prático equivalente ao do adimplemento". [16] Como se vê, o Art. 84 do CDC não faz a restrição do Art. 11 da Lei da Ação Civil Pública, motivo pelo qual não há razão para se discutir, nos dias atuais, a respeito da viabilidade de uma ação inibitória pura.

Lembre-se que a doutrina classifica o que se denomina um "sistema de tutela coletiva de direitos", integrado, fundamentalmente, pela Lei da Ação Civil Pública e pelo Código de Defesa do Consumidor, em razão do Art. 90 do Código de Defesa do Consumidor [17],que manda aplicar às ações ajuizadas com base neste Código as normas da Ação Civil Pública, e do Código de Processo Civil, e do Art. 21 da lei da Ação Civil Pública [18], que afirma que são aplicáveis às ações nela fundadas as disposições processuais que estão no Código de Defesa do Consumidor. Não há qualquer dúvida, portanto, que o Art. 84 sustenta a possibilidade da tutela inibitória pura para a defesa de qualquer direito difuso ou coletivo.

É fácil perceber, pois, a relevância da tutela inibitória no âmbito das ações coletivas, especialmente no que concerne aos interesses relacionados ao meio ambiente e ao consumidor.

3.1 A TUTELA INIBITÓRIA COLETIVA DO MEIO AMBIENTE

A respeito da importância da tutela inibitória coletiva para a proteção do meio ambiente preleciona Luiz Guilherme Marinoni:

Para a demonstração da importância da tutela inibitória no plano dos direitos transindividuais, torna-se adequada a análise da tutela do meio ambiente, uma vez que este é um dos lugares em que a inefetividade da tutela ressarcitória evidencia-se de modo mais claro. Se é verdade que cresce em importância, nos últimos tempos, a reparação específica do dano ecológico, e que é necessária a responsabilização, ainda que pelo equivalente, daquele que agride o meio ambiente, o certo é que não se pode admitir, no campo do direito ambiental, a troca da tutela específica preventiva do bem tutelado pela tutela ressarcitória, [...]. Para que não ocorra a degradação do meio ambiente, é imprescindível a atuação preventiva e, assim, a tutela inibitória. [19]

É fundamental, portanto, prevenir o dano, não podendo se pensar apenas em mecanismos reparatórios em termos de responsabilidade civil em matéria ambiental, tendo em vista que muitas vezes o retorno do meio ambiente ao estado anterior é difícil, quando não impossível e demorado.

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Questão interessante que surge na análise das tutelas inibitórias ambientais é o estudo de impacto ambiental (EIA), do qual insurge a problemática da tutela preventiva ante o controle dos atos pelo Poder Público.

A Constituição Federal de 1988 estabelece em seu artigo 225, § 1º, IV, sobre a obrigação do Estado em exigir, para a instalação de atividade potencialmente poluidora, o estudo prévio de impacto ambiental. A Resolução nº. 001/86 do CONAMA, por sua vez, enumera, exemplificativamente, as obras e atividades que são capazes de causar significativa degradação do meio ambiente, "cabendo ao administrador apreciar in concreto se a atividade ou obra para a qual se requer o licenciamento apresenta-se como potencialmente causadora de degradação do meio ambiente". [20]

Ressalte-se que da dicção do Art. 225 da Constituição Federal [21]depreende-se, claramente, que não há qualquer discricionariedade para a administração pública quanto a exigir ou não o estudo de impacto ambiental na hipótese de pedido de licenciamento de atividade ou obra potencialmente poluidora; sempre que o administrador se deparar diante de pedido de licença para obras ou atividades com estas características, não haverá espaço para qualquer subjetividade de sua parte quanto a exigir ou não o estudo. Por isso, diz-se que há a vinculaçãodo ato administrativo.

Por outro lado, sempre haverá no estudo do caso concreto situações intermediárias nas quais não se pode afirmar ao certo se determinada obra ou atividade tem potencial capacidade de degradar o meio ambiente. Isto porque o legislador, acertadamente, não enumerou taxativamente quais seriam especificamente as atividades ou obras que teriam este caráter, deixando ao administrador, discricionariamente, decidir sobre o caso concreto.

É fácil concluir, portanto, que há clara violação da legalidade na hipótese em que o órgão responsável pelo licenciamento ambiental dispensa o estudo prévio de impacto ambiental perante obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente, esteja a obra ou atividade contida ou não no rol do Art. 2º da Resolução 001/86 do CONAMA. Nesta hipótese, estando, por exemplo, uma indústria prestes a se instalar, ou mesmo pronta para começar a operar, cabe a ação inibitória.

Outro aspecto interessante a ser abordado é a questão dos atos decorrentes da omissão do Poder Público. Na questão ambiental, estes atos omissos do Estado ganham relevo, tendo em vista que, o dever de preservação do meio ambiente é, constitucionalmente, coletivo, impondo-se, inclusive, ao próprio Poder Público. Assim sendo, pode-se recorrer à tutela inibitória sempre que a administração se omite em relação a seus deveres, deixando, por exemplo, de atuar através de medidas necessárias à proteção do meio ambiente.

Nesse sentido, Luiz Guilherme Marinoni:

Ora, se o meio ambiente é considerado bem de uso comum do povo, e se o Poder Público e a coletividade têm o dever de defendê-lo, não há razão para não se admitir que o Ministério Público – ou qualquer outro legitimado à ação coletiva – possa recorrer ao Judiciário para obrigar a Administração a agir, quando a sua atividade, prevista em lei, é essencial à preservação do meio ambiente. [22]

Não há que se falar, portanto, em discricionariedade do Poder Público em agir ou não diante de um ato ofensivo ao meio ambiente. Todas as faculdades e todos os poderes outorgados ao Poder Público não o são para que deles façam o uso que quiserem. Como lembra Celso Antônio Bandeira de Mello, "todos os poderes e faculdades de que eles dispõem têm uma finalidade serviente dos deveres que lhes são cometidos e só em nome do atendimento destes podem ser exercitados". [23] E isso aplica-se, evidentemente, às competências discricionárias.

Ainda sobre o tema, ensina Luiz Guilherme Marinoni:

Portanto, se a norma regula determinado comportamento da Administração de maneira discricionária, não é por simples opção entre assim fazê-lo ou fazê-lo vinculadamente. A lei não é ato aleatório. [24] Quando o legislador regula discricionariamente o comportamento da administração, é porque lhe era impossível prefigurar qual o comportamento da administrativo que melhor atenderia à finalidade da norma, pois de outra forma a lei certamente se expressaria em termos de vinculação do comportamento. Quando é possível ao legislador saber de antemão qual o comportamento que melhor atenderá à finalidade da norma, ele regula a matéria de forma vinculada e torna tal comportamento obrigatório. Só se regula determinada matéria discricionariamente quando não é possível saber qual o comportamento que melhor atenderá à finalidade legal, e, desta maneira, muito mais do que eventual liberdade de escolha, surge para o administrador o dever de atuar de forma que a finalidade da lei seja atendida, com a escolha da melhor solução possível diante do caso concreto. O administrador tem o dever jurídico de adotar, sempre, a melhor solução, porque como já se disse, exerce função [25]. [26]

Nota-se que não apenas o ato, mas também a omissão do Poder Público, no que concerne à matéria ambiental, gera a possibilidade de qualquer legitimado a ingressar com a ação inibitória coletiva ambiental. Sabe-se que para uma melhor gestão da coisa pública, é imprescindível uma participação mais intensa do cidadão no poder; não é por outra razão, como lembra Marinoni, "que a Constituição da República afirma, logo no § 1º, do seu Art. 1º, que ‘todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente’, nos termos da própria Constituição". [27]

É cediço que a tutela inibitória nem sempre é uma indicativa de um não fazer. De fato, percebe-se que muitas vezes no caso concreto uma conduta omissiva por parte do agente ofensor pode ser tão nociva ao meio ambiente quanto uma atitude comissiva.Nessas hipóteses, o instituto da tutela inibitória pode se revestir em uma obrigação de fazer, que acarrete um dever de abstenção. Por exemplo, traz-se à baila o caso de uma fábrica que tem o dever de não poluir o meio ambiente. Para haver a efetivação desse comando [abstenção de não poluir], pode-se impor à fábrica uma obrigação positiva, qual seja, instalar um filtro. Na verdade, o que se pretende impedir é a prática do ilícito, isto é, o não poluir. E isso poderá ser feita com a exigência de uma conduta comissiva ou omissiva, dependendo das circunstâncias do caso em concreto.

A tutela inibitória foi construída com o propósito de dar mais efetividade à proteção jurisdicional dos direitos difusos, especialmente concernentes ao meio ambiente, sendo certo que não se encontram respostas satisfatórias para a sua devida defesa na velha relação estabelecida entre a tutela do direito e a ação ressarcitória.

3.2 A TUTELA INIBITÓRIA NA DEFESA DOS DIREITOS DO CONSUMIDOR

A proteção do consumidor contra cláusulas abusivas é um dos mais importantes instrumentos de defesa do consumidor, em razão da multiplicação de contratos de adesão, concluídos com base nas cláusulas contratuais gerais.

Os contratos de adesão, em sua implementação de contratação em massa, trazem consigo as chamadas cláusulas gerais dos contratos, que têm sido largamente utilizadas em contratos bancários, de seguros, planos de saúde, consórcios, operadoras de telefonia, etc. Estas cláusulas, como lembra Nelson Nery Junior, "são marcadas pela ‘abstração’, o que significa que têm por fim permitir que qualquer pessoa possa a elas aderir, de modo que a contratação possa realmente se dar em larga escala". [28]

Em que pese a praticidade e economicidade de tal instituto, não restam dúvidas que estas cláusulas, por serem preestabelecidas pelo estipulante para que o consumidor [a parte mais fraca da relação contratual] as aceite sem prévia discussão, podem ser abusivas e, portanto, lesivas a seus direitos. A doutrina brasileira define as cláusulas abusivas como as notoriamente desfavoráveis ao consumidor, parte mais fraca na celebração do contrato.

O Art. 51 da Lei nº. 8.078/90 enumera, exemplificativamente, uma série de cláusulas abusivas, declarando-as nulas de pelo direito, até mesmo porque o próprio Art. 51, caput, alude a outras cláusulas que podem ser abusivas, mas também porque o seu inciso XV fala expressamente em cláusulas que "estejam em desacordo com o sistema de proteção ao consumidor". [29]

Se de acordo com o Art. 6º, IV, do Código de Defesa do Consumidor, constitui direito do consumidor a proteção contra "práticas e cláusulas abusivas ou impostas no fornecimento de produtos e serviços" [30], é corolário que ele também tenha a tutela deste direito de forma preventiva, através da tutela inibitória coletiva.

Sempre é bom ressaltar que os contratos de adesão dizem respeito, em sua maioria, a produtos e serviços essenciais, o que lhes confere uma ampla relevância social. Sendo assim, forçoso seria concluir que o consumidor que necessita aderir a um plano de saúde, participar de um consórcio para adquirir sua casa própria ou contratar uma operadora de telefonia fixa ou celular, tenha que se submeter a uma cláusula flagrantemente abusiva para apenas depois ter a oportunidade de discuti-la em juízo. É obvio que uma tutela preventiva seria muito mais efetiva e satisfatória ao direito do consumidor.

Luiz Guilherme Marinoni assim aborda o tema:

Pouco adianta tratar das cláusulas abusivas sem se pensar em uma tutela coletiva inibitória capaz de impedir a sua difusão. Uma das questões mais atuais, em termos de tutela jurisdicional, nos países da Comunidade Européia, é justamente a da tutela que tem por fim inibir o uso de cláusulas gerais reputadas abusivas ao público consumidor. O Código Civil italiano, aliás, em razão da Diretiva 93/13 do Conselho das Comunidades Européias, "concernente às cláusulas abusivas nos contratos celebrados com os consumidores", recebeu, em fevereiro de 1996, uma norma (Art. 1.469-sexies) que confere legitimidade às associações e às câmaras de comércio, indústria, artesanato e agricultura para requerer tutela inibitória contra o uso de cláusulas gerais abusivas. [31]

Os Arts. 83 e 84 do Código de Defesa do Consumidor, que trazem a idéia de que o consumidor tem que ser protegido, através da tutela preventiva (Art. 5º, XXXV, CF, e Art. 6º, VI, CDC), contra o uso de cláusulas gerais abusivas (Art. 6º, IV, CDC), nos levam a concluir, portanto, que se afirme que os legitimados à ação coletiva (Art. 82, CDC) podem propor ação inibitória coletiva para coibir o uso de cláusulas gerais abusivas.

Sobre os autores
Gabriela Luciano Borri

Bacharel em Direito pela Universidade Estadual de Londrina. Pós graduada em Direito Público pela UNIDERP. Pós graduada em Direito Civil e Direito Processual Civil pela UCDB.

Heitor Romero Marques

Graduado em Ciências e Pedagogia, especialista em Filosofia e Historia, Mestre em Educação (UCDB) e Doutor em Desarrollo Local y PlanteamientoTerritorial pela Universidade Complutense de Madrid. Orientador do Trabalho de Conclusão de Curso de pós-graduação lato sensu da UCDB/CPC Marcato.

Raphael Sergio Rios Chaia Jacob

Possui graduação em Direito pela Universidade Católica Dom Bosco (2002). Tem experiência na área de Direito, com ênfase em Direito Penal e Processual Penal, Direito Ambiental, Direito Eletrônico e Linguagem Forense. Pós-Graduado em Direito Ambiental pela Universidade para o Desenvolvimento do Estado e da Região do Pantanal - UNIDERP (2008). Pós-Graduando em Direito Eletrônico. Mestre em Desenvolvimento Local pela Universidade Católica Dom Bosco (2010).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BORRI, Gabriela Luciano; MARQUES, Heitor Romero et al. A tutela inibitória nas ações coletivas. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2984, 2 set. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/19921. Acesso em: 22 nov. 2024.

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