Resumo: Este trabalho tem por objeto a análise do golpe de Estado de Honduras à luz do Direito Internacional Público, sobretudo no que concerne à concessão de abrigo ao presidente deposto, Manoel Zelaya, na embaixada brasileira de Tegucigalpa e à reação do governo golpista de Roberto Micheletti ao retorno de Zelaya ao país. Deixando de lado a formulação de um juízo de valor acerca da necessidade e da conveniência política da participação brasileira na crise hondurenha, busca-se, por meio deste trabalho, construir, a partir de uma análise da doutrina e dos tratados e convenções internacionais pertinentes, um posicionamento jurídico acerca do tema.
Palavras-chave: : Golpe de Estado; Honduras; conflito diplomático.
Sumário: Introdução. 1. A concessão de abrigo pela embaixada brasileira. 2. A reação do governo Micheletti. Conclusão. Referências.
INTRODUÇÃO
Aos 28 de junho de 2009, o então presidente da República de Honduras, Manoel Zelaya, foi deposto por militares hondurenhos e embarcado à força num vôo para a Costa Rica. Nesse mesmo dia, Roberto Micheletti, até então presidente do Congresso hondurenho, assumiu a presidência do país, uma vez que o vice-presidente e sucessor direto, Elvin Santos, havia se afastado do Executivo para entrar na disputa do cargo nas eleições convocadas para 29 de novembro. Assim iniciou o golpe de Estado que pôs o pequeno país da América Central nas manchetes do mundo inteiro.
Para entender o contexto da crise em Honduras, é preciso retroceder alguns meses. Tudo iniciou quando, em 24 de março, o presidente Manuel Zelaya convocou um referendo sobre uma reforma constitucional que lhe permitiria disputar um segundo mandato nas eleições marcadas para 29 de novembro. Sucede que os órgãos judiciais do país entenderam a consulta inconstitucional e, cinco dias antes da data designada para o referendo, o Congresso hondurenho aprovou uma lei proibindo a realização de consultas populares seis meses antes ou depois das eleições gerais, o que inviabilizaria a realização do referendo pretendido por Zelaya.
Não obstante isso, Zelaya não desistiu do referendo e, diante da recusa do general Romeo Vásquez em instalar as urnas para a realização da consulta, o presidente destituiu o comandante militar do país. Considerando ilegal a destituição do general Vásquez do comando das forças armadas, a Corte Suprema hondurenha determinou a sua volta ao posto. No entanto, Zelaya recusou-se a acatar tal determinação. Estava instaurado o clima de tensão no país que culminou na destituição de Zelaya e a sua expulsão de Honduras.
Desde então, Zelaya fez duas tentativas de retornar ao país, ambas frustradas. Em 5 de julho, ele tentou entrar no país em um avião de matrícula venezuelana que partiu de Washington, mas foi impedido de aterrissar no aeroporto de Tegucigalpa pelo exército hondurenho. Em 24 de julho, ele montou uma caravana e tentou cruzar a fronteira com a Nicarágua, mas foi impedido de prosseguir por uma barricada de militares. O seu retorno a Honduras só se concretizou em 21 de setembro, quando, com o apoio do presidente venezuelano Hugo Chávez, ele foi conduzido de forma clandestina ao país e refugiou-se na embaixada do Brasil em Tegucigalpa.
Acompanhado por dezenas de simpatizantes, Zelaya entrou na embaixada brasileira em busca de proteção, colocando em xeque a política externa brasileira. Por ter permitido a entrada de Zelaya na embaixada em Tegucigalpa, a diplomacia brasileira foi duramente criticada por parte da imprensa hondurenha 1 e pelo governo de Micheletti, que acusou o governo brasileiro de se intrometer indevidamente nos assuntos internos hondurenhos. Desta forma, a presença de Zelaya na embaixada arrastou o Brasil para o centro do conflito, dando origem a uma crise diplomática sem precedentes.
A opinião de Rubens Barbosa, noticiada às revistas ISTOÉ 2 e ÉPOCA 3, é que o governo brasileiro assumiu um risco que não precisava correr. Para o ex-embaixador do Brasil na Inglaterra e nos Estados Unidos e atual porta voz do PSDB para assuntos de política externa, a diplomacia brasileira não tinha razões relevantes para abrigar Zelaya. De outra banda, o sociólogo Antônio Jorge Ramalho, professor de relações internacionais da Universidade de Brasília, declarou à revista ISTOÉ que "foi correta a decisão de abrigar Zelaya e a escolha da embaixada brasileira realça a liderança do Brasil". 4
Deixando de lado a formulação de um juízo de valor acerca da necessidade e da conveniência política da participação brasileira na crise hondurenha, buscar-se-á, por meio deste trabalho, construir, a partir de uma análise da doutrina e dos tratados e convenções internacionais pertinentes, um posicionamento jurídico acerca da postura adotada pela diplomacia brasileira e da reação esboçada pelo governo de Micheletti.
1. A CONCESSÃO DE ABRIGO PELA EMBAIXADA BRASILEIRA
Ao retornar às ocultas para Honduras, Manoel Zelaya dirigiu-se de imediato à embaixada do Brasil em Tegucigalpa, tendo lá se refugiado. A instalação do presidente hondurenho na embaixada brasileira guarda semelhança com os institutos jurídicos do asilo político e do refúgio, mas com eles não se confunde, conforme será doravante demonstrado.
O asilo político é conceituado por Rezek como "o acolhimento, pelo Estado, de estrangeiro perseguido alhures – geralmente, mas não necessariamente, em seu próprio país patrial – por causa de dissidência política, de delitos de opinião, ou por crimes que, relacionados com a segurança do Estado, não configuram quebra do direito penal comum". 5 Trata-se, portanto, de uma proteção conferida ao indivíduo que está sofrendo perseguições por crimes políticos, nos quais, ainda segundo Rezek, "o objeto da afronta não é um bem jurídico universalmente reconhecido, mas uma forma de autoridade assentada sobre ideologia capaz de atrair confronto". 6 Destarte, o asilo político é incabível para os crimes comuns, reprováveis em toda parte (v. g. homicídio, roubo), hipóteses nas quais os Estados lançam mão da extradição como instrumento de cooperação mútua.
A doutrina do direito internacional público divide o asilo político em dois tipos: o territorial e o diplomático. O asilo territorial é definido por Silva e Accioly como "a proteção dada por um Estado, em seu território, a uma pessoa cuja vida ou liberdade se acha ameaçada pelas autoridades de seu país por estar sendo acusada de haver violado a sua lei penal, ou, o que é mais freqüente, tê-lo deixado para se livrar de perseguição política". 7 É o genuíno asilo político, concedido pelo Estado ao estrangeiro que, tendo cruzado a sua fronteira e colocando-se no âmbito espacial de sua soberania, requer o benefício. O asilo político territorial é amplamente reconhecido pelos países e está expressamente previsto no artigo XIV da Declaração Universal dos Direitos do Homem da ONU de 1948.
A Carta da ONU preceitua que "toda pessoa vítima de perseguição, tem o direito de procurar e de gozar asilo em outros países", ressalvando, apenas, que "este direito não pode ser invocado em caso de perseguição legitimamente motivada por crimes de direito comum ou por atos contrários aos propósitos e princípios das Nações Unidas".
Apesar disso, prevalece entre os países o entendimento de que o Estado, no exercício de seu direito de soberania, tem a plena possibilidade de recusar a concessão do asilo 8, não podendo, porém, proibir a entrada em seu território de pessoa que faz jus a ele, nem enviá-la para um Estado onde possa estar sujeita à perseguição.
Ademais, uma vez concedido o asilo político territorial, tal concessão deve ser respeitada pelos demais Estados, não devendo ser motivo de reclamação, exceto, evidentemente, se não restarem preenchidos os requisitos para a sua concessão (v. g. se não se tratar de perseguição por crime político, e sim por crime comum).
O asilo político diplomático é concebido por Rezek como "uma forma provisória do asilo político" 9, pois refere-se a um "estágio provisório, uma ponte para o asilo territorial, a consumar-se no solo daquele mesmo país cuja embaixada acolheu o fugitivo, ou eventualmente no solo de um terceiro país que o aceite". 10 Assim, essa categoria jurídica não é dotada de definitividade, apenas subsistindo enquanto é providenciada a condução do indivíduo para um asilo político territorial, o qual não precisa, necessariamente, efetivar-se no mesmo país que concedeu o diplomático.
Ainda segundo o doutrinador, esse instituto só é praticado regularmente na América Latina, onde razões humanitárias e de conveniência política, relacionadas à extensão territorial dos países e à verificação de reiteradas quebras de ordem constitucional, fizeram os Estados latino-americanos renunciarem à plenitude da competência que eles exercem sobre seu território.
Os pressupostos do asilo diplomático, que, em última análise, correspondem aos do asilo territorial, são a natureza política dos crimes imputados ao indivíduo e a atualidade da perseguição, também chamada de estado de emergência. O asilo diplomático pode ser requerido nas missões diplomáticas, nos imóveis residenciais alcançados pela inviolabilidade da Convenção de Viena de 1961, e nos navios de guerra eventualmente acostados ao litoral. Não é possível a concessão de asilo diplomático em repartições consulares.
Recebido o requerimento do asilo diplomático, a autoridade asilante irá aferir o preenchimento dos dois pressupostos e, caso os entenda presentes, solicitará da autoridade local salvo-conduto com o objetivo de permitir que o asilado deixe o território do Estado em segurança para encontrar abrigo definitivo no Estado que se dispor a recebê-lo. Frise-se, porém, que, se o indivíduo adentrar em um recinto de missão diplomática de país que não reconhece essa modalidade de asilo político, ele será de imediato restituído, independentemente de ser acusado de crime político ou comum.
No que concerne ao refúgio, ele pode ser conceituado como o acolhimento dado ao indivíduo que está sofrendo perseguições por questões raciais, religiosas, de nacionalidade, grupos sociais, por opiniões políticas, ou pela violação dos direitos humanos. Esse instituto foi regulamentado pela Convenção de Genebra sobre o Estatuto dos Refugiados, de 1951:
Art. 1º. Será reconhecido como refugiado todo indivíduo que:
I – devido a fundados temores de perseguição por motivos de raça, religião, nacionalidade, grupo social ou opiniões políticas encontre-se fora de seu país de nacionalidade e não possa ou não queira acolher-se à proteção de tal país;
II – não tendo nacionalidade e estando fora do país onde antes teve sua residência habitua, não possa ou não queira regressar a ele, em função das circunstâncias descritas no inciso anterior;
III – devido a grave e generalizada violação dos direitos humanos, é obrigado a deixar seu país de nacionalidade para buscar refúgio em outro país.
Enquanto o refúgio fundamenta-se em razões humanitárias, o asilo político tem motivos eminentemente políticos. Além disso, o asilo político é deferido em situações personalizadas, individuais, ao passo que o refúgio costuma ser conferido genericamente a todo o conjunto de pessoas que está sofrendo as conseqüências da prática de atos generalizados de perseguição em um país.
Delineados os contornos gerais do asilo político e do refúgio, restam fornecidos os subsídios necessários para que se possa traçar um paralelo entre tais institutos jurídicos e a situação concreta verificada em Honduras. No caso do país centro-americano, o presidente Manoel Zelaya, após ter sido deposto por militares hondurenhos e embarcado à força num vôo para a Costa Rica, conseguiu retornar clandestinamente ao país, abrigando-se na embaixada brasileira de Tegucigalpa. Deste modo, a sua intenção não foi a de obter o asilo territorial ou o refúgio no Brasil, nem o asilo diplomático na embaixada brasileira, mas a de retornar e permanecer em segurança no território hondurenho.
Assim, o abrigo dado pela embaixada brasileira ao presidente hondurenho não caracteriza refúgio nem asilo político, seja na sua modalidade territorial ou diplomática, pois tais institutos jurídicos possuem como objetivo final o acolhimento do indivíduo em um Estado distinto daquele no qual ele está sofrendo a perseguição e/ou risco à liberdade ou à vida.
Diante disso, Oscar Valente Cardoso, em artigo publicado no portal jurídico Jus Navigandi, sustenta, com base no princípio constitucional da não-intervenção, que:
(...) independentemente da legalidade – ou não – da retirada de Zelaya de seu país, um ato ilegal não justifica a prática de outro: poderia o Brasil acolher o ex-presidente caso este tivesse buscado abrigo na embaixada para sair do país, ou tivesse requerido proteção dentro do território brasileiro, mas não auxiliar seu retorno à Honduras e desvirtuar a finalidade da inviolabilidade da embaixada, aumentando os conflitos internos do país e violando o princípio da não-intervenção. 11
Adotando essa mesma linha de argumentação, o governo de Micheletti emitiu notas acusando o governo brasileiro de saber previamente do retorno de Zelaya a Honduras e de intervir indevidamente nos assuntos internos hondurenhos. Em resposta a essas acusações, o governo brasileiro negou saber dos planos do presidente hondurenho de se instalar na embaixada, afirmando que o Itamaraty só teria sido informado da sua chegada a Honduras depois que ele já havia batido às portas da representação diplomática em Tegucigalpa, versão que foi corroborada por Zelaya. De qualquer forma, entendemos que se afigura prescindível para a aferição da licitude ou não da postura brasileira a circunstância de o Brasil ter ou não sido previamente comunicado da chegada de Zelaya à embaixada.
O princípio da não-intervenção, norma de direito internacional positivado na Constituição Federal brasileira (art. 4º, inciso IV, CF) e na da maioria dos países, não tem valor absoluto, de sorte que a interferência em outro Estado é autorizada para situações excepcionais. O caso de Honduras trata-se de uma dessas situações extraordinárias, pois a legitimidade do governo de Micheletti, que rompeu a ordem constitucional hondurenha, não foi reconhecida nem pelo Brasil nem por país algum do mundo.
Os golpistas sustentam ter provas suficientes para processar o presidente deposto por tentar revogar uma cláusula pétrea da Constituição hondurenha que proíbe a reeleição presidencial, por ter insistindo em realizar um referendo mesmo após a Suprema Corte de Honduras a ter declarado ilegal e por descumprir uma lei aprovada pelo Congresso. No entanto, os seus opositores também agiram ilegalmente quando, em desprestígio ao devido processo legal, seqüestram Zelaya e o exilaram do país. Assim, ao dar guarida a Zelaya, o governo brasileiro assumiu a defesa do princípio democrático e da ordem institucional contra golpes de Estado, sendo coerente com a postura adotada pela comunidade internacional.
De fato, conforme fora demonstrado anteriormente, a permanência do presidente hondurenho na embaixada brasileira de Tegucigalpa não se enquadra em categoria jurídica alguma. Não obstante isso, a inexistência de um instituto jurídico pré-estabelecido não pode ser usada como justificativa para impedir que o Brasil dê proteção a um presidente deposto ilegalmente, sobretudo porque a atitude brasileira é endossada por toda a comunidade internacional.
Inclusive, embora não se verifique a subsunção do caso de Zelaya a uma categoria jurídica, há antecedentes dessa situação, conforme noticia Rubens Ricúpero à revista ÉPOCA. 12 Segundo o ex-embaixador, a história diplomática brasileira já registrou dois casos de hóspedes que se assemelham ao de Zelaya: um bispo argentino que buscou refúgio na embaixada brasileira em Buenos Aires, nos anos 50; e um líder empresarial equatoriano em Quito, nos anos 70. Destacam-se, ainda, outros dois casos de bastante repercussão: o abrigo concedido ao ex-presidente do panamá Manuel Noriega, que se refugiou na representação diplomática do Vaticano após o golpe de Estado patrocinado pelos Estados Unidos em 1989; e o concedido ao político peruano Haya de La Torre, que, perseguido em seu próprio país, pediu abrigo na embaixada da Colômbia em Lima, onde permaneceu por cinco anos.
De outra banda, o que se mostra questionável é a atitude oportunista de Zelaya de se aproveitar da ausência do embaixador brasileiro e da inviolabilidade da embaixada brasileira para, sem ser reprimido, transformá-la num palanque político, incitando, da sacada do prédio, a multidão de simpatizantes que, logo após a sua chegada, havia cercado o imóvel. Diante disso, Marcos Azambuja declarou à revista Veja que Zelaya nunca quis a proteção brasileira. Segundo o embaixador, "tudo o que ele quer é usar a embaixada como palanque eleitoral". 13
De fato, a Convenção de Viena, de 18 de abril de 1961, que foi incorporada no Brasil pelo Decreto-Lei 48 295, de 27 de Março de 1968, estabelece que as embaixadas não podem ser utilizadas para fins incompatíveis com as funções da missão:
ARTIGO 41.º
(...) omissis
3. Os locais da missão não devem ser utilizados de maneira incompatível com as funções da missão, tais como são enunciadas na presente Convenção, ou em outras normas de direito internacional geral ou em acordos especiais em vigor entre o Estado acreditante e o Estado acreditador.
Nesse sentido, caracterizou um evidente desvio de função da missão diplomática a utilização do edifício por Zelaya para a realização de um verdadeiro comício à sacada do prédio. Todas as pessoas que se encontram no interior de uma embaixada devem manter a discrição, abstendo-se, por exemplo, de incitar multidões através de manifestações públicas de opinião política. Diante disso, o governo brasileiro se viu obrigado a advertir o presidente hondurenho, recomendando-lhe silêncio. Destarte, o Brasil, acertadamente, impôs, como uma das condições para a manutenção do abrigo, a adoção de uma postura discreta por parte de Zelaya.
Portanto, conclui-se que, embora não se enquadre em categoria jurídica alguma, a proteção dada pelo Brasil a Zelaya é plenamente legítima, sobretudo porque tem por finalidade a defesa da democracia e da ordem institucional contra golpes de Estado, tendo, inclusive, sido corroborada por toda a comunidade mundial. O que não se pode permitir, contudo, é a utilização da embaixada brasileira, por parte do presidente hondurenho, como palanque eleitoral, pois isso caracterizaria um abuso da inviolabilidade da edificação e um evidente desvio de função da missão diplomática.
2. A REAÇÃO DO GOVERNO MICHELETTI
A reação do governo Micheletti contra a concessão de abrigo à Zelaya na embaixada brasileira de Tegucigalpa foi bastante enérgica. Além de mandar soldados cercarem a embaixada e dispersarem os manifestantes que se aglomeraram em torno do imóvel, o governo golpista determinou a suspensão do fornecimento de eletricidade, de água e de alimentos, e o corte da linha telefônica da representação diplomática brasileira. Além disso, foi restringida a liberdade dos ocupantes do prédio, pois ninguém podia entrar ou sair de lá, inclusive os brasileiros. Foi um ataque direto ao Brasil, pois, pelas convenções internacionais, a sede da embaixada é inviolável.
É o que dispõe o artigo 22 da Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas, de 1961:
ARTIGO 22.º
Os locais da missão são invioláveis. Os agentes do Estado acreditador não poderão neles penetrar sem o consentimento do chefe de missão.
2. O Estado acreditador tem a obrigação especial de adoptar todas as medidas apropriadas para proteger os locais contra qualquer intrusão ou dano e evitar perturbações que afectem a tranquilidade da missão ou ofensas a sua dignidade.
3. Os locais da missão, o seu mobiliário, demais bens neles situados, assim como os meios de transporte da missão, não poderão ser objecto de busca, requisição, embargo ou medida de execução.
Destarte, de acordo com o que preceitua a Convenção de Viena de 1961, o governo hondurenho errou ao cortar o fornecimento dos serviços essenciais à embaixada brasileira. Não obstante isso, e embora o fornecimento dos serviços cortados tenha sido restabelecido na mesma semana, há, em Honduras, especialistas que sustentam que não há a necessidade de observância da inviolabilidade do imóvel no qual funciona a embaixada brasileira, uma vez que, em face da instabilidade política do país, o embaixador brasileiro, por precaução, tinha sido retirado do país antes mesmo do retorno de Zelaya a Honduras.
No que pese a existência dessa linha de argumentação, a Convenção de Viana dispõe sobre a situação de maneira distinta, protegendo a sede da missão diplomática até mesmo na hipótese de suspensão temporária ou rompimento das relações diplomáticas entre os países envolvidos:
ARTIGO 45.º
Em caso de ruptura das relações diplomáticas entre dois Estados, ou se uma missão é retirada definitiva ou temporariamente:
a) O Estado acreditador está obrigado a respeitar e a proteger, mesmo em caso de conflito armado, os locais da missão, bem como os seus bens e arquivos;
b) O Estado acreditante poderá confiar a guarda dos locais da missão, bem como dos seus bens e arquivos, a um terceiro Estado aceite pelo Estado acreditador;
c) O Estado acreditante poderá confiar a protecção de seus interesses e os dos seus nacionais a um terceiro Estado aceite pelo Estado acreditador.
Portanto, o corte dos serviços foi, de fato, um erro do governo Micheletti, uma vez que, embora o embaixador brasileiro não se encontrasse em território hondurenho, as embaixadas são locais invioláveis e não podem sofrer embargo nem perturbação por parte das autoridades estatais locais, mesmo diante de uma situação de impasse diplomático.