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Análise do caso Zelaya à luz do Direito Internacional Público

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Agenda 08/09/2011 às 15:50

CONCLUSÃO

O golpe de Estado de Honduras aconteceu em 28 de junho de 2009, quando o então presidente hondurenho, Manoel Zelaya, foi deposto por militares e exilado para a Costa Rica. Após duas tentativas frustradas de retorno ao país, Zelaya só conseguiu concretizar esse desiderato em 21 de setembro de 2009, quando, com o apoio do presidente venezuelano Hugo Chávez, ele foi conduzido de forma clandestina ao país. Ao chegar ao país, Zelaya dirigiu-se à embaixada brasileira de Tegucigalpa em busca de proteção.

A presença de Zelaya no prédio da missão diplomática brasileira arrastou o Brasil para o centro do conflito, dando origem a uma crise diplomática entre os países. Por ter dado guarida a Zelaya na embaixada situada em Tegucigalpa, a diplomacia brasileira foi duramente criticada por parte da imprensa hondurenha e pelo governo de Micheletti, que acusou o governo brasileiro de se intrometer indevidamente nos assuntos internos hondurenhos.

Foi observado, no transcorrer do trabalho que a instalação do presidente hondurenho na embaixada brasileira guarda semelhança com dois institutos jurídicos – o asilo político e o refúgio –, mas com eles não se confunde. Anotou-se que o asilo político, consistente numa proteção conferida ao indivíduo que está sofrendo perseguições por crimes políticos, é concedido ao estrangeiro que, tendo cruzado a fronteira do Estado, colocando-se no âmbito espacial de sua soberania, lhe requer o benefício (asilo político territorial).

Destacou-se, ainda, outra modalidade de asilo político, reconhecida apenas na América Latina. É aquele concedido ao indivíduo que, ainda se encontrando no território do país que o persegue, dirige-se a uma missão diplomática, a um imóvel residencial alcançado pela inviolabilidade da Convenção de Viena de 1961, ou a um navio de guerra eventualmente acostado ao litoral, e pleiteia a sua condução segura a um asilo político territorial (asilo político diplomático). Trata-se de uma forma provisória do asilo político, uma ponte para o asilo territorial, que se consumará no solo do país que o acolheu provisoriamente ou no solo de um terceiro país que o aceite.

No que concerne ao refúgio, que foi regulamentado pela Convenção de Genebra sobre o Estatuto dos Refugiados de 1951, verificou-se que ele se refere ao acolhimento dado ao indivíduo que está sofrendo perseguições por questões raciais, religiosas, de nacionalidade, grupos sociais, por opiniões políticas, ou pela violação dos direitos humanos. Destacou-se, também, que o refúgio costuma ser conferido genericamente a todo um conjunto de pessoas que está sofrendo as conseqüências da prática de atos generalizados de perseguição em um país.

À luz dessas definições doutrinárias, pôde-se inferir que o abrigo dado pela embaixada brasileira a Manoel Zelaya não se subsume a categoria jurídica alguma. Embora se possa dizer que o presidente hondurenho esteja sofrendo perseguição política, a sua situação não caracteriza um asilo político territorial, pois, além de esse benefício não ter sido requerido no Brasil, ele não se encontra refugiado em território brasileiro. Também não se está diante de um asilo político diplomático, pois, apesar de Zelaya estar abrigado na embaixada brasileira de Tegucigalpa, o benefício não foi lá pugnado, até mesmo porque a sua intenção não é a de obter um traslado seguro ao território brasileiro ou de um terceiro país, mas o de permanecer em segurança no território hondurenho. Ademais, não se trata de um refúgio, pois o objetivo desse instituto é o acolhimento do indivíduo em um Estado distinto daquele no qual ele está sofrendo a perseguição e/ou risco à liberdade ou à vida.

Diante desse vazio legal, alguns estudiosos do assunto, conforme foi noticiado, sustentam que, ao dar abrigo a Zelaya, o Brasil violou o princípio constitucional da não-intervenção. Filiando-se a essa linha de argumentação, o governo de Micheletti emitiu notas acusando o governo brasileiro de saber previamente do retorno de Zelaya a Honduras e de intervir indevidamente nos assuntos internos hondurenhos.

Contudo, de acordo com o raciocínio desenvolvido no presente trabalho, esse argumento não se sustenta, pois o princípio da não-intervenção não tem caráter absoluto, havendo a possibilidade de interferência em situações excepcionais. Nesse sentido, foi sustentado que o caso de Honduras trata-se de uma dessas situações extraordinárias. Embora os golpistas possam ter provas suficientes para processar o presidente deposto, os seus opositores também agiram ilegalmente quando seqüestram Zelaya e o exilaram do país. Diante disso, a legitimidade do governo de Micheletti, que rompeu a ordem constitucional hondurenha, não foi reconhecida nem pelo Brasil nem por país algum do mundo. Assim, ao dar guarida a Zelaya, o governo brasileiro assumiu a defesa da democracia e da ordem institucional contra golpes de Estado, sendo coerente com a postura adotada pela comunidade internacional.

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Ademais, argumentou-se que, embora a permanência do presidente hondurenho na embaixada brasileira de Tegucigalpa não se enquadre em categoria jurídica alguma, a inexistência de um instituto jurídico pré-estabelecido não pode ser usada como justificativa para impedir que o Brasil dê proteção a um presidente deposto ilegalmente, sobretudo porque a atitude brasileira é endossada por toda a comunidade internacional. Inclusive, apesar de não se verificar a subsunção do caso de Zelaya a uma categoria jurídica, foram apontados alguns antecedentes históricos semelhantes à situação hondurenha.

De outra banda, reprovou-se a atitude oportunista de Zelaya de se aproveitar da ausência do embaixador brasileiro e da inviolabilidade da embaixada brasileira para, sem ser reprimido, transformá-la num palanque político, incitando, da sacada do prédio, a multidão de simpatizantes que cercava o imóvel. Sucede que, de acordo com as normas de direito internacional, as pessoas que se encontram no interior de uma embaixada devem manter a discrição, não podendo, por exemplo, utilizar o prédio como palanque eleitoral, pois isso caracteriza um evidente abuso da inviolabilidade da embaixada e um desvio de função da missão diplomática. Diante disso, cientificado do episódio, o governo brasileiro, acertadamente, advertiu o presidente hondurenho, impondo-lhe, como uma das condições para a manutenção do abrigo, a adoção de uma postura discreta.

No que concerne à reação do governo de Micheletti contra a concessão de abrigo à Zelaya na embaixada brasileira de Tegucigalpa, identificou-se a prática de graves irregularidades. Além de cercar a embaixada de militares, o governo golpista cortou o fornecimento de eletricidade, água, alimentos e linha telefônica à representação diplomática brasileira. Foi restringida, ainda, a liberdade dos ocupantes do prédio, cuja entrada e saída foi proibida, inclusive aos brasileiros. Destarte, apesar de o fornecimento dos serviços cortados ter sido restabelecido na mesma semana, tais práticas constituíram um ataque direto ao Brasil, pois foi verificado que elas são terminantemente proibidas pela Convenção de Viena de 1961, diploma que garante imunidade à sede da embaixada, considerando-a um asilo inviolável.

Frise-se, por derradeiro, que, embora alguns especialistas hondurenhos sustentem a desnecessidade de observância da inviolabilidade do imóvel no qual funciona a embaixada brasileira, uma vez que o embaixador brasileiro não se encontrava em território hondurenho, a referida Convenção de Viena dispõe sobre essa situação de maneira distinta. Segundo esse diploma normativo internacional, a sede da missão diplomática deve ser protegida e resguardada até mesmo na hipótese de suspensão temporária ou rompimento das relações diplomáticas entre os países envolvidos.


REFERÊNCIAS

CABRAL, Otávio; TEIXEIRA, Duda. O Pesadelo é Nosso. Revista Veja, São Paulo: Editora Abril, ed. 2132, ano 42, n. 39, pp. 116-124, set. 2009.

CARDOSO, Oscar Valente. Asilo e Refúgio Políticos: o caso Honduras. Jus Navigandi, 2009. Disponível em <https://jus.com.br/artigos/13587/asilo-e-refugio-politicos-o-caso-honduras> Acesso em: 26 out. 2009.

MENEZES, Cynara. Democracia Sitiada. Revista CARTACAPITAL, São Paulo: Editora Confiança, Ano XV, n. 565, pp. 54-56, set. 2009.

RAMOS, Murilo. O Hóspede Inconveniente. Revista ÉPOCA, São Paulo: Editora Globo, n. 593, pp. 44-49, set. 2009.

REZEK, José Francisco. Direito Internacional Público: Curso Elementar. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2000.

SEQUEIRA, Claudio Dantas; VILLAMÉA, Luiza. Conflito Diplomático. Revista ISTOÉ, São Paulo: Editora Três, ano 32, n. 2081, pp. 84-95, set. 2009.

SILVA, G. E. do Nascimento e; ACCIOLY, Hidelbrando. Manual de Direito Internacional Público. 14. ed. São Paulo: Saraiva, 2000.


Notas

  1. MENEZES, Cynara. Democracia Sitiada. Revista CARTACAPITAL, São Paulo: Editora Confiança, Ano XV, n. 565, pp. 54-56, set. 2009.

  2. SEQUEIRA, Claudio Dantas; VILLAMÉA, Luiza. Conflito Diplomático. Revista ISTOÉ, São Paulo: Editora Três, ano 32, n. 2081, pp. 84-95, set. 2009.

  3. RAMOS, Murilo. O Hóspede Inconveniente. Revista ÉPOCA, São Paulo: Editora Globo, n. 593, pp. 44-49, set. 2009.

  4. SEQUEIRA, Claudio Dantas; VILLAMÉA, Luiza. Ibidem.

  5. REZEK, José Francisco. Direito Internacional Público: Curso Elementar. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2000, pp. 205-206.

  6. REZEK, José Francisco. Ibidem. p. 206.

  7. SILVA, G. E. do Nascimento e; ACCIOLY, Hidelbrando. Manual de Direito Internacional Público. 14. ed. São Paulo: Saraiva, 2000, pp. 345-346.

  8. Esse entendimento foi firmado na Assembléia Geral das Nações Unidas de 1967 e ratificado na Conferência sobre Asilo Diplomático realizada em Genebra em 1977.

  9. REZEK, José Francisco. Ibidem. p. 206.

  10. REZEK, José Francisco. Ibidem. pp. 207-208.

  11. CARDOSO, Oscar Valente. Asilo e Refúgio Políticos:o caso Honduras. Jus Navigandi, 2009. Disponível em <https://jus.com.br/artigos/13587/asilo-e-refugio-politicos-o-caso-honduras> Acesso em: 26 out. 2009.

  12. RAMOS, Murilo. Ibidem.

  13. CABRAL, Otávio; TEIXEIRA, Duda. O Pesadelo é Nosso. Revista Veja, São Paulo: Editora Abril, ed. 2132, ano 42, n. 39, pp. 116-124, set. 2009.


Abstract: This work has for object the analysis of Honduras state coup from the light of Public International Law, over all with respect to the shelter concession to Manoel Zelaya, the put down president, in Brazilian embassy of Tegucigalpa, and the Robert Micheletti government reaction against the Zelaya return. Leaving of side the formularization of a value judgment concerning the necessity and the politics convenience of the Brazilian participation in Honduran crisis, one searchs, by means of this work, to construct, from an analysis of doctrine and pertinent international conventions, a legal positioning concerning the subject.

Key words: : State coup; Honduras; diplomatic conflict.

Sobre o autor
Luiz Gonzaga Pereira de Melo Filho

Assessor da 2ª Câmara Cível do TJPB

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MELO FILHO, Luiz Gonzaga Pereira. Análise do caso Zelaya à luz do Direito Internacional Público. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2990, 8 set. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/19946. Acesso em: 5 nov. 2024.

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