3. Metodologia
Edivaldo Boaventura (2004,p.117) indica o estudo de caso como método de pesquisa para obter demonstrações empíricas não experimentais, especialmente usado no Direito e na Administração quando não são possíveis resoluções dedutivas, em normas gerais conhecidas – exatamente como é o caso.
Aceitando a estruturação de Antonio Carlos Gil (1995, p.85) e o plano de Leite (2003, p.42) considerou-se que é possível definir quatro fases que mostram o seu delineamento: a) delimitação da unidade-caso; b) coleta de dados; c) seleção, análise e interpretação dos dados; d) elaboração do relatório.
A delimitação na unidade caso da Braskem ocorreu devido a ocorrência de sua re-estruturação de propriedade e de capital que foi idônea a modificar toda a estrutura do mercado em que se inseria – adquirindo rivais, ampliando a participação societária do seu principal fornecedor e obtendo recursos através de oferta de bônus de subscrição com valor de exercício acima do valor de mercado das ações.
A coleta de dados – tanto das cotações diárias, como das participações societárias com os acordos de acionistas e dos fatos relevantes expressos na emissão e exercício dos bônus e nas aquisições das concorrentes – foram encontrados nos sítios eletrônicos da Bolsa de São Paulo (Bovespa), confirmados pela divulgação destes "fatos relevantes" pela própria empresa e por artigos jornalísticos da época. A interpretação imediata destes dados consistiu na comparação das cotações conseqüentes dos anúncios dos fatos relevantes – revelando a reação imediata do mercado as novas informações.
Usando o modelo integrativo proposto por Bataglia e Meirelles (2009) – que trabalha com as interseções da economia evolucionária com a ecologia populacional para compreender a dinâmica evolucionária organizacional – foi feito um estudo de caso, analisando a divulgação dos fatos relevantes e suas conseqüências na precificação dos ativos e nas estruturas de propriedade e de mercado, quando a Braskem re-estruturou a si e ao setor onde se localiza.
Dessa maneira, será considerada a dualidade entre os processos ambientais (com as mudanças tecnológicas, estruturais e demográficas) e os processos de adaptação corporativa (com a série de medidas expressas nos fatos relevantes).
Bataglia e Meirelles (2009, p.88) explicam as abordagens evolucionarias da firma desde o modelo VSR (Variation – Selection – Retention) de Campbell até os trabalhos de Hannan (1995); assim como explica a economia evolucionária desenvolvida por Nelson e Winters (1982) baseada nos trabalhos de Schumpeter, para demonstrar como os focos macro e micro ficaram dissociados nos trabalhos desenvolvidos até então.
Para superar essa dissociação, é proposta uma análise em diferentes estágios: primeiro analisa-se a firma e sua localização (setor, comunidade e população); depois pelas suas atividades de variação, seleção e retenção identificam-se suas rotinas e capacidades organizacionais. Dessa maneira, é possível relacionar as estratégias (coletivas, corporativas e internas) com o ambiente de seleção (considerando os processos demográficos, a densidade populacional e os processos tecnológicos e organizacionais).
4. Estudo do caso: BRASKEM S/A
Desde o inicio da primeira década do século XXI já havia consenso – indicado inclusive no anuário da Associação Brasileira da Industria Química (2001) – que o setor passaria por profundas transformações visando a ampliação da escala e a redução do número de participantes através de processos de fusão e de aquisições.
Tratava-se então de um ambiente altamente competitivo, onde as estratégias de variação (obtenção de escala por fusões ou aquisições) estavam definidas e apenas quem mantivesse as capacidades organizacionais necessárias poderia manter os níveis de eficiência para sobreviver nesse mercado. Foi nesse ambiente, em 2002, que a Braskem foi criada como sucessora da Copene – Companhia Petroquímica do Nordeste Ltda. – surgida de um acordo de acionistas entre a Odebrecht e o Grupo Mariani.
Em 2005 a empresa assina um contrato de formação de sociedade com a Petrobras – a principal fornecedora do setor – e em 2007 passa a integrar suas concorrentes – tais como a Companhia Petroquímica do Sul (Copesul), Ipiranga Química, Ipiranga Petroquímica, Petroquímica Paulínia e Petroquímica Triunfo. Esse processo de assimilação das concorrentes foi gradativamente financiado pela Petrobras, considerado um stakeholder estratégico por ser o maior fornecedor do setor – a ponto que a Petrobras chegou a deter 30% do capital votante da empresa.
Em 22/01/2010 a BRASKEM S.A. A Odebrecht Serviços e Participações S.A. e a PETRÓLEO BRASILEIRO S.A. - PETROBRAS informam conjuntamente plano de investimento conjunto com a União Industrias Petroquímicas S.A. (UNIPAR) – consistindo no aumento de capital da BRASKEM para a posterior compra da participação da UNIPAR na QUATTOR.
Em 01/02/2010 a BRASKEM S.A. comunica a aquisição de 100% do capital votante da Sunoco Chemicals – representando 13% da capacidade de produção de polipropileno norte-americana – ao preço de US$350 milhões pago a vista no prazo de 60 dias.
Em 12/04/2010 a BRASKEM S.A. comunica que em 12/04/2010 foi encerrado o prazo de exercício das sobras para subscrição de ações emitidas no âmbito do aumento de capital aprovado pelo Conselho de Administração em 03/03/2010; resultando em subscrição de 83,15% do aumento de capital o referido Conselho homologou o aumento de capital em decorrência da emissão de 243.206.530 novas ações ordinárias e de 16.697.781 em novas ações preferenciais classe "A" - perfazendo um valor total de R$3.742.622.078,40 – dos quais R$ 1.363.879.782,62 destinados a reserva de capital; e, R$ 2.378.742.295,78 ao capital social.
Em 27/04/2010 a BRASKEM S.A. e a QUATTOR informam que a primeira já possui 99,32% do capital total da segunda; e, em função da alienação indireta do controle, envia pedido de oferta pública de aquisição das ações remanescentes.
Como se pode observar, em todos os casos descritos, o financiamento no mercado através de ofertas públicas foi sistematicamente insuficiente (na única vez que foi tentado, em 2010, menos de 1% dos sócios fora do bloco de controle exerceram seus bônus); e, assim, politicamente preterido pelas sucessivas gestões – provavelmente pelo auto grau de competitividade; e, consequentemente pelos baixos níveis de lucratividade do setor.
Dessa maneira, mantendo um ritmo crescente de concentração mesmo sem a faculdade de captar novos investimentos através do mercado de bolsa, a Braskem demonstrou deter as capacidades organizacionais de assimilar suas concorrentes de maneira sistemática, buscando financiamento de uma maneira atípica – em vez de recorrer ao mercado impessoal securitizando obrigações – preferiu atrair e promover comprometimento gradativo de parceiros estratégicos para obter os capitais necessários pela composição de redes de colaboração formalizadas pelos contratos de acordos de acionistas.
Estes contratos tomaram um grau de comprometimento tão perpetuo e complexo que um dos pontos do aumento de capital de 2010 foi o surgimento de uma sociedade patrimonial – a BRK investimentos – para concentrar as ações detidas pelos controladores.
5. Discussão e análise
O caso prático da empresa de capital aberto Braskem S.A. apresenta aquisições sucessivas (desde a aquisição da Refinaria Triunfo em 2009, passando pela aquisição da Quattor e da Sunoco Chemicals), no Brasil e no exterior; e, culmina com mudança drástica de controle e da política de estrutura de capital – com um acordo de acionistas que propiciou o estranho lançamento de bônus de subscrição consistente no direito de adquirir ações ordinárias por R$14,40, valor não alcançado nem uma vez após a comunicação da operação pelas ações ordinárias até a data de execício dos títulos.
Como demonstrado no anexo, a determinação deste preço pelo valor venal histórico de um ativo (ação preferencial) para sua aplicação majoritária em outro de menor valor (ação ordinária) foi um estratégia para perenizar o controle da BRASKEM sob os termos do acordo de acionistas, diluindo a participação de todos os acionistas minoritários, exceto a sociedade criada no acordo de acionistas (A Brk Investimentos Petroquímicos S.A detém atualmente 62,32% das ações ordinárias da companhia e foi formada com a integralização das ações possuídas pela Odebrecht e Petrobras). Uma demonstração interessante deste fato são os volumes de negociação de ambos os ativos referidos – mesmo havendo uma quantidade maior de ações ordinárias no mercado(existem 433.668.976 ações ordinárias e 347.163.489 ações preferenciais no mercado) elas não representam sequer a quinta parte do volume de negócios que acontece com a preferencial A (BRKM5) – como descrito em Bovespa (2010).
Assim como existe na doutrina de Fianças Corporativas o conceito de "Poder de controle" (SILVEIRA, 2006; e, COMPARATO, 2005) e de valor pelo controle – consistente no valor que as ações do controlador podem ter além das demais ações devido ao fato de que elas detêm o poder de controle; depois desse caso, pode ser inaugurado o conceito de "perenização do controle" - ou seja, o valor que um grupo controlador poderia estar disposto a pagar para perenizar seu poder.
O grupo controlador certamente pagou um valor, pelo menos, 20% maior do que a cotação máxima do ativo após o anúncio da operação para as ações ordinárias. Isso não foi consequência de erro de calculo; mas sim, meio de uma estratégia que tinha como fins na modificação das estruturas de capital e de propriedade da empresa – com a diluição da participação dos acionistas minoritários perpetuando o controle na sociedade formada com a integralização das ações das empresas controladoras; assim como, na reestruturação do mercado em que se inseria – com a eliminação de concorrentes e a associação societária com o maior fornecedor da cadeia (destruindo a concorrência tanto no mercado tanto nas entradas com os fornecedores quanto nas saídas com os consumidores).
Quanto ao ativo de maior liquidez também há peculiaridade no comportamento do ativo nos dias subseqüentes ao anuncio da "estatização" do maior grupo petroquímico do Brasil. O valor do ativo (BRKM5) apresentou uma perda categórica por meses após o anúncio do negócio.
Segundo a teoria das finanças (MORITA, 2010) quando uma empresa reduz seu índice de endividamento, aumenta suas perspectivas de lucratividade, amplia suas vantagens estratégicas (fazendo do seu maior fornecedor sócio com parcela significativa e implantando um monopólio em setor fundamental da economia); ou, passa a ter participação pública seus ativos deveriam, ceteris paribus, deveria ganhar valor – o que não aconteceu no caso analisado.
A explicação para a perda do valor dos ativos referidos poderia ser uma perda significa de todos os ativos do mercado – o que não aconteceu, considerando que no fechamento do mercado do dia 30/04/2010 o IBOVESPA fechou aos 67.529,00 pontos; ou seja, apresentando perda de 1,54% em relação ao primeiro pregão do ano. Considerando, entretanto, que no dia 22/01/2010 (dia em que foi divulgada a aquisição e o aumento de capital) o IBOVESPA fechou cotado em 66220 pontos – conclui-se que o índice apresenta ganho desde então.
Uma segunda explicação possível para a redução de valor – mesmo com o aumento de perspectivas em relação a lucratividade – seria o aumento do risco de ingerência política em sua administração. Em outras palavras, a precificação pode ter internalizado o risco de intervenções administrativas do Estado contra interesses privados dos demais acionistas – vez que a impressa especializada chegou a divulgar a "estatização" de seu controle.
A Petrobras, após a implementação do acordo, passou a contar com o direito de indicação de executivos; a Petrobras é uma empresa de economia mista em que o Estado mantém controle majoritário com 55,56% das ações ordinárias e o golden share (direito de veto) independente desse controle.
Tanto evidências empíricas – na valoração de empresas estatais como a própria Petrobras; como previsões teóricas – da doutrina em finanças confirmando a regra do aumento e não da redução de valor de uma empresa pela participação estatal – descartam essa segunda hipótese.
Uma terceira hipótese – a ser observada quando houver amostra representativa e casos semelhantes – é que o valor dos acionistas minoritários foi reduzido; mesmo com a integralização pelo controlador de valores acima dos estabelecidos no mercado; devido a instituição da perenização do controle conseqüente a essa integralização, do estabelecimento de uma situação onde não seria mais viável obter participação política significativa além daquela detida pela sociedade instituída pelo acordo de acionistas.
Como demonstrado, a administração da BRASKEM estudada refletiu uma mudança violenta na política de estrutura de capital da empresa – obtendo, inclusive, autorização do CADE em tempo extraordinário (MORITA, 2010); e, pesados investimentos no setor petroquímico de uma empresa de economia mista controlada pelo Estado, a Petrobras – no momento em que ela tem uma gama de outros projetos mais próximos de sua atividade fim com com maior potencial de lucratividade devido as descobertas do pré-sal, segundo ressalta a impressa especializada referindo-se a diversos analistas de mercado (DEZEN, 2010).
Sem entrar nos cálculos e nas polêmicas estimativas de VPL de investimentos no setor petroquímico em relação aos investimentos necessários a exploração do denominado "pré-sal"; pode-se afirmar que a maioria das grandes empresas de petróleo tem participações na indústria petroquímica – como enumera Lemos (2009). Desta maneira, a intenção deste trecho não é avaliar em termos financeiros ou estratégicos se a decisão da instituição de um monopólio (em âmbito nacional) foi uma decisão certa ou errada; mas sim, discutir as propostas e fatos acerca da autorização administrativa para as aquisições referidas.
O problema como acentua Lemos (2009) é que "a operação dificilmente será aprovada pelos órgãos de defesa da concorrência, e se o for, desmoralizará, definitivamente, a política de defesa da concorrência". De fato, autorizando a aquisição da Braskem, estar-se-ia criando praticamente o monopólio das duas resinas termoplásticas mais importantes (polietileno e polipropileno); assim como, posição dominante em produtos como o PVC.
Segundo Lemos (2009), o argumento em defesa da fusão é que o mercado petroquímico é mundial – e não nacional; e, consequentemente, as considerações acerca da "posição dominante de mercado" deveriam ser feitas considerando o market-share mundial. Esse argumento só resta válido se a competição com produtos importados for viável; ou, se empresa consequente realmente aplicar o preço do mercado internacional dentro do país e não interferir em sua composição de maneira significativa. Fato é que nunca foi admitida concentração dessa ordem no Brasil e que ignorar os limites do mercado relevante em âmbito nacional é contradizer que a disciplina as leis e os custos de transação diferenciados (como transporte e tributos) limitariam os "mercados relevantes" (GABAN, 2009).
Críticos da formação do monopólio como Lemos (2009) chegam a propor uma alternativa – o desmembramento da nova Braskem em duas empresas: uma seria a antiga Braskem e a outra resultante da fusão do Comperj (com todas as unidades de segunda geração incorporadas) com a Quattor. Nessa situação a Petrobras teria de comprar, no todo ou em parte, o controle da nova empresa renunciando ao poder de controle na Braskem. Porém, nesse contexto, os acionistas da Braskem seriam duplamente penalizados – primeiro com a depreciação dos seus ativos, se a Petrobras liquidasse sua posição por meio de oferta pública de ações; e, certamente, pela instituição de uma empresa concorrente controlada pela sua maior fornecedora de insumos. É o paradoxo do monopólio petroquímico – que é conseqüência natural do monopólio na venda da nafta.
Em regra, posições dominantes são as que excedem 20% de mercado relevante (LEMOS, 2009 e GABAN, 2009, p.129) ou também podem ser identificadas como o poder detido pelo agente no mercado que lhe assegure "a possibilidade de atuar um comportamento independe e indiferente em relação a outros agentes, impermeáveis as leis do mercado, e em virtude da ausência de um ambiente concorrencial" (FORGIONI, 2008, p.318). No caso em estudo a Braskem vai deter 100% de três mercados absolutamente relevantes (polietileno, propileno e PVC) possuindo as quatro centrais petroquímicas existentes no país (LEMOS, 2009), o que lhe daria uma absoluta "posição monopolista" no mercado interno.
Cabe citar, por fim, que mesmo que sejam autorizadas todas as aquisições divulgadas, a nova posição da Braskem a deixará na berlinda quanto a fiscalização do CADE, sempre vulnerável a punições em caso de abuso do poder econômico – no caso de usar do domínio de mercado relevante já conquistado.