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Reflexos e consequências jurídicas do princípio da não auto-incriminação

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O princípio da não auto-incriminação apresenta reflexos e, tais como o direito ao silêncio, o direito de não praticar qualquer ato que possa incriminá-lo e o direito de não produzir nenhuma prova incriminadora que envolva a disposição de seu próprio corpo.

O princípio da não auto-incriminação (Nemo tenetur se detegere ou Nemo tenetur se ipsum accusare ou Nemo tenetur se ipsum prodere) significa que ninguém é obrigado a se auto-incriminar ou a produzir prova contra si mesmo. Dessa maneira, nenhum indivíduo pode ser obrigado a fornecer involuntariamente qualquer tipo de elemento que o envolva direta ou indiretamente na prática de um crime. Pode-se afirmar que o princípio da não auto-incriminação apresenta diversos reflexos e conseqüências, tais como o direito do acusado ao silêncio, o direito do acusado de não praticar qualquer ato que possa incriminá-lo e, ainda, o direito do acusado de não produzir nenhuma prova incriminadora que envolva a disposição de seu próprio corpo. [01]

No que concerne à previsão legal do direito ao silêncio, é importante mencionar as seguintes disposições contidas no CPP, que assim estabelecem: [02]

Art. 186. Depois de devidamente qualificado e cientificado do inteiro teor da acusação, o acusado será informado pelo juiz, antes de iniciar o interrogatório, do seu direito de permanecer calado e de não responder perguntas que lhe forem formuladas. (Redação dada pela Lei nº 10.792, de 1º.12.2003)

Parágrafo único. O silêncio, que não importará em confissão, não poderá ser interpretado em prejuízo da defesa. (Incluído pela Lei nº 10.792, de 1º.12.2003) (...)

Art.198. O silêncio do acusado não importará confissão, mas poderá constituir elemento para a formação do convencimento do juiz. (...)

Art. 478. Durante os debates as partes não poderão, sob pena de nulidade, fazer referências: (Redação dada pela Lei nº 11.689, de 2008)

I – à decisão de pronúncia, às decisões posteriores que julgaram admissível a acusação ou à determinação do uso de algemas como argumento de autoridade que beneficiem ou prejudiquem o acusado;

(Incluído pela Lei nº 11.689, de 2008)

II – ao silêncio do acusado ou à ausência de interrogatório por falta de requerimento, em seu prejuízo.

(Incluído pela Lei nº 11.689, de 2008)

No que se refere ao direito do preso de ser informado quanto ao direito ao silêncio, cumpre destacar os seguintes julgados do STF, que reconhecem amplamente esse direito:

EMENTA: Informação do direito ao silêncio (Const., art. 5º, LXIII): relevância, momento de exigibilidade, conseqüências da omissão: elisão, no caso, pelo comportamento processual do acusado. I. O direito à informação da faculdade de manter-se silente ganhou dignidade constitucional, porque instrumento insubstituível da eficácia real da vetusta garantia contra a auto-incriminação que a persistência planetária dos abusos policiais não deixa perder atualidade. II. Em princípio, ao invés de constituir desprezível irregularidade, a omissão do dever de informação ao preso dos seus direitos, no momento adequado, gera efetivamente a nulidade e impõe a desconsideração de todas as informações incriminatórias dele anteriormente obtidas, assim como das provas delas derivadas. III. Mas, em matéria de direito ao silêncio e à informação oportuna dele, a apuração do gravame há de fazer-se a partir do comportamento do réu e da orientação de sua defesa no processo: o direito à informação oportuna da faculdade de permanecer calado visa a assegurar ao acusado a livre opção entre o silêncio - que faz recair sobre a acusação todo o ônus da prova do crime e de sua responsabilidade - e a intervenção ativa, quando oferece versão dos fatos e se propõe a prová-la: a opção pela intervenção ativa implica abdicação do direito a manter-se calado e das conseqüências da falta de informação oportuna a respeito. (HC 78.708, Relator (a): Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, Primeira Turma, julgado em 09/03/1999, DJ 16-04-1999 PP-00008 EMENT VOL-01946-05 PP-00874 RTJ VOL-00168-03 PP-00977) [03]

EMENTA: I. Habeas corpus: cabimento: prova ilícita. 1. Admissibilidade, em tese, do habeas corpus para impugnar a inserção de provas ilícitas em procedimento penal e postular o seu desentranhamento: sempre que, da imputação, possa advir condenação a pena privativa de liberdade: precedentes do Supremo Tribunal. II. Provas ilícitas: sua inadmissibilidade no processo (CF, art. 5º, LVI): considerações gerais. 2. Da explícita proscrição da prova ilícita, sem distinções quanto ao crime objeto do processo (CF, art. 5º, LVI), resulta a prevalência da garantia nela estabelecida sobre o interesse na busca, a qualquer custo, da verdade real no processo: conseqüente impertinência de apelar-se ao princípio da proporcionalidade - à luz de teorias estrangeiras inadequadas à ordem constitucional brasileira - para sobrepor, à vedação constitucional da admissão da prova ilícita, considerações sobre a gravidade da infração penal objeto da investigação ou da imputação. III. Gravação clandestina de "conversa informal" do indiciado com policiais. 3. Ilicitude decorrente - quando não da evidência de estar o suspeito, na ocasião, ilegalmente preso ou da falta de prova idônea do seu assentimento à gravação ambiental - de constituir, dita "conversa informal", modalidade de "interrogatório" sub-reptício, o qual - além de realizar-se sem as formalidades legais do interrogatório no inquérito policial (C.Pr.Pen., art. 6º, V) -, se faz sem que o indiciado seja advertido do seu direito ao silêncio. 4. O privilégio contra a auto-incriminação - nemo tenetur se detegere -, erigido em garantia fundamental pela Constituição - além da inconstitucionalidade superveniente da parte final do art. 186 C.Pr.Pen. - importou compelir o inquiridor, na polícia ou em juízo, ao dever de advertir o interrogado do seu direito ao silêncio: a falta da advertência - e da sua documentação formal - faz ilícita a prova que, contra si mesmo, forneça o indiciado ou acusado no interrogatório formal e, com mais razão, em "conversa informal" gravada, clandestinamente ou não. IV. Escuta gravada da comunicação telefônica com terceiro, que conteria evidência de quadrilha que integrariam: ilicitude, nas circunstâncias, com relação a ambos os interlocutores. 5. A hipótese não configura a gravação da conversa telefônica própria por um dos interlocutores - cujo uso como prova o STF, em dadas circunstâncias, tem julgado lícito - mas, sim, escuta e gravação por terceiro de comunicação telefônica alheia, ainda que com a ciência ou mesmo a cooperação de um dos interlocutores: essa última, dada a intervenção de terceiro, se compreende no âmbito da garantia constitucional do sigilo das comunicações telefônicas e o seu registro só se admitirá como prova, se realizada mediante prévia e regular autorização judicial. 6. A prova obtida mediante a escuta gravada por terceiro de conversa telefônica alheia é patentemente ilícita em relação ao interlocutor insciente da intromissão indevida, não importando o conteúdo do diálogo assim captado. 7. A ilicitude da escuta e gravação não autorizadas de conversa alheia não aproveita, em princípio, ao interlocutor que, ciente, haja aquiescido na operação; aproveita-lhe, no entanto, se, ilegalmente preso na ocasião, o seu aparente assentimento na empreitada policial, ainda que existente, não seria válido. 8. A extensão ao interlocutor ciente da exclusão processual do registro da escuta telefônica clandestina - ainda quando livre o seu assentimento nela - em princípio, parece inevitável, se a participação de ambos os interlocutores no fato probando for incindível ou mesmo necessária à composição do tipo criminal cogitado, qual, na espécie, o de quadrilha. V. Prova ilícita e contaminação de provas derivadas (fruits of the poisonous tree). 9. A imprecisão do pedido genérico de exclusão de provas derivadas daquelas cuja ilicitude se declara e o estágio do procedimento (ainda em curso o inquérito policial) levam, no ponto, ao indeferimento do pedido. (HC 80.949, Relator (a): Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, Primeira Turma, julgado em 30/10/2001, DJ 14-12-2001 PP-00026 EMENT VOL-02053-06 PP-01145 RTJ VOL-00180-03 PP-01001) [04]

Uma conseqüência direta do princípio da não auto-incriminação é o direito do investigado ou do acusado de não praticar qualquer comportamento ativo que possa incriminá-lo. Dessa forma, é importante se tecer algumas considerações sobre a legalidade da participação do investigado no exame de reconstituição de crime, nos exames grafotécnicos e no exame de DNA. [05]

No que se refere à participação do investigado no exame de reconstituição de crime, o STF já firmou o posicionamento no sentido de que o investigado não pode ser compelido a participar da reprodução simulada do fato delituoso. Eis a ementa da decisão em análise:

- HABEAS CORPUS - JÚRI - RECONSTITUIÇÃO DO CRIME - CERCEAMENTO DE DEFESA - NÃO-INTIMAÇÃO DO DEFENSOR PARA A RECONSTITUIÇÃO DO DELITO - PACIENTE QUE SE RECUSA A PARTICIPAR DA REPRODUÇÃO SIMULADA DOS FATOS - VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DO CONTRADITORIO - INOCORRENCIA - PRISÃO CAUTELAR - INSTITUTO COMPATIVEL COM O PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA NÃO-CULPABILIDADE (CF, ART. 5., LVII) - CONCESSÃO DE LIBERDADE PROVISORIA - MERA FACULDADE JUDICIAL - ORDEM DENEGADA. - A RECONSTITUIÇÃO DO CRIME CONFIGURA ATO DE CARÁTER ESSENCIALMENTE PROBATÓRIO, POIS SE DESTINA - PELA REPRODUÇÃO SIMULADA DOS FATOS - A DEMONSTRAR O MODUS FACIENDI DE PRATICA DELITUOSA (CPP, ART. 7.). O SUPOSTO AUTOR DO ILICITO PENAL NÃO PODE SER COMPELIDO, SOB PENA DE CARACTERIZAÇÃO DE INJUSTO CONSTRANGIMENTO, A PARTICIPAR DA REPRODUÇÃO SIMULADA DO FATO DELITUOSO. O MAGISTERIO DOUTRINARIO, ATENTO AO PRINCÍPIO QUE CONCEDE A QUALQUER INDICIADO OU RÉU O PRIVILEGIO CONTRA A AUTO-INCRIMINAÇÃO, RESSALTA A CIRCUNSTANCIA DE QUE E ESSENCIALMENTE VOLUNTARIA A PARTICIPAÇÃO DO IMPUTADO NO ATO - PROVIDO DE INDISCUTIVEL EFICACIA PROBATORIA - CONCRETIZADOR DA REPRODUÇÃO SIMULADA DO FATO DELITUOSO. - A RECONSTITUIÇÃO DO CRIME, ESPECIALMENTE QUANDO REALIZADA NA FASE JUDICIAL DA PERSECUÇÃO PENAL, DEVE FIDELIDADE AO PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DO CONTRADITORIO, ENSEJANDO AO RÉU, DESSE MODO, A POSSIBILIDADE DE A ELA ESTAR PRESENTE E DE, ASSIM, IMPEDIR EVENTUAIS ABUSOS, DESCARACTERIZADORES DA VERDADE REAL, PRATICADOS PELA AUTORIDADE PÚBLICA OU POR SEUS AGENTES. - NÃO GERA NULIDADE PROCESSUAL A REALIZAÇÃO DA RECONSTITUIÇÃO DA CENA DELITUOSA QUANDO, EMBORA AUSENTE O DEFENSOR TECNICO POR FALTA DE INTIMAÇÃO, DELA NÃO PARTICIPOU O PRÓPRIO ACUSADO QUE, AGINDO CONSCIENTEMENTE E COM PLENA LIBERDADE, RECUSOU-SE, NÃO OBSTANTE COMPARECENDO AO ATO, A COLABORAR COM AS AUTORIDADES PUBLICAS NA PRODUÇÃO DESSA PROVA. - A LEGITIMIDADE JURÍDICO-CONSTITUCIONAL DAS NORMAS LEGAIS QUE DISCIPLINAM A PRISÃO PROVISORIA EM NOSSO SISTEMA NORMATIVO DERIVA DE REGRA INSCRITA NA PROPRIA CARTA FEDERAL, QUE ADMITE - NÃO OBSTANTE A EXCEPCIONALIDADE DE QUE SE REVESTE - O INSTITUTO DA TUTELA CAUTELAR PENAL (ART. 5., LXI). O PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DE NÃO-CULPABILIDADE, QUE DECORRE DE NORMA CONSUBSTANCIADA NO ART. 5., LVII, DA CONSTITUIÇÃO DA REPUBLICA, NÃO IMPEDE A UTILIZAÇÃO, PELO PODER JUDICIARIO, DAS DIVERSAS MODALIDADES QUE A PRISÃO CAUTELAR ASSUME EM NOSSO SISTEMA DE DIREITO POSITIVO. - O RÉU PRONUNCIADO - AINDA QUE PRIMARIO E DE BONS ANTECEDENTES - NENHUM DIREITO TEM A OBTENÇÃO DA LIBERDADE PROVISORIA. A PRESERVAÇÃO DO STATUS LIBERTATIS DO ACUSADO TRADUZ, NESSE CONTEXTO, MERA FACULDADE RECONHECIDA AO JUIZ.
(HC 69.026, Relator(a):  Min. CELSO DE MELLO, Primeira Turma, julgado em 10/12/1991, DJ 04-09-1992 PP-14091 EMENT VOL-01674-04 PP-00734 RTJ VOL-00142-03 PP-00855) [06]

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Outro ponto que está intimamente relacionado ao princípio da não auto-incriminação refere-se à legalidade das provas invasivas e não invasivas. Em síntese, pode-se afirmar que as provas invasivas são aquelas obtidas por meio da utilização ou da extração de parte do corpo humano (em regra, vedadas pelo princípio da não auto-incriminação). Já as provas não invasivas são aquelas que decorrem da inspeção ou verificação corporal, não implica a extração de nenhuma parte do corpo humano (não dependem do consentimento do acusado e são admitidas pelo Direito). [07]

Questão interessante concerne à obrigatoriedade do acusado ou do investigado fornecer material gráfico para fins de exame grafotécnico. Sobre o assunto, o STF já decidiu que não se pode compelir ou obrigar o investigado a fornecer padrões gráficos de próprio punho, pois isso seria uma afronta ao princípio do Nemo tenetur sine detegere. Eis o teor da decisão do STF, in verbis: [08]

EMENTA: HABEAS CORPUS. CRIME DE DESOBEDIÊNCIA. RECUSA A FORNECER PADRÕES GRÁFICOS DO PRÓPRIO PUNHO, PARA EXAMES PERICIAIS, VISANDO A INSTRUIR PROCEDIMENTO INVESTIGATÓRIO DO CRIME DE FALSIFICAÇÃO DE DOCUMENTO. NEMO TENETUR SE DETEGERE. Diante do princípio nemo tenetur se detegere, que informa o nosso direito de punir, é fora de dúvida que o dispositivo do inciso IV do art. 174 do Código de Processo Penal há de ser interpretado no sentido de não poder ser o indiciado compelido a fornecer padrões gráficos do próprio punho, para os exames periciais, cabendo apenas ser intimado para fazê-lo a seu alvedrio. É que a comparação gráfica configura ato de caráter essencialmente probatório, não se podendo, em face do privilégio de que desfruta o indiciado contra a auto-incriminação, obrigar o suposto autor do delito a fornecer prova capaz de levar à caracterização de sua culpa. Assim, pode a autoridade não só fazer requisição a arquivos ou estabelecimentos públicos, onde se encontrem documentos da pessoa a qual é atribuída a letra, ou proceder a exame no próprio lugar onde se encontrar o documento em questão, ou ainda, é certo, proceder à colheita de material, para o que intimará a pessoa, a quem se atribui ou pode ser atribuído o escrito, a escrever o que lhe for ditado, não lhe cabendo, entretanto, ordenar que o faça, sob pena de desobediência, como deixa transparecer, a um apressado exame, o CPP, no inciso IV do art. 174. Habeas corpus concedido. (HC 77.135, Relator (a):  Min. ILMAR GALVÃO, Primeira Turma, julgado em 08/09/1998, DJ 06-11-1998 PP-00003 EMENT VOL-01930-01 PP-00170).

Ainda no que se refere à legalidade da própria vítima fornecer material para exame grafotécnico, o STJ firmou o seguinte entendimento:

RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA. INQUERITO POLICIAL. ESTELIONATO. EXAME GRAFOTECNICO SOLICITADO A SUPOSTA VITIMA. POSSIBILIDADE. HAVENDO INDICIOS DE ENVOLVIMENTO DE UMA DAS SUPOSTAS VITIMAS NA PRATICA DO ESTELIONATO, PODE O JUIZ, PARA BEM INSTRUMENTALIZAR O INQUERITO POLICIAL, DEFERIR SEJA A MESMA SUBMETIDA A EXAME GRAFOTECNICO, CONSOANTE DISPÕE O ART. 6., ITEM VII, DO CPP. RECURSO IMPROVIDO. (RMS 5.765/SP, Rel. Ministro ASSIS TOLEDO, QUINTA TURMA, julgado em 23/04/1996, DJ 27/05/1996, p. 17882) [09]

No que tange à obrigatoriedade do fornecimento de material biológico do réu para a realização de exame de DNA, no processo civil, o STF tem o seguinte entendimento sobre o assunto:

INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE - EXAME DNA - CONDUÇÃO DO RÉU "DEBAIXO DE VARA". Discrepa, a mais não poder, de garantias constitucionais implícitas e explícitas - preservação da dignidade humana, da intimidade, da intangibilidade do corpo humano, do império da lei e da inexecução específica e direta de obrigação de fazer - provimento judicial que, em ação civil de investigação de paternidade, implique determinação no sentido de o réu ser conduzido ao laboratório, "debaixo de vara", para coleta do material indispensável à feitura do exame DNA. A recusa resolve-se no plano jurídico-instrumental, consideradas a dogmática, a doutrina e a jurisprudência, no que voltadas ao deslinde das questões ligadas à prova dos fatos. (HC 71.373, Relator (a):  Min. FRANCISCO REZEK, Relator (a) p/ Acórdão:  Min. MARCO AURÉLIO, Tribunal Pleno, julgado em 10/11/1994, DJ 22-11-1996 PP-45686 EMENT VOL-01851-02 PP-00397) [10]

Já o STJ, em relação ao fornecimento de material para exame de DNA no processo civil, inclusive editou a súmula 301, que assim dispõe: "Em ação investigatória, a recusa do suposto pai a submeter-se ao exame de DNA induz presunção juris tantum de paternidade".No entanto, no processo penal, prevalece o entendimento no sentido de que o investigado ou o acusado não é obrigado a fornecer amostras de material biológico para fins de exame de DNA, pois se trata de hipótese que afronta o princípio da não auto-incriminação. [11]

Quanto à possibilidade de utilização de aparelho de raios-x para identificar a ingestão de cápsulas contendo substâncias entorpecentes (prova não invasiva), o STJ já firmou o entendimento no sentido de sua legalidade. Eis a ementa da decisão, in verbis:

HABEAS CORPUS. TRÁFICO INTERNACIONAL DE DROGAS. PACIENTES SUBMETIDOS A EXAME DE RAIOS-X. ALEGAÇÃO DE NULIDADE DA PROVA POR OFENSA AO PRINCÍPIO DA NÃO AUTO-INCRIMINAÇÃO. INOCORRÊNCIA. APLICAÇÃO DA CAUSA DE DIMINUIÇÃO PREVISTA NO ART. 33, § 4º, DA LEI Nº 11.343/06.

IMPOSSIBILIDADE. ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA. ELEVADA QUANTIDADE DE COCAÍNA.

1. A Constituição Federal, na esteira da Convenção Americana de Direitos Humanos e do Pacto de São José da Costa Rica, consagrou, em seu art. 5º, inciso LXIII, o princípio de que ninguém pode ser compelido a produzir prova contra si.

2. Não há, nos autos, qualquer comprovação de que tenha havido abuso por parte dos policiais na obtenção da prova que ora se impugna. Ao contrário, verifica-se que os pacientes assumiram a ingestão da droga, narrando, inclusive, detalhes da ação que culminaria no tráfico internacional da cocaína apreendida para a Angola, o que denota cooperação com a atividade policial, refutando qualquer alegação de coação na colheita da prova.

3. Ademais, é sabido que a ingestão de cápsulas de cocaína causa risco de morte, motivo pelo qual a constatação do transporte da droga no organismo humano, com o posterior procedimento apto a expeli-la, traduz em verdadeira intervenção estatal em favor da integridade física e, mais ainda, da vida, bens jurídicos estes largamente tutelados pelo ordenamento.

4. Mesmo não fossem realizadas as radiografias abdominais, o próprio organismo, se o pior não ocorresse, expeliria naturalmente as cápsulas ingeridas, de forma a permitir a comprovação da ocorrência do crime de tráfico de entorpecentes.

5. Diz o art. 33, § 4º, da Lei nº 11.343/06, que a pena pode ser reduzida de 1/6 (um sexto) a 2/3 (dois terços), desde que o paciente seja primário, portador de bons antecedentes, não integre organização criminosa nem se dedique a tais atividades.

6. A incidência da referida benesse foi afastada sob o fundamento de que as circunstâncias que ladearam a prática delitiva evidenciaram o envolvimento dos pacientes em organização criminosa.

7. A elevada quantidade de droga apreendida - a saber, mais de 1 Kg (um quilo) de cocaína, acondicionados em aproximadamente 130 (cento e trinta) cápsulas, as quais foram em parte ingeridas por dois dos pacientes -, bem como o objetivo de embarcar com destino à Angola, impedem, a meu ver, o reconhecimento da modalidade privilegiada do crime.

8. Ademais, a mens legis da causa de diminuição de pena seria alcançar aqueles pequenos traficantes, circunstância diversa da vivenciada nos autos, dado o modus operandi do crime e a apreensão de expressiva quantidade de entorpecente, com alto poder destrutivo.

9. Ordem denegada.

(HC 149.146/SP, Rel. Ministro OG FERNANDES, SEXTA TURMA, julgado em 05/04/2011, DJe 19/04/2011) [12]

Por fim, cumpre salientar, no que se refere à possibilidade de utilização de material biológico da placenta, com o propósito de fazer exame de DNA, que o Supremo Tribunal Federal já firmou o entendimento no sentido de sua possibilidade, conforme decisão no caso "GLÓRIA TREVI", cuja ementa se transcreve, in verbis:

EMENTA: - Reclamação. Reclamante submetida ao processo de Extradição n.º 783, à disposição do STF. 2. Coleta de material biológico da placenta, com propósito de se fazer exame de DNA, para averigüação de paternidade do nascituro, embora a oposição da extraditanda. 3. Invocação dos incisos X e XLIX do art. 5º, da CF/88. 4. Ofício do Secretário de Saúde do DF sobre comunicação do Juiz Federal da 10ª Vara da Seção Judiciária do DF ao Diretor do Hospital Regional da Asa Norte - HRAN, autorizando a coleta e entrega de placenta para fins de exame de DNA e fornecimento de cópia do prontuário médico da parturiente. 5. Extraditanda à disposição desta Corte, nos termos da Lei n.º 6.815/80. Competência do STF, para processar e julgar eventual pedido de autorização de coleta e exame de material genético, para os fins pretendidos pela Polícia Federal. 6. Decisão do Juiz Federal da 10ª Vara do Distrito Federal, no ponto em que autoriza a entrega da placenta, para fins de realização de exame de DNA, suspensa, em parte, na liminar concedida na Reclamação. Mantida a determinação ao Diretor do Hospital Regional da Asa Norte, quanto à realização da coleta da placenta do filho da extraditanda. Suspenso também o despacho do Juiz Federal da 10ª Vara, na parte relativa ao fornecimento de cópia integral do prontuário médico da parturiente. 7. Bens jurídicos constitucionais como "moralidade administrativa", "persecução penal pública" e "segurança pública" que se acrescem, - como bens da comunidade, na expressão de Canotilho, - ao direito fundamental à honra (CF, art. 5°, X), bem assim direito à honra e à imagem de policiais federais acusados de estupro da extraditanda, nas dependências da Polícia Federal, e direito à imagem da própria instituição, em confronto com o alegado direito da reclamante à intimidade e a preservar a identidade do pai de seu filho. 8. Pedido conhecido como reclamação e julgado procedente para avocar o julgamento do pleito do Ministério Público Federal, feito perante o Juízo Federal da 10ª Vara do Distrito Federal. 9. Mérito do pedido do Ministério Público Federal julgado, desde logo, e deferido, em parte, para autorizar a realização do exame de DNA do filho da reclamante, com a utilização da placenta recolhida, sendo, entretanto, indeferida a súplica de entrega à Polícia Federal do "prontuário médico" da reclamante. (Rcl 2.040 QO, Relator (a): Min. NÉRI DA SILVEIRA, Tribunal Pleno, julgado em 21/02/2002, DJ 27-06-2003 PP-00031 EMENT VOL-02116-01 PP-00129) [13]

Sobre os autores
Bruno Fontenele Cabral

Delegado de Polícia Federal. Mestre em Administração Pública pela UnB. Professor do Curso Ênfase e do Grancursos Online. Autor de 129 artigos e 12 livros.

Débora Dadiani Dantas Cangussu

Bacharelanda em Direito pelo Centro Universitário UNIEURO

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CABRAL, Bruno Fontenele; CANGUSSU, Débora Dadiani Dantas. Reflexos e consequências jurídicas do princípio da não auto-incriminação. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 3036, 24 out. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/20274. Acesso em: 23 nov. 2024.

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