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Prescrição administrativa nos processos de contas

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Agenda 14/11/2011 às 07:35

5. A Contribuição do Direito Privado para o debate [27]

5.1. O tempo como fato jurídico

Fato jurídico é qualquer ocorrência da vida capaz de provocar repercussão jurídica. A marca do fato jurídico é a repercussão jurídica, pouco importando se o fato foi ou não provocado pelo humano. Se tiver repercussão jurídica é fato jurídico.

Desta forma, fatos aparentemente inofensivos ou despropositais como nascer, morrer, chover ou a simples passagem do tempo podem ter repercussões jurídicas e são, portanto, classificados como fatos jurídicos naturais.

O tempo é fato jurídico natural de extrema importância, pois é fundamental para a configuração do direito a usucapião, define a capacidade de fato do sujeito de direito, além de fulminar certos direitos ou as pretensões decorrentes de sua violação (decadência e prescrição).

Desta forma, esses institutos estão intimamente ligados ao fator tempo, que assume contornos jurídicos.

O que justifica a existência de institutos jurídicos capazes de extinguir direitos é a necessidade de estabilidade e segurança nas relações jurídicas.

5.2. Breves tópicos históricos dos institutos da prescrição e decadência no direito brasileiro

O código civil de 1916 foi concebido num período em que predominava a incerteza doutrinária quanto aos critérios de distinção entre prescrição e decadência.

Veja como o mestre Clóvis Beviláqua conceituava prescrição:

"É a perda da ação atribuída a um direito, e de toda a sua capacidade defensiva, em consequência do não-uso dela, durante determinado espaço de tempo" (no mesmo sentido Washington de Barros Monteiro, Silvio Rodrigues, Câmara Leal)

Roberto de Ruggiero por sua vez pronuncia:

"Com a maioria sustentamos nós que o efeito extintivo (da prescrição) se dá sobre o próprio direito; com a ação prescrevem ao mesmo tempo o próprio direito, e isto não porque se confunda direito substancial com ação (conceitos e momentos diversos), mas sim porque, sendo a tutela judiciária um caráter imanente e essencial do direito, perdida a tutela, também com ela se perdeu o direito" (no mesmo sentido Caio Mário da Silva Pereira, Orlando Gomes e J. M. Carvalho santos)

Nesse período, muitos chegaram à conclusão de que a distinção entre prescrição e decadência só poderia ser determinada casuisticamente.

"É de decadência o prazo estabelecido pela lei, ou pela vontade unilateral ou bilateral, quando prefixado ao exercício do direito pelo seu titular. E é de prescrição quando fixado, não para o exercício do direito, mas para o exercício da ação que o protege. Quando, porém, o direito, o direito deve ser por meio de ação, originando-se ambos do mesmo fato, de modo que o exercício da ação representa o próprio exercício do direito, o prazo estabelecido para a ação deve ser tido como pré-fixado ao exercício do direito, sendo, portanto, de decadência, embora aparentemente se afigure de prescrição" – Antônio Luis da Câmara Leal

Foi nesse contexto que o projeto original de Clóvis Beviláqua, que dispunha genericamente sobre os prazos prescricionais e dispersamente sobre os decadenciais, foi alterado para regular, a um só tempo, na parte geral do código, os dois institutos sob o mesmo nomem iuris, prescrição (art. 178, CC/16).

Enfim, nosso passado doutrinário aponta para uma indefinição quanto ao conceito e distinção dos institutos, bem como revela uma confusão legal entre ambos.

Já o Código Civil de 2002 parece não ter seguido qualquer das correntes doutrinárias acima citadas, pois em seus artigos 189 e 190 afirma que o decurso do tempo extingue a pretensão e não a ação ou o direito.

Art. 189. Violado o direito, nasce para o titular a pretensão, a qual se extingue, pela prescrição, nos prazos a que aludem os arts. 205 e 206.

Art. 190. A exceção prescreve no mesmo prazo em que a pretensão.

No entanto, a literatura jurídica registra que em 1961, próximo ao período de elaboração do novo Código Civil, surgiu uma nova teoria distintiva dos institutos, capitaneada por Agnelo Amorim Filho [28], que, criticando o empirismo de Câmara Leal, terminou por distinguir os prazos prescricionais dos prazos decadenciais com base na categoria de direitos tutelados mediante ação.

Modernamente, o Prof. Pablo Stolze [29], seguindo o mestre Agnelo Amorim Filho, define a prescrição como "a perda da pretensão de reparação do direito violado, em virtude da inércia do seu titular, no prazo previsto pela lei" e a decadência como sendo a "perda efetiva de um direito potestativo, pela falta de seu exercício, no período de tempo determinado pela lei ou pela vontade das próprias partes."

No entanto, apesar da constatação de que a redação do Código Civil de 2002 mudou sensivelmente o tratamento legal dos institutos e apesar da evolução doutrinária quanto a questão, percebe-se que boa parte da nossa comunidade jurídica ainda distingue prescrição e decadência como faziam os romanos, ou seja, a prescrição extingue a ação, enquanto a decadência extingue o direito.

Em decorrência dessa constatação, o presente artigo também serve para questionar a idéia da nossa comunidade jurídica sobre o tema, apresentar conceitos para os institutos, discuti-los, apresentar os critérios científicos de distinção entre prescrição e decadência (Agnelo Amorim Filho), discutir se tais critérios foram adotados pelo Código Civil vigente, analisar criticamente a doutrina pertinente e estudar as mais recentes alterações legislativas sobre o assunto.

5.3. A prescrição e a decadência na teoria do prof. paraibano Agnelo Amorim Filho

Não só pelo prestígio que a teoria alcançou, mas principalmente pelo fato de boa parte da doutrina apontar que o novo Código Civil terminou por admiti-la, inicia-se o estudo proposto por sua análise.

5.3.1. Pressupostos

5.3.1.1. classificação dos direitos subjetivos (prestação e direitos potestativos)

A idéia ora exposta pressupõe uma classificação dos direitos subjetivos quanto à finalidade em direitos a uma prestação (positiva ou negativa) e direitos potestativos.

Os direitos a uma prestação compreendem os direitos reais e pessoais onde há um sujeito passivo obrigado a uma prestação, positiva (dar ou fazer) ou negativa (abster-se).

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Esses direitos subjetivos são exercidos sobre bens da vida e estão "armados de pretensão" contra o obrigado.

Por dependerem de ato do sujeito passivo, são aqueles que podem ser objeto de violação (isto é, de inadimplemento), por parte deste. Exemplo: direitos de crédito, direito a reparação civil e direito de propriedade.

Já os direitos potestativos compreendem os poderes que a lei confere a determinadas pessoas de influírem, com uma declaração de vontade, sobre situações jurídicas de outras, sem o concurso da vontade destas.

Esses direitos, por não se encontrarem na dependência de ato do sujeito passivo, não se sujeitam a violação de sua parte. Exemplo de direito potestativo é o poder do mandante e do doador de revogar o mandato e a doação; o poder de um cônjuge de promover o divórcio; o poder do herdeiro de aceitar ou renunciar à herança; o poder dos interessados de promover a invalidação dos atos jurídicos nulos ou anuláveis; o poder do contratante de promover a rescisão do contrato por inadimplemento (art. 476, CC/02) e por vícios redibitórios (art. 441, CC/02); o poder de escolha (concentração) nas obrigações alternativas (art. 252, CC/02) etc.

Os direitos potestativos, quanto ao modo (com ou sem intervenção judicial) de serem exercitados se dividem em: a) exercitáveis mediante simples declaração de vontade do titular (direitos potestativos puros), b) exercitáveis mediante declaração de vontade do titular, com exigência judicial no caso de resistência e c) os exercitáveis mediante ajuizamento obrigatório de ação judicial.

a)Os exercitáveis mediante simples declaração de vontade do titular (direitos potestativos puros) são marcados pela sujeição absoluta daquele que sofre os efeitos da manifestação volitiva, não podendo resistir ou compelir o titular do direito a modificar seu posicionamento, independentemente de acesso aos tribunais. Ocorre com a revogação do mandato e (não) aceitação da herança.

b)Os exercitáveis mediante declaração de vontade do titular, com exigência judicial no caso de resistência, embora exercitáveis mediante declaração de vontade do titular, admitem uma resistência daquele que sofre a sujeição, mas somente quanto à forma de exercício extrajudicial, não em relação ao conteúdo do direito exercitável.

Nestecaso a via judicial é exercitada subisidiariamente,a exemplo do direito do sócio de promover a dissolução da sociedade (art. 1034 e 1.035, CC/02), direito do doador de revogar a doação.

c)Os exercitáveis mediante ajuizamento obrigatório de ação judicial são aqueles que somente podem ser invocados mediante o exercício obrigatório do direito de ação. São asações constitutivas ou declaratórias. Exemplos: direito de invalidação do casamento, o direito de contestar a legitimidade de filho e o reconhecimento de paternidade.

5.3.1.2. classificação das ações (condenatórias, constitutivas e declaratórias)

A teoria do Prof. Agnelo Amorim pressupõe ainda a classificação das ações em condenatórias, constitutivas e meramente declaratórias.

As ações condenatórias têm seu lugar quando se pretende obter do réu uma determinada prestação pela violação de uma obrigação.

As constitutivas cabem quando se procura obter, pela via judicial, a criação de um estado jurídico ou a modificação/extinção do estado anterior. visa não uma prestação, mas a criação, modificação ou extinção de relações jurídicas.

As meramente declaratóriastem lugar quando pretendem conseguir uma certeza jurídica - existência ou inexistência de relação jurídica.

5.3.2. momento inicial do prazo prescricional

A teoria deixa claro que o prazo se inicia com o nascimento da ação em sentido substancial (a actio nata de Savigny).

O nascimento da ação é condicionada pela violação de um direito subjetivo atual.

A prescrição se inicia justamente quando nasce para o titular o direito de remover a violação praticada pelo sujeito passivo.

Importa registrar que não se trata de ação no sentido processual, que é o direito de obter uma sentença.

A ação em sentido substancial é tratada como a defesa com que o direito subjetivo conta para reagir contra sua concreta violação.

Corresponde à pretensão definida no § 194 do Código Civil alemão ("direito de exigir de outrem uma ação ou omissão") e onde se determinou que "a prescrição começa com o nascimento da pretensão" (§ 198).

Ao final percebe-se: a violação de um direito subjetivo faz nascer para o titular deste o direito de remover a violação praticada pelo sujeito passivo, ou seja, faz nascer para o ofendido a ação em sentido substancial, que visa condenar o ofensor a reparar o dano provocado (a pretensão). Acaso o titular da pretensão não defenda o seu direito subjetivo violado contra sua concreta violação no prazo fixado em lei, opera-se a prescrição. A prescrição extingue a pretensão.

5.3.3. decadência

Na teoria do mestre paraibano, enquanto os direitos subjetivos a uma prestação podem ser afetados pela prescrição, os direitos potestativos, quando não exercidos no prazo da lei ou da convenção, são afetados pela decadência.

Ao final percebe-se: a lei (ou o contrato) confere a determinadas pessoas o poder de influírem, com uma declaração de vontade, sobre situações jurídicas de outras, sem o concurso da vontade destas. Porém, o detentor deste direito potestativo não pode sujeitar o outro, indefinidamente, ao seu poder unilateral, isso contrariaria o princípio da segurança jurídica e geraria instabilidade social. Portanto, se não exercido no prazo, opera-se a decadência. A decadência extingue o direito potestativo.

Do ponto de vista processual, as ações constitutivas se destinam à proteção dos direitos potestativos, para cuja existência não é necessária conduta do sujeito passivo.

5.3.4. ações perpétuas

O notável jurista nordestino também discutiu situações onde o fator tempo não destruirá direitos ou pretensões.

Trata-se das ações perpétuas, que não decaem ou prescrevem.

Seriam perpétuas: as ações meramente declaratórias porquanto não tratam diretamente de violação do direito ou sujeição e as ações constitutivas sem prazo fixado em lei.

Cabe aqui registrar que, segundo a teoria, as ações condenatórias nunca são imprescritíveis, pois a lei quando não as submete a prazo especial aplica-lhes um prazo geral ou universal de prescrição.

Algumas ações constitutivas referem-se a direitos cujo exercício se sujeita a prazos determinados pela lei. São instrumentos de direitos potestativos decadenciais.

No entanto, outras ações constitutivas não sofrem restrição temporal. São meios de exercício de direitos perpétuos, devendo, por isso ser classificadas como "imprescritíveis" [30].

5.3.5. Conclusão a que chega Agnelo Amorim Filho

"1ª - Estão sujeitas a prescrição: todas as ações condenatórias, e somente elas;

2ª - stão sujeitas a decadência (indiretamente, isto é, em virtude da decadência do direito potestativo a que correspondem): as ações constitutivas que têm prazo especial de exercício fixado em lei;

3ª - São perpétuas (imprescritíveis): a) as ações constitutivas que não têm prazo especial de exercício fixado em lei; b) todas as ações declaratórias."

5.4. Prescrição e decadência no novo código civil brasileiro

O novo Código Civil tomou posição no debate travado no direito comparado e optou por conceituar a prescrição como perda da pretensão (art. 189), arrolando em apenas dois artigos da parte geral todos os casos de prescrição (art. 205 e 206).

Porém, nada impede que leis especiais estabeleçam outros prazos prescricionais (art. 11, CLT; art. 27 do CDC).

O art. 205 reduziu o prazo genérico de 20 (vinte) anos para 10 (dez) sem fazer distinção entre ações pessoais ou reais (art. 177, CC/16).

Regulamentou separadamente a decadência (arts. 207 a 211) e deixou para a parte especial (com exceções dos arts. 45, parágrafo único, 48, parágrafo único, 68, 119 parágrafo único, 178 e 179) a fixação dos prazos legais de decadência.

Aqui, também não há óbice para que leis especiais estabeleçam outros prazos decadenciais (art. 26, CDC).

O Novo Código Civil criou ainda outros critérios legais de distinção:

a)quanto à possibilidade de renúncia – a decadência legal não pode ser renunciada (art. 209. É nula a renúncia à decadência fixada em lei), enquanto a prescrição pode ser renunciada expressa ou tacitamente (art. 191. A renúncia da prescrição pode ser expressa ou tácita, e só valerá, sendo feita, sem prejuízo de terceiro, depois que a prescrição se consumar; tácita é a renúncia quando se presume de fatos do interessado, incompatíveis com a prescrição);

b)quanto à possibilidade de conhecimento de ofício – a prescrição sempre pode ser conhecida de ofício (art. 219, § 5° do CPC: "o juiz pronunciará, de ofício, a prescrição.") [31], enquanto somente a decadência legal pode ser conhecida de ofício;

c)quanto à possibilidade de convenção sobre os prazos - é vedada a alteração, por convenção, dos prazos prescricionais (art. 192. Os prazos de prescrição não podem ser alterados por acordo das partes.), mas é possível a convenção sobre prazo decadencial.

5.5. Não é a ação [32] que prescreve

O autor que perdeu a demanda porque a sentença negou que ele fosse o titular do direito invocado contra o réu, teve direito de ação.

A ação, em seu sentido processual, é um direito autônomo e abstrato que se satisfaz com a prestação jurisdicional.

Assim, o titular do direito prescrito não perde o direito processual de ação, porque a rejeição de sua demanda, por acolhida da exceção de prescrição, importa, ela mesma, uma sentença de mérito (Art. 269, IV, CPC)

5.6. Não é o direito que prescreve

O direito material não é extinto pela prescrição. Tanto é assim que se o devedor se dispuser a cumpri-lo, o pagamento será válido e eficaz, não autorizando repetição de indébito (Art. 882, CC/02).

5.7. O Novo Código Civil adotou critério científico para a distinção entre prescrição e decadência?

Notoriamente, o Código adotou a teoria de Agnelo Amorim e, portanto, dos critérios científicos por ele fornecidos.

Contudo, em função, entre outras, da consagração do princípio da operabilidade a adoção não foi integral nem radical.

5.8. Princípio da operabilidade

O princípio da operabilidade se sobrepôs, em alguns momentos, à necessidade de separar prescrição e decadência, senão vejam o que diz Miguel Reale:

"O terceiro princípio que norteou a feitura deste nosso Projeto – e vamos nos limitar a apenas três, não por um vício de amar o trino, mas porque não há tempo para tratar de outros, que estão de certa maneira implícitos nos que estou analisando – o terceiro princípio é o "princípio da operabilidade". Ou seja, toda vez que tivemos de examinar uma norma jurídica, e havia divergência de caráter teórico sobre a natureza dessa norma ou sobre a convivência de ser enunciada de uma forma ou de outra, pensamos no ensinamento de

Jhering, que diz que é da essência do Direito a sua realizabilidade: o Direito é feito para ser executado; Direito que não se executa – já dizia Jhering na sua imaginação criadora – é como chama que não aquece, luz que não ilumina, O Direito é feito para ser realizado; é para ser operado. Porque, no fundo, o que é que nós somos – nós advogados? Somos operadores do direito: operamos o Código e as leis, para fazer uma petição inicial, e levamos o resultado de nossa operação ao juiz, que verifica a legitimidade, a certeza, a procedência ou não da nossa operação – o juiz também é um operador do Direito; e a sentença é uma renovação da operação do advogado, segundo o critério de quem julga. Então, é indispensável que a norma tenha operabilidade, a fim de evitar uma série de equívocos e de dificuldades, que hoje entravam a vida do Código Civil.
Darei apenas um exemplo. Quem é que, no Direito Civil brasileiro ou estrangeiro, até hoje, soube fazer uma distinção nítida e fora de dúvida, entre prescrição e decadência? Há as teorias mais cerebrinas e bizantinas para se distinguir uma coisa de outra. Devido a esse contraste de idéias, assisti, uma vez, perplexo, num mesmo mês, a um Tribunal de São Paulo negar uma apelação interposta por mim e outros advogados, porque entendia que o nosso direito estava extinto por força de decadência; e, poucas semanas depois, ganhávamos, numa outra Câmara, por entender-se que o prazo era de prescrição, que havia sido interrompido! Por isso, o homem comum olha o Tribunal e fica perplexo. Ora, quisemos pôr um termo a essa perplexidade, de maneira prática, porque o simples é o sinal da verdade, e não o bizantino e o complicado.

Preferimos, por tais motivos, reunir as normas prescricionais, todas elas, enumerando-as na Parte Geral do Código. Não haverá dúvida nenhuma: ou figura no artigo que rege as prescrições, ou então se trata de decadência. Casos de decadência não figuram na Parte Geral, a não ser em cinco ou seis hipóteses em que cabia prevê-la, logo após, ou melhor, como complemento do artigo em que era, especificamente, aplicável.

Qual é o tratamento dado à decadência? Há, por exemplo, o direito do doador de revogar a doação feita, por ingratidão. Aí, o prazo é tipicamente de decadência. E então a norma vem acoplada à outra: a norma de operabilidade está jungida ao direito material. Como se vê, cada norma de decadência está acoplada ao preceito cuja decadência deve ser decretada. De maneira que, com isso, não há mais possibilidade de alarmantes contradições jurisprudenciais.

O critério da operabilidade leva-nos, às vezes, a forçarmos um pouco, digamos assim, os aspectos

teoréticos. Vou dar um exemplo, para mostrar que prevalece, às vezes, o elemento de operabilidade sobre o elemento puramente teorético-formal. Qual é o prazo de responsabilidade de um construtor, pela obra que ele entregou, numa empreitada de material e de lavor, ou seja, de mão-de-obra e com fornecimento de material? É um prazo de cinco anos – um prazo extenso. Porém estabelecemos que, não obstante a aparência de uma norma prescritiva, ela devia ser colocada como norma de decadência, para que não houvesse dúvida na jurisprudência, nem dúvida na responsabilidade, quer do proprietário, quer do empresário, um a exigir uma responsabilidade, outro a fazer face àquilo que assumiu como obrigação contratual."

5.9 . A prescrição/decadência é exceção ou objeção?

A posição de Ruggiero [33] de que a prescrição é causa de extinção do direito material tem sido contestada sob o argumento de que a prescrição não opera seu efeito extintivo ipso iure pela mera ultrapassagem do termo fixado na lei, nem provoca a extinção do direito do autor, em realidade ela apenas abre uma faculdade ao devedor de, amparado no transcurso do tempo, negar-se a cumprir a prestação devida.

Enfim, a prescrição seria uma exceção, um contradireito do réu em face do autor, portanto o que bloqueia a ação exercida pelo titular do direito é a exceção e não diretamente a prescrição, já que esta, sem aquela nenhum efeito terá sobre a pretensão deduzida em juízo.

Sustentavam essa idéia as seguintes constatações:

a)para a paralisação da pretensão do credor é indispensável que o devedor, quando demandado, argúa a prescrição como meio de defesa (art. 193);

b)a possibilidade de renúncia da prescrição (art. 191);

c)vedação do conhecimento de ofício da prescrição (art. 194);

Ocorre que o art. 194 está revogado pelo art. 219, § 5º do CPC ("o juiz pronunciará, de ofício, a prescrição") com redação determinada pela lei 11.280/06.

Com fundamento no parágrafo anterior poder-se-á perguntar:

a)após a lei 11.280/06 ainda é possível a renúncia da prescrição?

b)Após a lei 11.280/06 ainda é indispensável que o devedor argúa a prescrição para que haja a paralisação da pretensão do credor?

A resposta a essas questões só pode ser dada analisando o impacto da lei sobre o instituto.

5.10. Qual o impacto da lei 11.280/06 na prescrição?

A exceção em sentido estrito é a alegação de defesa que, para ser conhecida pelo magistrado, precisa ter sido argüida pelo interessado. Visa encobrir a eficácia da pretensão.

Já a objeção é a matéria de defesa que pode ser conhecida de ofício pelo magistrado. Visa a extinção do direito.

A prescrição e a decadência são institutos de direito material que nasceram, respectivamente, como exceção e objeção.

No entanto, o CC/02 parece ter excepcionado esta regra nos arts. 194, 210 e 211.

Os artigos 166, CC/16 e 219, § 5°, CPC [34] já eram letra morta.

Assim, segundo Didier (antes mesmo da lei 11.280/06) "o legislador civil, atento aos aspectos práticos, e preocupado com a justiça das decisões, passou por cima da distinção teórica entre exceção e objeção substancial, aplicando a uma, em alguns casos, o regime processual da outra".

Desta forma, após a reforma temos que, na qualidade de institutos de direito material a prescrição é exceção e a decadência é objeção, mas no sentido processual têm do CPC o mesmo tratamento, ou seja, os dois institutos são objeções substanciais.

5.11. Causas impeditivas e suspensivas da prescrição

Os dois aspectos são regulados pelos mesmos artigos (Arts. 197 A 199).

Injustificável a medida legislativa de disciplinar um mesmo instituto em três artigos diferentes.

No entanto, é necessário diferenciar o impedimento da suspensão da prescrição, pois o primeiro impede o termo inicial, já o segundo paralisa a contagem iniciada, que só volta a ser considerada quando superada a causa suspensiva.

Mas atente-se, a prescrição pode correr em favor das pessoas mencionadas no art. 198.

5.12. Causas interruptivas da prescrição

A interrupção, prevista no art. 202, só ocorre uma vez e, além de suspender a contagem durante a vigência da causa interruptiva, obriga o recomeço da contagem (Art. 202, parágrafo único).

5.13. Suspensão e interrupção da decadência

Em regra, os prazos decadenciais não se suspendem ou interrompem, mas a lei pode excepcionar (Art. 207, CC/02).

O art. 26, § 2º do CDC é exemplo de exceção à regra.

Registre-se que, excepcionalmente, a decadência do direito ao procedimento especial do mandado de segurança provoca a extinção do processo sem resolução de mérito (Art. 267, IV, CPC).

O que é extinto não é o direito material ameaçado ou violado, mas o direito de impetrar o mandamus.

A decadência é do direito potestativo de escolha do procedimento especial. Neste caso, se confunde com um pressuposto processual específico.

Sobre o autor
Adir Machado Bandeira

Advogado. Fundador do escritório Adir Machado advogados associados. Foi Diretor de Controle Externo de Obras e Serviços do Tribunal de Contas do Estado de Sergipe (TCE/SE), é bacharel em Direito, graduado em 1999 pela Universidade Federal de Sergipe (UFS), quando aos 23 anos de idade também se tornou advogado. Como advogado atuou na defesa de diversas Câmaras Municipais e Prefeituras. Na qualidade de consultor jurídico, prestou serviços para os Legislativos junto ao Congresso Nacional e escreveu diversos pareceres, respondendo consultas de órgãos públicos e corporações privadas. No período de junho de 2009 a 2015 assessorou o Conselheiro Clóvis Barbosa, coordenando as atividades da 5ª Coordenadoria de Controle e Inspeção do TCE/SE. Entre 2008 e maio de 2009, assessorou o Governo de Marcelo Déda exercendo a função de controle interno na Secretaria de Estado da Educação, durante a gestão do Prof. Dr. José Fernandes de Lima. Em 2007, passou pela Assembleia Legislativa como assessor parlamentar. Entre os anos de 2000 e início de 2007, chefiou a Procuradoria da Câmara Municipal de Aracaju, capital do Estado de Sergipe. Durante sua trajetória como jurista lecionou Hermenêutica Jurídica, Filosofia do Direito, Ética Geral e Profissional e Introdução ao Estudo do Direito na UFS. Foi ainda professor de Direito Civil da Faculdade de Sergipe e da Faculdade de Administração e Negócios do Estado de Sergipe, com destaque para a disciplina Responsabilidade Civil. Além disso publicou diversos artigos científicos em áreas como o Direito Constitucional, Administrativo, Financeiro, Civil e Processo Civil. Durante sua fase de formação jurídica, lecionou História Geral e do Brasil em escolas particulares.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BANDEIRA, Adir Machado. Prescrição administrativa nos processos de contas. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 3057, 14 nov. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/20424. Acesso em: 22 nov. 2024.

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