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Prescrição administrativa nos processos de contas

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14/11/2011 às 07:35
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Não há previsão geral nacional de prazo para a ‘decadência administrativa’ ou mesmo para a ‘prescrição administrativa, de forma que é necessário recorrer à analogia como forma de integração do direito, mas não é viável fazer analogia com normas de direito privado, mas com normas de direito público.

Resumo: Prescrição administrativa. Critérios científicos de distinção entre prescrição e decadência. Interpretação do art. 37, § 5º, CF/88. Jurisprudência. Arts. 68 e 69 da Lei Orgânica do Tribunal de Contas do Estado de Sergipe.

1.Introdução

É comum entre os que atuam em processos de contas [01] a discussão acerca da chamada "prescrição administrativa".

Esse instituto é de per si polêmico.

Entre as razões que tornam o instituto polêmico está o fato de que parte considerável da doutrina não aceita sequer a terminologia, alegando que não se trata exatamente de prescrição, mas de decadência.

Lembre-se que apesar da evolução legislativa e científica sobre o tema, a distinção entre prescrição e decadência continua polêmica.

Outros apontam ainda para a ausência de previsão legal específica quanto ao prazo, reclamando a aplicação da analogia como forma de garantir o postulado da segurança jurídica.

No processo de colmatação alguns se valeram integralmente do regramento do Direito Privado (postura inicial do TCU), outros se valeram de uma construção teórica integralmente publicista (Hely Lopes Meirelles e outros) [02] e há ainda aqueles que se socorrem da Teoria Geral do Direito Civil para distinguir prescrição da decadência, mas aplicam, analogicamente, prazos estabelecidos no Direito Público (nossa posição).

Mais tormentosa ainda é a aplicação da imprescritibilidade prevista na parte final do § 5º do art. 37 da Constituição Federal.

Do ponto de vista da prática processual e diante do direito fundamental à duração razoável do processo (art. 5º, LXXVIII, CF/88, incluso na Lei Maior pela EC nº 45/2004), a interpretação do § 5º do art. 37 ganha ainda maior relevo.

É que, constatada a existência de longo prazo entre a data de suposto ilícito e a atuação da Corte de Contas, nasce a possibilidade de aplicação da prescrição administrativa, que teria como conseqüência a extinção do feito com resolução do mérito (art. 269, IV, CPC), extirpando de imediato o prolongamento do processo.

Mas a conclusão não tem sido tão prática e objetiva assim, posto que não é possível afirmar ab initio (antes da instrução) se o caso em análise é configurador ou não de dano ao erário, que muitos entendem imprescritível (art. 37, § 5º, CF).

Assim, para os que interpretam a regra constitucional citada ampliativamente, constatado o prolongamento excessivo do processo de contas pela inércia do Tribunal, seria necessário prolongá-lo ainda mais para concluir pela existência ou inexistência de dano ao erário.

Há, contudo, aqueles que entendem que o processo de contas (sentido amplo) não se confunde com ação de ressarcimento e dão interpretação restritiva à parte final do dispositivo constitucional excepcional, ampliando o espectro dos atos administrativos alcançados pela "prescrição administrativa".

A mesma regra Constitucional dá origem e sustentação a duas correntes. A primeira delas privilegia a moralidade e a legalidade, a segunda a eficiência e a segurança jurídica.

Assim, no caso, há colisão de princípios, a demandar a aplicação da razoabilidade [03] e da proporcionalidade [04].

Além desse problema de natureza hermenêutica e axiológica, as Cortes de Contas ainda enfrentam outras questões materiais e processuais interessantes, como a fixação dos termos a quo e ad quem da "prescrição administrativa", a possibilidade ou não de suspensão e interrupção do prazo e a aplicabilidade do instituto da prescrição administrativa sobre as Contas dos Chefes do Poder Executivo, onde a Corte de Contas só emite perecer prévio [05] -sem julgar.

Arrisca-se invadir este terreno instigante na tentativa de aclarar essas questões, sem, contudo, pretender esgotar o assunto.


2.Conceito de prescrição administrativa.

A doutrina ainda não entrou em consenso quanto ao conceito de prescrição administrativa, de forma que a maioria dos estudiosos ao invés de definir o instituto se limita a apontar suas principais características.

Nessas condições, prefere-se apontar apenas um conceito clássico.

Maria Sylvia Zanella di Pietro afirma que a prescrição administrativa "designa, de um lado, a perda do prazo para recorrer de decisão administrativa; de outro, significa a perda do prazo para aplicação de penalidades administrativas (…)." [06]

O conceito até permite a elaboração de uma boa imagem do instituto, porém, esconde questões jurídicas de difícil solução. Vejamos.


3.Breve análise das doutrinas de Hely Lopes Meirelles e de Celso Antônio Bandeira de Mello.

Em seu pioneirismo Hely Lopes Meirelles se pronunciou da seguinte forma:

"A prescrição, como instituto jurídico, pressupõe a existência de uma ação judicial apta à defesa de um direito, porque ela significa a perda da respectiva ação, por inércia de seu titular. Mas, impropriamente se fala em prescrição administrativa para indicar o escoamento dos prazos para interposição de recurso no âmbito da Administração, ou para a manifestação da própria Administração sobre a conduta de seus servidores ou sobre direitos e obrigações dos particulares perante o poder público.

A prescrição administrativa opera a preclusão da oportunidade de atuação do Poder Público sobre a matéria sujeita à sua apreciação. Não se confunde com a prescrição civil, nem estende seus efeitos às ações judiciais, pois é restrita à atividade interna da Administração, acarretando a perda do direito de anular ato ou contrato administrativo, e se efetiva no prazo que a norma legal estabelecer. Mas, mesmo na falta de lei fixadora do prazo prescricional, não pode o servidor público ou o particular ficar perpetuamente sujeito a sanção administrativa por ato ou fato praticado há muito tempo. A esse propósito, o STF já decidiu que "a regra é a prescritibilidade". [07] Entendemos que, quando a lei não fixa o prazo da prescrição administrativa, esta deve ocorrer em cinco anos, à semelhança das ações pessoais contra a Fazenda Pública (Dec. 20.910/32), das punições dos profissionais liberais (Lei 6.838/80) e para cobrança do crédito tributário (CTN, art. 174). [08] Para os servidores federais a prescrição é de cinco anos, dois anos e meio e cento e oitenta dias, conforme a gravidade da pena (Lei 8.112/90, art. 142).

A Lei 9.784/99 consagrou, na esfera federal, o prazo de cinco anos, ao dispor que "o direito da Administração de anular os atos administrativos de que decorram efeitos favoráveis para os destinatários decai em cinco anos, contados da data em que foram praticados, salvo comprovada má-fé" (art. 54). E, no caso "de efeitos patrimoniais contínuos, o prazo de decadência contar-se-á da percepção do primeiro pagamento" (art. 54, § 1°). Esta última norma encerra observação relevante a respeito da terminologia jurídica, ao falar em "decadência" e não em prescrição. No nosso entender com inteira razão, porque trata-se da perda do direito de anular, e o termo prescrição, como destacamos, supõe a existência de uma ação judicial.

Ainda no âmbito federal, de acordo com a Lei 9.873, de 23.11.99, prescreve em cinco anos a ação punitiva da Administração Pública, direta e indireta, decorrente do poder de polícia, objetivando apurar infrações, como vimos ao estudar o Poder de polícia (cap. III, item VII).

O instituto da prescrição administrativa encontra justificativa na necessidade de estabilização das relações entre o administrado e a Administração e entre esta e seus servidores, em obediência ao princípio da segurança jurídica, examinado no cap. II, item II. [09]

Transcorrido o prazo prescricional, fica a Administração, o administrado ou o servidor impedido de praticar o ato prescrito, [10] sendo inoperante o extemporâneo. Mas não se confunda o prazo de prescrição com o de tramitação do expediente na repartição: aquele é extintivo do poder de praticar o ato; este é meramente regulatório da atividade interna da Administração e, por isso mesmo, não invalida o ato praticado pela autoridade fora de seu prazo para o despacho.

Há, portanto, duas espécies de prescrição administrativa: uma que ocasiona o perecimento do direito do administrado ou do servidor, que poderia pleiteá-lo administrativamente; outra que extingue o poder de punir da Administração. Aquela pode ser suspensa, interrompida ou até relevada pela Administração; esta, constituindo uma garantia do servidor ou do administrado de que não mais será punido, pela ocorrência da prescrição, é fatal e irrefreável na sua fluência e nos seus efeitos extintivos da punição." [11]

O mestre afirma que a prescrição só tem sentido diante da existência de uma ação judicial apta a defesa de um direito, vez que não será o direito em si que perecerá pela inércia de seu titular, mas a ação que o protege.

A idéia de prescrição estaria intimamente ligada à idéia de ação judicial [12].

Acaso a "prescrição administrativa" significasse uma espécie de prescrição aplicada ao direito administrativo, não seria possível cogitar de sua aplicação nos Tribunais de Contas, posto que estes não se valem de ações judiciais [13] contra os sujeitos a elas "jurisdicionados" [14].

Não é essa a mensagem de Hely Lopes, pois o mesmo esclarece que a expressão "prescrição administrativa" é inadequada e imprópria, vez que em realidade significa "decadência administrativa", na medida em que não se refere a ações judiciais, mas a atividades internas da administração, acarretando a perda do direito em si pela inércia do Poder Público no prazo estabelecido na Lei.

Desta forma, desvinculada da idéia de ação judicial, a prescrição administrativa se aproxima da idéia de "decadência administrativa", viabilizando a aplicação do instituto nos processos de contas.

Hely Lopes e Maria Sylvia citam direitos de diferentes naturezas submetidos à prescrição administrativa em razão da inércia de seus titulares. São eles: os direito e obrigações dos particulares perante o Poder Público [15]; a extinção do direito de recorrer [16] e a extinção do direito de punir da Administração [17], diante do escoamento do prazo para a manifestação do Poder Público sobre a conduta do servidor.

Observe-se que na visão dos administrativistas clássicos, a decadência administrativa tem um espectro bem amplo a abranger não apenas questões materiais, mas também processuais, a abranger não apenas direitos potestativos, mas também outros direitos subjetivos.

A lição acima exposta deixa claro que o prazo da prescrição administrativa, ou melhor, da decadência administrativa, deve ser fixado por lei.

A idéia é óbvia. Trata-se da aplicação pura e simples do princípio da legalidade. Não se admite a decadência convencional no Direito Público.

Qual foi o prazo estabelecido pela lei para que se opere a prescrição administrativa?

Em que pese o STF tenha decidido que a regra é a prescritibilidade [18], Meirelles afirma que o direito administrativo não fixou um prazo prescricional genérico como fez o Direito Civil (art. 202, CC/02).

Fixou apenas prazos específicos, para situações diversas, ora sob o rótulo da prescrição, ora da decadência, mas com um prazo, de regra, comum, fixado em 5 (cinco) anos.

Por fim, há um último registro digno de nota acerca da lição de Hely Lopes. É que apesar de o mesmo identificar o instituto da prescrição administrativa com a decadência e não com a prescrição, ele admite que há uma espécie de "prescrição administrativa" que se suspende ou interrompe. Trata-se daquela que ocasiona o perecimento do direito do administrado ou do servidor para pleitear algo administrativamente.

Ressalta-se este aspecto porque a regra é de que a decadência não se submete a suspensão ou interrupção do seu prazo, ou seja, a regra tradicional, importada do direito privado (art. 207, CC/02), é aquela que Meirelles preconizou para o poder de punir [19] da administração.

Como visto, a despeito de não admirar a terminologia jurídica utilizada para o instituto, o Douto Professor estabelece que a prescrição administrativa se aplica a toda matéria sujeita à apreciação do Poder Público e que o prazo deve ser estabelecido por Lei, contudo, em sua falta, para atender ao princípio da segurança jurídica e à regra da prescritibilidade definida pelo STF, deve ser utilizada a analogia com o Dec. 20.910/32, Lei 6.838/80, o art. 174 do CTN, a Lei 9.784/99 e a Lei 9.873/99, donde se conclui que o prazo é de cinco anos.

É bem verdade que de imediato nem todos os doutrinadores seguiram o baluarte (como fez Maria Sylvia Zanella di Pietro), mas é certo que hoje as lições de Hely já são aceitas pela maioria dos administrativistas, com exceção do notável Régis Fernandes de Oliveira [20].

Até aqueles que pensavam em contrário - como Celso Antônio Bandeira de Mello - já se renderam às honradas lições.

Antes da transcrição de trecho da doutrina de Bandeira de Mello, faz-se necessário um registro.

É que o mencionado professor, frise-se, sempre parte da premissa de que o limite temporal da "prescrição administrativa" [21] é o limite da prescrição judicial, de forma que "o prazo decadencial jamais excederá àquele correspondente ao da prescrição da ação judicial" [22]correspondente.

Vale dizer. Na obra de Celso Antônio Bandeira de Mello, estudado o prazo para o ajuizamento da ação contra o administrado e fixado o seu prazo [23], a prescrição administrativa ocorrerá sempre em prazo igual ou menor.

Eis a lição:

"Não há regra alguma fixando genericamente um prazo prescricional para as ações judiciais do Poder Público em face do administrado. Em matéria de débitos tributários o prazo é de cinco anos, a teor do art. 174 do Código Tributário Nacional, o qual também fixa, no art. 173, igual prazo para decadência do direito de constituir o crédito tributário.

No passado (até a 11ª edição deste Curso) sustentávamos que, não havendo especificação legal dos prazos de prescrição para as situações tais ou quais, deveriam ser decididos por analogia aos estabelecidos na lei civil, na conformidade do princípio geral que dela decorre: prazos longos para atos nulos e mais curtos para os anuláveis.

Reconsideramos tal posição. Remeditando sobre a matéria, parece-nos que o correto não é a analogia com o Direito Civil, posto que, sendo as razões que o informam tão profundamente distintas das que inspiram as relações de Direito Público, nem mesmo em tema de prescrição caberia buscar inspiração em tal fonte. Antes dever-se-á, pois, indagar do tratamento atribuído ao tema prescricional ou decadencial em regras genéricas de Direito Público.

Nestas, encontram-se duas orientações com tal caráter:

a)a relativa à prescrição em casos inversos, isto é, prescrição de ações do administrado contra o Poder Público. Como dantes se viu, o diploma normativo pertinente (Decreto 20.910, de 6.1.32, texto com força de lei, repita-se, pois editado em período no qual o Poder Legislativo estava absorvido pelo Chefe do Executivo) fixa tal prazo em cinco anos. Acresça-se que é este também o prazo que o administrado dispõe para propor ações populares, consoante o art. 21 da Lei da Ação Popular Constitucional (Lei 4.717, de 29.6.65). Em nenhuma se faz discrímen, para fins de prescrição, entre atos nulos e anuláveis. O mesmo prazo, embora introduzido por normas espúrias (as citadas medidas provisórias expedidas fora dos pressupostos constitucionais), também é o previsto para propositura de ações contra danos causados por pessoa de Direito Público ou de Direito Privado prestadora de serviços públicos, assim como para as ações de indenização por apossamento administrativo ou desapropriação indireta ou por danos oriundos de restrições estabelecidas por atos do Poder Público;

b)a concernente ao prazo de prescrição para o Poder Público cobrar débitos tributários ou decadencial para constituir o crédito tributário. Está fixado em cinco anos, conforme há pouco foi mencionado. Também já foi referido que, a teor da Lei 9.873, de 23.11.99 (resultante da conversão da Medida Provisória 1.859-17, de 22.10.99), foi fixado em cinco anos o prazo para prescrição da ação punitiva da Administração Pública Federal, direta e indireta, no exercício do poder de polícia, objetivando apurar infração à legislação em vigor, a menos que esteja em pauta conduta criminosa, hipótese em que vigorará o previsto para ela. É, outrossim, de cinco anos o prazo para a Administração, por si própria, anular seus atos inválidos dos quais hajam decorrido efeitos favoráveis ao administrado, salvo comprovada má-fé (o que, entretanto, faz presumir prazo maior quando houver comprovada má-fé) consoante dispõe o art. 54 da Lei 9.784, de 29.1.1999, disciplinadora do processo administrativo. Também aí não se distingue entre atos nulos e anuláveis.

Vê-se, pois, que este prazo de cinco anos é uma constante nas disposições gerais estatuídas em regras de Direito Público, quer quando reportadas ao prazo para o administrado agir, quer quando reportadas ao prazo para a Administração fulminar seus próprios atos. Ademais, salvo disposição legal explícita, não haveria razão prestante para distinguir entre Administração e administrados no que concerne ao prazo ao cabo do qual faleceria o direito de reciprocamente se proporem ações.

Isto posto, estamos em que, faltando regra específica que disponha de modo diverso, ressalvada a hipótese de comprovada má-fé em uma, outra em ambas as partes de relação jurídica que envolva atos ampliativos de direito dos administrados, o prazo para a Administração proceder judicialmente contra eles é, como regra, de cinco anos, quer se trate de atos nulos, quer se trate de atos anuláveis." (grifo nosso)

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Regra geral, Celso Antônio aderiu a tese de Hely, mas não deixou de apresentar (como normalmente o faz) algumas novidades.

Asseverou que a prescrição administrativa, enquanto instituto de estabilização das relações jurídicas estabiliza tanto o ato nulo como o anulável. Com esta afirmação, desvincula o instituto do defeito do ato administrativo a ser perpetuado.

Além disso, quando relaciona a prescrição à idéia de ação e a decadência à de constituição do crédito, sinaliza para a distinção entre prescrição e decadência com fundamento na natureza do direito subjetivo envolvido, como propõe, no direito privado, Agnelo Amorim Filho.


5.A Contribuição do TCU para a polêmica

É conhecida a postura do TCU de negar a aplicação analógica sugerida por Celso Antônio Bandeira de Melo e por Hely Lopes Meirelles que, como visto, sugerem o prazo decadencial de 5 (cinco) anos [24].

Entendia [25] o TCU que na ausência de norma específica regulando a prescrição administrativa, o Código Civil deveria ser utilizado supletivamente, por isso, vinha aplicando a prescrição vintenária do Código Civil de 1916 (art. 177) para os fatos ocorridos até 11 de janeiro de 2003 e a prescrição decenária para os fatos ocorridos a partir desta data, com fundamento no art. 205 do Código Civil de 2002 e na regra de transição prevista no art. 2.028 do mesmo Código.

No entanto, a partir do julgamento do incidente de uniformização de jurisprudência nº 005.378/2000-2, ocorrido em 26/11/2008, parece que o TCU caminhou para entender que o processo de contas é imprescritível.

Veja trechos do voto do Min. Marcos Benquerer Costa:

"...as medidas desta Corte de Contas tendentes a promover o ressarcimento ao patrimônio público são imprescritíveis, ex vi do art. 37, § 5o, da Constituição Federal, não havendo de se cogitar de aplicação subsidiária do novo Código Civil."

"Vê-se, da leitura atenta do parágrafo 5o do art. 37, que foram estabelecidos dois gêneros de ações à disposição do poder público:

11.1 - a 1a parte do parágrafo -"prescrição para ilícitos praticados por qualquer agente, servidor ou não, que causem prejuízos ao erário" - que estabelece as ações relativas às punições ao agente que cause dano ao erário;

11.2 - a 2a parte do parágrafo -"ressalvadas as respectivas ações de ressarcimento" - que estabelece serem imprescritíveis as ações tendentes a determinar o ressarcimento dos danos causados pelos agentes a que alude o subitem anterior."

Veja ainda como o Ministério Público atuante naquela Egrégia Corte concluiu sua manifestação exarada no incidente acima referido:

Ante o exposto, este representante do Ministério Público junto ao Tribunal de Contas da União, a par de ratificar o parecer exarado à folha 23 do volume 1, externa o que lhe parece quanto ao incidente de uniformização de jurisprudência sob exame manifestando-se no sentido de que, na interpretação da parte final do § 5º do artigo 37 da Constituição Federal, deve-se extrair a intelecção de que a prescrição não alcança a pretensão de ressarcimento do erário lesado em decorrência de ilícitos nem alcança os meios, judiciais ou extrajudiciais, de que se pode valer para dar eficácia à exigibilidade contida naquela pretensão.

Para o TCU não teria sentido a ação de ressarcimento (imprescritível) se ao titular dela não fosse dado os meios necessários e imprescritíveis de conhecer e quantificar o dano causado ao erário, bem como identificar o agente público faltoso.

Apesar das decisões do TCU em processos subjetivos e concretos apontar para a generalização da imprescritibilidade, a Corte Federal de Contas não desconhece, em abstrato, a estabilização de atos e fatos jurídicos lesivos ou potencialmente lesivos ao erário.

Veja dispositivos da IN nº 56/2007- TCU:

Art. 3º Tomada de contas especial é um processo devidamente formalizado, com rito próprio, para apurar responsabilidade por ocorrência de dano à administração pública federal e obtenção do respectivo ressarcimento.

...

Art. 5º A tomada de contas especial somente deve ser instaurada e encaminhada ao Tribunal quando o valor do dano, atualizado monetariamente, for igual ou superior à quantia fixada pelo Tribunal para esse efeito.

§ 1° Fica dispensado o encaminhamento ao Tribunal e autorizado o correspondente arquivamento, no órgão ou entidade de origem, de tomada de contas especial já constituída nas hipóteses de:

...

III – valor do dano, atualizado monetariamente, inferior ao limite fixado pelo Tribunal para encaminhamento de tomada de contas especial;

IV - outra situação em que o débito seja descaracterizado.

...

§ 4° Salvo determinação em contrário do Tribunal, fica dispensada a instauração de tomada de contas especial após transcorridos dez anos desde o fato gerador, sem prejuízo de apuração da responsabilidade daqueles que tiverem dado causa ao atraso, nos termos do art. 1º, § 1º. (destaques nossos)

Como demonstrado, é possível que haja lesão ao erário e, ainda assim, não haja processo de apuração, seja por inércia, seja porque o potencial valor do suposto dano não compense mover a máquina estatal.

Outra decisão do TCU que merece avaliação crítica é o Acórdão 1.139/2003 (processo n° 275.008/1994-0 – 2ª Câmara), supostamente baseado nas lições de Diógenes Gasparini:

"86.As alegações do recorrente, fundamentadas no instituto da prescrição administrativa, merecem aprofundada reflexão. Neste mister, urge apreciar, preliminarmente, a aplicabilidade do Decreto nº 20.910/32 ao caso presente. De pronto, cumpre salientar que a citada norma legal trata da prescrição qüinqüenal, relacionando-se a ações que digam respeito a dívidas passivas da fazenda pública. No caso presente, vê-se, contrariamente, que a União além de representar o pólo ativo da relação, não está a exigir restituição de valores, mas sim, a desconstituição de ato administrativo. Neste ensejo, cumpre afastar de plano a hipótese de aplicabilidade do Decreto nº 20.910/32 a este caso concreto.

87.Agora, no que tange à aplicação da Lei nº 9.784, de 29.01.1999, que regula o processo administrativo no âmbito da Administração Pública Federal, e que tratou, no Capítulo XIV, da anulação, revogação e convalidação dos atos administrativos, sendo que no art. 53 estabelece que Administração tem o dever de anular seus próprios atos, quando eivados do vício da ilegalidade, e no seu art. 54 acrescenta dispositivo inovador no ordenamento jurídico nacional, que prevê hipótese de decadência do direito de a Administração anular os atos administrativos de que decorram efeitos favoráveis aos destinatários, no prazo de cinco anos, contados da data em que foram praticados, ressalvada a hipótese de má-fé. Cabe salientar que em diversas assentadas esta Corte de Contas tem se manifestado sobre esta aplicação, sendo que em uma de suas mais recentes decisões, em Voto da Relatoria do Ministro Marcos Vilaça, foi firmado o entendimento de que não se aplica aos processos da competência desta Corte, referentes à apreciação dos atos de que trata o artigo 71, inciso III, da Constituição Federal, o disposto art. 54 da Lei n 9.784/99, que trata da prescrição qüinqüenal de atos administrativos (DC-1020-47/00-P).

88. Na decisão acima mencionada, os pontos mais relevantes utilizados para a conclusão pela não aplicabilidade são os seguintes :

a)a Lei nº 9.784/99, conforme se verifica em seu artigo 1º, estabelece normas básicas sobre o processo administrativo no âmbito da Administração Pública Federal direta e indireta, visando, em especial, à proteção dos direitos dos administrados e ao melhor cumprimento dos fins da Administração. O § 1º do mesmo artigo determina a aplicabilidade dos preceitos da Lei aos órgãos dos Poderes Legislativo e Judiciário da União, quando no desempenho de função administrativa. O Tribunal de Contas da União é órgão integrante do Poder Legislativo Federal, tendo como origens normativas para o desempenho de sua missão a Constituição Federal e a sua Lei Orgânica - Lei nº 8.443/92. Dessa maneira, ante a redação do artigo 1º da Lei nº 9.784/99, fica claro que seus imperativos aplicam-se subsidiariamente aos atos desta Corte de Contas, sempre que não houver disposição específica sobre a matéria na Constituição Federal e na Lei Orgânica do Tribunal;

b)no que diz respeito ao prazo decadencial para anulação de atos administrativos que favoreçam os administrados, não há disposição constitucional ou legal (Lei nº 8.443/92) expressa a respeito da matéria, motivo pelo qual entende-se serem aplicáveis, subsidiariamente, aos atos emanados por esta Corte em processos admissão e concessão as disposições do artigo 54 da Lei nº 9.784/99;

c)não sendo órgão que exerça função administrativa, ou mesmo jurisdição de cunho administrativo, exceto sobre os assuntos internos, o Tribunal de Contas não está compelido a observar os ditames da Lei nº 9.784/99 que, aliás, determina uma processualística amplamente divergente daquela já regulada pela Lei nº 8.443/92, aplicável aos julgamentos em matéria de controle externo;

d)quanto à instrumentalização do autocontrole realizado pela Administração, previsto pela Lei nº 9.784/99, o professor Diógenes Gasparini explica o seguinte: ‘O controle administrativo, também chamado de autocontrole, é o exercido pelo Executivo e por órgãos de administração do Legislativo e do Judiciário sobre suas próprias atividades administrativas, visando confirmá-las ou desfazê-las, conforme sejam, ou não, legais, convenientes, oportunas e eficientes. (...) É controle interno, porque o órgão controlador bem como o controlado integram a mesma organização. (...) O fundamento do controle administrativo reside no dever-poder de autotutela que a Administração Pública tem sobre suas atividades, atos e agentes. (...) Os instrumentos do controle são todos os meios que propiciam à Administração Pública e aos órgãos de administração do Legislativo e do Judiciário o reexame de suas próprias decisões e atividades.

Diante deste entendimento, restam inaplicáveis, de forma obrigatória, os preceitos da Lei nº 9.784/99 aos processos da competência constitucional deste Tribunal de Contas, do mesmo modo que não se impõem aos atos administrativos que meramente cumprem as decisões do controle externo proferidas para a correção de ilegalidades observadas na atividade administrativa."

...omissis...

"103 Os argumentos agora apresentados já foram objeto de análise no recurso precedente. No entanto, cabe relevo acrescentar, em razão da peculiaridade deste caso, que envolve possibilidade de restituição de valores para os cofres públicos, que o Decreto 20.910/32 não se aplica ao caso, visto que mencionado Decreto trata da prescrição qüinqüenal, relacionada com as ações que digam respeito a dívidas passivas da fazenda pública. No caso presente, vê-se, contrariamente, que a União representa o pólo ativo da relação, porquanto os recursos que se pretende reaver pertencem à União, que, por força do controle exercido sobre os órgãos que lhes são jurisdicionados, pode exigir a restituição dos valores irregularmente utilizados.

104.A questão da aplicação do art. 54 da Lei nº 9.784/99, também já foi exaustivamente discutida, chegando-se a conclusão de que o mesmo não tem aplicabilidade aos processos da competência desta Corte, referentes às atribuições de que trata o artigo 71 da Constituição Federa (DC-1020-47/00-P)."

Não agiu bem o TCU. Sua 2ª Câmara afastou a aplicação analógica do Dec. 20.910/32 em função de que, no caso analisado, a União estava no pólo ativo e não no passivo como prevê a norma analogicamente aplicada.

Este posicionamento é de todo irrazoável e desproporcional. Primeiro porque o TCU aplica a analogia como fenômeno integrativo da norma e ao mesmo tempo interpreta o Decreto literalmente.

Isso equivale a negar a aplicação da analogia, vez que esta forma de integração do direito se dá sempre mediante a aplicação de uma norma sobre fatos para os quais não foi originalmente projetada.

Depois porque contraria todas as lições acima expostas, especialmente aquela em que Celso Antônio afirma que "não haveria razão prestante para distinguir entre Administração e administrados no que concerne ao prazo ao cabo do qual faleceria o direito de reciprocamente se proporem ações".

A posição do TCU também é no sentido de afastar a aplicação analógica da Lei 9.784/99 por entender que ela não se aplica a processos da competência da Corte de Contas da União.

Esta visão também não é razoável.

Primeiro porque não se pretende a aplicação desta ou de qualquer outra norma ao caso concreto por mera subsunção. O caso é de ausência de norma e, portanto, de aplicação da analogia.

Depois, porque o STF apreciando a matéria de que trata o art. 37, § 5° da CF não excetuou o TCU e decidiu que "a regra é a prescritibilidade".

Aliás, a omissão legal acerca da matéria é reconhecida pelo próprio TCU na decisão acima transcrita.

Enfim, chega-se ao momento em que a decisão cita Diógenes Gasparini e o faz transcrevendo trechos, todos incompletos, do conceito de controle administrativo, presentes nos itens intitulados "fundamento" e "instrumentos" do controle administrativo, inseridos numa parte extremamente conceitual do Capítulo XIV do Livro do famoso administrativista. [26]

Tais trechos, transcritos pelo TCU, não foram extraídos da parte da obra que trata especificamente sobre prescrição administrativa e tiveram o condão de provocar contradição no interior da decisão.

No tocante às contradições internas do Acórdão basta que se observe que, na tentativa de afastar a regra prescricional, o TCU afirma que suas decisões são relativas e decorrentes do controle externo, proferidas para a correção de ilegalidades, portanto fora do alcance do instituto, que se aplica aos Legislativos, no entanto, no mesmo acórdão assevera que é órgão integrante do Poder Legislativo.

Mas, no que diz respeito às lições específicas de Diógenes Gasparini, veja o que o administrativista diz, especificamente sobre o tema, conforme trecho do mesmo livro donde o TCU extraiu as transcrições postas no acórdão ora criticado:

"As pretensões da Administração Pública contra o administrado também estão sujeitas a prazos, de sorte que se não propostas em tais tempos, extingue-se, como assevera Celso Antônio Bandeira de Mello, o poder administrativo de incidir ou reincidir sobre uma dada situação jurídica específica. Nesses casos a Administração não exerce o dever-poder que lhe cabe, omite-se. Perde, assim, o próprio direito, não a medida prevista para sua defesa quando entenda-o ameaçado ou violado, como ocorre com os administrados. Não se trata, pois, de prescrição, mas de decadência. Nesse particular, no âmbito federal e nos termos da Lei do Processo Administrativo, é importante a regra consignada no seu art. 54. Por esse dispositivo, o direito da Administração Pública de anular os atos administrativos de que decorram efeitos favoráveis para os destinatários decai em cinco anos. Na esfera de aplicação dessa lei tal dispositivo é a regra geral.

No âmbito das medidas judiciais, cabe afirmar que pelo decurso do prazo as ações judiciais, a que teria direito a Administração Pública contra os administrados, podem extinguir-se. Como não há regra geral impondo um prazo que se não observado extingue a ação da Administração Pública contra o administrado, deve ser atendido o estabelecido em lei específica, como é o caso do prazo decadencial de cinco anos para a Administração Pública exigir dos devedores os respectivos créditos tributários. Se, de modo algum, houver prazo fixado, deve-se considerar como prazo máximo decadencial para a Administração Pública interpor certa medida judicial o de cinco anos, encontrado em bom número de normas de Direito Público, quer se trate de atos nulos ou anuláveis, conforme ensina Celso Antônio Bandeira de Mello".

Registre-se ainda que muitas decisões da 2ª Câmara do Tribunal de Contas da União estão suspensas pelo STF por meio de decisões monocráticas da Presidência, vazadas nos seguintes termos:

DECISÃO: Trata-se de mandado de segurança impetrado por THIAGO ARRUDA NAVARRO DO AMARAL, menor representado por seu tutor, WALTER LOPES DO AMARAL JÚNIOR, contra o Acórdão n° 1.760/2004-TCU-Plenário, de 10.11.2004, que restabeleceu o inteiro teor da Decisão n° 918/2002-TCU-Plenário, de 24.07.2002, adotada pelo Tribunal de Contas da União em desfavor do Impetrante. O ato impugnado consiste em decisão negativa da continuidade de pagamento de pensão civil, instituída em decorrência do falecimento de servidora pública aposentada, do quadro do próprio TCU, em favor de seu filho adotivo, o impetrante, no autos do processo n° 275.014-1990-8-TCU. A inicial relata que, até a revogação do benefício, a pensão vinha "sendo paga mensal, contínua e sucessivamente ao longo de mais de 14 (quatorze) anos, incluída que foi em folha de pagamentos em julho de 1990, com efeitos retroativos a janeiro de 1990 (processo TCU, fl.21) ..." (fls. 13). Quanto à plausibilidade jurídica do pedido (fumus boni iuris), o impetrante sustenta, em síntese, os seguintes argumentos: 1) Violação aos princípios do contraditório, da ampla defesa, e do devido processo legal. Alega-se que o impetrante não teve "qualquer oportunidade de defesa, sequer de ciência da conclusão do processo administrativo comum, com decisão desfavorável a sua pretensão, antes do encaminhamento para exame em sede de atividade-fim do TCU - exame pelo Plenário, sendo apenas notificado da Decisão final, de junho de 2002."; 2) Nulidade do ato administrativo impugnado; 3) Ocorrência de prescrição administrativa. A impetração afirma que "o direito do impetrante à manutenção da pensão temporária materializou-se desde janeiro de 1995, ou seja, 5 (cinco) anos após o início do pagamento mensal e consecutivo da pensão. Aliás desde janeiro de 1990, desde o pagamento da primeira prestação pensional, não foi adotada 'qualquer medida de autoridade administrativa que importe impugnação à validade do ato." (fls. 36). 4) No mérito, alega-se a legalidade do benefício instituído em favor do impetrante tendo em vista o atendimento dos requisitos então exigidos para a adoção (arts. 368 e 378 do Código Civil de 1916). Com relação à urgência da pretensão cautelar (fumus boni iuris), alega-se que a adoção de medidas constritivas do direito do Impetrante, objeto do presente processo, deve ser restabelecida "de plano e imediatamente, para que os efeitos da decisão de 10 de novembro de 2004 não continuem a causar transtornos e prejuízos ao menor Thiago Arruda Navarro do Amaral." (fls. 36). Para efeitos de concessão de liminar, o impetrante postula: i) a suspensão do "Acórdão n° 1.760/2004 e da Decisão n° 918/2002, do Tribunal de Contas da União, ou de seus efeitos, em especial da parte que determina a devolução dos valores recebidos, de boa-fé, pelo Impetrante, desde a institucição da pensão até a data do Acórdão impugnado;" ii) o restabelecimento do "pagamento, pelo TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO, do benefício pensional em favor do impetrante, THIAGO ARRUDA NAVARRO DO AMARAL, até julgamento final da presente lide;" iii) a suspensão "dos atos administrativos praticados a partir de 9 de setembro de 2002 nos autos do processo administrativo TC-275.014/1990-8, e de seus efeitos" No mérito, requer: "g) a declaração de nulidade dos atos administrativos praticados a partir de 9 de setembro de 1998 nos autos do processo administrativo TC-275.014/1990-8, e de seus efeitos; h) a determinação ao Tribunal de Contas da União, para que proceda ao registro definitivo da pensão especial temporária a que faz jus THIAGO NAVARRO ARRUDA DO AMARAL ..." (fls. 48). O pleito impressiona tanto sob a perspectiva de segurança jurídica quanto da perspectiva da garantia da ampla defesa e do contraditório. A pensão foi concedida em julho de 1990. A decisão do TCU, considerando indevida a concessão do benefício de pensão é de 9 de 10 de novembro de 2004. A comunicação ao impetrante é de junho de 2002. Como já escrevi em outras oportunidades, a Constituição de 1988 (art. 5o, LV) ampliou o direito de defesa, assegurando aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes. As dúvidas porventura existentes na doutrina e na jurisprudência sobre a dimensão do direito de defesa foram afastadas de plano, sendo inequívoco que essa garantia contempla, no seu âmbito de proteção, todos os processos judiciais ou administrativos. Assinale-se, por outro lado, que há muito vem a doutrina constitucional enfatizando que o direito de defesa não se resume a um simples direito de manifestação no processo. Efetivamente, o que o constituinte pretende assegurar - como bem anota Pontes de Miranda - é uma pretensão à tutela jurídica (Comentários à Constituição de 1967/69, tomo V, p. 234). Dessa perspectiva não se afastou, por exemplo, a Lei no 9.784, que regula o processo administrativo no âmbito da Administração Pública Federal. O art. 2o desse diploma legal determina, expressamente, que a Administração Pública obedecerá aos princípios da ampla defesa e do contraditório. O parágrafo único desse dispositivo, estabelece que nos processos administrativos serão observados, dentre outros, os critérios de "observância das formalidades essenciais à garantia dos direitos dos administrados" (inc. VIII) e de "garantia dos direitos à comunicação" (inc. X). Também registra Celso de Mello, no que toca à adoção da ampla defesa no processo administrativo: "A nova Constituição do Brasil instituiu, em favor dos indiciados em processo administrativo, a garantia do contraditório e da plenitude de defesa, com os meios e recursos a ela inerentes (art. 5o, LV). O legislador constituinte consagrou, em norma fundamental, um direito do servidor público oponível ao poder estatal. A explícita constitucionalização dessa garantia de ordem jurídica, na esfera do procedimento administrativo-disciplinar, representa um fator de clara limitação dos poderes da administração pública e de correspondente intensificação do grau de proteção jurisdicional dispensada aos direitos dos agentes públicos." (MS 20.999-DF, Rel. Min. Celso de Mello, DJ de 25.05.1990) Assim, quando se impõe que determinadas medidas estatais que afetem direitos fundamentais devam observar um determinado procedimento, sob pena de nulidade, não se está a fazer outra coisa senão proteger o direito mediante o estabelecimento de determinadas normas de procedimento. Portanto, ao prever, no art. 5o, LV, o contraditório e a ampla defesa nos âmbitos administrativo e judicial, por certo o Constituinte estabeleceu um dever de adotar normas de organização e procedimento a fim de evitar que outros bens coletivos ou princípios consagrados na Constituição fossem atingidos. Torna-se evidente, portanto, a vinculação entre a efetiva participação do impetrante no processo administrativo e a garantia da cláusula constitucional do devido processo legal. No âmbito da cautelar, a matéria evoca, inevitavelmente, o princípio da segurança jurídica. O impetrante invoca, no caso, a prescrição que é, sem dúvida alguma, uma expressão do princípio da segurança jurídica. Conforme já afirmei (MS 24.268-MG, DJ de 17.09.2004), não estou completamente seguro de que, em casos como o presente, se possa invocar o disposto no art. 54 da Lei no 9.784, de 1999, (Lei no 9.784, de 29.1.1999: "Art. 54. O direito da Administração de anular os atos administrativos de que decorram efeitos favoráveis para os destinatários decai em cinco anos, contados da data em que foram praticados, salvo comprovada má-fé. § 1o No caso de efeitos patrimoniais contínuos, o prazo de decadência contar-se-á da percepção do primeiro pagamento. § 2o Considera-se exercício do direito de anular qualquer medida de autoridade administrativa que importe impugnação à validade do ato.") - embora tenha sido um dos incentivadores do projeto que resultou na aludida lei -, uma vez que, talvez de forma ortodoxa, esse prazo não deva ser computado com efeitos retroativos. Mas, afigura-se-me inegável que há um "quid" relacionado com a segurança jurídica que recomenda, no mínimo, maior cautela em casos como o dos autos. A propósito do direito comparado, vale a pena ainda trazer à colação clássico estudo de Almiro do Couto e Silva sobre a aplicação do princípio da segurança jurídica: "É interessante seguir os passos dessa evolução. O ponto inicial da trajetória está na opinião amplamente divulgada na literatura jurídica de expressão alemã do início do século de que, embora inexistente, na órbita da Administração Pública, o principio da res judicata, a faculdade que tem o Poder Público de anular seus próprios atos tem limite não apenas nos direitos subjetivos regularmente gerados, mas também no interesse em proteger a boa fé e a confiança (Treue und Glauben)dos administrados. (...) Esclarece OTTO BACHOF que nenhum outro tema despertou maior interesse do que este, nos anos 50 na doutrina e na jurisprudência, para concluir que o princípio da possibilidade de anulamento foi substituído pelo da impossibilidade de anulamento, em homenagem à boa fé e à segurança jurídica. Informa ainda que a prevalência do princípio da legalidade sobre o da proteção da confiança só se dá quando a vantagem é obtida pelo destinatário por meios ilícitos por ele utilizados, com culpa sua, ou resulta de procedimento que gera sua responsabilidade. Nesses casos não se pode falar em proteção à confiança do favorecido. (Verfassungsrecht, Verwaltungsrecht, Verfahrensrecht in der Rechtssprechung des Bundesverwaltungsgerichts, Tübingen 1966, 3. Auflage, vol. I, p. 257 e segs.; vol. II, 1967, p. 339 e segs.). Embora do confronto entre os princípios da legalidade da Administração Pública e o da segurança jurídica resulte que, fora dos casos de dolo, culpa etc., o anulamento com eficácia ex tunc é sempre inaceitável e o com eficácia ex nunc é admitido quando predominante o interesse público no restabelecimento da ordem jurídica ferida, é absolutamente defeso o anulamento quando se trate de atos administrativos que concedam prestações em dinheiro, que se exauram de uma só vez ou que apresentem caráter duradouro, como os de índole social, subvenções, pensões ou proventos de aposentadoria." (SILVA, Almiro do Couto e. Os princípios da legalidade da administração pública e da segurança jurídica no estado de direito contemporâneo. Revista da Procuradoria-Geral do Estado. Publicação do Instituto de Informática Jurídica do Estado do Rio Grande do Sul, V. 18, No 46, 1988, p. 11-29) Depois de incursionar pelo direito alemão, refere-se o mestre gaúcho ao direito francês, rememorando o clássico "affaire Dame Cachet": "Bem mais simples apresenta-se a solução dos conflitos entre os princípios da legalidade da Administração Pública e o da segurança jurídica no Direito francês. Desde o famoso affaire Dame Cachet, de 1923, fixou o Conselho de Estado o entendimento, logo reafirmado pelos affaires Vallois e Gros de Beler, ambos também de 1923 e pelo affaire Dame Inglis, de 1935, de que, de uma parte, a revogação dos atos administrativos não cabia quando existissem direitos subjetivos deles provenientes e, de outra, de que os atos maculados de nulidade só poderiam ter seu anulamento decretado pela Administração Pública no prazo de dois meses, que era o mesmo prazo concedido aos particulares para postular, em recurso contencioso de anulação, a invalidade dos atos administrativos. HAURIOU, comentando essas decisões, as aplaude entusiasticamente, indagando: 'Mas será que o poder de desfazimento ou de anulação da Administração poderá exercer-se indefinidamente e em qualquer época? Será que jamais as situações criadas por decisões desse gênero não se tornarão estáveis? Quantos perigos para a segurança das relações sociais encerram essas possibilidades indefinidas de revogação e, de outra parte, que incoerência, numa construção jurídica que abre aos terceiros interessados, para os recursos contenciosos de anulação, um breve prazo de dois meses e que deixaria à Administração a possibilidade de decretar a anulação de ofício da mesma decisão, sem lhe impor nenhum prazo'. E conclui: 'Assim, todas as nulidades jurídicas das decisões administrativas se acharão rapidamente cobertas, seja com relação aos recursos contenciosos, seja com relação às anulações administrativas; uma atmosfera de estabilidade estender-se-á sobre as situações criadas administrativamente.' (La Jurisprudence Administrative de 1892 a 1929, Paris, 1929, vol. II, p. 105-106.)" (COUTO E SILVA, Almiro do. Os princípios da legalidade da administração pública e da segurança jurídica no estado de direito contemporâneo. Revista da Procuradoria-Geral do Estado. Publicação do Instituto de Informática Jurídica do Estado do Rio Grande do Sul, V. 18, no 46, 1988, p.11-29) Na mesma linha, observa Couto e Silva em relação ao direito brasileiro: "MIGUEL REALE é o único dos nossos autores que analisa com profundidade o tema, no seu mencionado 'Revogação e Anulamento do Ato Administrativo' em capítulo que tem por título 'Nulidade e Temporalidade'. Depois de salientar que 'o tempo transcorrido pode gerar situações de fato equiparáveis a situações jurídicas, não obstante a nulidade que originariamente as comprometia', diz ele que 'é mister distinguir duas hipóteses: (a) a de convalidação ou sanatória do ato nulo e anulável; (b) a perda pela Administração do benefício da declaração unilateral de nulidade (le bénéfice du préalable)'". (COUTO E SILVA, Almiro do. Os princípios da legalidade da administração pública e da segurança jurídica no estado de direito contemporâneo. Revista da Procuradoria-Geral do Estado. Publicação do Instituto de Informática Jurídica do Estado do Rio Grande do Sul, V. 18, no 46, 1988, p. 11-29). Registre-se que o tema é pedra angular do Estado de Direito sob a forma de proteção à confiança. É o que destaca Karl Larenz, que tem na consecução da paz jurídica um elemento nuclear do Estado de Direito material e também vê como aspecto do princípio da segurança o da confiança: "O ordenamento jurídico protege a confiança suscitada pelo comportamento do outro e não tem mais remédio que protegê-la, porque poder confiar (...) é condição fundamental para uma pacífica vida coletiva e uma conduta de cooperação entre os homens e, portanto, da paz jurídica." (Derecho Justo - Fundamentos de Ética Jurídica. Madri. Civitas, 1985, p. 91). O autor tedesco prossegue afirmando que o princípio da confiança tem um componente de ética jurídica, que se expressa no princípio da boa fé. Diz: "Dito princípio consagra que uma confiança despertada de um modo imputável deve ser mantida quando efetivamente se creu nela. A suscitação da confiança é imputável, quando o que a suscita sabia ou tinha que saber que o outro ia confiar. Nesta medida é idêntico ao princípio da confiança. (...) Segundo a opinião atual, [este princípio da boa fé] se aplica nas relações jurídicas de direito público." (Derecho Justo - Fundamentos de Ética Jurídica. Madri. Civitas, 1985, p. 95 e 96) Na Alemanha, contribuiu decisivamente para a superação da regra da livre revogação dos atos administrativos ilícitos uma decisão do Tribunal Administrativo de Berlim, proferida em 14.11.1956, posteriormente confirmada pelo Tribunal Administrativo Federal. Cuidava-se de ação proposta por viúva de funcionário público que vivia na Alemanha Oriental. Informada pelo responsável pela Administração de Berlim de que teria direito a uma pensão, desde que tivesse o seu domicílio fixado em Berlim ocidental, a interessada mudou-se para a cidade. A pensão foi-lhe concedida. Tempos após, constatou-se que ela não preenchia os requisitos legais para a percepção do benefício, tendo a Administração determinado a suspensão de seu pagamento e solicitado a devolução do que teria sido pago indevidamente. Hoje a matéria integra a complexa regulação contida no § 48 da Lei sobre processo administrativo federal e estadual, em vigor desde 1977 (Cf. Erichsen, Hans-Uwe, in: Erichsen, Hans-Uwe/Martens, Wolfgang, Allgemeines Verwaltungsrecht, 9a edição, Berlim/Nova York, 1992, p. 289) Considera-se, hodiernamente, que o tema tem, entre nós, assento constitucional (princípio do Estado de Direito) e está disciplinado, parcialmente, no plano federal, na Lei no 9.784, de 29 de janeiro de 1999, (v.g. art. 2o). Como se vê, em verdade, a segurança jurídica, como subprincípio do Estado de Direito, assume valor ímpar no sistema jurídico, cabendo-lhe papel diferenciado na realização da própria idéia de justiça material. Nesse sentido, vale trazer passagem de estudo do professor Miguel Reale sobre a revisão dos atos administrativos: "Não é admissível, por exemplo, que, nomeado irregularmente um servidor público, visto carecer, na época, de um dos requisitos complementares exigidos por lei, possa a Administração anular seu ato, anos e anos volvidos, quando já constituída uma situação merecedora de amparo e, mais do que isso, quando a prática e a experiência podem ter compensado a lacuna originária. Não me refiro, é claro, a requisitos essenciais, que o tempo não logra por si só convalescer, ¾ como seria, por exemplo, a falta de diploma para ocupar cargo reservado a médico, ¾ mas a exigências outras que, tomadas no seu rigorismo formal, determinariam a nulidade do ato. Escreve com acerto José Frederico Marques que a subordinação do exercício do poder anulatório a um prazo razoável pode ser considerado requisito implícito no princípio do due process of law. Tal princípio, em verdade, não é válido apenas no sistema do direito norte-americano, do qual é uma das peças basilares, mas é extensível a todos os ordenamentos jurídicos, visto como corresponde a uma tripla exigência, de regularidade normativa, de economia de meios e forma e de adequação à tipicidade fática. Não obstante a falta de termo que em nossa linguagem rigorosamente lhe corresponda, poderíamos traduzir due process of law por devida atualização do direito, ficando entendido que haverá infração desse ditame fundamental toda vez que, na prática do ato administrativo, por preterido algum dos momentos essenciais à sua ocorrência; porém destruídas, sem motivo plausível, situações de fato, cuja continuidade seja economicamente aconselhável, ou se a decisão não corresponder ao complexo de notas distintivas da realidade social tipicamente configurada em lei." (Miguel Reale, Revogação e anulamento do ato administrativo. 2a ed. Forense. Rio de Janeiro. 1980.) Pelas razões expostas, ressalvado melhor juízo quando do julgamento de mérito, vislumbro a presença dos pressupostos para a concessão da medida cautelar. Defiro a liminar para o fim de suspender a decisão do Tribunal de Contas da União que, nos autos do Processo TCU 275.014/1990-8, determinou a suspensão do pagamento de benefício especial ao impetrante, até o pronunciamento desta Corte quanto ao mérito do presente mandado de segurança. Oficie-se, com urgência, ao órgão pagador. Comunique-se à autoridade coatora o teor da presente decisão e requisitem-se informações. Defiro o pedido de apensamento dos autos do MS n° 24.406-DF ao presente mandado de segurança. Após, encaminhem-se os autos à Procuradoria-Geral da República. Publique-se. Brasília, 17 de março de 2005. Ministro GILMAR MENDES Relator
(MS 25259 MC, Relator(a): Min. GILMAR MENDES, Decisão Proferida pelo(a) Ministro(a) GILMAR MENDES, julgado em 17/03/2005, publicado em DJ 28/03/2005 PP-00049 RDDP n. 26, 2005, p. 183-186).

Com todo o respeito que merece o TCU, sua postura segue na direção contrária da doutrina pátria, da jurisprudência do STF e, como destacou o Min. Gilmar Mendes, do direito comparado.

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Sobre o autor
Adir Machado Bandeira

Advogado. Fundador do escritório Adir Machado advogados associados. Foi Diretor de Controle Externo de Obras e Serviços do Tribunal de Contas do Estado de Sergipe (TCE/SE), é bacharel em Direito, graduado em 1999 pela Universidade Federal de Sergipe (UFS), quando aos 23 anos de idade também se tornou advogado. Como advogado atuou na defesa de diversas Câmaras Municipais e Prefeituras. Na qualidade de consultor jurídico, prestou serviços para os Legislativos junto ao Congresso Nacional e escreveu diversos pareceres, respondendo consultas de órgãos públicos e corporações privadas. No período de junho de 2009 a 2015 assessorou o Conselheiro Clóvis Barbosa, coordenando as atividades da 5ª Coordenadoria de Controle e Inspeção do TCE/SE. Entre 2008 e maio de 2009, assessorou o Governo de Marcelo Déda exercendo a função de controle interno na Secretaria de Estado da Educação, durante a gestão do Prof. Dr. José Fernandes de Lima. Em 2007, passou pela Assembleia Legislativa como assessor parlamentar. Entre os anos de 2000 e início de 2007, chefiou a Procuradoria da Câmara Municipal de Aracaju, capital do Estado de Sergipe. Durante sua trajetória como jurista lecionou Hermenêutica Jurídica, Filosofia do Direito, Ética Geral e Profissional e Introdução ao Estudo do Direito na UFS. Foi ainda professor de Direito Civil da Faculdade de Sergipe e da Faculdade de Administração e Negócios do Estado de Sergipe, com destaque para a disciplina Responsabilidade Civil. Além disso publicou diversos artigos científicos em áreas como o Direito Constitucional, Administrativo, Financeiro, Civil e Processo Civil. Durante sua fase de formação jurídica, lecionou História Geral e do Brasil em escolas particulares.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BANDEIRA, Adir Machado. Prescrição administrativa nos processos de contas. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 3057, 14 nov. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/20424. Acesso em: 22 dez. 2024.

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