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Desmembramento do sindicato: crise, crítica ou adaptação ao sistema

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Agenda 28/11/2011 às 17:36

IV – DESMEMBRAMENTO DO SINDICATO: CRISE, CRÍTICA OU ADAPTAÇÃO AO SISTEMA

4. 1 - Crise no sindicalismo mundial

O desmembramento sindical, nos últimos anos, vem suscitando acentuados debates. Porém antes de adentramos na análise pretendida é necessário lembrar que o sindicalismo vem emergindo de uma profunda crise mundial que o assolou desde da década de 1990, oportunidade em que muitos doutrinadores, economistas e filósofos, chegaram inclusive a anunciar e pregar a sua “morte”, o seu “fim”, etc.

José Carlos Arouca faz menção à analise da crise feita por Luiz Carlos Amorim Robortella, que avalia:

“Crise de identidade e representatividade revelada pela queda dos índices de filiação, de interesse dos trabalhadores de participação da vida sindical e isto justamente quando as entidades se associam ao Estado. Na analise de Ojeda Avilés, que sintetiza, na Europa, as razões seriam, dentre outras: perda de credibilidade, dada a excessiva centralização do poder das cúpulas sindicais; o neoliberalismo anti sindical, com sua legislação flexibilizadora; a nova ordem econômica mundial, o impacto das novas tecnologias e a terceirização da economia, com fragmentação da filiação do sindicato. A crise de identidade prossegue, acentuando-se diante da participação do sindicato no processo produtivo e conseqüente responsabilidade nos efeitos da política econômica. Com isto, conclui, a excessiva atuação da cúpula do sistema fortalecendo as entidades de graus superior, com enfraquecimento dos sindicatos de base. Finalmente a crise de representatividade.”[174]

Na mesma linha de raciocínio, o nobre doutrinador aponta o pensamento de José Pastore, que projetou o fim dos sindicatos de resistência por prognosticar o fim do emprego formal, e conclui:

“Os sindicatos que sobreviverem serão os que se preparam desde de já para perder o monopólio das negociações e das receitas compulsórias. As condições econômicas e sociais dos últimos 30 anos, mudaram mais do que nos 300 anos anteriores. Velhas instituições não sobrevivem mais nos novos tempos: é preciso mudar e mudar é viver: uma serie de fatores tem conspirado contra os sindicatos: o desemprego industrial, a terceirização, a feminização do trabalho, o crescimento das atividades autônomas, etc. Nessas condições, o desinteresse dos trabalhadores pelo sindicato é inevitável”[175].

Por fim, José Carlos Arouca, menciona o que o jornalista da área econômica, Joelmir Betting escreveu sob o título “Fim do sindicato”:

“Pesquisadores notáveis já decretaram o fim do emprego, o fim do salário, o fim do dinheiro, o fim da família, o fim do governo, o fim da historia... E por que não, o fim do sindicato? Segundo mapeamento da OIT, o sindicato só administra as sobras de um poderio distante.”[176]

Como se vê, as criticas feitas ao sindicalismo, à época, oriundas de todos os segmentos, eram assustadoras, pois advinham de estudiosos que eram obrigada a pensar sobre o problema em razão do seu ofício.

Márcio Túlio Viana, doutrinador do sindicalismo que se inseriu no processo da crise, concluiu que, “numa perspectiva global, a crise do sindicato começa pela própria globalização, passa pela reestruturação produtiva e termina na ideologia neoliberal, que trás de volta, com ares de novo, um velho discurso”[177]. E afirma que “na verdade, é o próprio trabalho humano que se desvaloriza, o que acaba também desvalorizando o Direito, a Justiça e todos os atores e instituições que tentam de algum modo protegê-lo.”[178].

Wagner D. Giglio, com pensamento mais racional, sintetiza em três as causas da crise que assolava o sindicalismo, à época, são elas: “as transformações políticas, a globalização da economia e a revolução tecnológica.”[179]

As transformações políticas caracterizadas pelo fim do conflito entre bloco socialista, liderado pela União Soviética e capitalista, liderado pelo Estados Unidos, sendo o primeiro superado pelo segundo, deixou o capital sem fronteira e sem limite, ilhando o ser humano aos mais perversos métodos de exploração de mão de obra.

Wagner D. Giglio comenta que:

“Sem oposição, sem freios ou controles, sentiram-se os países capitalistas livres para impor, na pratica, sua ideologia de crescimento econômico a qualquer custo, como se o homem estivesse a serviço da economia. A filosofia que fundamenta o direito do trabalho foi profundamente contestada, passando a se entender que a legislação protecionista do ser humano trabalhador constituía um empecilho, um entrave ou um obstáculo ao desenvolvimento nacional. Aí se encontra a raiz dos movimentos chamados de “desregulação” ou “desregulamentação”, cujas expressões mais divulgadas são a terceirização e a flexibilização.”[180]

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O capitalismo sem fronteira buscou sem limite o lucro da produção, as empresas multinacionais se deslocavam com muita facilidade entre nações em busca da mão de obra barata e incentivos fiscais, investindo em tecnologia para a produção de bens e serviços que reduzissem o trabalho humano, ou que até mesmo viessem a substituir postos de trabalho.

A Organização Internacional do Trabalho apontava que a crise assolava de forma mais ou menos acentuada todas as nações.

Diante dessas transformações no mundo do trabalho, os sindicatos no seu papel de “perseguir e promover os interesses dos trabalhadores,”[181] foram abalados, cujas causas apontadas são a descoletividade e a diminuição do número de filiados.

Numa análise mais aprofundada da crise, Márcio Túlio Viana, aponta as conseqüências para o sindicalismo:

“Do ponto de vista econômico, o sindicato sofre os efeitos de um modo novo de organizar a produção, que, pouco a pouco:

- transforma a grande fábrica – onde a solidariedade fermentava – numa empresa quase deserta, ou – no limite – em simples gerenciadora de uma vasta rede, que envolve tanto a economia formal como a informal;

- por isso mesmo, quebra em pedaços o coletivo operário não só em termos físicos como psicológicos;

- usa a automação não para criar tempo livre, mas para libertar-se, de forma crescente, da necessidade de mão de obra;

- transforma parte dos trabalhadores que restam em autônomos, cooperados e estagiários, alguns reais e outros falsos, mas todos protegidos, e cujos interesses não convergem – mas concorrem – com os dos empregados formais;

- troca os que permanecem empregados por outros – especialmente jovens e mulheres – sem a mesma tradição de luta, e através de contratos precário;

- transforma o emprego imóvel em móvel, permitindo-lhe sediar-se onde os sindicatos são mais frágeis;

- aumenta, por isso mesmo, o poder de barganha da empresa, que assim pode ameaçar deslocar-se para outras paragens, numa espécie de lockout disfarçado;

- põe em crise, também por isso, a negociação coletiva, invertendo as posições dos atores (o sindicato profissional se defende, o econômico ataca) e, na pratica, inviabilizando novas conquistas dos trabalhadores;

- oferece ao sindicato, como espaço residual de manobra, a possibilidade de negociar com os governos e as grandes corporações o próprio processo de precarização, jogando com a perspectiva teórica de reduzi-la, mas ajudando na prática a legitimá-la;

- por tudo isso, desgata – e vira pelo avesso – a imagem e os próprios conceitos de sindicato e de convenção coletiva;

- semeia a instabilidade e – com ela – o medo;

- semeia o individualismo e – com ele – a cooptação;

- transforma a empresa em centro (re)produtor de ideologia, reforçanda pela cooptação e pelo medo;

- acentua o poder diretivo, senão de direito, pelo menos de fato, fazendo do empregador não o detentor do contrato, mas o primeiro juiz do empregado, quando este não se coloca nos eu devido lugar.”[182]

Em síntese, esse momento representou grandes transformações no mundo do trabalho com o surgimento de novas técnicas de gestão de trabalho, aumento da robotização nas indústrias com conseqüente diminuição do trabalho vivo, flexibilização das jornadas de trabalho, dualização do mercado de trabalho, aumento de desemprego, etc. Isto levou os trabalhadores e suas organizações sindicais a novos limites e desafios.

Por fim Wagner D. Giglio conclui que:

“Na verdade a crise resulta da falta de adaptação do comportamento humano diante de novas situações. O fator tempo condiciona a reação às transformações. O homem padroniza sua reação a fenômenos conhecidos, e as transformações desatualizam os padrões anteriores, impondo uma readaptação de seu comportamento, ou seja, a um reajuste dos padrões sedimentados. E esse reajuste toma algum tempo, maior ou menor, para ser feito. Quando a alteração da situação é profunda, ou complexa, ou ainda profunda e complexa, pode ocorrer – de fato ocorre – de ser tão longo o tempo de reação para o estabelecimento de novos padrões, a ponto de possibilitar outra transformação do fenômeno que originou a reação. Nessas circunstâncias, a inadaptação assume caráter permanente, gerando a perplexidade, a incompreensão e o desequilíbrio conhecidos sob a denominação genérica e abrangente de crise”[183].

O nobre doutrinador, numa tentativa de querer acalmar à todos, buscou explicar a “crise” com palavras animadoras de que o momento era novo e como tal precisaria de tempo para uma adaptação e parece ter de alguma forma conseguido surtir algum efeito, pois os sindicatos sobreviveram e se proliferam mais do que em qualquer outro momento da história.


4. 2 - O momento atual dos sindicatos no Brasil

No atual momento, as noticiais mudaram a natureza das criticas. Globalização, tecnologia e a economia já não são mais lembradas nos noticiários; os fenômenos mundiais já não são parâmetros para analisar os fatos locais; os sindicatos superaram a ameaça de “morte”, e ressuscitaram para a proliferação “exagerada”, “sem controle”, “meio de vida”, “forma para se chegar e ocupar cargo político”, enfim “para virar um negocio lucrativo.”[184]

O jornal O Estado de São Paulo, na edição do dia 31 de maio de 2010, estampou a manchete “Sindicatos brigam por dinheiro, filiados e territórios”, cujo conteúdo é o seguinte:

“A união das centrais sindicais em atos públicos e festivos, como nas comemorações do 1º de maio e na conferência nacional que acontece amanhã, esconde uma guerra dos sindicatos por reserva de território, filiados e, principalmente por dinheiro. O objetivo é atropelar os adversários, crescer e garantir o imposto sindical, que gira em torno de R$ 2 bilhões por ano no País. Vale tudo nesse ringue: ameaça de agressão, acusações de ligação com os patrões, boletins de ocorrência na polícia, pressão sobre os trabalhadores, ações na Justiça e denúncias ao Ministério Público.”[185]

Uma semana antes o mesmo jornal trouxe a manchete “Sindicato vira negocio lucrativo e País registra uma nova entidade por dia”. O esboço da notícia revela que 9.045 sindicatos não tem suas contas fiscalizadas, “que greves e defesa das classes não seriam os principais objetivos”, que “abrir uma entidade sindical transformou-se em negocio lucrativo no País” e apurou a existência de “sindicatos de fachada, dissidentes por causa de rachas internos e entidades atuando como empresa de terceirização”[186].

A mencionada reportagem revela que os dirigentes sindicais admitem que o imposto está por trás da proliferação sindical e que o Ministério do Trabalho registra uma nova entidade sindical por dia “o que revela uma industria debaixo da chamada liberdade sindical”[187].

A reportagem também ouviu André Luis Grandizoli, secretário adjunto de relação do Trabalho do Ministério do Trabalho, que deixou claro que “o governo evita qualquer ação que possa parecer interferência na atividade sindical”[188].

Também ouviu o ex-secretário de Relações do Trabalho, Luiz Antonio de Medeiros que informou que “a checagem da documentação do futuro sindicato é apenas formal. Nenhum fiscal verifica, por exemplo, se o endereço informado existe. As investigações sobre irregularidade com o dinheiro do imposto sindical são feitas pelo Ministério Público e pela Policia Federal”[189].

A manchete denuncia que “metade dos sindicatos em operação no País tem como função apenas o recebimento de tributos. Dirigir uma entidade passou a ser meio de vida de algumas pessoas, como no caso de Djalma Domingos Santos”[190].

E explica que “ele dirige um sindicato que faz intermediação de mão de obra para empresas do agronegócio e também preside sindicatos de trabalhadores da movimentação de mercadorias em pelo menos cinco cidades”[191].

No contexto atual, os estudiosos mudaram os focos das suas análises, não pregam mais o “fim dos sindicatos”, porém continuam perseguindo a instituição, esqueceram da “crise”; os discursos deixaram de lado a globalização, a economia e a tecnologia. Hoje o problema voltou a ser a chamada “herança de Vargas – a unicidade, o imposto, o poder normativo, a organização por categoria. Acabando-se com isso, tudo seriam flores”[192]. Assim parece que a pregação do fim do sindicalismo foi substituído pelo “declínio do sindicalismo”[193].

Essa visão é contestada por Márcio Túlio Viana que assim se posiciona: “esse modo de pensar tem até hoje a simpatia dos meios mais conservadores, inclusive a mídia. E não é por acaso. Ao reduzir a crise a um fenômeno local e circunstancial, afasta as atenções de sua dimensão também global e estrutural”[194].

E aponta “a principal razão da fragilidade do movimento sindical não é a herança Vargas, mas a nova forma de acumulação capitalista. É a estrutural, bem mais que a circunstancial”[195].

A análise do nobre estudioso, é oportuna, pois há um aumento considerável da oferta de trabalho, e o mercado tem buscado um profissional melhor qualificado o que faz os associados cobrar dos sindicatos compromissos com a sua formação profissional, cuja experiência os sindicatos não tem, por outro lado tem ocorrido o surgimento de novas formas de contratação, novos meios de solucionar conflitos coletivos e celebrar convenções. Assim os sindicatos são obrigados a encontrar novas formas de se relacionarem entre se, com os seus associados, com a sociedade e com o governo.

Sobre o autor
Hiramar Marcos Pereira

Especialista em Direito do Trabalho pela Universidade Católica de São Paulo, em Cooperativismo (incompleto) pela UNISINOS - São Leopoldo - RS e em Matemática Aplicada pela Universidade Braz Cubas - Mogi das Cruzes - SP. Advogado inscrito na Ordem dos advogados do Brasil - Secção de São Paulo. Presidente da Comissão de Direito Trabalhista OAB-SP - 152ª Subsecção de Itaquaquecetuba. Professor Efetivo do Estado de São Paulo.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PEREIRA, Hiramar Marcos. Desmembramento do sindicato: crise, crítica ou adaptação ao sistema . Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 3071, 28 nov. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/20523. Acesso em: 20 nov. 2024.

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