Resumo: O presente artigo tem como objeto a análise dos direitos fundamentais no ordenamento jurídico brasileiro, dando ênfase ao acesso à justiça. Observa a evolução, a noção e realidade de existência desses direitos na Constituição Federal. Todavia, mais do que justificar seu reconhecimento, a problemática enfrentada é da efetivação dessas normas, numa sociedade pós-moderna e complexa, uma vez que, apesar da previsão legal de aplicação imediata, tal não ocorre na prática. Conclui-se que é dever do Estado e de toda a sociedade buscar soluções e caminhos para a efetivação dos direitos fundamentais, concretizando a proteção da pessoa.
Palavras-chave: Acesso à Justiça. Dignidade. Direitos fundamentais. Efetividade. Pós-modernidade.
1 Introdução
A evolução da sociedade, calcada na modernidade, está marcada por conquistas que aumentaram as diferenças sociais. O direito, por sua vez, transcendeu, precisando se adequar à nova realidade social, que busca a justiça e a efetivação dos direitos definidos na norma legal. Não existe mais a autotutela, desde o momento em que os cidadãos transferiram ao Estado o poder de normatizar e julgar, e, com isso, a própria essência de suas vidas.
Não se pode afirmar a existência de um marco divisor entre a pré-modernidade e a modernidade, considerando os diversos ângulos e projeções que daí emergem. Todavia, destaca-se como característica do período pré-moderno a dominação tirânica das estruturas governamentais que se utilizavam arbitrariamente do poder político. Na modernidade [01] o poder exauriu-se, ficando limitado às dimensões por ele imposto. Diante de todos os avanços tecnológicos, guerras mundiais e a evidente alteração das relações sócio-familiares, seguida de severas reflexões e quebras de paradigmas, a humanidade perdeu sua estabilidade, que estava baseada na ordem econômica, culminando na busca por direitos no século XX, que repercutem até hoje na sociedade.
No plano político o Estado evoluiu para o modelo Democrático de Direito, [02] constituído de conteúdo próprio que consagra não apenas conceitos abstratos, mas conquistas democráticas, com preocupação no aspecto social e na necessidade de efetivação das garantias jurídico-legais. Com este viés passou a objetivar a concretização da igualdade, com o fito de reduzir as diferenças sociais, importando em uma verdadeira reestruturação social. [03]
A Constituição, neste prisma, apresenta-se como pedra principal do ordenamento jurídico, pois é em torno dela que toda norma, para ter validade, deve se reger. A própria palavra Constituição significa "o modo de ser específico de uma determinada coisa, os elementos que a individualizam, ou ainda, o ato de sua criação." Assim, desempenha papel de organização do poder do Estado, bem como positiva os direitos fundamentais por meio de normas de aplicação plena e imediata. [04]
Nessa linha, um dos pilares da teoria dos direitos fundamentais é a distinção entre regras e princípios. Enquanto estes se consagram como normas que determinam a realização, observando a possibilidade jurídica existente, as regras podem ou não ser válidas. Enquanto o conteúdo destas é restrito, [05] os princípios possuem natureza aberta, o que demonstra sua amplitude, que se configurará no mundo fático, não havendo que se falar em realização sempre total do que a norma exige, ao contrário, diversas vezes a realização é apenas parcial, diante da dicotomia entre o que é garantido prima facie e o que é imposto de modo definitivo. Para Alexy, pela "teoria da otimização", os princípios podem ser cumpridos em diversos graus, não dependendo apenas dos fatos concretos, mas também das possibilidades jurídicas. Já as regras somente podem ser cumpridas ou descumpridas. [06]
Desse modo, o direito, por ser uma ciência social, passou por diversas transformações de acordo com a própria evolução do homem, revelando a existência de quatro [07] diferentes gerações [08] de direitos fundamentais. Na primeira geração estão os chamados "direitos negativos", que se consubstanciam nos direitos de liberdade; a segunda geração é composta pelos direitos econômicos, sociais e culturais, que surgiram a partir do fenômeno da industrialização e dos problemas que se associaram; já os direitos de fraternidade e solidariedade, cerne da terceira geração, não se vinculam ao indivíduo, mas visam a proteção dos grupos [09]. Por sua vez, os direitos fundamentais de quarta geração estão voltados à universalidade, pois tratam do direito à democracia, à informação e ao pluralismo [10].
Ressalta-se que "as diversas dimensões que marcam a evolução do processo de reconhecimento e afirmação dos direitos fundamentais revelam que estes constituem categoria materialmente aberta e mutável" [11] o que demonstra que as diversas gerações de direitos não são restritas, mas, como o próprio direito, estão em permanente renovação.
Assim, cabe ao Estado a limitação jurídico negativa pela não intervenção na esfera da liberdade pessoal dos cidadãos, como também, a implementação das condições necessárias ao exercício das garantias fundamentais, por meio de um posicionamento positivo, para efetivação desses direitos.
2 A realidade de existência dos direitos fundamentais
A origem histórica [12] dos direitos fundamentais pode ser observada no momento em que se consolida uma ordem de idéias que frisam a autonomia do indivíduo em face do Estado, visando o rompimento com a racionalidade, marca do Estado absolutista. Estava justificada, assim, a existência de direitos subjetivos que podiam ser confrontados com o poder do Estado, que, mesmo figurando em patamar superior, deveria estar sujeito a determinados limites. Dessa forma, na relação indivíduos-Estado sempre haveria a característica da superioridade estatal, enquanto a relação entre os indivíduos estaria marcada pela igualdade. [13]
O processo de reconhecimento dos direitos fundamentais ocorreu paulatinamente, com a identificação e recepção de direitos, liberdades e deveres individuais, tratados pela doutrina como antecedentes dos direitos fundamentais. [14] Desde o seu reconhecimento pelas primeiras Constituições [15], "os direitos fundamentais passaram por diversas transformações, tanto no que diz com o seu conteúdo, quanto no que concerne à sua titularidade, eficácia e efetivação." [16]
No Brasil, após mais de vinte anos de ditadura militar surgiu a Constituição Federal de 1988, fruto de muito estudo e discussão, com a vinculação dos direitos fundamentais na ordem constitucional. Inseridos em lugar de destaque, logo após o preâmbulo e os princípios fundamentais, a própria expressão "direitos e garantias individuais" foi uma inovação, o que, evidentemente, reforça seu status jurídico diferenciado. A amplitude do catálogo de direitos fundamentais, de igual forma, é outra característica preponderante, abarcando direitos fundamentais de diversas gerações. [17]
Portanto, a Constituição Federal de 1988 concedeu aos direitos individuais caráter único, demonstrando o intuito do constituinte em ressaltar sua especialidade, por fazer parte da identidade e continuidade da Lei Maior. Assim, considerou ilegítima qualquer reforma que tenha por objeto suprimi-los, [18] pois são, concomitantemente, direitos subjetivos e elementos de fundamental importância à ordem constitucional objetiva.
2.1 A terminologia e a noção dos direitos fundamentais
Observa-se na doutrina uma gama de locuções que são utilizadas com o objetivo de designar os direitos fundamentais, em especial "direitos humanos", "direitos do homem", "direitos subjetivos públicos", "liberdades públicas", "direitos individuais", "liberdades fundamentais", dentre outras. Denota-se que inexiste um consenso conceitual e terminológico a respeito do tema.
Porém, é de suma importância frisar a distinção dicotômica entre dois termos comumente utilizados: direitos fundamentais e direitos humanos. Embora os primeiros sejam sempre direitos humanos, já que o titular será sempre o ser humano, ainda que a representação se dê por entes coletivos, o termo direitos fundamentais se aplica aos direitos do ser humano reconhecidos e positivados na esfera constitucional do Estado, ao tempo em que a expressão direitos humanos está ligada ao direito supranacional, pois reconhece o ser humano como detentor de direitos independente de sua vinculação com a ordem constitucional. [19] Logo, os direitos humanos [20] são aqueles comuns a todos, sem distinção decorrente de origem geográfica, etnia, nacionalidade, sexo ou qualquer outra forma de distinção. São aqueles direitos que decorrem do reconhecimento da dignidade interior de cada ser humano. Também, não há que se confundirem os direitos fundamentais com a expressão "direitos do homem", no sentido de direitos naturais, que são aqueles (ainda) não positivados.
De igual forma, com base em estudo que remonta a Rui Barbosa, a doutrina traça distinções entre direitos e garantias fundamentais. Enquanto as disposições meramente declaratórias, que são as que imprimem existência legal aos direitos reconhecidos são os direitos fundamentais, as disposições assecuratórias são aquelas que, em defesa dos direitos, limitam o poder. Na prática, observa-se que, não raras vezes, as garantias são também direitos. Portanto, as garantias são o caminho, e traduzem-se no direito do indivíduo exigir a prestação Estatal na proteção de seus direitos ou o reconhecimento dos meios processuais adequados para atingir tal finalidade. [21]
Desse modo, "os direitos fundamentais constituem construção definitivamente integrada ao patrimônio comum da humanidade bem como demonstra a trajetória que levou à sua gradativa consagração no direito internacional e constitucional." É por esta razão que inexistem Estados que não tenham aderido a algum dos pactos internacionais e que não tenham inserido direitos fundamentais em suas Constituições, o que indica a mutabilidade histórica dos mesmos, mesmo que ainda não se tenha solução, hoje, para resolução de todos os problemas e desafios suscitados pela matéria. [22]
Para Alexy, os direitos fundamentais são determinados direitos fundamentais positivamente válidos. [23] No mesmo sentido, Luño complementa que constituem o conjunto de faculdades ou instituições que, num determinado momento histórico, representam as exigências de dignidade, liberdade e igualdade, que são reconhecidas e positivadas nos ordenamentos jurídicos, tanto nacionais como internacionais. [24]
A tarefa de conceituar os direitos fundamentais positivados na Carta Magna não é fácil. Todavia, é pacífico que eles demonstram a ideologia política de um ordenamento jurídico e, ao mesmo tempo constituem-se, no nível do direito positivo, como "aquelas prerrogativas e instituições que ele concretiza em garantia de uma convivência digna, livre e igual de todas as pessoas". [25] O termo "fundamentais" descreve que estes direitos são prerrogativas de todos os homens sujeitos a determinado ordenamento jurídico, sem distinção, e que devem não apenas ser reconhecidos pela norma, mas efetivados materialmente.
Portanto, os direitos fundamentais "são situações jurídicas, objetivas e subjetivas, definidas pelo direito positivo, em prol da dignidade, igualdade e liberdade da pessoa humana." Tratam-se, assim, de direitos constitucionais, não podendo ser dissociados da soberania popular. Por sua própria natureza, os direitos fundamentais são históricos, inalienáveis, imprescritíveis e irrenunciáveis. Como todos os direitos, nascem e modificam-se, de acordo com a realidade social. Por não conterem conteúdo patrimonial, já que estão ligados ao indivíduo, são conferidos a todos os homens, não podendo ser objeto de negociação ou transferência. Face sua natureza, nunca deixam de ser exigíveis, configurando o caráter de imprescritibilidade. Podem ou não ser exercidos, mas nunca renunciados. [26]
2.2 Os direitos fundamentais na Constituição Federal de 1988
O Estado Democrático de Direito não é construído apenas formalmente, ou seja, somente por leis, mas também por valores que garantam a efetivação dos direitos previstos. Com a positivação de princípios e direitos fundamentais, que transpiram os valores almejados histórica e socialmente, surgiu a Constituição Federal de 1988, que provocou verdadeira revolução, pois pela primeira vez na história o tema foi tratado com a relevância que merece e o indivíduo passou a ser o centro do ordenamento jurídico. Conforme Sarlet existem três características que são habitualmente atribuídas à Constituição Federal de 1988 como extensivas aos direitos fundamentais, quais sejam, o caráter analítico, o pluralismo e o forte cunho programático e dirigente [27].
A Constituição Federal trouxe em seu bojo, no título II, uma extensa relação de Direitos e Garantias Fundamentais a serem assegurados pelo Estado, seguindo a tendência das Constituições latino-americanas em conceber tratamento especial ou diferenciado no plano do direito interno aos direitos e garantias consagrados internacionalmente. [28]
Observa-se uma divisão sistemática dos direitos fundamentais positivados na Constituição Federal em seis grupos: direitos individuais (art.5°), direitos à nacionalidade (art. 12), direitos políticos (arts. 14 a 17), direitos sociais (arts. 6° e 193 e seguintes), direitos coletivos (art. 5°) e direitos solidários (arts. 3° e 225). Trata-se, ao mesmo tempo, de categorias plenamente harmônicas entre si e influentes reciprocamente. [29]
A Constituição optou por definir um grupo de direitos fundamentais, de princípios estruturantes do Estado, do direito e da comunidade. São essas normas jurídicas que norteiam os variados sentidos e dimensões de sua extensão, que definem formas básicas de legitimação, fundamentação, racionalização e exercício do poder, que explicitam as opções políticas fundamentais e as opções jurídicas e estatais, bem como seus valores mais elevados. Assim, ao passo que preveem o próprio conteúdo e valoração, refletem nas opções políticas, legislativas, administrativas e judiciais, ou seja, são o substrato a partir do qual se formam e organizam diversas regras do sistema jurídico e orientam decisões políticas.
Sarlet, ao discorrer acerca da fundamentalidade formal e material dos direitos fundamentais insculpidos na Carta Magna assinala que tal resulta de diversos aspectos, quais sejam: por situarem-se no ápice de todo o ordenamento jurídico possuem natureza supralegal; como normas constitucionais, estão submetidos aos limites formais (procedimento agravado) e materiais (são cláusulas pétreas); e são, ainda, normas aplicáveis diretamente e que vinculam de forma imediata as entidades públicas e privadas. Logo, a conceituação de que são fundamentais os direitos reconhecidos pela Constituição é meramente formal, inclusive no sistema jurídico brasileiro, possuindo caráter genérico e universal, de modo que as adaptações devem ocorrer à luz do direito constitucional positivo. [30]
Nesse viés, percebe-se que os direitos fundamentais podem ser vistos como direito originário e como prestação. O primeiro aspecto consubstancia-se na garantia constitucional dos direitos e o reconhecimento do dever do Estado na criação de pressupostos materiais necessários ao exercício efetivo destes direitos. De outro lado está a faculdade do cidadão exigir, de forma imediata, a implementação destes direitos, [31] uma vez que o interesse maior é, indubitavelmente, a proteção do homem. [32] Eles perdem a própria razão de ser se não forem aplicados na prática.
Contudo, assevera Bobbio que entre os diversos direitos do homem há alguns que possuem valor em qualquer situação e para todas as pessoas, sem distinção, e estão colocados acima de outros direitos. Entretanto complementa que "são bem poucos os direitos considerados fundamentais que não entram em concorrência com outros direitos também considerados fundamentais" e que, como decorrência disso "não imponham, em certas situações em relação a determinadas categorias de sujeitos, uma opção". [33] Denota-se, assim, que os direitos fundamentais também estão sujeitos a restrições, não possuindo valor absoluto.
3 A problemática da efetivação dos Direitos Fundamentais
Com o advento da Constituição Federal de 1988, que colocou o cidadão como cerne do ordenamento jurídico, se passou a supervalorizar o princípio fundamental a dignidade da pessoa humana, insculpido no artigo 1°, inciso III, da Carta Magna. Embora seja evidente a dificuldade em conceituar a dignidade da pessoa humana no âmbito constitucional, é incontestável que esse princípio figura como norma supralegal. Essa dificuldade hermenêutica ocorre, pois, diversamente das demais normas constitucionais, não trata de aspectos específicos, mas sim de qualidade inerente a todo e qualquer ser humano. Não é por outra razão que a dignidade da pessoa humana passou a ser habitualmente definida como constituinte do valor próprio que identifica o ser humano como tal, sendo inegável, portanto, que a dignidade é algo real.
Para Sarlet, "a dignidade como qualidade intrínseca da pessoa humana é irrenunciável e inalienável, constituindo elemento que qualifica o ser humano como tal e dele não pode ser destacado" [34] e, por estar situada no centro do ordenamento jurídico apresenta-se como "um novo sistema solar", no qual o sol é a pessoa. [35] Essa dignidade deve ser reconhecida, respeitada, promovida e protegida, não podendo ser retirada, eis que inerente ao ser humano.
Acerca da hierarquia da Constituição, Piovesan leciona que "[...] as modernas Constituições impõem-se verdadeiramente como ordens moralmente imperativas, consubstanciam elas o referencial primeiro de justiça a ser buscado por uma dada sociedade." [36] Logo, ao lado do princípio da dignidade da pessoa humana estão a soberania, a cidadania, os valores sociais do trabalho, da livre iniciativa e o pluralismo, visto que se constituem em pilares do Estado Democrático de Direito, demonstrando o respeito que esse modelo estatal confere à pessoa.
Entretanto, observa-se a dificuldade de efetivação e aplicação dos direitos fundamentais positivados na Carta Magna. A Constituição Federal brasileira, em seu artigo 5°, §1°, determina que as normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais possuem aplicação imediata, ou seja, pela análise do dispositivo legal se poderia concluir que é desnecessário aguardar sequer a regulamentação de tais direitos. [37] Todavia, no mundo fático isso não ocorre e, diante da não auto-aplicabilidade da norma constitucional as questões acerca dos direitos fundamentais, em especial, a ausência de planejamento e implementação de políticas públicas pelo Executivo, são encaminhadas ao Judiciário, onde, sabidamente, encontram-se mais problemas na efetividade, no aspecto processual.
Considerando a importância da Constituição para o Estado, se verifica a necessidade de superar os limites ultrapassados das doutrinas de direito constitucional "tendentes a restringir a atuação das chamadas normas progamáticas, não auto aplicáveis." Tal ocorre por que, conforme é sabido, a regra constitucional possui aplicação imediata, assim como o são seus efeitos, sobre o ordenamento infraconstitucional. Sob esta ótica, Tepedino ressalta que "a constituição é toda ela norma jurídica, seja qual for a classificação que se pretenda adotar, hierarquicamente superior a todas as demais leis da República, e, portanto, deve condicionar, permear vincular diretamente todas as relações jurídicas, públicas e privadas." [38] Sob este prisma, observa-se que a aplicação das normas infraconstitucionais devem, sempre, se guiar pela luz constitucional, não apenas para estarem em compasso com esta, mas para refletirem o que, de fato, o constituinte objetivou. [39]
Ainda, destaca-se como problema na efetivação dos direitos fundamentais, a realidade social marcada pela complexidade, decorrente dos avanços tecnológicos e do grande número de normas, que proporciona uma verdadeira crise de paradigmas, fruto da pós- modernidade. [40] Essa sociedade pós-moderna vive em permanente mudança, mediante a rápida disseminação do conhecimento, a fluidez nas relações e a alteração das noções de tempo e espaço. [41] Desse modo, os elementos da cultura pós-moderna do direito são caracterizados pelo pluralismo de fontes, pela comunicação, pelo caráter de narração das normas (com retorno aos sentimentos e valorização dos princípios), bem como pela proteção dos direitos do homem. [42]
Essas constantes transformações que vem ocorrendo, dificultam a aplicação da norma jurídica, em especial dos direitos fundamentais. Assevera Corralo que "novos paradigmas aparecem, colocando antigos paradigmas em cheque, tão rapidamente, que se torna problemática a sua compreensão: o homem cada vez mais terá dificuldades em conhecer as mudanças no seu entorno" [43] ou seja, urge a necessidade de interpretação da lei e sua efetivação no caso-a-caso.
Ainda, com relação à não efetivação dos direitos fundamentais critica-se a conduta inerte do Estado, que somente poderá se manifestar quando provocado. Ocorre, entretanto, que muitos dos direitos constitucionalmente previstos, a exemplo do direito ao trabalho, à educação à previdência social necessitam de medidas voltadas para o após, e não apenas para a realidade atual. É preciso projeção e investimentos, sob pena de se tornar tais normas sem aplicação efetiva.
Morais, em análise acerca da concretização dos direitos elencados na Constituição observa que a possibilidade de "utilização dos instrumentos procedimentais para fazer valer os seus conteúdos, apropriando-nos do que o próprio texto constitucional coloca à disposição do cidadão", referindo–se à possibilidade de utilização, em situações individuais, do habeas corpus, habeas data e o mandado de segurança, em casos envolvendo interesses difusos a ação popular, ação civil pública, além do mandado de injunção e ação direta de inconstitucionalidade. [44]
Logo, não há como se falar em direito à vida enquanto não resguardado o direito à saúde, ao lazer, e à dignidade. De igual forma, a norma que prevê a proteção à imagem e da honra resta abalada enquanto não criada norma específica para indenização do dano, em especial moral. Denota-se, assim, que embora a idealização do texto constitucional e toda a euforia criada, no campo prático existe uma série de entraves que impossibilitam a efetivação dos direitos fundamentais. Urge a necessidade de adoção de medidas eficazes, que perpassem o âmbito legislacional e constatem que os direitos fundamentais não podem ser considerados de forma independente, diante da íntima conexão existente entre eles.
O dever de proteção do Estado, razão de ser dos direitos fundamentais divide-se, da análise da Corte Constitucional Alemã em:
a)Dever de proibição (Verbotspflicht), consistente no dever de se proibir uma determinada conduta; b)Dever de segurança (Sicherheitspflicht), que impõe ao Estado o dever de proteger o indivíduo contra ataques de terceiros mediante adoção de medidas diversas; c)Dever de evitar riscos (Risikopflicht), que autoriza o Estado a atuar com o objetivo de evitar riscos para o cidadão em geral, mediante a adoção de medidas de proteção ou de prevenção, especialmente em relação ao desenvolvimento técnico ou tecnológico. [45]
Seguindo a necessidade de um posicionamento ativo do Estado, atenta-se para a necessidade de garantir o acesso à justiça, pois o Judiciário as pessoas recorrem para buscar a efetivação dos direitos negados ou desrespeitados, isto é, a aplicação da norma legal. [46] Salienta-se que só existe democracia através da participação efetiva dos indivíduos soberanos e quando assegurado o acesso à justiça sem qualquer entrave. Nessa linha, Bobbio, refere que
[...] sem direitos do homem reconhecidos e protegidos, não há democracia; sem democracia, não existem as condições mínimas para a solução pacífica dos conflitos. Em outras palavras, a democracia é a sociedade dos cidadãos, e os súditos se tornam cidadãos quando lhes são reconhecidos alguns direitos fundamentais; haverá paz estável, uma paz que não tenha a guerra como alternativa, somente quando existirem cidadãos não mais apenas deste ou daquele Estado, mas do mundo. [47]
Se poderia pensar, então, que a própria democracia brasileira está ameaçada, na medida em que se verifica com clareza o descontentamento com a atual situação. É fato incontroverso que a justiça brasileira é reconhecida por sua morosidade, face à deficiência judiciária, o que acaba por limitar o acesso à prestação Estatal. [48] Considerando a realidade do Poder Judiciário, não se está privando apenas o acesso à justiça, mas, somado a isto, há evidente restrição ao contraditório, ampla defesa, devido processo legal e ao direito à razoável duração do processo, todos direitos fundamentais que alicerçam o respeito a pessoa humana e servem de base aos ideais democráticos.
Para Dinamarco a abertura plena da justiça a todos deriva de óbices de natureza econômica, social e jurídica, especialmente às camadas mais pobres e às causas de valores menores, e "a deseducação da população brasileira e o baixo nível de eficiência da sua justiça, com reflexo na legitimidade social prejudicada e abalada, contribuem para uma postura de descrença, que aliena as pessoas e as conduz à renúncia a direitos, sem luta por sua efetividade." [49]
Ressalta-se que a deficiência estrutural do Estado reflete em todos os âmbitos, e, indiscutivelmente tem sido percebida através do Judiciário, por ser o âmago da sociedade. Em infindáveis casos a ausência de servidores da justiça tem restringido o acesso dos necessitados, incutindo verdadeiro sentimento de impotência e a certeza de que o Estado não é suficiente à resolução dos conflitos.
Dentre as dificuldades que possibilitem acesso à ordem jurídica justa, inquestionavelmente, está o alto custo do processo, intimamente ligado a fatores de ordem social e cultural, que desestimulam os cidadãos a buscarem o amparo do Judiciário. [50] Muito já se avançou neste sentido, como a concessão do beneplácito da assistência judiciária gratuita e a instituição de Defensorias Públicas. Entretanto, verifica-se que tais medidas são insuficientes para atender a demanda atual. Alia-se, ainda, a duração do processo pois mesmo que a norma elenque como direito fundamental a prestação jurisdicional em tempo razoável, é corriqueira a duração excessiva da tramitação do processo, o que acaba por mitigar sua efetividade, prejudicando especialmente àqueles sem condições financeiras. É indiscutível, assim, que o cidadão, amparado pela Constituição Federal possui direito a uma justiça que lhe garanta uma resposta dentro de um prazo razoável, sob pena de se conferir aos indivíduos a descrença no Poder Judiciário.
O Estado Democrático de Direito está alicerçado nos princípios da justiça social e do pluralismo, o que somente ocorre através de democracia participativa. [51] Portanto, a falta de efetividade das normas constitucionais, nas palavras de Sarmento
[...] contribui decisivamente para comprometer a credibilidade da Constituição, e impedir a difusão de um genuíno "sentimento constitucional" entre o povo. De fato, quando os textos constitucionais acenam no sentido de mudanças profundas e contemplam promessas generosas, mas seus comandos não logram nenhuma eficácia social, cria-se um profundo abismo entre o mundo do "dever ser" e a realidade, que corrói a crença na Constituição como norma. Ela passa a ser vista pelos seus destinatários como um repositório de utopias e de proclamações políticas, de pouca valia prática. [52]
Desse modo, constata-se que os direitos fundamentais positivados na Constituição Federal possuem força normativa e aplicação imediata, cujos pressupostos são o "conteúdo" e a "práxis." Quanto ao primeiro, quanto mais conseguir corresponder à natureza singular do presente, muito mais seguro há de ser o desenvolvimento da forma normativa. Pela práxis, exige-se partilhar, por todos os partícipes da vida constitucional, da vontade da constituição. [53]
Portanto, dizer que a Constituição Brasileira é democrática importa reconhecer que "seu conteúdo está voltado/dirigido para o resgate das promessas da modernidade." Por essa razão, o direito, fruto da modernidade, deve ser observado "como um campo necessário de luta para implantação das promessas modernas (igualdade, justiça social, respeito aos direitos fundamentais, etc.)." [54]