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O não cumprimento do contrato de licença de uso de software perante o Direito brasileiro e o Direito português

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Agenda 07/01/2012 às 10:11

6. NÃO CUMPRIMENTO DO CONTRATO DE LICENÇA DE USO DE SOFTWARE.

6.1.Não Cumprimento da Obrigação de Não Fazer no Direito Brasileiro.

O contrato de licença de uso de software impõe obrigações negativas, que consistem na omissão do licenciado de não transferir, sublicenciar ou ceder a sua licença de uso de software para terceiros sob pena de inadimplemento obrigacional. A abstenção lícita é amparada pelo artigo 250 do Código Civil Brasileiro:

Art. 250. Extingue-se a obrigação de não fazer, desde que, sem culpa do devedor, se lhe torne impossível abster-se do ato, que se obrigou a não praticar. [56]

A obrigação de não fazer consiste no ônus assumido pelo devedor de se abster de algum ato que normalmente poderia praticar, se este não tivesse assumido esta obrigação, com o objetivo de atender o interesse jurídico do credor. Maria Helena Diniz explica que a obrigação de não fazer é uma obrigação negativa de resistência ou oposição que o devedor poderia exercer, se não tivesse obrigado. [57]

O incumprimento ou inadimplemento da obrigação de não fazer é verificado, quando ocorre uma desestruturação da "harmonia social", capaz de levar o credor a utilizar meios judiciais para obrigar o devedor a satisfazer o seu crédito. O não cumprimento do contrato de licença de uso de software acontece quando o licenciado pratica uma inexecução voluntária, violando assim o seu dever non facere, permitindo ao licenciante requerer judicialmente a reposição ao statu quo ante, indenização perdas e danos mais juros. [58] [59]

6.2. Não Cumprimento da Prestação de Facto Negativo no Direito Português.

Antunes Varela define a noção de cumprimento da obrigação [60] como "a realização voluntária da prestação debitória. É a actuação da relação obrigacional, no que toca ao dever de prestar". O meio para satisfação do interesse do credor, visto também como uma das causas de extinção do vínculo da obrigação. O mesmo autor nos recorda que na maioria dos casos o incumprimento refere-se à falta de ação realizada pelo devedor, entretanto, o incumprimento pode-se dar em virtude da prática de uma ação que o obrigado deveria se abster. Assim, este define o não cumprimento da obrigação [61]como "a situação objectiva de não realização da prestação debitória e de insatisfação do interesse do credor, independentemente da causa de onde a falta procede."

Menezes Leitão [62] enuncia a verificação do não cumprimento das obrigações, em sentido natural, quando a prestação devida não acontece ou quando a sua realização, não satisfaz o interesse do credor. Definindo ainda, "o não cumprimento como a não realização da prestação devida por causa imputável ao devedor, sem que se verifique qualquer causa de extinção da obrigação." [63]

Menezes Cordeiro [64], por sua vez, divide o incumprimento das obrigações, em dois tipos: Incumprimento stricto sensu, referente ao não cumprimento da prestação principal; Incumprimento em lato sensu, referente à falta de observação de quaisquer elementos pertencentes ao devedor ou ao credor, em especial os deveres acessórios da prestação principal. Conceitua o incumprimento como: "a não realização, pelo devedor, da prestação devida enquanto essa não realização corresponda à violação da norma que lhe era especificamente dirigida e lhe cominava o dever de prestar. Isto é: o incumprimento é a não realização da prestação devida, enquanto devida." [65]

Galvão Telles [66], por seu turno fala sobre incumprimento definitivo imputável ao devedor, sem decorrer de caso fortuito ou de força maior que o impeça de cumprir, nem por falta de cooperação do credor. "Se a inexecução definitiva é imputável ao devedor, este constitui-se em responsabilidade, tendo de satisfazer ao credor uma indemnização que o compense dos prejuízos sofridos."

Almeida Costa [67], sob essa égide, indicou "que ao lado do não cumprimento definitivo e da mora, existe a possibilidade de o crédito ser violado por um cumprimento defeituoso ou imperfeito," resultando assim, em dano decorrente da deficiência da prestação realizada.

A falta de cumprimento da obrigação funda-se em uma prestação positiva quando falta a ação requerida pelo devedor. E funda-se em uma prestação negativa, quando baseia-se na prática do ato que o obrigado deveria não praticar.

A legislação portuguesa expõe sobre a Execução Específica [68] da Prestação de Facto Negativa nos artigos 829º e 829-A do Código Civil Português e nos termos previstos nos artigos 941º [69] e 942º [70]do Código de Processo Civil. Prescrevendo que, o devedor, que estiver obrigado a não praticar um ato, vier a pratica-ló, tem o credo o direito de exigir a demolição da obra, se esta tiver sido feita, no entanto se a demolição da obra que pode ser entendido como desinstalação do software, gerar um prejuízo superior ao credor, haverá lugar apenas a indenização. [71]

Constituem os pressupostos da obrigação de indenizar do devedor: a ilicitude, a culpa, o prejuízo sofrido pelo credor, o nexo de causalidade entre o fato e o prejuízo. [72]

O não cumprimento da prestação de fato negativa do contrato de licença permite ao tribunal, a pedido do credor, com base nos critérios da razoabilidade [73], condenar o devedor ao pagamento de uma quantia pecuniária, ao credor e ao Estado, com seus devidos juros, à taxa de 5% ao ano, por cada dia de atraso do cumprimento ou por cada infração cometida pelo devedor, conforme a conveniência do caso, sem prejuízo da indenização de que lhe é direito. [74], [75]

Neste sentido entendemos que o incumprimento do contrato de licença de uso de software acontece quando o licenciado viola as obrigações negativas, através de práticas ilícitas, gerando a responsabilidade obrigacional, podendo dar lugar à resolução do contrato ou a uma indenização pelos danos gerados. O não cumprimento da prestação de facto negativo, traduz-se na violação as obrigações de non facere, trazendo como consequência a responsabilidade obrigacional de indenizar o credor pelos danos causados.

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Sobre a responsabilidade obrigacional Galvão Telles [76] nos adverte sobre a "possibilidade" do devedor ficar constituído em responsabilidade perante o credor, se este deixar de realizar a prestação pontualmente. Essa possibilidade é subjetiva, pois a mesma pode ser uma suposição.

Visto que, não basta apenas o não cumprimento da obrigação é necessário vários outros requisitos como a culpa, os prejuízos e a causalidade. Mas no que diz respeito ao não cumprimento da obrigação Galvão Telles questiona: "E que dizer da inexecução da obrigação? Já vimos que sobre o demandante recaí o ónus de convencer o tribunal de que a obrigação se constitui (e era ele o credor). Mas quanto à inexecução em si? Cabe ao credor prová-la? Ou cabe ao devedor provar o facto contrário, ou seja, a execução?" Para ele nas obrigações negativas, presumi-se que o devedor cumpriu a sua obrigação, abstendo-se da prática do ato que estava impedido de realizar. Entretanto, cabe ao credor provar que o devedor não cumpriu a sua obrigação por meio da realização do ato que estava impedido de praticá-lo. [77]


7. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Grande parte dos usuários de software não analisam minuciosamente os contratos de licença de uso ao adquiri-los. Assinam ou marcam o "aceitar" no momento da sua instalação, dando assim o seu consentimento, sem lerem às cláusulas. O que acaba implicando em uma vinculação legal àquele contrato. Muitos por ansiedade para instalarem o software e assim usufruírem dos seus benefícios, outros por falta de conhecimentos técnicos jurídicos referentes os termos citados.

Essa falta de conhecimento não é primazia dos usuários comuns, "medianos", mas também atinge os empresariais e corporativos. No entanto a reprodução de um programa de computador sem o consentimento expresso do seu titular de direitos autorais que autoriza a sua utilização por meio do fornecimento de uma licença de uso configura o não cumprimento do contrato de licença de uso de software.

No caso concreto analisado …

1.Apesar de a Ré alegar que, para satisfazer o seu fim social, era necessária a distribuição do software entre suas sócias-quotistas, ela é uma empresa com personalidade jurídica, que tem patrimônio, nome, nacionalidade e domicílio próprio diferente das demais.

2.No momento da celebração do contrato não foi inserido o nome das demais empresas sócias e nem estipulada a autorização para instalação em outros computadores.

3.O valor pago pelo licenciado equivale somente a uma licença que permitiu a instalação apenas em dois computadores. A licença tem, como característica ser intransferíveis e de utilização única, podendo sim, ser transferida, quando permitir sua instalação em diversos outros computadores, o que, neste caso, não aconteceu, pois ela somente permitia a instalação em dois computadores. O contrato celebrado continha ainda a vedação de cessão, alienação ou distribuição do software. Caso o licenciado desejasse instalar o software em outros computadores deveria ter adquirido outras licenças, para distribuir às suas sócias-quotistas.

4.Entendemos ser sujeito credor da prestação apenas a Ré, que tem sua personalidade jurídica diferente do grupo das outras universidades que fazem parte da sua rede, pois cada universidade tem uma personalidade jurídica própria, não se confundindo com a personalidade da Ré. As outras universidades poderiam usufruir como sujeitos credores do contrato se tivessem inseridas no contrato. Como não ocorreu essa citação, não podemos falar em pluralidade de sujeitos credores. No entanto, se a associação de empresa tivesse sido configurada como um Joint Venture [78], uma figura contratual do Common Law que permite a utilização de meios e recursos comuns a suas sócias, para atingir seus lucros, e somente a partir da reunião das associadas, passa a possuir personalidade jurídica diversa das suas próprias personalidades, esta prática poderia ser revestida de licitude.

5.O valor indenizatório pedido pelo Autor tem com base o artigo 103, da Lei 9.610/98 que afirma quem editar obra literária, artística ou científica, sem autorização do titular, perderá para este os exemplares que se apreenderem e pagar-lhe-á o preço dos que tiver vendido. Não se conhecendo o número de exemplares que constituem a edição fraudulenta, pagará o transgressor o valor de três mil exemplares, além dos apreendidos. Sobre este valor indenizatório, o Ministério da Cultura do Brasil disponibilizou, para consulta pública, uma minuta do Anteprojeto [79] que revisa a Lei 9.610/98, que teve entre os artigos que serão revisados, uma alteração do seu artigo103, que acrescentou ao texto do seu parágrafo único, a palavra "até" após a preposição "de". Pretende com essa revisão estipular o valor de três mil exemplares como limite máximo de sanção e não mais como valor fixo estipulado. Como podemos observar no Acórdão, o Superior Tribunal de Justiça já está decidindo com base neste entendimento e impondo valores menores nas suas decisões.

6.O contrato de licença de uso software está inserido na doutrina portuguesa, no âmbito dos contratos de troca para uso de coisa incorpórea, como melhor define Ferreira de Almeida [80]

7.O contrato de licença de uso de software, cuja natureza é intelectual e imaterial, tem relação direta com os direitos do autor e direitos conexos, alargando os direitos do autor aos direitos morais, patrimoniais e de paternidade sobre a obra que criou.

8.Os direitos preservados do autor do programa de computador, nos contratos de licença de uso de software, no tocante do seu aspecto moral e à criação pessoal, equiparam-se aos direitos da personalidade, permitindo assim, ao autor impedir abusos de terceiros sobre os seus bens.

9.As violações aos direitos do autor, ou neste caso do licenciante, permite-lhe, requerer em juízo o desfazimento da prática ilícita, cumulada com indenização por danos morais e patrimoniais.


8. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Sobre a autora
Tatiana Freire dos Anjos Marques

Graduada em Direito pela Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (2004). Pós-Graduada em Direito Civil pela Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra(2006). Mestra em Direito Civil pela Faculdade de Direito Universidade de Coimbra (2007). Doutoranda em Direito Civil pela Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra (2010-2015). Tem experiência na área de Direito Civil, Direito Constitucional, Direito Digital. Conhecimentos em Direito Comunitário, investigadora do direito à privacidade perante os Serviços Baseados em Localização - LBS.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MARQUES, Tatiana Freire Anjos. O não cumprimento do contrato de licença de uso de software perante o Direito brasileiro e o Direito português. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3111, 7 jan. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/20808. Acesso em: 25 dez. 2024.

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